O CAN se notabilizou e
atingiu algum êxito comercial enquanto banda com o vocalista japonês Damo Suzuki e admito aos amigos
que leem essas linhas que trabalhos posteriores desta seminal banda
representante e pioneira do bom e velho krautrock são ótimos!
O que dizer de “Tago
Mago”, de 1971? E dos grandes álbuns “Ege Bamyasi” e “Future Days”,
respectivamente lançados nos anos 1972 e 1973? Pois é, a fase áurea precisa ser
enaltecida e reconhecida como a pedra fundamental da música experimental e
progressiva da Alemanha, mas não podemos negligenciar o seu início, não podemos
esquecer a fase inaugural dessa importante banda da cena krautrock, iminente
movimento contracultural da Alemanha e que sintetizou uma revolução sonora e
comportamental da juventude inquieta e descontente com o status quo daquele
país.
E o Damo foi importante nesse momento importante do Can ou The Can, como
era conhecido nos seus primórdios. Um japonês, que fez algum sucesso na
Alemanha e que cantava em inglês. E foi
nessa “babilônia” que ele, como um cometa, uma força da natureza, mexeu com
as estruturas da banda germânica que foi formada em 1968 na cidade de Colônia.
Damo Suzuki
Mas quero falar do debut do Can, quero falar da gênese dessa banda que
foi um símbolo de uma cena que foi o alicerce do rock n’ roll alemão, chamado “The
Monster Movie”, de 1969. E por que falar de um álbum menos conhecido, menos “badalado”
do Can?
Pela sua representatividade histórica, pela sua importância, até hoje,
para a música. Sempre quando o ouço ele me parece tão jovem, tão atemporal. Um
som minimalista, mas que revela a expressão mais genuína e primordial de uma
música que não envelhece e que dita “moda”, mesmo que os progenitores da moda
não saibam ou fazem que não sabem de nada, afinal, para quem acha a música do Radiohead
vanguardista, ouçam “Monster Movie” do Can e logo se aperceberão que estão
redondamente equivocados.
Falo do debut do The Can, que, como mencionado, usava o “The”
antes do Can, pois o considero, juntamente com o outro seminal disco da cena
chamado “Phallus Dei”, do Amon Duul II, lançado no mesmo ano, como um dos
pilares do krautrock.
“The Monster Movie”
configurou uma verdadeira revolução sonora que não se via na Alemanha pós-guerra
há muito tempo. Dos escombros das grandes guerras surgiu uma música anarquista,
crua, mudanças drásticas de paradigma passou a ser vista e ouvida nas ruas
alemãs contra um status quo calcado em comportamentos conservadores, com uma
cultura pop alienante com músicas que não retratavam os anseios de uma
juventude ávida por mudanças sociais, políticas e econômicas, que lutava por um
lugar ao sol.
Eram tempos difíceis. Mas por outro lado, “Monster Movie” não se
enquadrava em nenhum estilo, não dava a entender um segmento sonoro, eram
tempos embrionários, de transições, de novas percepções sonoras.
Os garotos do The Can estavam preocupados em personificar em sua música os seus instintos
subversivos e não se enganem que eles estavam preocupados em mostrar
virtuosidade, eram o oposto a tudo isso, mas ainda assim foram responsáveis por
edificar a cena psicodélica tipicamente alemã e consequentemente a cena
progressiva.
Isso que é revolução! E os responsáveis por essa manifestação
artística foram: Malcolm Mooney no vocal, Michael Karoli na guitarra, Irmin
Schmidt no órgão e teclados, Holger Czukay no baixo e Jaki Liebezeit na bateria.
“Monster Movie” é uma
verdadeira “salada” sonora, levando-se em consideração os estereótipos e os
rótulos tão necessários para muitos nos dias de hoje, mas que sequer tinha uma
nomenclatura naqueles remotos tempos. Mas já que os temos (estereótipos)
atualmente, vamos a tentar nomear este ótimo álbum: psicodélico, improvisações
experimentais, jazz fusion, progressivo de vanguarda, lisérgico, sombrio, em
alguns momentos, contemplativo em outros.
O trabalho emana subversão. Não
gosto de comparações, mas o The Can é o Pink Floyd da Alemanha, para situar aqueles
que se estão na zona de conforto e entendem que a banda britânica é a pioneira
do experimentalismo no rock no mundo. Ah, quanta ingenuidade...
Mas antes de dissecar
“Monster Movie”, falemos rapidamente de algumas curiosidades históricas do The Can
e que molda a sua música e as mensagens políticas e anárquicas da banda. O The Can,
como disse, foi formada em 1968, tendo como seus fundadores o tecladista Irmin
Schmidt que tinha base e formação clássica e mesclou essa parte erudita com a
lisergia e o minimalismo em voga na época.
Era tudo muito agressivo e ameaçador.
Fundaram também a banda o baterista inovador Jaki Liebezeit e o baixista Holger
Czukay. A banda, no início se chamava “Inner Space”, mudando para “The Can” e
finalmente “Can”, na sua fase mais conhecida. Segundo o baterista Liebezeit “CAN”
era a abreviação para “Comunismo”, “Anarquismo” e “Niilismo”.
Precisa dizer
mais alguma coisa para definir o som da banda e de seu trabalho de estréia, “Monster
Movie”? A obra abre com “Father Cannot Yell” que de
cara já mostra a loucura chapante e lisérgica do CAN com sonoridades
eletrônicas com uma pegada bem acid rock, bem hard que lembra Velvet
Underground com muita agressividade e uma sonoridade crua e um destaque para
cozinha coesa entre bateria e baixo que faz com que dancemos mesmo que
inconscientemente. Demais!
"Father Cannot Yell"
“Mary, Mary So Contrary”
começa com uma atmosfera meio space rock, com harmonias mais complexas, uma
música viajante, uma balada transcendental, linda, uma obra-prima. Uma melodia
cativante e contemplativa e que só não alçou voos por conta de questões
geográficas, claramente.
"Mary, Mary So Contrary"
“Outside my Door” tem um
pouco do pop sessentista, uma música simples, com uma batida simples e um vocal
meio raivoso, quase gritado que ouso dizer que me remete aos acordes de um punk
clássico, nova iorquino mesmo (Blasfemia?). E o que dizer dos acordes de
guitarra? Riffs sujos, perigosos, ameaçadores, pesado. Proto punk não seria
nenhum exagero.
"Outside my Door"
“Yoo Doo Right” fecha o
disco com status de faixa épica e que sintetiza o que o The Can faria ao longo de
sua brilhante trajetória na música. Psicodelismo, progressivo de vanguarda,
dança hipnótica, viagem chapante, tudo você percebe ou ouve nesta música, é a
síntese do movimento krautrock.
"Yoo Doo Right"
“Monster Movie” é um
clássico não só do krautrock, da psicodelia alemã, é uma ode ao subversivo, uma
tapa na cara do conservadorismo de uma sociedade que estava sendo vítima do
genocídio cultural alemão que parecia que estava matando mais do que as grandes
guerras mundiais.
É a síntese do underground, mas que personificou a revolução
musical da época e que até hoje dita regra, é referência, é atemporal. Tem o
tempo nas suas mãos. Para se ter a dimensão da importância desse álbum,
reza a lenda que Malcolm Mooney, logo após o lançamento de “Monster Movie”, saiu
da banda para buscar um pouco de sanidade. Loucura sonora!
O The Can
mostrou a capacidade de inovar, de trazer uma nova e arrojada linguagem no rock
aliando psicodelia que, em 1969, na época da feitura deste álbum, estava no
auge do movimento hippie, do proto progressivo, jazz fusion e viagens
experimentais aliadas a verdadeiras libertações criativas, fomentadas por
jovens inquietos que até hoje parecem que não envelheceram.
A banda:
Irmin Schmidt nos teclados e
órgão
Jaki Liebezeit na bateria
Holger Czukay no baixo
Michael Karoli na guitarra
Malcolm Mooney no vocal
Faixas:
1 - Father Cannot Yell
2 - Mary, Mary, So Contrary
3 - Outside My Door
4 - You Doo Right
The Can - "Monster Movie" (1969)
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