Aprendi e venho aprendendo,
ao longo das minhas experiências de audição de álbuns, e com este humilde blog,
que definitivamente o rock n’ roll não é o mainstream! Embora tal afirmação não
seja uma novidade, quase algo banal, parece ser preciso e urgente sempre
lembrar sobre isso, uma prática do mantra.
A cada seção de garimpo, a
cada busca, a cada descoberta corrobora-se o universo vasto e ainda inexplorado
de uma música que, a cada banda, álbum e cenas, desabrocha-se a esperança de
que ele, o rock, nunca morrerá apesar de insistirem em colocá-lo em uma espécie
de tocaia, na espreita de pôr um fim nele.
Enquanto existir poucos
abnegados que decidem estudar, aprofundar-se, garimpar e amar
incondicionalmente essa vertente musical, ela se fará abrangente, grande,
multifacetada em todos os aspectos.
E, mais uma vez, essa máxima
vem da Alemanha, da Alemanha progressiva, pesada, diversa e sempre perceptível
a nos surpreender e nos ensinar a multifacetada cena rock com todas as suas
nuances antropológicas e sociais.
Estava eu em minhas
incursões de garimpo, aquelas viagens longas e agradáveis e me deparei com um
nome um pouco, diria, incomum, de banda e, claro, aquilo me chamou a atenção de
uma forma que não pude me conter de curiosidade e a intenção tem de ser ela:
sem tempo para se conter e se permitir a observação e a contemplação do que
verdadeiramente nos interessar.
O nome da banda é VITA NOVA
e vem, como disse, da Alemanha. Um nome um tanto quanto incomum, principalmente
vindo da Alemanha! É latim e significa “Vida Nova”. É curioso o nome e
definitivamente não consegui, diante das pesquisas que levantei para a
construção desse texto, fazer uma correlação do nome com a banda propriamente
dito.
Mas deduzo que, diante do
que apurei e logo interpretei, eram músicos que queriam fazer algo diferente do
que praticavam em suas bandas regulares ou da sua rotina de músicos de estúdio.
O Vita Nova foi uma banda de
curtíssima duração, talvez fosse, por conta disso, um projeto e nunca fizeram
uma apresentação ao vivo, absolutamente nada, o que reforça a proposta efêmera
desta banda. Por isso que queriam fugir do habitual, trazer algo novo para as
suas vidas profissionais, se deixando permitir levar pela manifestação criativa
puro, genuína.
Para conceber o álbum, homônimo, lançado em 1971, os músicos, oriundos de várias regiões do planeta, mas baseados em Munique, usavam seu curto tempo livre para produzir essas gravações, deste álbum, na parte da manhã e da noite, que geralmente eram usados para descanso. A formação da banda que gravou “Vita Nova” tinha Eddy Marron na guitarra e vocal, Syvester Levay nos vocais, teclados, hohner clavinet e cravo híbrido e Christian Von Hoffman na bateria e vocal.
Cabe aqui uma observação
quanto ao “hohner clavinet”: trata-se de um instrumento, um sintetizador
pré-moog que trazia ao som algo muito interessante, intenso, forte, pesado, em
dado momento, uma característica original que tornava muito evidente uma música
pouco ortodoxa para a época. Era fato que a banda queria entregar algo novo com
“Vita Nova”.
No ano de 1971 Levay, o
vocalista e tecladista, decidiu alugar o Munich Union-Studios por alguns dias
em fevereiro onde eles poderiam trabalhar em suas músicas sem restrições, haja
vista que teriam que trabalhar em horários alternativos, pois tinham suas
bandas regulares e compromissos como músicos de estúdio.
O resultado que obtiveram com este álbum é de muita versatilidade sonora. Não se observa, não querendo se render aos rótulos, aos estereótipos, uma vertente, mas tudo que se praticava, em caráter embrionário, inclusive, naqueles primórdios anos 1970: rock progressivo, heavy psych, hard rock, elementos de rock fusion, jazz rock, texturas sinfônicas.
Enfim, trata-se de um álbum extremamente emocionante, energético e solar, mas com tendências experimentais, muito em voga à época na cena krautrock germânico. Um som consistente, viril e intenso, de personalidade. O álbum teve uma prensagem de apenas 500 cópias e tudo indica que foram entregues a pessoas próximas, amigos, pois trata-se de um material extremamente raro.
“Vita Nova” foi lançado por
um pequeno selo austríaco chamado “Life Records” e os músicos, segundo reza a
lenda, antes de ir para Munique, estavam na Áustria, em uma pequena vila nas
montanhas deste país, local onde teria nascido a ideia de construir, no inverno
de 1970, este álbum, este projeto. Eram inclusive amigos de escola que usaram o
ginásio como uma improvisada sala de shows, de forma ocasional.
O álbum é inaugurado com a faixa “Quomodo Manet” que explode em um rock n’ roll com riffs de guitarra se entrelaçando com os teclados e assim segue, com algumas variâncias rítmicas.
“Vita Nova Inventions” tem como sonoridade central o progressivo sinfônico, com a predominância das teclas, com algumas pitadas, diria, generosas, de jazz fusion muito bem executadas.Em algum momento traz uma atmosfera sombria, envolta em uma pegada mais experimental.
“Whirl Wind” é tecnicamente
simples, com uma melodia solitária de guitarra, com batidas meio psicodélica,
lisérgica. “Istanbul”, também bem curta, entrega uma versão meio oriental,
carregada nas passagens de bateria e a guitarra, com entremeios no piano, com
uma vibe bem kraut. “Sylvester”, também de curta duração, segue basicamente a
proposta da faixa anterior, com muito experimentalismo. “Wildman” também segue
a levada da faixa anterior com um toque lisérgico. “Inventions Finale”, a mais
curta música do álbum, tem também um viés um tanto quanto psicodélico e
soturno. “Heya-Cleya” para algo muito pessoal, uma composição individual, com
uma percussão um tanto quanto rítimica, meio tribal.
“Adoramus” segue puramente,
por intermédio dos instrumentos, um viés de progressivo sinfônico, muito solar,
intenso, pleno. Traz uma textura complexa, com um fundo psych orquestrado pelo
órgão com belos vocais.
"Sunt Alteri” também é bem
sinfônico, mas cadenciado, com uma levada meio pop, comercial, um tanto quanto
acessível, mas bem complexo. “Adoramus Finale” é um pouco do oposto da faixa
anterior, um pouco experimental, soando, em alguns momentos, dark, com um coral
sacro, adornado por um teclado que sintetiza a aura da música. Complexa,
contemplativa e arrojada.
Fecha com “Tempus Est” com
uma vertente bem pesada, assemelhando-se ao clássico hard rock setentista, com
habilidades progressivas e excelentes viradas rítmicas de tirar o fôlego.
O álbum foi remasterizado em 1995, uma reedição em CD e reza a lenda também de que as fitas máster do álbum teriam sido perdidas e que a reedição em CD foi restaurada a partir do vinil lançados à época. A banda desapareceu após a gravação do álbum, ainda em 1971, pois cada integrante começou a procurar novas experiências.
Eddy Brown fundou
sua própria escola de música e também conseguiu chamar a atenção com dois
álbuns do Dzyan entre 1973 e 1974 e
também como membro do Missus Beastly por um curto período. Sylvester Levay se
tornou um compositor conhecido e que ganhou, inclusive um Grammy por sua música
“Fly, Robin, Fly”. Christian von Hoffmann é dono de uma loja de música, de
discos e toca, ocasionalmente, jazz fusion.
A música do Vita Nova é
definitivamente madura para o seu tempo, viciante nos padrões concebidos,
repleto de mutações graças a sua estrutura versátil e multifacetada,
sonoramente falando. Altamente recomendado!
A banda:
Eddy Marron na guitarra e
vocal
Sylvester Levay nos vocais, teclados vintage, Hohner Clavinet.
Christian Von Hoffman / bateria e vocal
Faixas:
1 - Quomodo manet
2 - Vita Nova inventions
3 - Whirl wind
4 - Istanbul
5 - Sylvester
6 - Wildman
7 - Inventions finale
8 - Heva-cleva
9 - Adoramus
10 - Sunt alteri
11 - Adoramus finale
12 - Tempus Est