quarta-feira, 27 de maio de 2020

The Devil and the Almighty Blues - The Devil and the Almighty Blues (2015)


Sou um entusiasta dessa nova (nem tanto mais) cena de bandas de stoner rock, doom metal, rock psych que vem crescendo nos últimos 20 anos, desde o início da década de 2000 e ainda mais na segunda década de 2010. 

Vem crescendo tanto que já está saturada e, como costuma acontecer nesses casos algumas bandas se tornam um tanto quanto repetitivas, uma redundância sonora inconveniente, mas ainda assim, formada por bandas, em sua maioria, consistentes e que estão resgatando as origens do rock n’ roll, genuíno, aquele que se faz com o colhão, da forma mais visceral e despretensiosa possível, sem amarras, no seu formato mais marginal, como em tempos gloriosos de outrora. 

Conhecidos como “rock retrô”, talvez de forma pejorativa, pois trazem, além da sonoridade característica da década de 1970, tem um apelo estético muito evidente daquela época. Mas não se enganem, caros amigos leitores, pois apesar de tudo isso, da saturação e tudo mais, ela traz consigo um frescor, um odor de novidade, um toque de contemporâneo, diante de grandes entressafras criativas que costumamos ver e ouvir na cena maisntream

Tenho dada a devida atenção a essa cena, a essas bandas que fazem um som orgânico, real, sem máquinas eletrônicas que precisam apenas de botões para emitir sons desconexos para dar o título de músicos a charlatões que pregam uma pseudo revolução da música. 

Mas confesso que quando conheci o THE DEVIL AND THE ALMIGHTY BLUES, uma banda que veio da Noruega, mais precisamente da cidade de Oslo e li as suas influências musicais, tais como: doom metal, hard rock e blues, fiquei relutante e confesso que subestimei os caras. 

The Devil and The Almighty Blues

Afinal, essas referências vem de bandas como Black Sabbath e essa cena está repleta de bandas com influência do Sabbath. Pensei: Ah, mais uma que soa como o Black Sabbath! Dei uma chance e decidi ouvi-la. Uau! Como pude ter tido uma visão tão pré-concebida? 

Uma banda tão vigorosa, arrogantemente poderosa, com uma sonoridade tão crua, direta, mas dotada de tanto virtuosismo, ao mesmo tempo. Pois é, a terra do black metal pode te entregar algo além e de muito peso também e que, claro, traz influências das bandas sujas e pesadas dos anos longínquos da década de 1970, mas com o arrojo de mesclar o hard rock, o blues, o doom metal e o stoner rock, em uma sopa contemporânea, o frescor dos novos tempos com o pé no passado sem soar datado. 

A banda foi formada foi formada em 2015 e logo neste mesmo ano lançou o álbum, que ouvi e será alvo desta resenha, o homônimo “The Devil and the Almighty Blues” e contava com a seguinte formação: Arnt O. Andersen, nos vocais, Petter Svee e Torgeir W. Engen nas guitarras, Kim Skaug no baixo e Kenneth Simonsen na bateria. 


Um álbum impossível de ficar parado, porque é poderoso e vivaz e que começa soturno, arrastado, com o riff característico do doom metal e um baixo pulsante e marcado de "The Ghosts of Charlie Barracuda", mas que logo irrompe em um hardão alto com vocal gritado e frenético e aquele tempero bluesy para dar o sabor a comida sonora. 

"The Ghosts of Charlie Barracuda", live at Sonic Blast Moledo

“Distance” já começa dando um murro na porta, com um hard rock direto e cru, com solos de guitarra bem elaborados, um som que te remete aos anos 1970. “Storm Coming Down” começa com um riff de guitarra, algo repetitivo, mas os outros instrumentos como o baixo e uma bateria mais marcada e forte vêm sendo adicionada, uma a uma compondo uma sonoridade agressiva e pesada, aqui o doom e o stoner ganham destaque. 

"Distance"

“Root To Root” se apresenta com um doom sujo, com um riff pesadão de guitarra, um contexto instrumental ameaçador e sombrio, com o blues inserido de uma forma dilacerada e inusitadamente homenageado, assim segue a faixa seguinte, “Never Darken my Door”, mais com um pouco de groove, um pouco dançante, animada e cadenciada.

"Root to Root, live at Desertfest, Berlim, 2019

E fecha com “Tired Old Dog” com a característica introdução de um riff pesado e sujo de guitarra e com a apresentação gradativa dos outros instrumentos formando uma camada densa e soturna em uma combinação explosiva entre hard e blues em um duelo salutar em prol da música. 

"Tired Old Dog"

O The Devil and the Almighty Blues, que vem da fria Noruega, apresenta, em seu debut, o calor borbulhante do rock autêntico e sujo, que parece ter minado das profundezas do inferno fazendo jus ao seu nome. Uma pérola bruta mais do que recomendada.





A banda:

Arnt O. Andersen no vocal
Petter Svee na guitarra
Torgeir W. Engen na guitarra
Kim Skaug no baixo
Kenneth Simonsen na bateria


Faixas:

1 - The Ghosts of Charlie Barracuda
2 – Distance
3 - Storm Coming Down
4 - Root to Root
5 - Never Darken My Door
6 - Tired Old Dog




"The Devil and the Almighty Blues" (2015)


Versão do álbum para Bandcamp acesse aqui


Biglietto Per L'Inferno - Live 1974 (2005)


O verdadeiro rock n’ roll é orgânico, a intensidade de uma banda se mensura em um palco, ao vivo, com músicos doando toda a sua capacidade de interação com o público por intermédio de sua música, esta última precisa ser simbiótica com todo este cenário, conspirar a favor, ser um veículo da sinergia entre a banda e o público. Assim o foi no registro de um dos inúmeros shows, apesar de pouco tempo de vida, do Biglietto Per L’Inferno com o seu “Live 1974”. Não há como negligenciar a força, a potência sonora do Biglietto Per L’Inferno e já no seu álbum de estúdio, apesar das “formalidades” de um processo de gravação em estúdio, “homônimo”, do mesmo ano, a banda mostrara suas credenciais. E essa força se deu pela sua, já dita, intensa atividade ao vivo, aliado a proposta hard rock e progressiva da banda, revelando uma combinação explosiva, o que, para a época, meados da década de 1970, era pouco usual, com bandas majoritariamente sinfônicas, melódicas e psicodélicas. 

"Live 1974"

O Biglietto Per L’Inferno, com o seu “Live 1974”, era o oposto: peso, temas de composições densos, atmosfera obscura, todos os aditivos para um show diferente e avassalador para uma época de sofisticação progressiva. Esse show antológico fora gravado na sua cidade natal, Lecco, situada na região da Lombardia e, apesar da baixa qualidade na gravação deste, o que lamentavelmente era a tônica na Itália, não apaga a já presença poderosa do Biglietto Per L’Inferno como um track list que contemplaria as músicas do seu até então primeiro álbum, de 1975 e com uma música nova que entraria no seu segundo trabalho que não seria oficialmente lançado à época que se chamava “Il Tempo Della Semina”. O Biglietto Per L’Inferno já tinha gravado as faixas, com a produção de Eugenio Finardi e ainda tinha um contato forte com o músico Klaus Schulze para impulsionar o seu lançamento caso necessitasse, mas com a falência do selo "Trident", o projeto fora deixado para trás, tendo uma limitada distribuição, em formato de fita cassete, recebendo finalmente, por intermédio da Mellow Records, no ano de 1992, um lançamento oficial com o nome “Il Tempo Della Semina”. O fim da gravadora também ocasionou o fim das atividades da banda, sem total apoio para seguir em frente. A formação do Biglietto Per L’Inferno, no álbum “Live 1974” era: Claudio Canali no vocal e flauta, Giuseppe "Baffo" Banfi  no órgão e moog, Giuseppe Cossa no piano e moog, Marco Mainetti na guitarra, Fausto Brachini no baixo e Mauro Gnecchi  na bateria. 

Biglietto Per L'Inferno

No registro ao vivo não há espaço para muitas improvisações, segue quase que fielmente a estrutura gravada no seu álbum de estúdio, mas revela toda a força e identidade arrasa quarteirão do velho Biglietto. Começa com “Il Tempo Della Semina”, faixa título do álbum que sucederia o debut “Biglietto Per L’Inferno”, de 1974 que fora gravado em 1975, mas somente lançado em 1992. Começa com um poderoso hard rock e um desfile de moogs e teclados e instrumentos de sopro, como o saxofone, entoados de forma caótica, que logo abre caminho para riffs e solos de guitarra que confirmam o peso e agressividade da faixa.

Biglietto Per L'Inferno - Il Tempo Della Semina" (Live 1974

“Ansia’, do primeiro álbum, traz à tona a flauta que alterna em ritmos suaves, lentos e mais agitados, assim seguindo a música, alternando em camadas introspectivas e mais pesadas com o vocal teatral e dramático de Cláudio Canali, um belo progressivo sinfônico com pitadas generosas de hard rock. 

Biglietto Per L'Inferno - "Ansia" (Live 1974)

“Confessione” explode com riffs pegajosos e raivosos do mais puro e genuíno hard rock com solos envolventes de guitarra de Mainetti e um vocal rasgado de Canali, é um petardo sonoro. “Una Strana Regina” começa com um vocal abafado, meio sombrio de Canali, mas que irrompe em explosões de riffs e solos de guitarra de Mainetti que culminam com teclados viajantes e sinfônicos, com a flauta suavizando o caos. 

Biglietto Per L'Inferno - "Confessione" (Live 1974)

“Il Nevare” é o ponto alto do show, ao vivo ela ganhou ainda mais peso, agressividade e vivacidade, uma música orgânica, a camada instrumental garante a sua condição plena de um autêntico hard rock. Fecha com a obscura, sombria “L’Amico Suicida” que, com o vocal cênico de Canali com camadas tenebrosas de teclado interpretam a mensagem da letra e que ao vivo ganhou em sua expansão dramática. Cláudio Canali com seu vocal é o destaque, sem sombra de dúvida. 

Biglietto Per L'Inferno - "Il Nevare" (Live 1974)

O “Live 1974” não fora lançado na época em que a apresentação ocorreu, sendo lançado em uma caixa comemorativa do trigésimo aniversário do primeiro álbum de estúdio, com versões remasterizadas em CD dos dois álbuns oficiais, além, é claro, do “Live de 1974”, além de um DVD contendo vídeos dos músicos e entrevistas e ainda um livro com fotos, letras de músicas e entrevistas. O “Live 1974” também fora lançado separadamente, em 2005, com uma capa mini-LP. Uma curiosidade: Este show do Biglietto Per L’Inferno teve a participação de outra grande banda de hard rock, o UFO, onde na realidade o Biglietto abriu para a banda inglesa. O “Live 1974”, apesar de não ser um registro ao vivo conhecido mundialmente mostra um Biglietto Per L’Inferno no auge de sua força e entrosamento.





A banda:

Claudio Canali no vocal e flauta
Giuseppe "Baffo" Banfi  no órgão e moog
Giuseppe Cossa no piano e moog
Marco Mainetti na guitarra
Fausto Brachini no baixo
Mauro Gnecchi na bateria

Faixas:

1 - Il Tempo Della Semina
2 - Ansia
3 –Confessione
4 - Una Strana Regina
5 - Il Nevare
6 - L’Amico Suicida