domingo, 15 de janeiro de 2023

Ticket - Awake (1972)

 

Auckland, Nova Zelândia, 1970. Alguns jovens, talvez os primeiros, decidem fazer rock n’ roll. Um rock n’ roll inspirado no hard rock, na psicodelia ou até algo mais experimental ou ainda um pouco de cada, como Jimi Hendrix, Cream, Black Sabbath. Os sons que trovejavam na cena rock daquela época.

Não sabiam que, com essa determinação, seriam os desbravadores do rock na Nova Zelândia. Mas rock na Nova Zelândia? Sim, havia uma cena por lá, embora ainda pequena, com pouquíssimas bandas, no máximo que se via ou ouvia eram bandas mais pop, com um viés mais comercial, baseado nos Beatles, nos anos 1960.

É o que eu sempre costumo dizer: o universo do rock é vasto e inexplorado. A música é universal, por isso é forte e resiste com o tempo. E conhecer e ouvir uma banda neozelandesa é digno de privilégio.

Mas voltando aos anos 1970 em Auckland, essa cidade seria testemunha do nascimento não só de uma banda, mas talvez do rock em todo o país. Falo do TICKET.

Ticket

O Ticket teve o seu embrião com o guitarrista Eddie Hansen que surgiu na cena musical em 1970 com uma banda chamada “Revival” que também tinha o vocalista Craig Scott. Quando Craig decidiu sair da banda, em abril de 1970, o Revival se separou.

Eddie deixou a cidade em que o Revival estava baseado, Christchurch, e foi para Auckland. Lá ele esperava que fosse encontrar maiores oportunidades de dar sequência a sua carreira no rock. Ele aceitou tocar com uma banda local chamada “Challenge”, que também estava no fim dos seus dias, apesar de ter emplacado alguns sucessos.

Logo ele percebeu que compartilhava um interesse comum em algumas vertentes do rock que estava em voga naquela época com o baterista da banda, um tal Ricky Ball. Curtiam e conversavam muito sobre Jimi Hendrix, Cream, The Doors etc. Como o Challenge não ia muito bem das pernas decidiram sair e formar uma nova banda com base nas suas predileções.

Eddie e Ricky decidiram procurar por alguns músicos que se adequassem ao estilo que curtiam, que tivessem interesses semelhantes aos seus e encontrou Paul Woolright para tocar baixo e Trevor Tombleson para os vocais e percussão.Com essa formação a Ticket nasceu em maio de 1970.

Ricky Ball começou a sua história na música tocando em uma banda chamada Beatboys, depois outra chamada Courtiers, antes de se tornar integrante do Challenge, ou seja, já tinha alguma experiência na música antes de formar o Ticket, embora nada se compare ao que fizeram com a última.

Trevor Tombleson tocou baixo no “Moses and The Munks”, em 1965, antes de ingressar no “Jamestown Union”. Começou uma carreira solo em 1967. Tornou-se amigo de Ricky e essa amizade se desenvolveu, com o próprio Ricky Ball pedindo a Trevor para se juntar ao Ticket.

Banda formada! Agora o próximo passo é arranjar local para fazer shows, se apresentar. Missão difícil! Precisava buscar alguém que conhecesse donos de casas de shows para conseguir encaixar a Ticket ou buscar os donos diretamente, mas muitos dos integrantes da banda não conheciam Auckland para tal.

Mas graças ao currículo dos músicos, alguns deles já contavam com alguma “rodagem” conseguiram alguns shows em Auckland, mas não conseguiam shows suficientes para pagar as contas, para sequer sobreviver da música.

Eddie Ligou para um tal Trevor Spitz, em Christchurch, para ver se conseguia mais locais para tocar. Trevor, também músico, estava tocando com uma banda chamada “Four Fours” e quando os deixou, em 1966, conseguiu um emprego como gerente da boate de um cara chamado Phil Warren em Christchurch. Esta boate foi o local que a sua antiga banda, Revival, tocou em algumas ocasiões.

Trevor Spitz pediu a Eddie para passar uma fita demo com algumas músicas e finalmente conseguiu um dia para a Ticket tocar, mas em outro local em Aubreys, também em Christchurch.

E foi em Aubreys que a Ticket desenvolveu seu som, sua música. Lá foi um divisor de águas para aqueles jovens músicos, uma guinada radical, eles nunca tinham feito nada como aquilo em suas carreiras em outras bandas anteriormente. E esse feito foi de suma importância para cena rock da Nova Zelândia, afinal mal eles sabiam que estavam escrevendo a história do rock n’ roll naquele país tão isolado no referido estilo.

Em meados de 1971 Aubreys estava começando a ficar pequena para a Ticket. A banda estava ganhando, conquistando muitos fãs em outros centros de South Island. Então a banda decidiu seguir para o norte. Sua reputação os precedeu e os shows em universidades a longo do caminho foram bem recebidos. A banda estava ganhando corpo, estava ganhando projeção, cresciam seu som na mesma proporção em que ganhavam seguidores, fãs.

Em Auckland a Ticket chamou a atenção de alguns promotores de eventos como Barry Coburn e Robert Raymond, uns caras conhecidos nessa cena local. Com toda uma estrutura promocional a banda foi atração principal da Convenção Nacional de Blues Rock de Coburn-Raymond, realizada na Wellington Opera House. Isso atraiu muita gente e também foi transmitido ao vivo pelo rádio.

Em outubro de 1971 o primeiro show internacional ao ar livre da Nova Zelândia aconteceu e também foi o primeiro show de Elton John em Western Springs, em Auckland. A vaga para a banda de abertura foi concorrida e a Ticket fez sucesso, garantindo a mesma e fazendo muito sucesso tocando para 20.000 pessoas. Além desse show importante a Ticket conseguiu dividir palcos com Jerry Lee Lewis, Daddy Cool e o Black Sabbath no Great Ngaruawahia Music Festival. 

Coburn também tinha sua própria gravadora, a “Down Under”, então, mais uma vez com a sua influência, a Ticket gravou e lançou seu primeiro single: "Country High"/"Highway of Love". Na realidade o single foi lançado pelo selo “Ode”. Eles foram bem-sucedidos, passando cinco semanas nas paradas nacionais em dezembro de 1971, chegando na posição 12 das paradas, algo incrível para uma banda underground com uma sonoridade totalmente arrojada na cena neozelandesa até então. 

O single seguinte “Dream Chant"/"Awake”, foi lançado pelo selo “Down Under”, porém sem muito sucesso comercial, embora “Dream Chant” tenha sido uma das músicas mais populares nos dias da Ticket em Aubreys. E finalmente em 1972 vem ao mundo o seu primeiro álbum, “Awake”, em maio de 1972, álbum este alvo de minha resenha de hoje. “Awake” foi produzido por Frank Douglas no HMV Studios e lançado pelo selo “Ode”.

Um terceiro single, "Stoned Condition"/"Then You'll Fly" foi lançado pela “Down Under”, mas foi banido pelo NZBC. Em junho de 1972 a Ticket foi para a Austrália, pois tinha conseguido uma residência de um mês no Whiskey-Go-Go de Sydney. A reação nessa casa de show superou as expectativas e em vez de retornar à Auckland, eles ficaram por mais tempo em terras australianas, graças a Robert Raymond, um promoter de Sydney, que garantiu a banda outra residência em outra casa, no “Chequers”, com shows lotados e bem-sucedidos.

E esse tempo que estiveram na Austrália mais um single foi lançado por lá, "Awake"/"Country Radio", pela “Atlantic”. A banda conquistou mais fãs por lá e outros shows foram acontecendo. Curtiram tanto a Austrália, os fãs e os shows que decidiram gravar seu segundo álbum, o “Let Sleeping Dogs Lie”, no final de 1972. Este foi autoproduzido e gravado no estúdio do “Channel Nine”, mas isso é outra história.

"Let Sleeping Dogs Lie" (1972)

Vale como curiosidade outro fato com a Ticket: eles foram a única banda a emplacar duas músicas na trilha sonora do filme “Morning of the Earth”, uma das referências cinematográficas de surf.

Mas voltando para o debut “Awake”, este entrega um hard rock com viés comercial e radiofônico para algumas músicas e pitadas generosas de rock psicodélico, mas o carro chefe é a música pesada, o classic rock.

A formação da Ticket em seu primeiro álbum, “Awake”, de 1972, tinha, portanto, os músicos: Eddie Hansen na guitarra, Ricky Ball na bateria, Paul Woolright no baixo e Trevor Tombleson na percussão e vocais.

O álbum é inaugurado com a faixa título, “Awake”, que começa austero, solene, com algum toque lisérgico, mas segue um viés mais hard, um pouco cadenciado, mas ainda assim pesado, com intervalos bem dançantes com guitarras bem swingadas que estimula o ouvinte a dançar.

"Awake"

“Highway of Love” começa meio jazzística, bateria cheia de viradas envolventes, um baixo pulsante e cheio de groove, com riffs de guitarra meio pegajosos. Uma faixa bem solar e animada e com algumas “tendências’ mais radiofônicas.

"Highway of Love"

“Dream Chant” me remete, sobretudo com os riffs de guitarra, a algo meio country, uma inspiração da música de raiz estadunidense, mas que irrompe em algo mais psicodélico tendo no vocal, melódico e dramático, a sua principal textura. Em dado momento a música ganha mais peso, mais velocidade e aquela pegada dançante também ganha destaque.

"Dream Chant"

Segue com “Broken Wings” talvez seja a mais comercial, mais pop do álbum, a guitarra meio funkeada dá o tom, a cozinha concede o ritmo que impõe a ordem dançante, muito comum em “Awake”, mas traz solos mais elaborados trazendo à tona o rock, com levadas mais para o surf music também, mas logo se instaura uma viagem psicodélica.

"Broken Wings"

“Country High” segue a proposta da guitarra swingada, a bateria, marcada, traz um ambiente solar, com muita vivacidade ao som, com solos de guitarra diretos, mas bem executados.

"Country High"

“Reign Away” traz o álbum de volta ao hard rock, um hard puro, que varia entre o cadenciado e a velocidade marcada por muito peso e intensidade. Vale ressaltar a “cozinha” que dita, com maestria, o ritmo.

"Reign Away"

E fecha com “Angel on my Mind”, talvez uma das grandes faixas de “Awake” que traz o psicodélico ao destaque, com uma guitarra lisérgica, que entrega uma sonoridade viajante e, por vezes, contemplativa.

"Angel on my Mind"

Em 1973 a Ticket havia se dissolvido, mesmo com a sua visibilidade e shows lotados e em boas casas de shows. Tombleson mudou seu nome para Trevor Keith e teve uma breve passagem pela Keef Hartley Band, da Inglaterra, em meados dos anos 1970 e mais tarde tocou em uma banda de Melbourne chamada Monsoon.

Eddie Hansen havia se convertido a Hare Krishna nessa fase, resultado de sua estreita amizade com Harvey Mann. Tocou, em 1974, com a “Band of Light”, mas em 1975, lá estava com seu amigo, Harvey, com a sua banda Living Force, fazendo uma longa turnê pela Nova Zelândia, antes de se mudar permanentemente para a Austrália.

Woolright e Ball reapareceram em bandas populares da Nova Zelândia como Pink Flamings e Hello Sailor. Em 1980 Paul, Ricky e Eddie acabaram todos, ao mesmo tempo, em Beaver.Vale como curiosidade que a Ticket serviu de banda de apoio para Lindsay Marks em 1973.

No final de 2010 “Awake” foi relançado em CD pela primeira vez pela gravadora australiana “Aztec”, em um pacote de luxo que incluía o disco original remasterizado, singles e faixas bônus e um livreto com fotos e uma história detalhada do grupo.

Para marcar a reedição a Ticket se reformulou pela primeira vez em mais de 30 anos de hiato e fez uma série de shows no ano passado em Christchurch e Auckland, regiões onde a banda fez seus primeiros shows no início dos anos 1970. “Awake” foi remasterizado por Gil Matthews com o encarte do notável escritor neozelandês Nick Bollinger.

Ticket traz uma sonoridade forte, sedutora, envolvente e pesada! Fantástico álbum, fantástica banda que, mesmo não tenha tido uma longevidade, construiu a história do rock n’ roll na Nova Zelândia levando o hard psych para aquele país. Banda altamente recomendada!



A banda:

Eddie Hansen na guitarra

Ricky Ball na bateria

Paul Woolright no baixo

Trevor Tombleson na percussão e vocais

 

Faixas:

1 - Awake

2 - Highway of Love

3 - Dream Chant

4 - Broken Wings

5 - Country High

6 - Reign Away

7 - Angel on my Mind



Ticket - "Awake" (1972)


Versão para DOWNLOAD dos dois álbuns do TICKET segue nest link aqui!