segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Alphataurus - Alphataurus (1973)

 

50 anos! O que é o tempo quando se tem a eternidade? Mensurar tempo parece ser irrelevante para definir a história de um álbum para a música, para o rock n’ roll. E o que dizer de trabalhos icônicos para bandas obscuras? A arte vence! O tempo não enferruja, não torna datado, mas atemporal na concepção sonora e de suas mensagens, o que pode ser bom ou ruim, depende do tema abordado.

O fato é que o rock progressivo italiano sempre promoveu momentos improváveis, sobretudo nos anos 1970. Como determinados álbuns foram destinados a entrar para a história e não ter tido um impacto comercial, grandes vendas e resultados de sucesso e glamour?

Parece uma combinação inviável, diria inusitada, mas a banda de hoje conseguiu tal feito, mesmo com uma trajetória calcada na precocidade de sua história que, logo ao lançar seu debut, saiu de cena da mesma forma que entrou: timidamente, sem alardes. Falo do ALPHATAURUS.

E falar do seu primeiro trabalho, homônimo, de 1973, é como falar da minha história com o rock progressivo. Não é apenas a história e a relevância desse álbum para a cena progressiva italiana e mundial, mas uma relação afetiva, pois foi com ele que a Itália progressiva descortinou-se diante dos meus olhos. E começar com essa obra prima é ter, ouvir e sentir o que o prog rock pode de melhor proporcionar a pobres mortais como eu.

O Alphataurus, nome astronômico da primeira estrela da constelação de Touro também conhecida como "Aldebaran", foi formado na cidade de Milão em 1970 a partir da reunião do tecladista Pietro Pellegrini com o vocalista Michele Bavaro, o violinista Guido Wasserman, o baixista Alfonso Oliva e o baterista Giorgio Santandrea.

Apesar da intensa atividade ao vivo, com várias apresentações em festivais importantes da Itália, como o “Davoli Pop” e o “Palermo Pop 72”, o Alphataurus nos dois anos anteriores ao lançamento de seu primeiro álbum, de 1973, permaneceu sem contrato, sem nenhuma gravadora interessada em tê-los em seu “cast”.

Mas foi exatamente no Festival Pop de Palermo que Vittorio De Scalzi, que tinha saído da icônica banda New Trolls e impressionado com nível sonoro e técnico dos músicos, os convida para praticamente inaugurar o recém-fundado selo “Magma”, fundado em conjunto com o seu irmão, Aldo.

E assim o Alphataurus começaria a fazer história, mesmo que a base de muitas adversidades, típicas de bandas undergrounds, com o seu primeiro álbum, lançado em 1973, sendo também o primeiro trabalho concebido com a ajuda da nova gravadora. Era novidade para os jovens produtores, os irmãos De Scalzi.

Vittorio de Scalzi

Como muitas das bandas italianas, “Alphataurus” tem influências do rock progressivo britânico, com destaque para o Emerson, Lake & Palmer, King Crimson, Yes e Van der Graaf Generator, porém como algumas grandes bandas do “país da bota” desenvolveram, a partir de suas influências, seu próprio estilo, sua própria proposta sonora, usando primordialmente a sua língua pátria, abrangendo também uma textura instrumental invejável, ampla, tendo a base do órgão e moog, entregando pegadas jazzísticas até ao hard rock e contemplações sinfônicas dando o caráter ao prog rock.

Não só as teclas ganham destaque no primeiro trabalho do Alphataurus, mas a começar pelo vocal com uma voz extremamente poderosa e original, certamente uma das mais competentes surgidas naquele longínquo ano de 1973, com uma guitarra bem cuidada e tocada com destreza e a seção rítmica criando um fundo poderoso. Não há indulgência, é um trabalho orgânico, fiel ao conceito do rock progressivo em voga naqueles anos. O álbum do Alphataurus é sofisticado? Sim, mas não caem na armadilha do pedantismo.

Mas esse resultado tem um motivo primordial: quando a banda entrou em estúdio, logo no início de 1973 para a gestação do álbum o Alphataurus ensaiava as músicas por muito e muito tempo. Reza a lenda que ficavam no estúdio por até seis horas consecutivas, podendo assim gravar as músicas e aproveitar o tempo restante para aperfeiçoar os sons, adicionar overdubs e mixar tudo também.

“Alphataurus” foi gravado nos estúdios SAAR Records e Sax Records em Milão. A linda e instigante arte gráfica, no formato LP, pode ser aberta em três partes e foi criada por Adriano Marangoni e que representa fielmente os conceitos da obra: simplesmente a perda da identidade do homem e os perigos da nascente sociedade tecnológica. Um tanto quanto atual, não acham amigos leitores? A guerra tecnológica envolta em um discurso demagógico da paz.

A faixa "Peccato d'orgoglio" sintetiza muito bem o conceito do álbum e esse tema em sua letra:

"Você já está indo em direção ao vazio sem objetivo / Não tenha medo, volte entre nós / Você experimentou tudo, uma vida inteira / Sob uma luz falsa você usou para construir sua realidade... Foi um pecado de orgulho / Lembre-se que você é um homem / Você ainda pode viver... ".

Na letra é perceptível o clima entre sonho e pesadelo, o medo da guerra nuclear e a esperança de um mundo melhor. Apesar de um tema manjado, é fato que a tratativa é perfeita entre a letra e a música.

“Alphataurus” é sombrio, pesado, intenso, poderoso, que flerta entre o rock progressivo com as suas passagens sinfônicas e o hard rock típico dos anos 1970. Guitarras pesadas e de solos contemplativos, seção rítmica contundente e teclados frenéticos e viajantes. Temos um potente heavy prog e passagens melódicas cativantes, tudo isso envolto em uma textura de arranjos garantidos pelas ótimas seções instrumentais.

São cinco músicas todas assinadas pelo tecladista Pietro Pellegrini em um total de quarenta minutos. As letras, no entanto, foram desenvolvidas por toda a banda em conjunto com Vittorio de Scalzi que usou, para os créditos no álbum, com o pseudônimo de “Funky”.

A faixa inaugural é a grande “Le Chamadere (Peccato d'Orgoglio)” no auge de seus pouco mais de doze minutos é a encarnação, creio, mais representativa do estilo que o Alphataurus imprimiu neste álbum, sendo extremamente cativante, repleta de mudanças rítmicas, com um toque orquestral que predomina, mas tocados em uma atitude hard rock e até raivosa, em alguns momentos. A guitarra e o teclado são pesados, bem como os vocais que trafega para a sensibilidade em alguns momentos. Os teclados trazem a textura sinfônica e progressiva, com o trabalho fenomenal da bateria muito arrojada com o baixo seguindo o ritmo. Mas não podemos deixar de destacar o momento acústico e contemplativo garantido pelos dedilhados do violão.

"La Chamadere (Peccato d'Orgoglio)"

Segue com a “Dopo L'Uragano” que traz a predominância destacada da guitarra em uma versão blues, um blues rock muito bem executado. As cadências entregues nos acordes básicos da guitarra acústicas e os riffs de guitarra elétrica fazem com que o protagonismo do instrumento se faça. Não se pode negligenciar os intervalos de boogie intercalados por preenchimentos fortemente efetuados pela bateria. Vale lembrar também que essa faixa retrata fielmente o humor sombrio e apocalíptico do álbum:

"À luz do sol, as sombras, o furacão é apenas passado. Volto para minha cidade, sozinho e com dor. Eu não vejo o meu povo, as estradas estão desertas, eu olho ao meu redor e vejo que a vida se esvai ..."

"Dopo L'Uragano"

A faixa instrumental “Croma” é excelente e traz alguns toques jazzísticos com a alternância de passagens de órgão encontrando um fundo perfeito nas enormes camadas de moog e riffs e solos de guitarra, que eclodem em uma explosão majestosa em seu clímax final. Não se pode negar a simbiose entre o sintetizador e a guitarra.

"Croma"

“La Mente Vola” surpreende pelo arranjo muito moderno, bem executado, parece ser descolado daqueles tempos de outrora dos anos 1970. Tem uma batida sobreposta com sintetizadores, parecendo ser consensual para uma faixa forte e poderosa. Teclados exemplares, com solos de vibrafone e passagens misteriosas de moog, vocais emocionais e dramáticos, assim se resume essa música. E já que falei em vocal, não podemos deixar de destacar a poesia da letra, falando do homem que entende a importância de se falar com o divino para cessar as suas dores e sofrimentos.

"La Mente Vola"

E fecha brilhantemente com a faixa “Ombra Muta” que traz a estrutura fina e melódica com toques de guitarra elétrica e teclados mais fortes e cativantes, com aquele “tempero” sombrio que permeou todo o álbum. O baixo é pesado, contundente, os vocais altivos e de grande alcance, além de bateria marcada e moogs frenéticos e animados.

"Ombra Muta"

Logo após o lançamento de “Alphataurus”, a banda se dissolve e inclusive estavam envolvidos nas gravações de um segundo álbum. Não há informações precisas sobre o que teria ocasionado o fim da banda, talvez questões ligadas a divergências sobre a concepção do álbum ou ainda as baixas vendas do primeiro trabalho, pois lamentavelmente o trabalho não teve a divulgação necessária, haja vista que a gravadora, por ser nova, não tinha recursos necessários para um trabalho adequado de disseminação e promoção do álbum.

O projeto do segundo álbum ficou inacabado, não foi concluído, inclusive os vocais não foram inseridos nas composições. Ainda assim o material foi lançado, pela Mellow Records, intitulado “Dietro L’Uragano” (Leia texto desse álbum aqui), no ano de 1992 e digo, meus caros leitores, que mesmo sendo um projeto inacabado traz a essência e a força de uma banda seminal que é o Alphataurus.

"Dietro L'Uragano" (1992)

Após um longo período com a banda hibernando, no ano de 2009, Guido Wassermann e Pietro Pellegrini decidiram que era o momento de trazer o Alphataurus de volta à cena. O baterista Giorgio Santandrea também voltou à banda e em novembro de 2010 eles anunciaram oficialmente a reunião, após mais de trinta anos de ausência.

O Alphataurus se apresentou no “Progvention”, no mesmo ano de 2010, na sua cidade natal, Milão. A formação, que incluiu ainda o vocalista Cláudio Falcone, o tecladista Andrea Guizzetti e o baixista Fabio Rigamonti permaneceu também para outras apresentações no ano seguinte, em 2011.

Um álbum ao vivo, “Live in Bloom”, foi lançado em março de 2012, mas antes do final de 2011 o baterista Giorgio Santandrea deixaria a banda, sendo substituído por Alessandro “Pacho” Rossi. Em setembro de 2012 seu segundo álbum de estúdio, “AttosecondO”, incluindo temas revistos a partir do segundo álbum incompleto, bem como novas músicas.

Alphataurus - "Live in Bloom" (2010)

Com o retorno aos palcos o álbum “Alphataurus” ganharia maior evidência recebendo ótimas críticas e consequentemente novas reedições, com uma, no formato CD, pelo selo “Vinyl Magic”, em 1995, remasterizado pelo tecladista Pietro Pellegrini e outra, uma em 2009 pelo selor AMS/BTF e outra em 2011, também pela Vinyl Magic” no formato CD. Teve também, inclusive, uma reedição coreana feita com 1.000 cópias e uma japonesa.

Muito se questiona sobre a concepção de “Alphataurus” e a sua relação com os irmãos De Scalzi, donos de selo Magma. Atribuiria a estes os “donos” do projeto do álbum do Alphataurus, não tendo um investimento pesado em divulgação exatamente por esta questão.

Mas não percebo como tal, mas sim como um trabalho genuinamente autoral de músicos tarimbados que definitivamente sabiam do caminho que estavam seguindo, da sua capacidade, de seu repertório. 

Por mais que os envolvidos nesse álbum não possam ter tido a dimensão do tamanho desta obra para a cena progressiva, mas o fato é que, independente da ausência do sucesso comercial, o primeiro álbum do Alphataurus está nos anais da história do rock progressivo italiano e mundial. Um trabalho altamente recomendado! 




A banda:

Guido Wasserman na guitarra

Pietro Pellegrini no órgão, piano, moog, spinetta, vibrafone

Michele Bavaro no vocal

Alfonso Oliva no baixo

Giorgio Santandrea na bateria

 

Faixas:

1 - Peccato D'Orgoglio

2 - Dopo L'Uragano

3 - Croma

4 - La Mente Vola

5 - Ombra Muta



"Alphataurus" (1973)












 














 





segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Toad - Open Fire (Live in Basel 1972 - 2005)

 

O texto hoje assumirá um caráter de homenagem. Não que os outros que estão registrados neste humilde e reles blog não sejam, mas esse lamentavelmente tem um ensejo póstumo. No primeiro dia de novembro de 2023 o virtuoso e grandioso guitarrista italiano, baseado na Suíça, Vittorio Vergeat, nos deixou.

Talvez para muitos apreciadores de rock n’ roll esse nome não seja lembrado, esteja no ostracismo, nos porões empoeirados do estilo, mas se tratou de um dos melhores e mais influentes dos guitarristas que o mundo testemunhou nos últimos cinquenta anos!

É sabido que é mais salutar que as homenagens devem ser feitas em vida, mas quis as circunstâncias que Vic Vergeat, como era conhecido, nos deixasse tão prematuramente, antes de ter um texto sobre a banda gigante, porém pouco comercial, que fundou: o TOAD.

Vic Vergeat

Embora, como disse, o Toad não tenho gozado, ao longo das décadas, de fama, sucesso, se tornou emblemática pelo menos na Suíça, sendo, sem sombra de dúvida, uma das precursoras do heavy rock, do proto stoner naquele país. Se tornou também um ponto fora da curva quando se tratou de apresentações ao vivo. A banda se notabilizou em seu país por sua ferocidade, musicalidade e algumas “travessuras”, se é que me entendem, no palco, principalmente quando Vic tocava guitarra com os dentes, algo que emulou de sua grande inspiração no instrumento: Jimi Hendrix.

Então já que falei das poderosas apresentações ao vivo do Toad, nada mais interessante falar de um registro ao vivo avassalador que, apesar de ter acontecido na cidade de Basel, em 1972, foi lançado apenas em 2005, levando o nome de “Open Fire – Live in Bassel 1972”.

O Toad passou por várias mudanças de formação ao longo de sua trajetória, mas construiu os seus melhores e mais criativos momentos com o seguinte line up: Vic Vergeat na guitarra e vocal, Werner Fröhlich no baixo e voz e Cosimo Lampis na bateria.

Mas antes de passear na história do Toad e de seu registro emblemático ao vivo, “Open Fire – Live in Bassel 1972”, vamos falar um pouco também da história de Vic Vergeat, o nosso também homenageado.

O Toad clássico

Vittorio Vergeat nasceu e viveu na Itália até os quinze anos de idade, se mudando para Ticino, na Suíça. Começou, nesta mesma idade, a tocar violão, um autodidata, gravando sua primeira música com um produtor com certo renome precocemente e logo começou a se apresentar com uma banda que tinha gêmeos cantando. Com quinze anos também lançou um single que foi traduzido para o inglês com uma banda chamada “The Black Birds”, que tinha um ótimo cantor com o dobro de sua idade.

Em 1969 decide tentar a sorte em Londres. Lá chegou a tocar brevemente com uma banda que nascia e se chamava Hawkwind! Sim! Vergeat foi o guitarrista original do Hawkwind! Mas apesar da pouca idade e do talento prodigioso na guitarra, o relacionamento com os outros caras do Hawkwind não era dos melhores, sempre brigando. Diante da falta de perspectiva em Londres e das intensas brigas com o Hawkwind decidiu largar tudo e voltar para a Suíça, baseando-se em Basel.

Em Basel havia uma banda de psych rock, de krautrock chamada Brainticket que estava meio alinhada aos que os alemães da cena kraut estavam fazendo em seu país natal e que estava fazendo algum sucesso na Suíça. Na realidade a banda tinha músicos da Alemanha, da Suíça, da Itália. Era uma banda, digamos, “multinacional”.

Vergeat se aproximou dos caras e tal proximidade fez com que Cosimo Lampis e Werner Frohlic, baterista e baixista, respectivamente se juntassem a ele para formar uma nova banda, o Toad. E como os caras não se sentiam bons vocalistas o “time” se completou com Benjamin Jaeger. Mas Cosimo e Werner, antes de sair do Brainticket, ajudaram a gravar o debut da banda chamado “Cottonwoodhill”, gravado em 1970 e lançado em 1971.

Brainticket - Cottonwoodhill (1971)

Com o Toad formado, isso em 1970, eles precisavam, claro, fazer shows, compor para lançar seu novo álbum. O primeiro show da banda aconteceu em Zurique e a banda foi, para variar, muito bem recepcionada, os moleques curtiram e muito a ferocidade do Toad no palco. Depois tocou em Ticino. A banda ainda não tinha nome. Precisavam criar um nome para facilitar a sua divulgação. Vergeat, antes do show começar, decidiu dar uma volta nos jardins do clube em Ticino e viu um sapo, foi daí que veio a inspiração para o nome da banda: Toad!

Apesar da banda, ainda jovem, não ter uma formatação em seu estilo de som, afinal era muito cru, estava nítido que o Toad tinha a vontade de seguir a linha dos “power trios” muito comum na época, como Blue Cheer, Cream, Mountain, Jeff Beck Group, Experience, de Hendrix etc. O som era um volumoso hard rock, com pegadas blueseiras bem pesadas. É notadamente um som voltado para o proto metal e proto stoner, muito solar e pesado.

O Toad logo ganhou alguma visibilidade recebendo ofertas para tocar em vários lugares na Suíça. A banda foi encorpando público de forma natural, graças, principalmente às suas apresentações ao vivo e ao seu primeiro álbum, homônimo, que seria lançado em 1971.

"Toad" (1971)

Tal trabalho foi concebido em um estúdio em Londres, após assinatura de contrato com a “Hallelujah Records”. O dono da gravadora foi extremamente legal com os caras do Toad, embora eles tenham gravado em uma semana, afinal, estar em estúdio era caro, principalmente para uma banda nova como o Toad. “Toad” foi mixado por Martin Birch, lendário produtor que trabalhou, entre outros, com o Deep Purple. A banda fez mais de 200 shows por toda a Suíça.

Um ano depois, em 1972, a banda lançaria seu segundo álbum, “Tomorrow Blue”. Esse trabalho traria uma veia mais “blueseira” mas sem deixar de lado, claro, seu hard rock potente e poderoso. Vergeat assumiria os vocais, pois Benjamin Jaeger sairia da banda, ao fim da produção do primeiro álbum. Martin Birch assumiria também a produção deste álbum. Assim nasceria o Toad no “formato” power trio, o que sempre sonhou Vic Vergeat. Um dos grandes e subestimados “power trios” da história do rock n’ roll nos anos 1970.

Com o lançamento de “Tomorrow Blue” a banda sairia em turnê, claro, afinal, o segredo do Toad estava em sua energia ao vivo, nos palcos. A cada show que realizava, o seu público aumentava, ganhava corpo. As casas, algumas pequenas, já não comportava os jovens que passavam a seguir o Toad e todo o seu belicismo sonoro.

"Tomorrow Blue" (1972)

Um dos shows mais significativos e importantes foi na cidade de Basel, em 1972, intitulado “Open Fire – Live in Basel”, que viria a ser lançado em CD, apenas em 2005, será alvo de nossa resenha de hoje para homenagear Vic Vergeat, sintetiza fielmente, além das influências de Vic e companhia, como toda a força, a consistência e poderio do hard rock da banda suíça. Inclusive este ao vivo contempla faixas eternizadas e escritas por Jimi Hendrix, como: “Red House” e “Who Knows”.

Então falemos de “Open Fire”. O álbum é inaugurado com a faixa título do segundo álbum, “Tomorrow Blue”. A introdução, ao estilo “bluesy” contagia, anima, é dançante. A bateria, cadenciada, mas pesada, dá o tom do poderio bélico dessa faixa. A propósito essa faixa, em sua versão ao vivo, ganhou vida, mais peso, a banda se permitiu improvisar, ousar em alguns momentos, tanto que atinge os 14 minutos de duração. Guitarras explosivas, distorcidas, baixo marcado e pulsante. “Tomorrow Blue” é um verdadeiro arrasa quarteirão!

"Tomorrow Blue" (Live in Basel 1972)

Segue com “Thoughts”, também do segundo álbum, que já diz a que veio logo no início. Riffs pesados de guitarra, “cozinha” afinada dando o tom, com a bateria pesada, indulgente, os pratos parecem voar. Baixo intenso, galopante. Aqui é a personificação do hard rock sem arestas, puro e bruto.

"Thoughts" (Live in Basel 1972)

A sequência tem a sugestiva faixa “Blues”. Como nome já entrega aqui impera o blues rock. A guitarra viaja entre o “bluesy” e o hard rock nos seus momentos, claro, mais pesado. Bateria marcada, cheia de viradas, mas sem deixar de lado o peso. O baixo segue o compasso e traz algum groove.

"Blues" (Live in Basel 1972)

“Pig’s Walk”, faixa do primeiro álbum, de 1971, começa indulgente com a riffs poderosos de guitarra que logo se entrelaçam com solos avassaladores. Não traz tanto virtuosismo, mas dá conta do recado trazendo um “tempero” pesado. Pesado é o nome ideal para essa faixa! Aqui o proto metal parece reinar, com direito a solos de bateria e tudo o mais!

"Pig's Walk" (Live in Basel 1972)

E eis que surge o clássico eternizado por Jimi Hendrix, “Red House”. A pegada do blues rock que notabilizou Hendrix e que serviu de inspiração para Vic Vergeat e sua trupe parece emulada com sucesso nessa versão. Blues rock mesclado ao hard rock, com groove, balanço e consistência.

"Red House" (Live in Basel 1972)

E fecha finalmente com outro clássico de Hendrix, “Who Knows”. A pegada dançante é delineada pela guitarra, um dedilhado simples, mas genial de Vic dá o tom e abre os trabalhos nessa faixa que não despreza o hard rock, mas traz uma boa cadenciada que se torna inevitável dançar e “bater” a cabeça.

"Who Knows" (Live in Basel 1972)

O Toad ficou um tempo sem gravar material, depois de “Tomorrow Blues”, até que em 1974 começa a preparar o seu terceiro trabalho de estúdio, “Dreams”, que seria oficialmente lançado em 1975. Vic fala com muito carinho desse álbum, dizendo em algumas entrevistas que o processo de gravação foi muito leve, prazeroso.

"Dreams" (1975)

Mas a crítica já não olhou com bons olhos esse lançamento. Em “Dreams” o Toad notadamente direciona sua sonoridade para uma pegada mais “funk”, alguma mais groove, o que não deixa de ser percebido, em menor “dosagem” nos álbuns anteriores. Era fato também que os teclados e o piano suavizariam um pouco a sonoridade da banda neste álbum, porém era nítida a intenção da banda explorar novas sonoridades.

“Dreams” foi lançado pelo pequeno selo “Frog”. O álbum foi lançado apenas na Itália. O nível de atividade da banda diminuiu significativamente, mas não impediu que o Toad continuasse com as suas poderosas apresentações, dando-lhe o status de uma das grandes bandas ao vivo dos anos 1970. Mas o Toad não conseguia sucesso comercial nos Estados Unidos e Inglaterra, o que era intenção de Vic Vergeat.

Então o inevitável acontece com a saída de Vic Vergeat e o fim, em 1975, do Toad. Assim Vic foi para a América e o Reino Unido tentar a sorte. Gravou um álbum solo com a intitulada “Vic Vergeat Band” chamado “Down to the Bone”, em 1980 que saiu pelo selo “Capitol”. De fato, um belíssimo álbum que foi produzido pelo ícone produtor alemão Dieter Dirks, que mostra o hard rock com uma pegada mais radiofônica. Até que deu certo, porque Vic saiu em turnê com bandas do naipe de Nazareth e o Aerosmith.

Vic Vergeat Band - Down to the Bone (1980)

Show de divulgação do álbum na Alemanha (1980)

Mas Vic Vergeat parece nunca ter esquecido de seu “filho” pródigo, o bom e velho Toad. A banda se reuniu, de forma esporádica, nos anos 1980, mas não lançou nenhum material novo.

Porém reformulou a banda no início dos anos 1990 com um novo baixista e contando ainda com Cosimo Lampis, na bateria. Dois novos álbuns foram finalmente lançados: “Hate to Hate”, em 1993 e “Stop this Crime”, em 2001.

Um guitarrista à frente de seu tempo, um músico vanguardista que, mesmo diante de reveses comerciais que o manteve, juntamente com a sua banda, à margem do protagonismo, Vic Vergeat e o Toad conseguiram construir uma cena, se tornando referência no estilo e em todos os outros que porventura viriam mais à frente. Fica o seu legado para a sua eternidade.




A banda:

Vic Vergeat no vocal e guitarra

Cosimo Lampis na bateria

Werner Froehlich na bateria


Faixas:

1 - Tomorrow Blue

2 - Thoughts

3 - Blues

4 - Pig's Walk

5 - Red House (Hendrix)

6 - Who Knows (Hendrix)



Toad - "Open Fire - Live in Basel (1972-2005)"




























 












segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Hannibal - Hannibal (1970)

 

O universo do rock obscuro e raro é definitivamente gigantesco. É como se fosse uma selva ainda inexplorada, intocável, esperando por nós, para desbravar e dominar a música, embora antiga, pelo menos a esmagadora maioria, que irá nos servir como um elixir, um deleite.

Por isso esse reles e humilde blog existe: para dar luz ao rock obscuro, para trazer à tona todas essas bandas, com suas histórias de fracassos comerciais sim, mas extremamente ricas, que nos ensina que a música, em sua forma genuína, ainda vale, ainda tem relevância para tais bandas.

E, para variar, estava eu, em mais uma de minhas incursões pela grande “web” em busca de novas sonoridades de bandas velhas e encontrei uma publicação nas redes sociais de uma banda que carregava em seu nome o de um personagem icônico e deveras perigoso que muito marcou a minha vida de cinéfilo. Falo de Hannibal Lecter.

Quem não lembra do Dr. Hannibal encarnado pelo excelente ator, vencedor do oscar, Anthony Hopkins, no filme “Silêncio dos Inocentes”, de 1991. Bem pelo menos foi com Hopkins que o personagem ganhou visibilidade.

Aquilo, claro, me chamou a atenção, uma banda de nome HANNIBAL, será que traria uma sonoridade boa? O que me reservaria? Logo busquei o seu álbum que estava disponível na grande rede e não hesitei em ouvir. Não esperei por muito tempo. Estava com uma incontida ansiedade em ouvi-lo.

Que banda, que álbum! Se eu associei qualidade sonora ao nome, no mínimo pitoresco da banda, deu certo, apesar de ser um risco pouco calculado, mas o fato é que o som da banda me envolveu por completo.

Quando o álbum do Bakerloo, já com o nome encurtado, lançou seu único trabalho, em 1969, homônimo, Clemson saiu da banda, para ingressar no Colosseum. O empresário da banda, Jim Simpson, já tinha agendado uma turnê pela Alemanha e se viu em uma situação complicada, porque a banda estava com seu line up incompleto.

"Bakerloo" (1969)

Antes de escolher o nome Hannibal a banda que foi recrutada excursionou pela Alemanha ainda com o nome Bakerloo para atender aos quesitos contratuais e assim fizeram os shows. Há quem diga que essa história não confere, que não há relação entre Bakerloo e Hannibal, mas fica registrada a história, pois ficou carente de confirmação. São as obscuridades...

Mas com algumas mudanças na formação, a banda, que já estava com um novo nome, “Hannibal”, tinha na figura do guitarrista Adrian Ingram, a importância para dar vida ao novo álbum, que viria a ser lançado em 1970, pelo selo “B & C Records”. Ingram veio de uma banda, meio pop, de Wolverhampton, que se chamava “The Californians”, que lançou vários singles entre 1967 e 1969 pela Decca e Fontana, além de ter tocado em uma razoável sequência de bandas locais como “The Choice” “Gilt Edge”, “Evolution”, antes de ingressar no Hannibal.

Junto com Adrian Ingram tinha também uma figura importante para a banda, o tecladista Bill Hunt, que era oriundo da banda “Brumbeat Psychsters Breakthru”, que gravou um single, para a Mercury, chamado “Ice Cream Tree” (b/w “ Julius Caesar”), acumulando material digno de um álbum que mais tarde seria lançado com o nome “Adventures Highway”.

O vocalista Alex Boyce, juntamente com a seção rítmica do Hannibal, Jack Griffiths, no baixo e John Parkes, na bateria, completaram a formação original da banda. Juntou-se também ao Hannibal o saxofonista e clarinetista Cliff Williams, que era mais um músico contratado, pois não aparece nos créditos no álbum, mas que deixou sua marca importante nas nuances sonoras da banda.

“Hannibal” foi concebido no “Island Studios” com o famoso produtor Rodger Bain, que produziu, entre outros, bandas do naipe de Budgie, Wild Turkey, Indian Summer, Barclay James Harvest, sendo auxiliado pelo engenheiro Roger Beale que trabalhou com Spooky Tooth, Clear Blue Sky, Family etc. Todas as faixas tiveram a participação na composição de Ingram, tanto nas letras como nas melodias, com eventuais participações de outros integrantes.

A arte gráfica de “Hannibal” ostenta uma capa dobrável com uma visão inferior, em negativo fotográfico, de um quadrúpede difícil de identificar no topo de uma colina arrastando um flautista contra um céu laranja. Um tanto quanto louco, não acham? O designer, Keith MacMillan (também conhecido como Keef), também fez visuais para álbuns do Colosseum (“Valentyne Suite”, de 1969), Beggars Opera, Rod Stewart (“Gasoline Alley”), Affinity, Hungry Wolf, Black Sabbath (“Paranoid”, de 1970), Warhorse, Manfred Mann, entre outros.

“Hannibal” traz o jazz rock como a sua espinha dorsal sonora. Os músicos se apoiaram mais no lado “rock” do jazz rock, trazendo interessantes nuances de hard rock ao som do Hannibal. E não se enganem, amigos leitores, de os caras não tivessem talento para o jazz, muito pelo contrário, basta ouvir a guitarra de Ingram, o sax de Willians e a bateria pungente e complexa de Parkes. Sem contar também com textura blueseiras que me remete ao Colosseum em seus primórdios. Definitivamente o som do Hannibal era de vanguarda, novo, audacioso e ainda trazia um embrionário prog rock dada a viradas rítmicas das músicas.

O álbum é inaugurado pela faixa “Look Upon Me”. Ela está longe da complexidade das faixas seguintes, mas que não fica atrás, sobretudo pelo saxofone, os instrumentos de sopro que ganhariam destaque do início ao fim do álbum. Mas é com a guitarra e seus bons riffs que ganharia imponência logo no início, sem contar também com o bom e consistente vocal de Alex Boyce.

"Look Upon Me"

Na sequência temos a faixa “Winds of Change” segue a linha jazz rock que é a proposta do álbum, mas vem com um pouco mais de agressividade, um jazz mesclado ao hard rock tendo a guitarra como sustentáculo, sem contar com os vocais bem dramáticos, bem emocionais de Boyce que traz o contraponto ao peso da faixa que se mostra ainda bem elaborada, complexa sob o aspecto da melodia.

"Winds of Change"

“Bend for a Friend” traz batidas constantes, com guitarra rasgando com riffs poderosos e solos ocasionais, além de saxofone nervoso e órgão indo e vindo em uma sincronia instigante. Logo muda tudo e a sonoridade se revela jazzística com texturas de teclado em ritmo lento, algo meio lisérgico, mas em seguida os instrumentos de sopro ganha logo protagonismo.

"Bend for a Friend"

“1066” traz um blues rock vibrante muito determinado que já começa logo com os vocais bem trabalhados de Boyce. Definitivamente ele traz muito caráter em seu canto, com refrãos quentes e instigantes. Não podemos negligenciar o belo trabalho de bateria, enquanto o baixo pulsa fortemente. A seção rítmica também ganha destaque nessa faixa.

"1066"

“Wet Legs” é uma excelente faixa, tão boa com um órgão pulsante que se destaca logo antes dos três minutos de música, trazendo bons solos de guitarra ao estilo jazzy, bateria marcada e bem cadenciada entre o hard rock e jazz rock e baixo pulsante.

"Wet Legs"

E fecha com a faixa “Winter” que se destaca pela pegada jazzística mesclada ao hard rock implementada por Ingram, mostrando incrível destreza e versatilidade. Talvez “Winter” personifique o que foi o álbum na sua íntegra: versatilidade, complexidade, força, intensidade. O trabalho instrumental, como um todo, se faz evidente nessa faixa.

"Winter"

Após o lançamento de seu único álbum, em 1970, o Hannibal chegou a excursionar ao lado de bandas clássicas como o Black Sabbath e Free, mas infelizmente o seu precoce fim destruiu a sua trajetória que prometia surtir frutos, como esse único álbum.

O tecladista Bill Hunt fez turnê com a banda “The Move”, que era o nome da banda norte americana Bang, na época do álbum que foi gravado, mas não lançado em 1971 chamado “Message From The Country”. Toca saxofone e trompete em “No Answer”, álbum de estréia da Electric Light Orchestra, além de piano e cravo na banda de Roy Wood, “Wizzard”. Em 1989   ele gravou um single com “Blessing In Disquise”, que também apresentava Bob Lamb (Locomotive) e os “ex-alunos” do Slade, Dave Hill e Noddy Holder.

Adrian Ingram gravou um álbum de guitarra clássica em 1980 chamado “Duets”. Nos anos 1990 ele apareceu em lançamentos de “Jazz Cat” com Alan Skidmore e o Bem Crosland Quintet.

“Hannibal” recebeu alguns relançamentos em CD, pelo selo “Green Tree Records”, em 1994, na Alemanha, depois mais um relançamento, em CD, pelo selo “Melting Pot Music” em 2009, na Irlanda e em 2017 teve o seu primeiro relançamento, em formato LP, pelo selo “Music for Special Experiences”, em 2017 por toda a Europa.




A banda:

Alex Boyce nos vocais

Adrian Ingram na guitarra e composição

Bill Hunt nos teclados

Cliff Williams no saxophone e clarinete

Jack Griffits no baixo

John Parkes na bateria

 

Faixas:

1 - Look Upon Me

2 - Winds of Change

3 - Bend for a Friend

4 - 1066

5 - Wet Legs

6 - Winter 



"Hannibal" (1970)