Me preocupa, em alguns
momentos, fazer algumas análises das sonoridades das bandas que faço audição,
pois temo que posso cair na malha fina e temível do estereótipo, do rótulo às
bandas. O rock n’ roll é diverso, híbrido e assim se tornou especial e
contestador, não tão somente nas mensagens de suas letras subversivas, mas
também no aspecto sonoro.
Mas confesso não resistir
entender determinadas vertentes sonoras, porque pode nos ajudar a entender o
tempo e o motivo pelo qual algumas bandas decidiram edificar seu som.
E para direcionar um pouco o
que estou dizendo, falemos um pouco, caríssimo leitor, da Itália. A Itália nos
fornece um bom “caldo” sonoro, sobretudo, claro, nos anos 1970, onde além da
enxurrada de bandas que havia, contava também, consequentemente, com uma
diversidade de sons, até porque também aquela década gozava de um período
prolífico não somente de bandas, mas de vertentes que nasciam diante de tantas
experimentações.
E quando decidi fazer esse
texto eu me coloquei em reflexão e refiz, mentalmente falando, a seguinte
pergunta: Quais foram as primeiras bandas pesadas da Itália? E quando falo
“refiz” é porque, evidente, ela povoa a minha mente a algum tempo, pois parece
não se configurar em uma resposta.
Mensura anos, lançamentos,
gravações de álbuns engavetados, histórias, tudo parece reforçar interrogações
que teimam em prevalecer em nossas mentes e embora aparente desconforto, talvez
fomente a predileção pela história que o rock n’ roll pode nos proporcionar.
A banda de hoje é especial
porque é rara e por isso desponta pouco nas conversas e fóruns do estilo, mas é
totalmente discutível a sua importância para o pioneirismo da música pesada
italiana e mais ainda para o hard prog. Falo do I TEOREMI.
Claro que quando falamos de
hard rock italiano, não podemos esquecer do Il Rovescio della Medaglia, com o
seu seminal “La Bibbia”, lançado em 1971, ou o grande Il Balletto di Bronzo,
com o seu debut “Sirio 2222”, que nos
remete ao Cream, entre tantos outros.
Mas o I Teoremi trouxe com seu
único trabalho, lançado em 1972, autointitulado, algo mais calcado do hard prog
e pode ser considerado como um dos primeiros trabalhos da Itália no estilo e
que viria a se consolidar no mundo inteiro, em meados dos anos 1980, como
“metal progressivo”.
E mesmo com esses predicados
“I Teoremi” é um álbum pouquíssimo comentado, mencionado, sendo considerado
como extremamente raro até mesmo em seu país natal, na Itália. Mas como aqui
neste humilde e reles blog as obscuras sempre terão vez e suas histórias
enaltecidas, mesmo diante de um retumbante fracasso comercial.
Para conhecermos a história do
I Teoremi precisamos viajar no tempo para Roma no final da década de 1960. Após
um período de shows em 1971, Tito Gallo, vocalista, Mario Schilirò,
guitarrista, Aldo Bellanova, baixista, e Claudio Mastracci, bateria, entrariam
em estúdio para gravar seus primeiros singles chamados “Sognare” e “Tutti Le
Cose”, essa segunda um cover da música “With You There to Help Me”, do Jethro
Tull, em uma roupagem mais revisitada. A banda estava acompanhada por uma banda
chamada Il Numi, que também gravaria no mesmo estúdio o seu álbum “Alpha Ralpha
Boulevard”.
Mas em 1972 Gallo decide sair
da banda, deixando-a sem vocalista. O I Teoremi foi em busca de um novo cantor
e recrutou o napolitano Vincenzo Massetti, que já era conhecido no meio musical
como “Lord Enzo” e que, pela alcunha, gozava de algum respeito e já era ativo
na década de 1960 e participou do conhecido “Festival Degli Sconosciuti”, de
Ariccia, em 1968.
A mudança, apesar de ser
sempre difícil para uma banda, foi proveitosa, foi boa, porque a voz poderosa
de Massetti se adaptou muito bem ao hard rock, ao hard prog da banda que lançaria,
no mesmo ano da entrada de “Lord Enzo” o seu primeiro e único álbum por um
pequeno selo chamado “Polaris”, meses depois de efetuarem a troca, isso no
final de 1971, sendo lançado na primavera de 1972.
A contribuição de Massetti foi
enorme para a mudança de rumo da sonoridade do I Teoremi no seu primeiro álbum
e comparação, claro, com o que lançou um ano antes com os seus singles. Nos
seus singles de 1971, também lançados pelo selo “Polaris”, aquela pegada
psicodélica deu lugar a uma atmosfera pesada e progressiva, modernizando o som
da banda e a colocando em um período em que o prog e o hard estava em voga, lá
pelo ano de 1972.
Então a formação responsável
por conceber “I Teoremi” trouxe Vincenzo Massetti (“Lord Enzo”) nos vocais, Mario
Schilirò na guitarra, Aldo Bellanova no baixo, Claudio Mastracci na bateria e
essa banda, além de ser gravada e lançada pela “Polaris”, trouxe também certo
otimismo incontido por esta pequena gravadora que, nos encartes internos do
disco, podia se ler “Caras realmente preparadas e instrumentistas excepcionais”.
Essa frase se confirma, eram grandes músicos, mas a sorte não lhe foi justa,
não tendo um prosseguimento.
E infelizmente a sua
obscuridade revela o vilipêndio que a banda sofreu à época do lançamento de seu
álbum, relegando esse trabalho a um miserável fracasso comercial, ainda que o
seu conteúdo fosse mais digno de importância, de pioneirismo, mas foi condenado
pelo ostracismo da indústria e dos fãs cegos. Teve apenas um relato lisonjeiro
de Enzo Cafarilli sobre “Ciao 2001”, onde disse que o I Teoremi trouxe um hard
caótico com atmosferas mais desafiadoras com uma técnica individual e de grupo
incomum, oferecendo um álbum globalmente inteligente e aceitável.
E é exatamente dessa forma que
temos de encarar “I Teoremi”: elementos pesados do rock progressivo, com viés
exultante do hard rock com a guitarra e o baixo distorcidos de onde emerge a
invejável técnica dos seus músicos. Uma sonoridade vigorosa, mas com muita
estruturação, complexidade, o que se diferia das bandas pesadas italianas
daquela época, o que faz desse álbum extremamente importante, apesar de raro,
fugindo um pouco das “suítes” e de músicas-conceito típicas do prog rock que
imperava na Itália no início dos anos 1970.
Além do ostracismo que a banda
sofreu, o álbum foi esmaecido por uma mixagem que não estava à altura e isso,
infelizmente, se revela perceptível, mas que de forma alguma acabou gerando um
efeito reverso, mostrando um resultado final mais orgânico e analisando por
esse prisma claro que é muito interessante. E essa dose de espontaneidade fez
com que o I Teoremi atinja o status de uma banda de identidade própria.
Mas nada disso fez com que a
banda decolasse no que diz respeito ao aspecto comercial e as tiragens modestas
e a promoção pouco incisiva, fizeram de “I Teoremi” cair no mais total
anonimato profundo.
O álbum é inaugurado pela
faixa “Impressione” que, no auge dos seus sete minutos de duração, apresenta
mudanças rítmicas interessantes, revelando-se avassaladora em sua dinâmica, com
riffs e solos de guitarra poderosos, vocais rasgados e de grande alcance, faz
dessa música um clássico e típico hard prog de estourar com os tímpanos dos
mais sensíveis.
“Mare Della Tranquillità” é a
faixa óbvia de destaque para os que apreciam a música progressiva, no alto de
seus nove minutos de duração e repleta de riffs. Ela é aventureira e a única
que traz teclado, com momentos entre calmaria e frenesi nas teclas e uma
incrível sinergia na “cozinha”, na seção rítmica, fornecem a base necessária
para a guitarra despontar com solos longos e de tirar o fôlego. No meio do
caminho ainda temos solo de bateria que mostra a destreza instrumental de seus
músicos.
“Passi da Gigante” é mais um
som cru, direto e despretensioso e vocais mais ásperos também, mas rivaliza com
momentos mais calmos e assim vai alternando, mostrando um pouco da veia
progressiva com essa dinâmica rítmica.
“Nuvola Che Copri Il Sole”
começa com muita calma, lenta e até um tanto quanto sombria, então os vocais
mais dramáticos entram a medida que o som fica mais encorpado, cheio. Quando os
vocais saem a guitarra ganha destaque, com riffs e solos avassaladores.
Segue com “Qualcosa D'Irreale”
que se mostra poderosa, abrindo com a guitarra, tendo a textura ritmada do
baixo e bateria, entrando logo o vocal limpo, mas poderoso. Mas apesar da
música ser intensa se mostra contida, soturna as vezes.
“Il Dialogo di Un Pazzo” é uma
faixa instrumental e traz a proposta vigente do álbum, poderosa, cheia de
candências e que varia do hard rock e pegadas mais progressivas.
E fecha com a faixa “A Chi Non
Sarà Più” tem uma bela introdução de bateria e entra em ação rápida com um
potente hard rock, é cru e pesada, mas as alternâncias rítmicas também se
impõem e segundo minuto se acalma e em meio a solos de guitarra, logo volta ao
peso inaugural.
O pouco apoio da gravadora,
pequena e sem recursos para uma divulgação do álbum do I teoremi e o
consequente esquecimento fez com a banda finalizasse as suas atividades ainda
em 1972, ano do lançamento do álbum. Mas felizmente apesar do precoce fim os
músicos conseguiram dar prosseguimento em suas carreiras musicais, com algum
sucesso, inclusive.
Aldo Bellanova tocaria, por um
curto período, com a banda Il Punto, depois formou o Samadhi e um trio de pop
rock chamado Cliché, que somente lançou um single e LP em 1981, juntamente com
seu ex-colega de I Teoremi, Claudio Mastracci, além do guitarrista Franco
Ventura, falecendo em 2013. Vincenzo Massetti, o “Lord Enzo”, teve, entre os
músicos, maior sucesso, encontrando fortuna na Tailândia, construindo uma
sólida carreira solo como cantor melódico.
Mastracci, além de ter formado
o Clichê, junto com Bellanova colaboraria com Rettore e Sergio Caputo,
participando em programas de TV, com orquestras e lecionando bateria, enquanto
Mario Schilirò tocaria com vários artistas dos mais variados estilos, entre
eles Antonello Venditti, Baglioni, Ccciante e até mesmo Zucchero.
“I Teoremi” foi relançado três
vezes: o primeiro pelo selo “Vinyl Maagic”, que também lançou em CD, em uma
prensagem numerada de apenas 300 cópias. Uma nova reedição foi do selo
“Akarma”, adicionando as faixas dos singles do LP. Em 2011 o álbum foi
reeditado novamente pela AMS com a mesma capa em uma prensagem limitada de 300
cópias. As reedições do Akarma, em CD e LP, têm as faixas dos dois lados
originais na ordem inversa em comparação com as outras versões.
Longe de ser os típicos álbuns
sinfônicos da Itália que, em profusão, surgiram em 1972, o trabalho do I
Teoremi está em estado bruto, é orgânico, embora apresente complexidade
conferido pelo rock progressivo. Um clássico raro e obscuro que ainda assim
instaura na Itália o hard prog com maestria.
A banda:
Aldo Bellanova no baixo
Mario Schilirò na guitarra
Claudio Mastracci na bateria
Vincenzo Massetti (Lord Enzo)
nos vocais
Faixas:
1 - Impressione
2 - Mare della Tranquillità
3 - Passi da Gigante
4 - Nuvola Che Copri Il Sole
5 - Qualcosa D'Irreale
6 - Il Dialogo Di Un Pazzo
7 - A Chi Non Sarà Più