O rock progressivo em família!
A família italiana em prol do rock progressivo dos anos 1970! A cultura do prog
naquele país é tão grande que famílias se reúnem para tocá-lo. Músicos são
talhados para tocar essa vertente do rock tão vivo e presente até os dias
atuais. A história que vou apresentar hoje nesse texto inevitavelmente se
depara com uma situação única e particular.
Particular e única por ser uma
banda que trazia três irmãos e um pai como produtor, mas que não traz novidades
em se tratando de sua precocidade. Mais uma daquelas “one-shot-bands” italianas
negligenciadas, esquecidas e que, como um sonho, surgiu e passou rápido, tal
como também um desses cometas. Falo da banda APOTEOSI.
Outro ponto particular e
peculiar foi o local de surgimento do Apoteosi, na região de Palmi, na
Calábria, tida como pouco conhecida no que se refere ao rock n’ roll, no rock
progressivo. A cena era insipiente, poucas bandas surgiram nessa parte da
Itália. Além de particular, o Apoteosi se tornou importante, praticamente se
tornando a única ou uma das poucas a terem, mesmo que discretamente, um
surgimento e carregando, consequentemente, o rock progressivo da Calábria.
E o Apoteosi, quando lançou
seu álbum, em 1975, que, neste ano de 2025 completou cinquenta anos de
lançamento, se tornou importante e um referencial não apenas pelo fato de ter
sido uma das poucas bandas da Calábria, mas por ter construído um álbum
conceitual, tendo a cidade natal desses músicos, como cerne, um verdadeiro hino
à sua terra, uma espécie de hino de esperança para o despertar desse pequeno
pedaço da Itália esquecido pelo rock progressivo.
Bem já que falamos de família,
vamos tecer detalhes da história do Apoteosi que, como disse, tem fundações
enraizadas no conceito familiar, na família Idà. São eles: Silvana Idà nos
vocais, Massimo Idà, na guitarra e vocal, Federico Idà, no baixoe flauta,
juntamente com os “forasteiros” Franco Vinci, na guitarra e vocais e Marcello
Surace na bateria.
E regendo tudo isso vinha o
pai, o patriarca do prog na família Idà, o Salvatore Idà que, além de pai de
Silvana, Federico e Massimo, desempenhou o papel de produtor e compondo uma das
músicas do único álbum da banda. Pode parecer algo pouco usual um pai incutir
na mente de seus filhos o conceito do rock progressivo e ajuda-los a montar uma
banda e financiá-los, mas a cultura do prog rock na Itália, apesar de todos os
problemas e turbulências políticas nos anos 1970, era forte e não podemos
negligenciar a veia musical dos jovens músicos.
E quando falo jovens músicos é
porque são efetivamente jovens mesmo, onde a maioria dos Idà sequer chegaram à
adolescência quando formaram a banda e lançaram o seu autointitulado álbum, em
1975. Para se ter uma ideia o Massimo tinha apenas quatorze anos de idade
quando gravou o álbum juntamente com seus irmãos e Franco Vinci tinha apenas
dezessete anos quando tocou em sua primeira banda, “The Green Age”. Muito dessa
referência dos irmãos se deu também pelo estúdio que o seu pai tinha e ter sido
também o homem forte, o que comandava o selo Said Records. O álbum foi editado
pelo próprio Massimo Idà, em um processo que não gerou nenhum cachê, afinal,
tudo estava em família.
Sobre o álbum do Apoteosi,
embora tenha sido concebido em família e em uma região italiana pouco visível
para o rock progressivo na Itália, não teve a repercussão que se esperava a
começar pela baixa distribuição e exposição desse álbum e muito se atribuiu
também, à época, por conta das semelhanças com a já famosa banda Premiata
Forneria Marconi, que tendia evidentemente para o progressivo sinfônico,
primordialmente.
E falando em lançamento, a
tiragem foi limitada e quase que caseira, diria “artesanal”, tendo ainda uma
distribuição local, se tornando, claro, entre os aficionados pelo vinil, cópias
muito raras. Mas se o Apoteosi tem certa visibilidade hoje, nem tanto, se deve
aos relançamentos, às abnegadas gravadoras, mas também a “web”, as redes
sociais e os produtores de conteúdo e que bom, caros leitores, que esse
trabalho esteja figurando neste reles e humilde blog.
Mas por mais que não se
vislumbre no único álbum do Apoteosi a tal da originalidade, não podemos deixar
de comentar a incrível capacidade e habilidade de seus músicos, mesmo que na
mais tenra idade. E o que dizer também de suas habilidades composicionais? Não
podemos, de forma alguma, negligenciar isso desta banda da Calábria.
E as referências evidentes em PFM, Banco del Mutuo Soccorso talvez se evidencia pela pouca idade de seus músicos que, mesmo habilidosos com seus instrumentos, eram muito jovens e isso não se pode esquecer, eles, ainda assim, estavam em uma fase de construção de sua identidade musical.
Mas ver como Massimo, o
tecladista, um menino no auge dos seus quatorze anos de idade, toca piano,
Hammond e ainda editando o álbum é algo no mínimo assombroso de tão incrível. A
sua irmã, a vocalista Silvana Idà, um pouco mais velha que ele, mas trazendo
uma voz linda e extremamente versátil, que vai da psicodelia, progressivo ao
folk rock, mesmo que ainda dependesse de um pouco mais de estrutura, altivez,
mas penso que isso se deva a questão da maturidade, afinal, ela também era
muito jovem e estava em fase de desenvolvimento musical, como todos os demais
músicos.
Diante desse, digamos,
problema vocal, a banda deitou-se em um terreno seguro para demonstrar toda a
sua capacidade nos seus instrumentos. Além de Massimo Idà dando espetáculo com
as suas teclas, tinha também a seção rítmica formada por Federico, no baixo e
Marcello Surace na bateria, mostrando-se sólidos e harmoniosos. As guitarras
são enérgicas e, além de trazer as indefectíveis nuances sinfônicas, nos remete
também a algo mais pesado, um hard rock. É isso que faz desse único álbum do
Apoteosi especial: versátil, inusitado, com pitadas folk, psicodélicas e mais
pesadas destacadas pelos riffs de guitarra, além de um toque de inocência, pelo
fato de termos jovens ainda descobrindo o seu DNA sonoro.
Eu diria, amigos e estimados
leitores, que esse álbum tem muitos rostos, a cara de cada um é impressa de
forma, embora ainda inocente pela inexperiência, muito viva e plena. São
composições convincentes, brilhantes, orgânicas, com destaque, como disse, no
seu instrumental, na guitarra vibrante, na seção rítmica empolgante e calcada
no rock progressivo sinfônico que, embora revele referências de bandas já
estabelecidas na cena italiana, mostra, com evidência, a característica do prog
rock da Itália.
“Apoteosi” é franco, altivo,
simples, orgânico, intenso e mostra as habilidades de jovens músicos que
deixaram, definitivamente, a criatividade falar por si só, sem abrir mão de
suas convicções sonoras, trazendo à tona também as suas mais fiéis inspirações
e referências, personificando também o que se fazia na Itália progressiva nos
anos 1970.
Então vamos às faixas! O álbum
é inaugurado pela faixa “Embrion” que se trata, claramente, de uma introdução
que, embora curta, se revela cintilante principalmente na execução do teclado
na primeira metade da música, com a banda avançando com força total. É
perceptível que a ideia composicional dessa faixa era de explorar as
habilidades de todos os músicos e, diante desse caos, se faz a beleza sonora.
Reza a lenda que a “confusão fragmentada” desta música veio da ideia de todos e
que não havia tempo para realmente discutir a construção da mesma. Então o já
falado caos se fez presente na faixa.
Eis que surge então a próxima
música, que é uma verdadeira epopeia sonora e certamente se revela a melhor do
álbum: “Prima Realta / Frammentaria Rivolta”! No auge dos seus quatorze
minutos o piano começa lentamente antes da bateria, lindamente, juntamente com
a flauta assumirem o controle. O ritmo logo acelera, os vocais femininos de
Silvana trazem a contradição, a leveza. Definitivamente a bateria e o piano
ganham destaque, com a guitarra, com alguma energia, tenta, com algum sucesso,
protagonismo, sendo esta a mola propulsora do peso na música.
"Il Grande Desumana /
Oratori (Coral) / Atteca" começa com um piano que entrega algo sombrio,
uma atmosfera melancólica, mas logo acelera com a bateria, que vem forte e
soberba. Surgem vocais masculinos sem muito destaque, com a guitarra em
seguida, com dedilhados sutis. Os vocais de Silvana são contidos, discretos,
diria pastorais e com uma pegada folk. Mas logo anima novamente com uma veia
jazzística órgão espectral assombroso e sóbrio e interlúdio coral.
“Dimensione Da Sogno” se torna triunfante e esperançoso com Silvana cantando com dignidade e certo espírito. Percebe-se nitidamente uma faixa audaciosa e repleta de nuances sonoras distintas, sobretudo quando se sente o prog sinfônico em voga nas variações rítmicas.
E fecha com a faixa título,
“Apoteosi” que, lentamente vai se desenrolando, com sintetizadores brilhantes,
com pitadas interessantes e intrigantes de um space rock e solos de guitarra
bem sutis e contemplativas. Talvez nessa música é o que chega mais próximo de
um momento psicodélico que nos remete a fase inaugural de bandas como Pink
Floyd e Nektar.
A banda, reza a lenda, que
nunca se apresentou ao vivo, após o lançamento do álbum e, devido a falta de
apoio e de uma estrutura que permitisse a banda difundir a sua arte e manter o
mínimo de estabilidade para seguir com a sua trajetória, o inevitável se deu: o
Apoteosi se desfez para dar lugar às diferentes decisões de cada um dos irmãos,
ou seja, cada um seguirem com as suas carreiras e convicções sonoras. Talvez,
arrisco dizer, que o Apoteosi não passou de uma espécie de tudo de ensaio para
os jovens músicos testarem as suas aptidões e, a partir daí, explorarem,
individualmente, as suas habilidades musicais.
Mas antes disso decidiram
juntos enveredar pela música comercial, mudaram o nome para “Stress Band” e
gravaram um single, em 1979, com um cover de uma música de Gino Vannelli. Mas
com a inevitável dissolução, cada irmão seguiu com carreiras diametralmente
distintas uma das outras.
Massimo Idà mudou-se para
Roma, trabalhando como músico de estúdio e produtor de música para televisão. Atualmente
ele toca em uma banda de funky disco, chamada “Frankie & Canthina Band”.
Ele também produziu e se apresentou no álbum “Dylaniato”, de Tito Schipa Jr.,
de 1982.
Silvana Idà deixou a indústria
musical para formar a sua família e continua a morar em Palmi, na Calábria, sua
cidade natal. Seu filho atualmente toca em uma banda de rock n’ roll. Federico
Idá, juntamente com seu irmão Massimo, fez um single como “The Zombies”. Ele
faleceu em 1992.
O guitarrista Franco Vinci
continuou tocando e continua muito ativo no blues. Seu álbum, com a banda
“Bootleg”, “Boot Trip”, foi lançado em 2003. Sua banda atuaç leva seu nome e se
chama “Franco Vinci Blues Band”. O baterista Marcello Surace continua tocando
como músico de estúdio na Itália e na França e também faz parte da “Frankie
& Canthina Band”, juntamente com Massimo Idà.
O único álbum de Apoteosi
oferece rock progressivo melódico surpreendentemente acessível ao rock
progressivo italiano dos anos 1970. É sim um rock progressivo por excelência,
afinal todos os elementos certos estão lá: interação musical complexa, seção
rítmica sólida, mudanças de tempo e assim por diante. Embora os vocais de
Silvana Idà não sejam tão competentes mostram certo prazer. As entradas
sinfônicas de teclado são fantásticas e maduras, flautas competentes e
guitarras que vão do peso a sutileza.
Um álbum mais do que
recomendado que, infelizmente, à época não recebeu a atenção que merecia,
afinal, sua edição foi muito limitada, sendo um dos vinis mais procurados e
cobiçados entre colecionadores, chegando a valores, quando encontrados
astronômicos. Felizmente em 1993 a abnegada Mellow Records relançou o álbum em
CD e fez um grande favor aos apreciadores e fãs de rock progressivo. Tiveram
outros relançamentos como no Japão, em 2012, pelo selo Belle Antique, em CD, em
2015, na Itália, pelo selo AMS Records e também pelo selo dos pais dos músicos,
Salvatore Idà. Entre 2022 e 2024 a AMS Records e a Belle Antique relançaram o
álbum no formato CD.
A banda:
Silvana Idà nos vocais
Franco Vinci nos vocais e
guitarra elétrica e acústica
Massimo Idà no piano, Hammond
B3, Eminent organ, ARP Pro Soloist synthesizer
Federico Idà no baixo e flauta
Marcello Surace na bateria
Com:
Coro Alessandroni / vocais do
coro (Em “Oratorio”)
Faixas:
1 - Embrion
2 - Prima Realta /
Frammentaria Rivolta
3 - Il Grande Disumano /
Oratorio (Chorale) / Attesa
4 - Dimensione Da Sogno
5 - Apoteosi













Nenhum comentário:
Postar um comentário