Será que podemos guardar uma
geração, uma vertente sonora em uma caixa, como um produto velho e carcomido e
esquecer? Aquele discurso de que está obsoleto e que deve ficar, no mínimo para
a história da música e pouco falar sobre, quanto mais executá-la, trazê-la à
tona?
Não sou contrário, nobres e
estimados leitores, ao novo, aos “testes” geracionais que a vida nos impõe e,
claro, com a música que é o nosso assunto por aqui. A mudança, embora temida
por tantos, se faz importante, mas a importância não pode ser comparada à
obrigações e/ou posturas conservadoras instituídas.
Os anos 1990 foi a “era do
grunge”, de Kurt Cobain, das roupas de flanela, de um rock n’ roll mais direto,
a necessidade de simplificar diante da arrogância sonora dos músicos de rock progressivo
ou ainda dos excessos do glam metal de meados dos anos 1980.
Evidente que podemos
questionar as tais gerações, isso é democrático, salutar, diria, mas tudo,
consequentemente, é uma questão de opinião. Sob o aspecto comercial o rock
progressivo estava, ainda mais, à margem nos anos 1990. As gigantes do estilo
até enchiam arenas, mas estavam descaracterizadas sonoramente falando.
Mas não se enganem o rock
progressivo ainda tinha sua carga criativa cheia, forte, contundente,
consistente e tinha um público que estava ávida por consumi-la. Alguns países,
inclusive, via a sua cena ressurgir, como a Itália, que via, aos borbotões,
bandas bem interessantes ganharem vida.
No norte da Europa se
testemunhavam o surgimento de bandas muito legais e que traziam, revisitavam,
os sons ocultos dos anos 1970, mas com roupagens contemporâneas com o rejeitado
metal progressivo, por exemplo. Ouso dizer que muitas dessas bandas que
surgiram nos anos 1990 e também na década de 2000, podem figurar na história do
prog rock recente.
E não podemos negligenciar o
que a Suécia tem feito, nesses últimos trinta anos, a serviço, não apenas ao
rock progressivo, mas ao rock n’ roll como um todo. Grandes bandas vêm surgindo
enaltecendo, em uma espécie bem-sucedida de homenagem aos seus predecessores, a
música dos anos 1970, entregando sons novos e relevantes.
E preciso citar o MORTE
MACABRE. Essa banda assumiu um caráter de projeto com início, desenvolvimento e
fim efêmero, o que, convenhamos, é uma pena, que uniu duas proeminentes bandas suecas
dos anos 1990 que são o Landberk e o Anekdoten. E a formação trazia Nicklas
Berg no mellotron, fender rhodes, theremin, sampler, guitarra, baixo, Peter
Nordins na bateria e percussão, Reine Fiske na guitarra, violino, mellotron, fender
rhodes e Stefan Dimie no baixo e moog. Berg e Nordins tocavam no Anekdoten e
Dimie e Fiske eram membros do Landberk.
E o resultado dessa fusão veio
o único álbum da banda chamado “Symphonic Holocaust”, lançado, pelo selo antigo
chamado “Mellotronen”, que pertencia ao baixista Stefan Dimie, em 1998, no
formato CD, sendo as sessões de gravação no estúdio Largen, na Suécia. Além de
ter sido concebido em uma época avessa ao prog rock, sob o aspecto comercial,
trata-se de um álbum desafiador para ouvidos mais conservadores do rock
progressivo muito acostumado a ouvir as sonoridades setentistas. É um trabalho
extremamente nervoso, temperamental, contundente e tem, ouso dizer, tudo para
que, daqui a 50 anos, seja celebrado como um clássico esquecido e que será
considerado como “cult”.
É um trabalho complexo, de
personalidade, avesso aos estereótipos, que entrega beleza, sombras, um
trabalho excepcional de occult rock, de dark progressive, que não se via a
tempos, desde bandas como Antonius Rex e Goblin. A propósito os temais musicais
são oriundas de trilhas sonoras de filmes de terror, majoritariamente europeus,
baseando-se exatamente no que o Goblin fez nos anos 1970, com os filmes do
cineasta Dario Argento, além de duas faixas originais, compostas pelos
integrantes da banda.
Pode não parecer, diante
disso, algo novo ou revolucionário, mas o habitat sonoro em “Symphonic
Holocaust” é muito bem definido e principalmente bem delineado: o tema de
filmes de terror é muito bem explorado, sobretudo o do occult rock, do
progressivo de terror é extremamente orgânico e sofisticado, ao mesmo tempo. É
uma ode aos desbravadores Jacula, Goblin, Museo Rosenbach e tantos outros
undergrounds que lutaram contra uma onda de conservadorismo que persiste até os
dias de hoje.
Filmes como “The Beyond”, “The
House by the Cemetery”, “City of the Living Dead”, “Cannibal Holocaust”,
“Zombie” e "Rosemary's Babe", do grande diretor Roman Polanski, além
de duas faixas escritas pelo Morte Macabre. Os filmes, de baixo orçamento, os
famosos “Lado B”, também são marginais como a sonoridade desta banda.
Antes de dissecar cada faixa
deste álbum convém ressaltar um detalhe muito interessante e que, de alguma
forma corrobora a textura sombria de “Symphonic Holocaust”: o Mellotron. Quase
todos os membros da banda tocam o instrumento, colocando-o, obrigatoriamente,
como ponto central da estrutura sonora deste álbum. A melancolia, a atmosfera
densa e particularmente sombria é a tônica deste trabalho do Morte Macabre.
Então vamos a elas!
A faixa inaugural é “Apoteosi
del Mistero”, que é do filme “City of the Living Dead” e essa faixa já começa
para mim arrebatadora! Ondas de mellotron logo no topo, quando um som mais
completo e “cheio” já chega logo, em menos de um minuto. A guitarra tem seu
destaque, bem como a “cozinha” rítmica, com baixo e principalmente a bateria,
marcada e altiva, dando o tom mais pesado à faixa.
Na sequência temos a primeira
faixa composta pela banda, “Threats of Stark Reality” que traz uma textura
sombria e extremamente experimental que remeteu à psicodelia ácida da cena
krautrock, com uma aura de space rock também, diria. Uma faixa assustadora e
que poderia adentrar em qualquer filme de terror, facilmente.
"Sequenza Ritmica e
Tema", é do filme “The Beyond”. É inegável dizer que bateria, guitarra e
baixa atinge com força os ouvidos e o coração, tendo, evidentemente o mellotron
entrando gradativamente no contexto sonoro. Um constraste improvável, mas que
harmoniza em um caos oculto e tenebroso e assim a música vai seguindo até seu
fim louco, docemente louco. Convém lembrar também que cada músico decidiu
empreender com solos de seus instrumentos, mesmo assim tudo conectado.
Segue com “Lullaby”, tema do
clássico filme “Rosemary’s Baby”, de Roman Polanski. É clássico aos ouvidos e
parece te colocar dentro do ambiente da trama horripilante construída por
Polanski e quando entra finalmente pela primeira vez no álbum um vocal da
Yessica Lindkvist com suas suaves e terrivelmente sedutadora vocalização de
“la-la”, pronto! Uma música que verdadeiramente dignifica a proposta sonora de “Symphonic
Holocaust”. As linhas de baixo esparsas e descontraídas reforça as sombras que
permeiam na música, juntamente com a bateria, sem contar, claro, com o
mellotron.
“Quiet Drops” é sublime,
porque aqui o destaque fica para a guitarra, tão focada e poderosa. Uma faixa
contemplativa, viajante, chapante, lisérgica, progressiva, linda! A beleza da
introspecção a torna única, singular. A bateria vai encorpando, dando mais
vivacidade à música. Sem dúvida uma das mais interessantes faixas do álbum. “Opening
Theme” soa como uma improvisação informal, que abre os trabalhos para a faixa
seguinte...
“The Photosession” o
arrebentar do mar na costa, nas pedras são acompanhados por uma suave e notas
de guitarra que reproduz um momento singular e harmônico e aí vem os toques dos
pratos da bateria, as notas incidentais de guitarra e baixo se fundem e logo
depois o fender rhodes e o mellotron em seguida. Tudo tão conectados, mas
orgânico, típico de músicas instrumentais.
E o grand finale é realmente apoteótico e colossal com a faixa-título “Symphonic
Holocaust” que, no auge dos seus quase dezoito minutos revela-se a mais pesada
e fantasticamente complexa, trazendo uma miscelânea de vertentes percebidas, ou
melhor, ouvidas em todas as faixas anteriores do álbum. O mellotron ganha
destaque, trazendo uma textura sombria, mas logo o peso do hard prog se faz
presente, com riffs pegajosos de guitarra e bateria marcada e pesada.
O volumoso arsenal instrumental de “Symphonic Holocaust” faz do Morte Macabre e seu único rebento um trabalho singularmente especial. As faixas são sedutoras, suaves em grande parte, como se fosse ninar os ouvintes, os transportando para um sombrio pesadelo. Um clássico que se perde no tempo da música plastificada e sem vida dos anos 1990. Uma ode à temporalidade da carne e à inevitável passagem do tempo. Um álbum emocional, sombrio e humano.
A banda:
Reine Fiske na guitarra, violin, mellotron, fender
Rhodes
Nicklas Berg no mellotron, fender Rhodes, theremin,
sampler, guitarra e baixo.
Stefan Dimle no baixo, mellotron e moog
Peter Nordins na bateria, percussão e mellotron/
drums, percussion, Mellotron
Com:
Yessica Lindkvist na voz na faixa
4
Janne Hansson no waves Fx na faixa 7
Faixas:
1 - Apoteosi del Mistero
2 - Threats of Stark Reality
3 - Sequenza Ritmica e Tema
4 - Lullaby
5 - Quiet Drops
6 - Opening Theme
7 - The Photosession