Mais um “clássico obscuro”
que merece reverências pela história que escreveu no rock progressivo e
psicodélico e que tem as suas raízes na Alemanha e Itália. Com essas
credenciais territoriais já nos estimula a ouvir, trazendo a certeza de que é
algo de alta qualidade sonora. Falo do ANALOGY.
E a sua história é sinônimo da
persistência e amor à música que acreditavam sem se render a modismos sonoros,
desses que simplesmente não trazem nenhum tipo de consistência e conteúdo,
muito pelo contrário, o Analogy, mesmo não tendo o reconhecimento devido, foi
um pilar, um baloarte para o dark progressive, para o psych, deixando seu
nome na história obscura da cena.
Embora as raízes da banda tenham surgido na
Alemanha, com alguns músicos nativos daquele país, o Analogy nunca surgiu como
banda por lá, sobretudo na sua gênese. Eles trabalharam juntos no norte da
Itália, isso no longínquo ano de 1968, mais precisamente na cidade de Varese.
Martin
Thurn, guitarrista e flautista, nascido em 1950, na cidade de Siegen, Alemanha,
mudou-se para Bonn, ainda menino, com oito anos de idade onde morou até os
dezoito anos e por lá começou a edificar a sua carreira de músico.
A mãe era
professora primária e o pai um juiz e sua família era caracterizada pelo forte
catolicismo, criando uma espécie de antítese anárquica no garoto Martin que não
gostava nem um pouco daquela realidade religiosa calcada em conservadorismos. A
formação musical dele era puramente clássica, começando a tocar violino aos
quatorze anos.
Martin Thurn
Foi quando descobriu os
Beatles deixando hipnotizado pelo rock n’ roll, fazendo-o largar as regulares
aulas de violino e a sua vida certinha. E para descobrir outras bandas foi um
pulo, passando a ouvir The Who, Pink Floyd, Small Faces, entre outras bandas
que ajudou a edificar o músico Martin, mas, a sua formação clássica nunca o
deixou, tendo traços desse momento de sua vida, desenhados na sua formação como
músico.
No início de 1968 ele formou, com alguns amigos, a sua primeira banda, “The
Number Six, mas não vingou. Se mudou para Varese, no mesmo ano, para frequentar
uma escola internacional e formou imediatamente uma nova banda chamada “Sons of
Giove”, junto com um colega e compatriota que vivia desde pequeno em Varese, na
Itália, o guitarrista e vocalista Wolfgang Schoene, Roger Schmitt no baixo e o
belga Jean-Claude Sibel na bateria.
O baixista Thomas Schmidt (mais tarde chefe
da Pell Mell) também tocou na Sons of Giove por um curto período de tempo. A
banda tocou localmente por um ano e não conseguia decolar apesar de fazer uma
boa quantidade de shows.
Sons of Giove (1968)
A namorada, também alemã, de
Martin, Jutta Nienhaus, andava sempre com esse grupo de estudantes e descobriu
sua aptidão pela música, dizia que queria seguir a carreira de cantora e
decidiu, junto com Martin, formar uma dupla chamada “Jutta & Martin”, após o
fim da Sons of Giove.
Fizeram muitos shows, gravaram um single cover do Juke-Box (“Here to You / Hot Love” - Jutta & Ice) com uma banda italiana
chamada “Alta Società” e, a partir daí, decidiram que queriam dar um upgrade na
sua música.
Eles perceberam que poderiam fazer algo maior, tinham capacidade
para isso. Quando o irmão de Jutta, Hermann-Jürgen “Mops” Nienhaus aprendeu a
tocar bateria para acompanhar seu amigo, o italiano Mauro Rattaggi, baixista,
que tocava em uma banda chamada “The Riverboys”, juntaram-se para formar o que
de fato seria o embrião do Analogy, o “The Joice”.
The Joice (1970)
“The Joice”, mais tarde
reduzindo o nome para “Yoice”, foi formada em 1970, logo depois do fim de “Sons
of Giove”, no final de 1969. Na formação tinha Jutta, o seu irmão “Mops”, Mauro
e Martin e assim permaneceu, em quarteto, entre abril e setembro de 1970, antes
de Wolfgang Schoene se juntar a banda tocando violão.
Tiveram a sorte de
conseguir um contrato que os levou a tocar no norte da Itália e na Suíça,
fazendo até dois shows por dia! Então, com isso, conseguiram algum dinheiro
para comprar um PA legal e precisava também de aumentar a banda, se juntando a mesma,
em 1971, o tecladista italiano Nicola Pankoff que se juntou ao The Joice
durante um show ao ar livre! Sim, a sua estreia foi logo em um show importante
para a banda e Pankoff tinha, anteriormente, tocado com sua banda.
A química foi
tão boa que não poderia deixar o tecladista passar batido e logo se juntou a
banda. Durante um show em Milão, em 1971, na Páscoa daquele ano, Antonio
Cagnola, um empresário de Monza, que havia fundado o pequeno selo "Dischi
Produzioni 28", se interessou muito pela banda.
Sua família possuía a fábrica de
impressão de discos Microwatt em Vimercate, perto de Monza, e, portanto tinha
boas conexões com muitos negócios musicais italianos, incluindo uma das maiores
empresas de distribuição, a Messagerie Musicali, posteriormente adquirida pela
CBS.
No início de maio, a banda gravou duas faixas demo chamadas “God Own Land”
e “Hey Joe” em um estúdio de Milão, mas a qualidade era tão ruim que não ajudou
muito na divulgação da banda. The Joice finalmente assinou contrato de gravação
com a Produzioni 28 e a partir daí a banda continuou a tocar de forma
ininterrupta.
Foi aí que o nome da banda
mudou de novo: “Yoice”. Eles estavam gravando as músicas para o novo álbum e
estavam seguindo um caminho meio obscuro e soturno que os produtores achavam que
não poderiam vender.
Como o single era bem comercial, a banda queria mudar a
sua imagem de acordo com o seu desenvolvimento sonoro e o nome “Yoice” de
alguma forma representava seu “velho” estilo. Por curiosidade o nome “Yoice”
foi o nome que foi para o pôster de forma acidental e a banda decidiu manter por
achar que era o caminho mais fácil, mas que ficou por pouco tempo.
Mas para se
desvencilhar desse nome a banda se isolou por uma semana em uma cabana na
montanha perto do Lago Maggiore para fazer certo corte com esse passado,
surgindo o nome Analogy. Mauro Rattaggi, o baixista, teve que sair da banda
para assumir seus compromissos militares obrigatórios e Wolfgang teve que
trocar a guitarra pelo baixo.
O primeiro show após a gravação e mudança de nome
foi o Festival Villa Pamphili, em Roma, em maio de 1972. E assim surge o seu
debut, alvo da resenha de hoje, lançado em 1972 recebendo o nome de “Analogy”. Os produtores estavam irritados com o resultado do álbum: um som pouco
comercial, obscuro e ameaçador.
Um rock progressivo, com pitadas generosas de
psych, com algumas viagens experimentais, trazendo à tona a predileção pelo
Pink Floyd nos seus primórdios. Decidiram não investir tanto, pensando que não
teria o retorno esperado. O dinheiro estava acabando e a banda decidiu gravar e
mixar o álbum em apenas dois dias! Além do trabalho sonoro maravilhoso o que
também chama e muito a atenção é a arte gráfica do álbum, a sua capa com os
integrantes todos nus.
A capa do single e do
primeiro álbum são bem parecidas. A seção de fotos aconteceu pouco antes do
lançamento do single quando a banda estava pintada, mas também vestida. As
fotos com a banda nua foram feitas no mesmo dia, mas não foram usadas, por
conta do conservadorismo na Itália no início da década de 1970.
Mas quando
o disco estava para ser lançado, o produtor decidiu usar essa foto, para
contrariar. A foto de Mauro Rattaggi foi removida, usando a faixa azul, pois
não tinha um trabalho digital para remover. A banda não aprovou essa capa, pois
o tecladista Nicola Pankoff era um exímio pintor e a banda queria usar o
talento dele, mas os gerentes da gravadora recusaram.
O Analogy teve problemas
com as vendas dos álbuns, pois as lojas não queriam vender “pornografias”,
então colocaram uma espécie de pôster para cobrir a capa. Curioso que, em 2010,
o selo italiano MAS/BTF relançou o álbum com a mesma embalagem de pôster.
E falando
em vendas, foram colocadas 1.000 cópias e estavam em todas as lojas de
discos italianas o que facilitou, em termos, as vendas, esgotando rapidamente,
se tornando um item de colecionador desde então.
Então falemos do álbum!
Inaugura com “Dark Reflections” é um blues rock, com um tempero progressivo com
uma pegada hard e soturna, obscura, tudo envolta em uma atmosfera densa, tendo
a regência do vocal maravilhoso de Jutta. Martin a compôs e se trata de um amor
não correspondido por uma garota da província de Aix-em-Province. Não há como
perceber e sentir o clima sombrio e ameaçador, bem arrastado.
"Dark Refletions", Live at Viterbo (2012)
Na sequência temos “Weeping
May Endure”, um som que mescla um pouco de erudito, música clássica e uma
sonoridade mais voltada para o psicodélico. E muito disso se confirma com a
história de onde foi gravada essa faixa, em uma igreja com a composição do
tecladista Nicola. O destaque fica também com os solos ácidos de guitarra e o
teclado de fundo dando uma camada mais animada e solar.
"Weeping May Endure"
“Indian Meditation” foi uma
faixa que eles tocaram direto como “Yoice” e mostra um clima viajante e
lisérgico capitaneado pelo vocal de Jutta, uma nuvem lisérgica com riffs de
guitarra bem floydiano.
"Indian Meditation"
“Tin’s Song”, apesar de uma
curta faixa, tem uma história interessante. Em 1971, um venezuelano chamado
Tin, de alguma forma passou algumas semanas com a banda no Lago Maggiore. Ele
dedilhava, de forma limitada, a sua guitarra e tocava aquele mesmo riff várias
vezes. Martin perguntou a ele se poderia usá-lo no álbum da banda,
transformando-o o que está no álbum: bongôs, um piano soft e algo meio
psicodélico faz dessa faixa simples mas animada.
"Tin's Song"
E eis que surge a faixa
título: “Analogy”, que traz uma estrutura puramente experimental, calcada em peças
psicodélicas e progressivas, com muita vivacidade e diria, pesada em momentos
da faixa, com momentos introspectivos, contemplativos e assim a música se
alterna, tornando-se atrativa e viajante, em doses chapantes de ópios sonoros.
E há uma história interessante por trás dessa faixa. A banda estava ensaiando a
música em um topo de uma montanha, quando cerca de 20 pessoas que caminhavam
pelo local se reuniu em uma colina próxima e se puseram a ouvir a banda tocar
de forma improvisada, durante o pôr do sol. Quando terminaram houve um silêncio
total por um minuto, sendo irrompida por frenéticos aplausos.
"Analogy', Live at Viterbo (2012)
“The Years At The Spring”
começa animada, dançante, com um riff que me remete a um beat sessentista, cuja
letra foi extraída do escritor inglês Robert Browning e não tem como se lembrar
das bandas psicodélicas dos Estados Unidos, mostrando que o álbum era
deliciosamente versátil.
"The Years At The Spring"
Finaliza o álbum com a faixa
“Pan Am Flight 249” mostra a força do blues fundido ao rock progressivo,
colocando, mais uma vez o tempero do hard rock, com riffs de guitarra pesados,
com alguns solos mais longos e diretos e uma bateria pesada e marcada.
"Pan AM Flight 249", Live at Viterbo (2012)
O futuro não foi dos
melhores para o Analogy. Nicola Pankoff saiu da banda em outubro de 1972 e
Rocco Abate, um flautista clássico, da Orchestra dela Scala di Milano, se
juntou a banda. Surgiu o novo material, “The Suite”, lançado em 1993, uma
combinação de música renascentista e rock n’ roll, viajando pela Itália tocando
em muitos festivais famosos, mas decidiu encerrar essa trajetória em novembro
de 1973 na cidade de Aosta, pois a gravadora havia falido e a banda não queria,
não podia financiar as suas turnês com uma sonoridade pouco comercial.
"The Suite" (1993)
Embarcaram em alguns projetos, cujos “vestígios” podem ser ouvidos no álbum “25
Years Later”, se juntando ainda ao “Collettivo Teatrale La Commune di Dario Fo”,
viajando com eles por cerca de seis meses. Reeditaram a dupla “Jutta &
Martin” e finalmente decidiram deixar a Itália, se instalando em Londres onde
fundaram a banda de new wave chamada Earthbound que fez sucesso. Mas isso é outra
história.
A banda:
Jutta Nienhaus no vocal
Martin Thurn na guitarra
acústica, bongôs e flauta
Nicola Pankoff nos teclados
Wolfgang Schoene no baixo
Hermann-Jürgen Nienhaus na
bateria
Faixas:
1 - Dark Reflections
2 - Weeping May Endure
3 - Indian Meditation
4 - Tin's Song
5 - Analogy
6 - The Year's At The Spring
7 - Pan-Am Flight 249
Analogy - "Analogy" (1972)