sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Analogy - Analogy (1972)


Mais um “clássico obscuro” que merece reverências pela história que escreveu no rock progressivo e psicodélico e que tem as suas raízes na Alemanha e Itália. Com essas credenciais territoriais já nos estimula a ouvir, trazendo a certeza de que é algo de alta qualidade sonora. Falo do ANALOGY.

E a sua história é sinônimo da persistência e amor à música que acreditavam sem se render a modismos sonoros, desses que simplesmente não trazem nenhum tipo de consistência e conteúdo, muito pelo contrário, o Analogy, mesmo não tendo o reconhecimento devido, foi um pilar, um baloarte para o dark progressive, para o psych, deixando seu nome na história obscura da cena.

Analogy

Embora as raízes da banda tenham surgido na Alemanha, com alguns músicos nativos daquele país, o Analogy nunca surgiu como banda por lá, sobretudo na sua gênese. Eles trabalharam juntos no norte da Itália, isso no longínquo ano de 1968, mais precisamente na cidade de Varese. 

Martin Thurn, guitarrista e flautista, nascido em 1950, na cidade de Siegen, Alemanha, mudou-se para Bonn, ainda menino, com oito anos de idade onde morou até os dezoito anos e por lá começou a edificar a sua carreira de músico. 

A mãe era professora primária e o pai um juiz e sua família era caracterizada pelo forte catolicismo, criando uma espécie de antítese anárquica no garoto Martin que não gostava nem um pouco daquela realidade religiosa calcada em conservadorismos. A formação musical dele era puramente clássica, começando a tocar violino aos quatorze anos.

Martin Thurn

Foi quando descobriu os Beatles deixando hipnotizado pelo rock n’ roll, fazendo-o largar as regulares aulas de violino e a sua vida certinha. E para descobrir outras bandas foi um pulo, passando a ouvir The Who, Pink Floyd, Small Faces, entre outras bandas que ajudou a edificar o músico Martin, mas, a sua formação clássica nunca o deixou, tendo traços desse momento de sua vida, desenhados na sua formação como músico. 

No início de 1968 ele formou, com alguns amigos, a sua primeira banda, “The Number Six, mas não vingou. Se mudou para Varese, no mesmo ano, para frequentar uma escola internacional e formou imediatamente uma nova banda chamada “Sons of Giove”, junto com um colega e compatriota que vivia desde pequeno em Varese, na Itália, o guitarrista e vocalista Wolfgang Schoene, Roger Schmitt no baixo e o belga Jean-Claude Sibel na bateria. 

O baixista Thomas Schmidt (mais tarde chefe da Pell Mell) também tocou na Sons of Giove por um curto período de tempo. A banda tocou localmente por um ano e não conseguia decolar apesar de fazer uma boa quantidade de shows.

Sons of Giove (1968)

A namorada, também alemã, de Martin, Jutta Nienhaus, andava sempre com esse grupo de estudantes e descobriu sua aptidão pela música, dizia que queria seguir a carreira de cantora e decidiu, junto com Martin, formar uma dupla chamada “Jutta & Martin”, após o fim da Sons of Giove. 

Fizeram muitos shows, gravaram um single cover do Juke-Box (“Here to You / Hot Love” - Jutta & Ice) com uma banda italiana chamada “Alta Società” e, a partir daí, decidiram que queriam dar um upgrade na sua música. 

Eles perceberam que poderiam fazer algo maior, tinham capacidade para isso. Quando o irmão de Jutta, Hermann-Jürgen “Mops” Nienhaus aprendeu a tocar bateria para acompanhar seu amigo, o italiano Mauro Rattaggi, baixista, que tocava em uma banda chamada “The Riverboys”, juntaram-se para formar o que de fato seria o embrião do Analogy, o “The Joice”. 



The Joice (1970)

“The Joice”, mais tarde reduzindo o nome para “Yoice”, foi formada em 1970, logo depois do fim de “Sons of Giove”, no final de 1969. Na formação tinha Jutta, o seu irmão “Mops”, Mauro e Martin e assim permaneceu, em quarteto, entre abril e setembro de 1970, antes de Wolfgang Schoene se juntar a banda tocando violão. 

Tiveram a sorte de conseguir um contrato que os levou a tocar no norte da Itália e na Suíça, fazendo até dois shows por dia! Então, com isso, conseguiram algum dinheiro para comprar um PA legal e precisava também de aumentar a banda, se juntando a mesma, em 1971, o tecladista italiano Nicola Pankoff que se juntou ao The Joice durante um show ao ar livre! Sim, a sua estreia foi logo em um show importante para a banda e Pankoff tinha, anteriormente, tocado com sua banda. 

A química foi tão boa que não poderia deixar o tecladista passar batido e logo se juntou a banda. Durante um show em Milão, em 1971, na Páscoa daquele ano, Antonio Cagnola, um empresário de Monza, que havia fundado o pequeno selo "Dischi Produzioni 28", se interessou muito pela banda. 

Sua família possuía a fábrica de impressão de discos Microwatt em Vimercate, perto de Monza, e, portanto tinha boas conexões com muitos negócios musicais italianos, incluindo uma das maiores empresas de distribuição, a Messagerie Musicali, posteriormente adquirida pela CBS. 

No início de maio, a banda gravou duas faixas demo chamadas “God Own Land” e “Hey Joe” em um estúdio de Milão, mas a qualidade era tão ruim que não ajudou muito na divulgação da banda. The Joice finalmente assinou contrato de gravação com a Produzioni 28 e a partir daí a banda continuou a tocar de forma ininterrupta.


Foi aí que o nome da banda mudou de novo: “Yoice”. Eles estavam gravando as músicas para o novo álbum e estavam seguindo um caminho meio obscuro e soturno que os produtores achavam que não poderiam vender. 

Como o single era bem comercial, a banda queria mudar a sua imagem de acordo com o seu desenvolvimento sonoro e o nome “Yoice” de alguma forma representava seu “velho” estilo. Por curiosidade o nome “Yoice” foi o nome que foi para o pôster de forma acidental e a banda decidiu manter por achar que era o caminho mais fácil, mas que ficou por pouco tempo. 

Mas para se desvencilhar desse nome a banda se isolou por uma semana em uma cabana na montanha perto do Lago Maggiore para fazer certo corte com esse passado, surgindo o nome Analogy. Mauro Rattaggi, o baixista, teve que sair da banda para assumir seus compromissos militares obrigatórios e Wolfgang teve que trocar a guitarra pelo baixo. 

O primeiro show após a gravação e mudança de nome foi o Festival Villa Pamphili, em Roma, em maio de 1972. E assim surge o seu debut, alvo da resenha de hoje, lançado em 1972 recebendo o nome de “Analogy”. Os produtores estavam irritados com o resultado do álbum: um som pouco comercial, obscuro e ameaçador. 

Um rock progressivo, com pitadas generosas de psych, com algumas viagens experimentais, trazendo à tona a predileção pelo Pink Floyd nos seus primórdios. Decidiram não investir tanto, pensando que não teria o retorno esperado. O dinheiro estava acabando e a banda decidiu gravar e mixar o álbum em apenas dois dias! Além do trabalho sonoro maravilhoso o que também chama e muito a atenção é a arte gráfica do álbum, a sua capa com os integrantes todos nus.


A capa do single e do primeiro álbum são bem parecidas. A seção de fotos aconteceu pouco antes do lançamento do single quando a banda estava pintada, mas também vestida. As fotos com a banda nua foram feitas no mesmo dia, mas não foram usadas, por conta do conservadorismo na Itália no início da década de 1970. 

Mas quando o disco estava para ser lançado, o produtor decidiu usar essa foto, para contrariar. A foto de Mauro Rattaggi foi removida, usando a faixa azul, pois não tinha um trabalho digital para remover. A banda não aprovou essa capa, pois o tecladista Nicola Pankoff era um exímio pintor e a banda queria usar o talento dele, mas os gerentes da gravadora recusaram. 

O Analogy teve problemas com as vendas dos álbuns, pois as lojas não queriam vender “pornografias”, então colocaram uma espécie de pôster para cobrir a capa. Curioso que, em 2010, o selo italiano MAS/BTF relançou o álbum com a mesma embalagem de pôster. 

E falando em vendas, foram colocadas 1.000 cópias e estavam em todas as lojas de discos italianas o que facilitou, em termos, as vendas, esgotando rapidamente, se tornando um item de colecionador desde então. 

Então falemos do álbum! Inaugura com “Dark Reflections” é um blues rock, com um tempero progressivo com uma pegada hard e soturna, obscura, tudo envolta em uma atmosfera densa, tendo a regência do vocal maravilhoso de Jutta. Martin a compôs e se trata de um amor não correspondido por uma garota da província de Aix-em-Province. Não há como perceber e sentir o clima sombrio e ameaçador, bem arrastado.

"Dark Refletions", Live at Viterbo (2012)

Na sequência temos “Weeping May Endure”, um som que mescla um pouco de erudito, música clássica e uma sonoridade mais voltada para o psicodélico. E muito disso se confirma com a história de onde foi gravada essa faixa, em uma igreja com a composição do tecladista Nicola. O destaque fica também com os solos ácidos de guitarra e o teclado de fundo dando uma camada mais animada e solar.

"Weeping May Endure"

“Indian Meditation” foi uma faixa que eles tocaram direto como “Yoice” e mostra um clima viajante e lisérgico capitaneado pelo vocal de Jutta, uma nuvem lisérgica com riffs de guitarra bem floydiano.

"Indian Meditation"

“Tin’s Song”, apesar de uma curta faixa, tem uma história interessante. Em 1971, um venezuelano chamado Tin, de alguma forma passou algumas semanas com a banda no Lago Maggiore. Ele dedilhava, de forma limitada, a sua guitarra e tocava aquele mesmo riff várias vezes. Martin perguntou a ele se poderia usá-lo no álbum da banda, transformando-o o que está no álbum: bongôs, um piano soft e algo meio psicodélico faz dessa faixa simples mas animada.

"Tin's Song"

E eis que surge a faixa título: “Analogy”, que traz uma estrutura puramente experimental, calcada em peças psicodélicas e progressivas, com muita vivacidade e diria, pesada em momentos da faixa, com momentos introspectivos, contemplativos e assim a música se alterna, tornando-se atrativa e viajante, em doses chapantes de ópios sonoros. E há uma história interessante por trás dessa faixa. A banda estava ensaiando a música em um topo de uma montanha, quando cerca de 20 pessoas que caminhavam pelo local se reuniu em uma colina próxima e se puseram a ouvir a banda tocar de forma improvisada, durante o pôr do sol. Quando terminaram houve um silêncio total por um minuto, sendo irrompida por frenéticos aplausos.

"Analogy', Live at Viterbo (2012)

“The Years At The Spring” começa animada, dançante, com um riff que me remete a um beat sessentista, cuja letra foi extraída do escritor inglês Robert Browning e não tem como se lembrar das bandas psicodélicas dos Estados Unidos, mostrando que o álbum era deliciosamente versátil.

"The Years At The Spring"

Finaliza o álbum com a faixa “Pan Am Flight 249” mostra a força do blues fundido ao rock progressivo, colocando, mais uma vez o tempero do hard rock, com riffs de guitarra pesados, com alguns solos mais longos e diretos e uma bateria pesada e marcada.

"Pan AM Flight 249", Live at Viterbo (2012)

O futuro não foi dos melhores para o Analogy. Nicola Pankoff saiu da banda em outubro de 1972 e Rocco Abate, um flautista clássico, da Orchestra dela Scala di Milano, se juntou a banda. Surgiu o novo material, “The Suite”, lançado em 1993, uma combinação de música renascentista e rock n’ roll, viajando pela Itália tocando em muitos festivais famosos, mas decidiu encerrar essa trajetória em novembro de 1973 na cidade de Aosta, pois a gravadora havia falido e a banda não queria, não podia financiar as suas turnês com uma sonoridade pouco comercial. 

"The Suite" (1993)

Embarcaram em alguns projetos, cujos “vestígios” podem ser ouvidos no álbum “25 Years Later”, se juntando ainda ao “Collettivo Teatrale La Commune di Dario Fo”, viajando com eles por cerca de seis meses. Reeditaram a dupla “Jutta & Martin” e finalmente decidiram deixar a Itália, se instalando em Londres onde fundaram a banda de new wave chamada Earthbound que fez sucesso. Mas isso é outra história.






A banda:

Jutta Nienhaus no vocal
Martin Thurn na guitarra acústica, bongôs e flauta
Nicola Pankoff nos teclados
Wolfgang Schoene no baixo
Hermann-Jürgen Nienhaus na bateria


Faixas:

1 - Dark Reflections
2 - Weeping May Endure
3 - Indian Meditation
4 - Tin's Song
5 - Analogy
6 - The Year's At The Spring
7 - Pan-Am Flight 249




Analogy - "Analogy" (1972)