As histórias no rock n’ roll
são fascinantes! Principalmente aquelas tomadas por revezes e cheias de
percalços. Evidente que a música é o cerne, mas temos de admitir que os
conceitos sonoros partem das histórias que estão por detrás delas. E este blog,
que muito preza pelas histórias, trazem aquelas que fogem do glamour do
sucesso, dos cases de sucesso, de palcos faraônicos e gigantescos, aquelas cuja
tônica é o fracasso, os finais precoces, entre outros obstáculos.
A essência deste blog é trazer
o avesso dos holofotes, as obscuridades das bandas marginalizadas,
vilipendiadas pela indústria fonográfica, pela cena conservadora e seletiva ou
destruídas pelos infortúnios e pelas inexperiências de seus jovens músicos que,
ávidos ou escravos pela sua criatividade personificam em suas músicas as suas
verdades.
E a banda de hoje trará um
pouco de tudo o que disse, que passou por vários obstáculos, mas ainda assim,
conduziu com galhardia a beleza e arrojo de sua obra totalmente a frente de seu
tempo. Falo da banda norte americana STONEWALL.
As raízes do Stonewall vieram
da cidade de Flushing, em Nova Iorque. A cena, lá pelos anos 1960, naquela
cidade era tímida, poucas bandas de rock n’ roll se exibiam, mas os jovens
aspirantes à rockers sempre foram impactados pelas grandes bandas britânicas
dos anos 1960, bem como as psicodélicas dos Estados Unidos. As igrejas locais
realizavam bailes e os jovens protagonizavam timidamente uma cena que nascia,
uma cena rock composta também por bandas que, embrionárias, tingiam uma nova
história.
O guitarrista Bob Dimonte e o
baterista Anthony Assalti moravam no mesmo bairro. Dimonte tocava em uma banda
local chamada “VIP’s”. Eles se conheceram e se tornaram logo grandes amigos. À
medida que a cena musical começou a mudar e o ácido se tornou mais popular, os
jovens começaram a deixar o cabelo crescer e não foi diferente com Dimonte e
Assalti.
Se tornaram diferentes da
banda, até então mais conhecida da região, os Greasers, com seus cabelos
penteados para trás. Então a separação se fez: Os Greasers contra os hippies.
Bob e Anthony se juntaria a Ray Dieneman, que tocava baixo. Se tornaram um
“power trio”! Mas precisavam de um vocalista, afinal os caras não eram bons no
vocal. E foi diante dessa necessidade que Bruce Rapp apareceu e se tornou o
vocalista da banda que nascia.
Começaram a tocar blues pesado
e hard rock e a influência desses jovens músicos era o Led Zeppelin. E por
intermédio dessa forma sólida e pesada que tocavam, queriam um nome para a
banda que personificasse a sua sonoridade e veio “Stonewall”!
Os primeiros ensaios da banda
foram insanos e até perigosos! Um gerente alugou para os garotos do Stonewall
um porão, em Nova Iorque, chamado “Little Italy”. Bruce, o vocalista, estava
usando downers na época e subiu à rua até o bar local para tomar uma bebida.
Bob, Ray e Anthony ficaram no porão ensaiando. Depois de uma hora, houve uma
batida forte na porta. Os jovens músicos abriram a porta e dois bandidos
disseram que Bruce estava no beco ao lado do bar e pediram para que não saíssem
do porão por uma hora. Claro que ficaram com medo!
Esperaram por uma hora e foram
encontrar Bruce. Encontraram ele no fundo do beco ao lado do bar sob algumas
latas de lixo. Estava em péssimo estado, espancado! Levaram o vocalista para o
hospital e nunca mais voltaram a ensaiar por lá.
Depois dessa experiência
difícil e perigosa a vida seguiu e eles precisavam gravar as músicas que tinham
criado em seus ensaios. Já tinham músicas ou esboços suficientes para gravar o
tão esperado primeiro álbum. Então surgiu a conexão com Jimmy Goldstein, dono
de um estúdio de gravação em Manhattan. Ele gostou do material que o Stonewall
mostrou e ofereceu a eles um tempo de gravação gratuitamente após o expediente
do estúdio.
A banda ia de carro para a
cidade onde estava localizado o estúdio todas as noites. Revezavam a direção do
carro para ninguém ficar cansado. No caminho se drogavam, cortesia do haxixe
que o vocalista Bruce levava. Chegavam no estúdio totalmente chapados e por lá
ainda fumavam com o próprio Jimmy e depois disso tomavam seus instrumentos e
começavam a tocar. Jimmy também participou da construção do álbum tocando todas
as partes de teclado.
O álbum foi finalmente gravado
no estúdio de Jimmy Goldstein, em Manhattan, Nova Iorque, em torno da 57th
Street e 3rd Avenue. Essa conexão do Stonewall com Jimmy foi pelo gerente
desonesto da banda. Os caras da banda ficaram por quase seis meses no estúdio
experimentando diferentes riffs e sons. Isso foi em 1972, porém nunca fora
lançado naquele ano.
Jimmy Goldstein falou com
banda, logo após a gravação do álbum, que ninguém estava interessado na música
da banda e nunca foi oferecida à banda qualquer tipo de contrato de gravação ou
dinheiro. E o pior dos golpes não seria esse. O selo Tiger Lily lançaria o
álbum em 1976 sem o consentimento e permissão da banda!
Quando o álbum foi gravado
Jimmy e o gerente desonesto da banda prometeram ao Stonewall que pegariam as
gravações e que dariam a eles um contrato. Isso não aconteceu e disseram aos
músicos que ninguém estaria interessado em conceder um contrato. A banda tentou
por conta própria por um tempo, mas sem sucesso.
E após o lançamento do álbum
pelo selo Tiger Lily, o Stonewall acabaria, decepcionada, sem ganhar um centavo
por este lançamento e sem ter nenhum contrato, se separando. Todas as seções de
gravação, os seis longos meses, que começavam às nove horas da noite e invadia
a madrugada, parece ter sido em vão. As longas das várias jams que
fizeram foram a base para as músicas que foram gravadas.
“Stonewall”, o álbum, traz, na
sua essência, o hard rock, com uma veia potente no blues eletrificado e
psicodélico, com riffs de guitarra avassaladores e potentes, com vocais altos e
gritados, com uma “cozinha” rítmica pesada e arrojada. Se pode ouvir neste
único trabalho do Stonewall uma pegada de proto punk, proto metal, uma música
de vanguarda. Um som cru, original, ardente e pouco convencional e que não
apresentou nem um pouco a intenção de ser polido.
O álbum é inaugurado com a
faixa “Right On” tipicamente apresentando, em sua introdução, uma pegada dos
anos 1970, com aquele hard rock impecável, com bateria pesada, baixo pulsante,
não podemos negligenciar a seção rítmica, riffs pegajosos e pesados de guitarra
são ouvidos, que dão peso e a torna dançante. Os vocais são altos e rasgados,
em alguns momentos, rasgados. Pesado, arrogante, sujo, intenso, dançante. Assim
começa o álbum.
Segue com “Solitude” e aqui a
banda traz algo mais soturno, uma sonoridade também pesada, mas arrastada, com
uma dose cavalar de dramaticidade, que vai do peso a momentos mais intimistas e
lentos, com dedilhados de guitarra que tornam a música até mais viajante. E
nessa variância rítmica a música segue até o fim, tendo ainda uma gaita bem
interessante.
“Bloody Mary” começa diferente
do que estava se ouvindo até então no álbum. A gaita introduz a faixa e me
remete ao country music, mas logo irrompeu em um potente hard rock capitaneado
pelos riffs poderosos de guitarra, uma guitarra mais psicodélica e lisérgica.
Peso, gaitas e hammonds em uma harmonização improvável, porém perfeitas.
“Outer Spaced” começa meio
glam rock, meio T-Rex, os riffs de guitarra continuam pegajosos e pesados. A
bateria assume a direção e vem pesada e agressiva, depois solos de guitarra são
ouvidos e os vocais de Bruce lembram Iggy Pop e a música nos traz nuances de
punk e heavy metal. Sem dúvida é uma das melhores músicas do álbum!
“Try & See It Through” tem
uma pegada mais psicodélica, os teclados e o piano, juntamente com a gaita,
assumem a dianteira e traz uma faixa totalmente “descolada” da proposta do
álbum. O vocal trafega entre gritos e algo mais límpido. Não há a mínima chance
de ficar parado ouvindo essa faixa, é dançante e fica mais pesada, em alguns
momentos, com solos e riffs de guitarra. São muitas mudanças rítmicas nessa
faixa, onde ouso dizer que tem uma inspiração progressiva nela. Diria ser um
heavy psych prog de muito respeito!
E a faixa que fecha o álbum traz algo mais voltado para o Led Zeppelin. “Suite” lembra Zeppelin, porém mais pesado e sujo. Os riffs sujos e pegajosos de guitarra torna a faixa muito pesada e o vocal é mais gritado e despretensioso. Até o momento mais calmo da música lembra a banda de Jimmy Page, mas com a assinatura do Stonewall: suja, pesada e de longe pouco polida como o Zeppelin.
Nunca se soube exatamente quem
teria levado ao selo Tiger Lily as gravações das músicas do Stonewall. Talvez o
famigerado gerente desonesto ou até mesmo Jimmy Goldstein. Reza a lenda que a
Tiger Lily tinha conexões com a máfia e teria lançado o álbum também na Europa!
O álbum foi lançado na Europa e usado como imposto para proteger uma gravadora
maior com a qual a Tiger Lily estava conectada.
Muitos anos depois, quando
Anthony Assalti se casou e se mudou para a Flórida, começou a receber
telefonemas da Alemanha e da Suíça e um cara que ligou para ele se apresentou
como um colecionador de álbuns raros e que tinha uma cópia do disco do
Stonewall. Outro cara se apresentou como um dono de um estúdio de gravação e
queria saber se Asslati teria mais gravações que não estavam no álbum e queria
lançar “outro” álbum da banda.
Depois desse choque Assalti se
fixou na Flórida, começou um próprio negócio naquela cidade e passou a viver
por ele e sua família. Tocava bateria, por diversão, nos finais de semana, mas
nunca mais voltou a trabalhar na música. Uma carreira musical estava longe dos
seus planos. Ele não lembra se teria mais materiais inéditos, mas acabou
comprando o álbum no E-Bay que não era original.
Vários foram os relançamentos
não oficiais e sem o consentimento do Stonewall e esses telefonemas que Assalti
recebeu de pessoas da Europa se confirmam nos lançamentos não oficiais
registrados. Um lançamento não oficial, de um selo não identificado, aconteceu
em 1992. Nos anos 2000 tiveram cerca de dois ou três lançamentos, claro, também
não oficiais, por um selo de nome Kismet, entre 2010 e 2012, no Reino Unido,
tudo no formato LP. O mais recente, de 2019, finalmente foi oficial, também no
formato LP, pelo selo dos Estados Unidos, de nome Permanent Records, foi
lançado.
A história, envolvente e de
tirar o fôlego, teve um final triste para quatro jovens músicos que foram
roubados e nunca receberam o reconhecimento que mereciam, pois o seu único
álbum é arrojado, pouco ortodoxo, intenso, pesado e vanguardista. Esse talvez,
diria certamente, é o alento que nós, amantes da boa música, tem, diante de uma
indústria destrutiva.
A banda:
John T. Milani (Anthony
Assalti) na bateria
Francis Crabb (Bruce Rapp) no
vocal
Lewis Whittaker (Robert Dimonte)
no baixo e back vocals
Robert Ronda (Ray Dieneman) na
guitarra, harmônica e back vocals
Faixas:
1 - Right on
2 - Solitude
3 - Bloody Mary
4 - Outer Spaced
5 - Try & See It Through
6 - Atlantis
7 - Suite
a/ I'd Rather Be Blind
b/ Roll Over Rover