O final da década de 1970
não foi das melhores para as bandas de rock progressivo, sobretudo as bandas
tidas como medalhonas, as consagradas, claro, não foi melhor sob o aspecto comercial. O punk rock estava no seu apogeu
mercadológico, graças a “bandas cabides” como o Sex Pistols, por exemplo, que
tinha mais apelo estético do que propriamente talento sonoro e as bandas progressivas
estavam perdendo espaço, bem como as bandas de hard rock também, muitas delas
com seus integrantes imersos em drogas pesadas, tornando seus ambientes ainda
mais instáveis, fora, é claro, o ego, inflado pelo sucesso e dinheiro.
Não que
a cena progressiva sempre tenha gozado de popularidade, afinal, poucas foram as bandas que
atingiram notoriedade e o estilo não era lá tão palatável assim, mas teve o
seus “15 minutos de fama”, entre 1972 e 1975, aproximadamente.
A derrocada
progressiva não foi que fique claro, criativo, mas mercadológico. Além do punk
tinha a disco music que enchia estádios com shows de Gloria Gaynor, Bee Gees, entre
outros, com aquelas músicas dançantes e com passinhos marcados em boates cheios
de cor e neon.
As bandas consagradas sim, sofreram e muito, algumas sumiram,
hibernaram, outras se descaracterizaram, seguindo os modismos para não perecer,
porém as bandas pouco conhecidas, obscuras que já não tinham espaço para
divulgar sua arte, continuaram, claro, a duras penas, seguindo e gravando um ou
outro álbum, muito deles excelentes, apesar dos entraves.
A cena estava pulsando, ainda estava viva.
E um exemplo evidente vem da Espanha que não é necessariamente o polo do rock
mundial, mas que entregou ao mundo uma banda e álbum que, apesar de ter tido
uma carreira discográfica curta e uma vida efêmera, foi um dos
melhores trabalhos progressivos da transição da década de 1970 para a de 1980.
Falo do CRACK com o seu primeiro e único álbum, lançado em 1979, chamado “Si
Todo Hiciera Crack”.
Crack
O Crack foi formado em
Gijon, na parte norte da Península Ibérica, no ano de 1978. E como toda banda
daquela época, precisava de fazer muitos shows para ser reconhecida, para
ganhar um lugar ao sol. Ao ouvir o Crack logo nos remeterá ao progressivo
italiano, aos sons sinfônicos cheio de vivacidade, complexidade melódica e de
harmonia, mas que não se pode negligenciar o fator regional, folclórico, mas
não tão evidente como em bandas pioneiras do estilo naquele país, como o
Triana, por exemplo, que tem uma forte inserção da música flamenca, típica da
Espanha.
Mas não encarem o Crack como um plágio de bandas italianas, sem
nenhuma expressão ou coisa do tipo. A banda tem sim influências da cena
progressiva da Velha Bota como o Premiata Forneria Marconi, mas tem
características particulares, peculiares, que vai do paganismo e da música
celta, inspirada nos vocais, bem como na bem executada flauta que flerta na
potência a momentos mais delicados.
A banda, no seu início e que também gravou
este álbum, tinha: Alberto Fontaneda no violão, flauta e vocal, Rafael
Rodriguez na guitarra, Alex Cabral no baixo, Manolo Jímenez na bateria e Mento
Hevia nos teclados e vocal.
No verão do ano de 1978, determinados em fechar com
uma gravadora para lançar algumas composições já prontas, decidiram se mudar
para Formentera, com a ideia de gravar seu primeiro trabalho de estúdio. E
assim conseguiram, em 1979, um ano depois, lançar “Si Todo Hiciera Crack”, pelo
selo “Chapa Discos” e colocado à venda no verão do mesmo ano.
O mesmo fora
gravado em Madrid nos estúdios da Audiofilm pelo engenheiro de gravação Luís
Fernández Soria e apenas cinco dias de estúdio estavam disponíveis para
gravação. O álbum foi originalmente lançado em formato LP. Aqui vai uma
curiosidade sobre a capa do álbum: foi organizado um concurso pela Rádio Gijón
para que os ouvintes enviassem suas próprias ideias de capa e a do ratinho na
gaiola na capa e essa mesma vazia na contra capa foram os vencedores.
"Si Todo Hiciera Crack"
Apesar das dificuldades,
afinal era o fim da ditadura de Franco e as bandas precisavam recuperar o tempo
perdido, o Crack, seguindo uma razoável quantidade de bandas sinfônicas
espanholas, estava conseguindo alguma visibilidade graças aos seus shows
arrebatadores, com músicos, apesar de jovens, mas muito competentes, e se
destacavam pelo fato de ter uma sonoridade mais voltada para o rock progressivo
italiano e diria até britânico. As casas de shows, embora pequenas, sempre
estavam cheias, o Crack estava conquistando seu público, com muita galhardia e,
claro, muitos shows.
Foi mais de um ano e meio
fazendo shows, muitos shows e, nesse ínterim, estava gravando material novo,
para um segundo álbum que, infelizmente não veria a luz do dia. Era uma banda
que não tinha apoio e estrutura da gravadora, afinal, era uma época em que o
progressivo sinfônico não estava muito vendável.
Mas não falemos do fim do
Crack sem falar de “Si Todo Hiciera Crack”, um verdadeiro clássico obscuro
espanhol. Então dissequemos o álbum! Começa com a faixa "Descenso en el
Mahëllstrong" com um instrumental forte e bem emocionante, de muito
qualidade, demonstrando o quão a banda era forte e talentosa. Alterna em
momentos mais agitados e suaves com um lindo som de flauta.
"Descenso en el Mahellstrong" (TV espanhola)
“Amantes de la Irrealidad” é
a primeira faixa que apresenta vocais e em espanhol e que alterna entre uma
imperiosa voz masculina com vocais femininos também. É uma música mais leve,
diria uma balada, suave com o destaque para o piano e violão, depois vai
ganhando contornos mais viajantes, com passagens belíssimas de teclados e solos
bem elaborados de guitarra.
"Amantes de la Irrealidad"
“Cobarde O Desertor” já
inicia com vocais com um típico toque regional, bem espanhola, com notas de
baixo que pulsa fortemente, ganhando destaque, com passagens esporádicas do
teclado.
"Cobarde o Desertor"
Já “Buenos Deseos” é uma
música mais curta e direta, mas que apresenta toda a veia progressiva do álbum,
com passagens magistrais de rock progressivo sinfônico, com a presença marcante
dos teclados com uma bateria viva, forte e marcada. A música é contemplativa,
agradável, com vocais muito bons e linhas de baixo excelentes.
"Buenos Deseos"
“Marchanda Una del Cid” começa
com um som de pessoas marchando, tambores militares e tudo o mais, mas logo
entra o som da flauta descortinando um excelente trabalho instrumental com
todos tendo uma participação especial, é a típica música de banda, onde todos
os músicos se destacam em iguais condições e níveis. Alterna em momentos mais
agitados e suaves com um lindo som de flauta e nessas alternâncias rítmicas
prevalece a música sinfônica. Uma excelente composição, uma excelente música.
"Marchanda Una del Cid'
A faixa título sem sombra de
dúvida é a mais elabora e complexa no auge de seus pouco mais de 10 minutos de
duração. Uma música melódica, diria melancólica e também com alguns momentos
mais solares, tendo, mais uma vez, destaques dos instrumentistas como o
teclados que dessa vez ganha espaço para solos de tirar o fôlego e as vezes
apenas “preenchendo” dando espaço para riffs e solos de guitarra mais diretos e
cru. Mas também não podemos negligenciar os vocais, masculinos e femininos em
um rodízio bem interessante.
"Si Todo Hiciera Crack"
E fecha com “Epillogo” e
representa o que o conceito do nome da música sugere, é a parte final do álbum,
fechando com um doce e proeminente som de flauta e bateria muito elegante, um
fechar de cortinas desse excelente álbum.
"Epillogo"
Apesar de um início
estimulante e promissor do Crack infelizmente a banda não recebeu o apoio e a
estrutura ideal por parte da gravadora para continuar seguindo seu caminho. Inclusive,
como já dito, a banda, entre shows e turnê, estava gravando
material novo para um segundo álbum, mas que lamentavelmente não foi
concretizado em um trabalho oficial.
Foram anos difíceis, as bandas como o
Crack e outras tantas contemporâneas que compunham a cena espanhola de rock
progressivo também optaram por seguirem suas carreiras longe das músicas
comerciais e de apelo radiofônico e ainda tinham os equipamentos precários e a
falta de estrutura que culminaram com o seu derradeiro fim, a sua dissolução.
Mas deixaram “Si Todo Hiciera Crack” que tem um momento especial em minha vida,
pois foi o primeiro álbum que me fez olhar para um local que não era
considerado como o polo do rock progressivo mundial, como a Inglaterra, Itália e Alemanha, por exemplo. Um álbum de excelente calibre sinfônico que
definitivamente está no panteão dos clássicos obscuros de todos os tempos.
Altamente obrigatória a audição!
A banda:
Rafael Rodríguez na guitarra
Alberto Fontaneda no violão,
na flauta e vocais
Mento Hevia nos teclados e
vocais
Alex Cabral no baixo
Manolo Jiménez na bateria
Faixas:
1 - Descenso en el
Mahellstrong
2 - Amantes de le Irrealidad
3 - Cobarde O Desertor
4 - Buenos Deseos
5 - Marchanda Una del Cid
(Pt. 1, 2)
6 - Si Todo Hiciera Crack
7 - Epillogo