domingo, 26 de julho de 2020

Crack - Si Todo Hiciera Crack (1979)


O final da década de 1970 não foi das melhores para as bandas de rock progressivo, sobretudo as bandas tidas como medalhonas, as consagradas, claro, não foi melhor sob o aspecto comercial. O punk rock estava no seu apogeu mercadológico, graças a “bandas cabides” como o Sex Pistols, por exemplo, que tinha mais apelo estético do que propriamente talento sonoro e as bandas progressivas estavam perdendo espaço, bem como as bandas de hard rock também, muitas delas com seus integrantes imersos em drogas pesadas, tornando seus ambientes ainda mais instáveis, fora, é claro, o ego, inflado pelo sucesso e dinheiro. 

Não que a cena progressiva sempre tenha gozado de popularidade, afinal, poucas foram as bandas que atingiram notoriedade e o estilo não era lá tão palatável assim, mas teve o seus “15 minutos de fama”, entre 1972 e 1975, aproximadamente. 

A derrocada progressiva não foi que fique claro, criativo, mas mercadológico. Além do punk tinha a disco music que enchia estádios com shows de Gloria Gaynor, Bee Gees, entre outros, com aquelas músicas dançantes e com passinhos marcados em boates cheios de cor e neon. 

As bandas consagradas sim, sofreram e muito, algumas sumiram, hibernaram, outras se descaracterizaram, seguindo os modismos para não perecer, porém as bandas pouco conhecidas, obscuras que já não tinham espaço para divulgar sua arte, continuaram, claro, a duras penas, seguindo e gravando um ou outro álbum, muito deles excelentes, apesar dos entraves. 

A cena estava pulsando, ainda estava viva. E um exemplo evidente vem da Espanha que não é necessariamente o polo do rock mundial, mas que entregou ao mundo uma banda e álbum que, apesar de ter tido uma carreira discográfica curta e uma vida efêmera, foi um dos melhores trabalhos progressivos da transição da década de 1970 para a de 1980. Falo do CRACK com o seu primeiro e único álbum, lançado em 1979, chamado “Si Todo Hiciera Crack”.

Crack

O Crack foi formado em Gijon, na parte norte da Península Ibérica, no ano de 1978. E como toda banda daquela época, precisava de fazer muitos shows para ser reconhecida, para ganhar um lugar ao sol. Ao ouvir o Crack logo nos remeterá ao progressivo italiano, aos sons sinfônicos cheio de vivacidade, complexidade melódica e de harmonia, mas que não se pode negligenciar o fator regional, folclórico, mas não tão evidente como em bandas pioneiras do estilo naquele país, como o Triana, por exemplo, que tem uma forte inserção da música flamenca, típica da Espanha. 

Mas não encarem o Crack como um plágio de bandas italianas, sem nenhuma expressão ou coisa do tipo. A banda tem sim influências da cena progressiva da Velha Bota como o Premiata Forneria Marconi, mas tem características particulares, peculiares, que vai do paganismo e da música celta, inspirada nos vocais, bem como na bem executada flauta que flerta na potência a momentos mais delicados. 

A banda, no seu início e que também gravou este álbum, tinha: Alberto Fontaneda no violão, flauta e vocal, Rafael Rodriguez na guitarra, Alex Cabral no baixo, Manolo Jímenez na bateria e Mento Hevia nos teclados e vocal. 


No verão do ano de 1978, determinados em fechar com uma gravadora para lançar algumas composições já prontas, decidiram se mudar para Formentera, com a ideia de gravar seu primeiro trabalho de estúdio. E assim conseguiram, em 1979, um ano depois, lançar “Si Todo Hiciera Crack”, pelo selo “Chapa Discos” e colocado à venda no verão do mesmo ano. 


O mesmo fora gravado em Madrid nos estúdios da Audiofilm pelo engenheiro de gravação Luís Fernández Soria e apenas cinco dias de estúdio estavam disponíveis para gravação. O álbum foi originalmente lançado em formato LP. Aqui vai uma curiosidade sobre a capa do álbum: foi organizado um concurso pela Rádio Gijón para que os ouvintes enviassem suas próprias ideias de capa e a do ratinho na gaiola na capa e essa mesma vazia na contra capa foram os vencedores.

"Si Todo Hiciera Crack"

Apesar das dificuldades, afinal era o fim da ditadura de Franco e as bandas precisavam recuperar o tempo perdido, o Crack, seguindo uma razoável quantidade de bandas sinfônicas espanholas, estava conseguindo alguma visibilidade graças aos seus shows arrebatadores, com músicos, apesar de jovens, mas muito competentes, e se destacavam pelo fato de ter uma sonoridade mais voltada para o rock progressivo italiano e diria até britânico. As casas de shows, embora pequenas, sempre estavam cheias, o Crack estava conquistando seu público, com muita galhardia e, claro, muitos shows.


Foi mais de um ano e meio fazendo shows, muitos shows e, nesse ínterim, estava gravando material novo, para um segundo álbum que, infelizmente não veria a luz do dia. Era uma banda que não tinha apoio e estrutura da gravadora, afinal, era uma época em que o progressivo sinfônico não estava muito vendável. 


Mas não falemos do fim do Crack sem falar de “Si Todo Hiciera Crack”, um verdadeiro clássico obscuro espanhol. Então dissequemos o álbum! Começa com a faixa "Descenso en el Mahëllstrong" com um instrumental forte e bem emocionante, de muito qualidade, demonstrando o quão a banda era forte e talentosa. Alterna em momentos mais agitados e suaves com um lindo som de flauta.

 "Descenso en el Mahellstrong" (TV espanhola)

“Amantes de la Irrealidad” é a primeira faixa que apresenta vocais e em espanhol e que alterna entre uma imperiosa voz masculina com vocais femininos também. É uma música mais leve, diria uma balada, suave com o destaque para o piano e violão, depois vai ganhando contornos mais viajantes, com passagens belíssimas de teclados e solos bem elaborados de guitarra.

"Amantes de la Irrealidad"

“Cobarde O Desertor” já inicia com vocais com um típico toque regional, bem espanhola, com notas de baixo que pulsa fortemente, ganhando destaque, com passagens esporádicas do teclado. 

"Cobarde o Desertor"

Já “Buenos Deseos” é uma música mais curta e direta, mas que apresenta toda a veia progressiva do álbum, com passagens magistrais de rock progressivo sinfônico, com a presença marcante dos teclados com uma bateria viva, forte e marcada. A música é contemplativa, agradável, com vocais muito bons e linhas de baixo excelentes.

 "Buenos Deseos"

“Marchanda Una del Cid” começa com um som de pessoas marchando, tambores militares e tudo o mais, mas logo entra o som da flauta descortinando um excelente trabalho instrumental com todos tendo uma participação especial, é a típica música de banda, onde todos os músicos se destacam em iguais condições e níveis. Alterna em momentos mais agitados e suaves com um lindo som de flauta e nessas alternâncias rítmicas prevalece a música sinfônica. Uma excelente composição, uma excelente música.

"Marchanda Una del Cid'

A faixa título sem sombra de dúvida é a mais elabora e complexa no auge de seus pouco mais de 10 minutos de duração. Uma música melódica, diria melancólica e também com alguns momentos mais solares, tendo, mais uma vez, destaques dos instrumentistas como o teclados que dessa vez ganha espaço para solos de tirar o fôlego e as vezes apenas “preenchendo” dando espaço para riffs e solos de guitarra mais diretos e cru. Mas também não podemos negligenciar os vocais, masculinos e femininos em um rodízio bem interessante.

"Si Todo Hiciera Crack"

E fecha com “Epillogo” e representa o que o conceito do nome da música sugere, é a parte final do álbum, fechando com um doce e proeminente som de flauta e bateria muito elegante, um fechar de cortinas desse excelente álbum.

"Epillogo"

Apesar de um início estimulante e promissor do Crack infelizmente a banda não recebeu o apoio e a estrutura ideal por parte da gravadora para continuar seguindo seu caminho. Inclusive, como já dito, a banda, entre shows e turnê, estava gravando material novo para um segundo álbum, mas que lamentavelmente não foi concretizado em um trabalho oficial. 

Foram anos difíceis, as bandas como o Crack e outras tantas contemporâneas que compunham a cena espanhola de rock progressivo também optaram por seguirem suas carreiras longe das músicas comerciais e de apelo radiofônico e ainda tinham os equipamentos precários e a falta de estrutura que culminaram com o seu derradeiro fim, a sua dissolução. 

Mas deixaram “Si Todo Hiciera Crack” que tem um momento especial em minha vida, pois foi o primeiro álbum que me fez olhar para um local que não era considerado como o polo do rock progressivo mundial, como a Inglaterra, Itália e Alemanha, por exemplo. Um álbum de excelente calibre sinfônico que definitivamente está no panteão dos clássicos obscuros de todos os tempos. Altamente obrigatória a audição!




A banda:

Rafael Rodríguez na guitarra
Alberto Fontaneda no violão, na flauta e vocais
Mento Hevia nos teclados e vocais
Alex Cabral no baixo
Manolo Jiménez na bateria

Faixas:

1 - Descenso en el Mahellstrong
2 - Amantes de le Irrealidad
3 - Cobarde O Desertor
4 - Buenos Deseos
5 - Marchanda Una del Cid (Pt. 1, 2)
6 - Si Todo Hiciera Crack
7 - Epillogo