sexta-feira, 30 de junho de 2023

Lightshine - Feeling (1976)

 

O que eu verdadeiramente aprecio no krautrock é a beleza de suas múltiplas sonoridades. Nem tudo é minimalista somente, mas complexo, poderoso, agressivo, contemplativo. Aos que se prendem em estereótipos achando que o kraut germânico traz apenas uma vertente, enganam-se.

A cada audição, a cada descoberta, a cada garimpagem, tenho a nítida impressão de que ela não tem fim, transborda desrespeitando qualquer questão ligada a cronologia, porque as descobertas ultrapassam barreiras do tempo, porque até hoje, conhecemos novas coisas velhas.

E eu, em mais uma dessas buscas incessantes por algo novo, nessas garimpagens pela poeira do esquecido, tenha feito descobertas no status de pérolas, pepitas cada vez mais valiosas que pereceram, que fracassaram e foram esquecidas no canto do tempo.

E em um acaso premeditado descobri uma banda espetacular, de sonoridade extremamente diversa, múltipla, que traz sim vertentes kraut, mas com uma complexidade incrível, que envolve lisergia, peso, mudanças de “humor”, com pitadas progressivas, devido, claro, a essas mudanças rítmicas, com solos de guitarra e baixo enérgicos, mas com vocais assombrosos, de atmosfera densa.

A impressão que tenho dessa banda é que tudo soa polido, no seu lugar, mas que traz uma verdade, a verdade de uma banda que não se prendia a rótulos, não se encaixava em nenhum “estilo” pré-determinado e que estava “descolado” do seu tempo.

É definitivamente uma sonoridade difícil de definir, que não se prende a rótulos, denotando que o rock alemão é diverso, cheio, repleto de belezas sonoras, que vai da complexidade ao minimalismo, do simples e orgânico a intensidade contemplativa de seus instrumentos. Falo da banda LIGHTSHINE.

Lightshine

A banda foi formada por quatro jovens estudantes no ano de 1974, na cidade de Emmerich, no baixo Reno, na Alemanha. Jovens aspirantes a músicos que só tinha o interesse de se tornarem músicos grandiosos e de viver da sua arte, de sua música. 

E por ser uma banda descolada do seu tempo, o Lightshine sofreu para encontrar alguma gravadora que “comprasse” a sua ideia. Algumas negociações com a Sky e a Vertigo não deram em nada, eles não se encaixavam com os “novos” sons progressivos mais “suaves” e diretos da segunda metade dos anos 1970.

Então, diante das adversidades sofridas, decidiram gravar seu primeiro álbum praticamente por conta própria, com o apoio de um pequeno selo chamado “Trefiton”. E assim nasceu seu primeiro e único trabalho chamado “Feeling”, em 1976.

O Lightshine era formado por Joe na guitarra e vocal, Ulli também na guitarra, flauta e vocal, Olli no sintetizador e teclados, Wolfgang no baixo e Egon na bateria. Sim, não há sobrenomes, os caras se apresentaram à época apenas pelos seus primeiros nomes. O lançamento, em long play, de “Feeling”, trazia uma pequena quantidade de cópias, cerca de 500, outras fontes informam que foram 1.000 cópias. Independentemente do número, trata-se de uma tiragem bem limitada.

O álbum é inaugurado com "Sword In The Sky" apresentando uma mescla, como já era de se esperar em se tratar de uma banda que não se ligava à estereótipos, de hard rock, progressivo e emocionantes levadas de flauta. Começa com alguns solos de guitarra e assim fica por três minutos. Os vocais entram seguidos da flauta e piano, conforme o clima muda. Tem um clímax excelente e vibrante!

"Sword in the Sky"

“Lory” tem uma guitarra poderosa e agressiva, apresenta um riff que lembra “In The Hall of Mountain King”, do compositor norueguês Edvard Grieg, que mistura algo de clássico e um volumoso hard rock, além de um baixo proeminente, com bateria marcada e vocal extremamente teatral.

"Lory"

Já em “Nightmare” o clima muda para o psicodélico com sintetizadores oscilantes, um arpejo de guitarra de construção lenta e um vocal denso e de atmosfera soturna. O space rock, mais lento, aumenta aos poucos em intensidade conforme a segunda faixa mais longa do álbum, com dez minutos e meio, desliza para frente e para trás entre vocais falados e licks de guitarra ao estilo Pink Floyd. A faixa alterna com uma edificação ardente de rock com teclados matadores!

"Nightmare"

A faixa mais longa, "King and Queen", com quase quatorze minutos, começa com um teclado doido, meio incomum que, uma vez “resolvida”, se transforma em uma vibe de rock espacial com um groove de baixo melódico pronunciado e mais passagens de guitarra floydianas que lembram algumas das varreduras de guitarra mais modernas em neoprog, algo bem de vanguarda. Muito emotivo e instantaneamente viciante, é por isso que algumas das faixas deste álbum foram tocadas em estações de rádio locais. Esta é provavelmente também a faixa mais folclórica do álbum, mas termina em um blues rock e um frenesi flamenco com vocais de estilo folk selvagem.

"King and Queen"

E o álbum fecha com a faixa título, “Felling”, que se aventura em um território onírico, com guitarras dissonantes, fora da ordem, com estranhos elementos que me remete ao krautrock nos seus primórdios. E por conta disso traz uma faixa extremamente psicodélica, bem lisérgica mesmo, ao estilo “Yeti” do Amon Duul II, com bateria tribal e viagem flutuante cheio de improvisações, sem aquelas guitarras mais vibrantes percebia em faixas anteriores. Os tons de guitarra são limpos enquanto os sons de teclado fervilham. Os vocais entregam algo de folk rock britânico.

"Feeling"

Após o lançamento de “Feeling” o Lightshine fez cerca de 200 shows, excursionando por toda a Alemanha em turnês com Jane, Scorpions e Colosseum II. A grande chance de seguir com a sua carreira e a produzir novos trabalhos caiu por terra devido a desentendimentos internos se separando um ano após o lançamento de seu grande álbum, em 1977.

“Feeling” é interessante e complexo, principalmente em meados dos anos 1970 em que o progressivo, sob o aspecto comercial, estava em declínio. É um álbum psicodélico, lírico e intenso, tendo muitas vezes uma aura cósmica. O álbum teve várias reedições e relançamentos, quase todos sempre feitos pelo emblemático selo “Garden of Delights”.

 



A banda:

Joe na guitarra, vocal

Ulli na guitarra, flauta, vocal

Olli no sintetizador e teclados

Wolfgang no baixo

Egon na bateria

 

Faixas:

1 - Sword in the Sky

2 - Lory

3 - Nightmare

4 - King and Queen

5 - Feeling 



Lightshine - "Feeling" (1976)