terça-feira, 26 de julho de 2022

Sainte Anthony's Fyre - Sainte Anthony's Fyre (1970)

 

Os anos de ouro do rock n’ roll norte americano! Sim! A segunda metade dos anos 1960 produziram bandas que compuseram a cena psicodélica americana. Janis Joplin, Grateful Dead, The Doors entre tantos outros gritavam aos 4 cantos do país, do mundo o “flower power”, o seu repúdio à Guerra do Vietnã e a música era o farol. Músicas experimentais e psicodélicas reinavam absolutas.

Mas como o bom rock n’ roll sugere ou deveria, ao menos, sugerir, costuma subverter a ordem e algumas bandas, poucas bandas, diga-se de passagem, traziam algo de diferente à época. Algo mais pesado, não apenas na relevância de sua história, como também no som. Basicamente o som revelava a sua história e trazia a contundência de serem desbravadores e que, muitos deles, não recebiam o devido crédito.

Não recebiam crédito exatamente por trazer algo novo e de difícil digestão entre a indústria fonográfica que, convenhamos, sempre foi conservadora e o público ou pelo menos parte dele, apesar da juventude ser ávida por coisas novas e que confrontasse o status quo.

Algumas bandas merecem uma parte, um adendo e aqui cito The Stooges, Alice Cooper, Sir. Lord Baltimore, Blue Cheer, Pentagram, MC 5 entre tantas outras. Umas ganharam a redenção comercial, outras caíram no ostracismo. Mas há uma, em especial, que merece um capítulo neste reles e humilde blog, merece a luz, pois caiu no esquecimento fundo do baú empoeirado do rock. Falo do SAINTE ANTHONY’S FYRE.

O Sainte Anthony’s Fyre foi uma das bandas mais significativas de Trenton, New Jersey, nos Estados Unidos. Bem pelo menos por lá ganhou alguma notoriedade, sobretudo pelas as suas apresentações ao vivo. Mas deixemos as peripécias do Sainte Anthony’s Fyre para depois.

A banda era um power trio o que, pelo menos para mim, já se torna um atrativo e não duvido que tenha sido um dos primeiros da terra do Tio Sam. Acredito que também tenha sido uma das primeiras a tocar hard rock neste país, juntamente com o próprio Blue Cheer, Blue Oyster Cult, Pentagram entre outras pérolas. O Sainte Athony’s Fyre era formado por Greg Ohm na guitarra, vocal, Tomm Nardi no baixo, vocal e Bob Sharples na bateria, percussão.

Sainte Anthony's Fyre

O guitarrista e vocalista Greg Ohm foi a espinha dorsal da banda e como filho de Trenton, nascido por lá, tocando em algumas bandas locais. Ohm tinha relação com a música desde a infância tocando violino, música clássica no ensino fundamental, no Trenton High’s Orchestra, e também esteve na faculdade, no curso de música e entrou na banda Peter’s Precious Soul que era muito conhecida localmente.

Bob Sharples, o baterista, é de nacionalidade britânica. Ele sempre fazia viagens para os EUA e voltava também até que, em uma decisão radical, decidiu ficar nos Estados Unidos. Como Ohm, Sharples também era ligado à música desde criança. Aos dez anos estava na BBC tocando trombone. 

Antes do Sainte Anthony’s Fyre rodou em várias bandas, já nos Estados Unidos: The Statics, Orange Invasion, The Tins, DD e Dive Bombers eram algumas que tocou. Quando completou 15 anos de idade fez um teste para um cara que ele julgou ser muito estranho chamado Tom Nardi, que viria a ser o baixista do Sainte Anthony’s Fyre. Gravariam um álbum, meio pop, de nome “The Marshmallow Way”. Eles se juntariam a um radialista da Filadélfia que fazia shows aos sábados. Era a banda The Third Degree que fez algum “barulho” na cena psicodélica.

"The Third Degree"

Tom queria implementar algo de The Who na banda, aquela energia e peso no palco. A banda chegava a quebrar os amplificadores e todo tipo de equipamento que existiam na sua frente, capitaneado, claro, por Tom Nardi. A banda fez algumas apresentações em escolas, auditórios e até igrejas. Mas não durou muito tempo e a banda terminou. Tom e Bob ficaram sem se ver por algum tempo.

O nascedouro do Sainte Anthony’s Fyre começou em algumas jam sessions em um prédio onde alguns amigos e músicos se reuniam para ouvir música, tocar, no caso dos jovens músicos, e também para, é claro, fumar uns baseados, tomar anfetamina entre outros psicotrópicos, afinal, eram os anos 1960. Greg Ohm, que já tinha alguma reputação na área, ganhou certa respeitabilidade na cidade e o Bob decidiu sair com ele, para trocar uma ideia, mas eram raras as ocasiões.

Um belo dia Greg ligou para Bob. Disse que se juntou a um promotor de rock, Jean Francis, que estava agenciando uma banda que estava fazendo certo sucesso, o Betsy Jean and The Gems, era uma dessas bandas que faziam seções de metais. 

Greg estava em contato com ela e que Bob seria o baterista. Quando chegaram ao estúdio de Jean tinha um cara, de nome Richy Helmke, tocando um baixo. Ela pediu que eles começassem a tocar, embora não tivesse uma banda completa com o que ela desejava: tecladista, vocalista e caras que tocassem os instrumentos de sopro.

Enquanto isso não rolava os caras experimentavam algo como Hendrix, ou seja, peso, muito peso. A Jean ficava irada, revoltada e descia do seu escritório, no terceiro andar, e repreendia os meninos. Assim nasceria a “maquete’ do Sainte Anthony’s Fyre. E assim, sempre quando a produtora estava longe, eles faziam o seu som pesado e barulhento, até que um dia, cansada de ouvir o som que não gostava, decidiu expulsar os jovens músicos do seu estúdio.

E foi assim subvertendo que a banda nasceu! Em algumas apresentações raras com a Jean Francis comandando, eles sempre “destoavam” daquela música ao estilo “motown” e irritava a produtora. Mas foi dessa forma que a banda conquistou uma capacidade de improvisação com solos longos.

Então Richy, Bob e Greg tentaram algo novo, uma banda nova, fazer algo novo e que eles estavam curtindo, apesar de Greg ser o mais “inovador” da banda, trazendo algo de improvisação por instrumentos de sopro etc. 

Eles não conseguiam chegar a um consenso com relação ao nome da banda. Até que um dia o Greg estava limpando o sótão na casa da avó até que encontrou um velho jornal com a seguinte manchete: "Fogo de Santo Antônio atinge a cidade francesa", lê-se “Fogo de Santo Antônio” em inglês: “Sainte Anthony’s Fyre”. A história era de que uma plantação de trigo desenvolveu “ergot”, que é uma doença fúngica que afeta o centeio e outras planta, sendo contaminada. O trigo foi usado para fazer pão e o tal alimento, contaminado, teve um efeito semelhante a uma “viagem” de LSD. Pronto! Era o nome ideal para a banda!

Os demais integrantes odiaram o nome, mas como estavam em um impasse na escolha do nome da banda havia tempo, cederam a dica de Greg. Após a superação da escolha do nome da banda, o próximo passo era os ensaios, o local para ensaiar e compor as músicas para tentar gravar um álbum e sair em turnê! Quanta coisa, quanto caminho a percorrer! O primeiro local era o porão da casa dos pais de Bob. E sempre era difícil conseguir espaço e tranquilidade para tocar.

Greg trouxe as primeiras composições e sempre tinha de fazer do jeito dele, rolando as primeiras brigas entre os integrantes. Eles conseguiram um novo empresário chamado Dickie Diamond que também mantinha músicos e bandas como Patti La Belle e as Blue Belles, bem como Kool & The Gang. Richy foi convocado pelas forças armadas e ficaram sem baixista. Então lembraram-de de Tom Nardi que, quando recebeu o convite, logo se integrou à banda.

Antes do Sainte Anthony’s Fyre gravar seu álbum, o seu novo empresário, Dickie, fez a banda gravar com Patti LaBelle e o pagamento por isso foi deixá-los gravar algumas faixas para a banda. O estúdio era o L & H que ficava nos arredores da Filadélfia. 

Mas não deu certo com esse estúdio e logo com o empresário Dickie Diamond. Foram contratados pelos estúdios “Electric Ladyland”. Os novos empresários da banda, Bob Balerna e Frank Kelly eram donos de uma cadeia de lojas de roupas hippie, a principal de Trenton, em New Jersey. Após o expediente na loja, as portas eram trancadas e por lá ensaiavam. Eles ensaiavam no porão do “Hip Pocket”.

A medida que a base de fãs do Sainte Anthony’s Fyre crescia surgia a possibilidade da Zonk Productions financiar o lançamento do seu primeiro álbum, principalmente por conta de suas apresentações ao vivo. A banda abria shows de nada menos que MC 5, Wishbone Ash, Grass Roots, Rare Earth, Fleetwood Mac e Joe Cocker. Já tinha alguma reputação nas redondezas.

“Saint Anthony’s Fyre” foi gravado por volta do final de 1969 em um estúdio em Pennsauken, Nova Jersey, que era dirigido pelo baixista do Lovin' Spoonful, sendo lançado oficialmente em 1970. Tocou em várias rádios undergrounds das regiões no entorno à Nova Jersey e Filadélfia, sobretudo quando as bandas mais conhecidas, como Mountain e Blue Cheer tocasse naquelas regiões. Foram em torno de 5.000 a 10.000 tiragens lançadas. Não se sabe ao certo o quanto foi lançado, não há consenso entre banda e gravadora sobre isso.

O álbum é definitivamente um senhor petardo de hard rock, envolvidos em finas camadas psicodélicas, o que é totalmente normal levando em consideração o período em que fora concebido, em uma transição de décadas, mas excessivamente pesado, cru, sujo e intenso, muito intenso!


Começa com “Love Over You” e já com aquele já anunciado petardo que personifica o álbum em sua totalidade. Riffs e solos de guitarra ensurdecedores, pesados, totalmente despretensiosos, mas com alma, com intensidade, com força. A “cozinha” se faz presente e tempera a música com mais peso, mas que, ao mesmo tempo cadencia, dando versatilidade e complexidade a música.

"Love Over You"

“Summer Fun” tem a presença intensa dos riffs de guitarra que é o “tempero” do peso da música, com a “cozinha” demasiadamente entrosada, a bateria repleta de viradas emocionantes e o baixo marcado e pulsante. Uma faixa simples, mas cheia de personalidade, com a banda mandando ver!

"Summer Fun"

“Star Light” é uma beleza à parte e traz um Sainte Anthony’s Fyre mais funk, com mais groove, mais dançante. Seria herança de suas experiências com Patti LaBelle, produtores com viés da Motown? Não saberemos, mas a música com a tal versatilidade mencionada na descrição da primeira faixa, aparece novamente em “Star Light”. O funk, o groove com a pegada intensa do hard rock é evidente.

"Star Light"

“Lone Soul Road” traz as exuberâncias dos riffs de guitarra, do baixo pulsante, da bateria. É um verdadeiro desfile dos dotes dos músicos e seus instrumentos, claro. Solos de bateria, guitarra e baixo, mostram todo o arrojo da banda e sua sinergia sonora.

“With Your Beau” vem com alguns solos de guitarra em overdubs bem estranhos, o que apimenta, claro, a música. Mas por mais que seja estranho e até, em alguns momentos, sombrio, a música traz referências de bandas como Cream, pois flerta com, além do hard rock, com uma ácida psicodelia, transformando-a em algo, diria, beligerante. O vocal é o destaque nessa faixa.

"With Your Beau"

“Chance of Fate” começa avassaladora com a peso da bateria conduzindo tudo de forma intensa e indulgente, mas com qualidade e destreza, além de um vocal rasgado, por vezes, gritado, com solos curtos e diretos de guitarra e o baixo sempre acompanhando, de forma incrível, todo o conceito de peso da música.

"Chance of Fate"

“Wet Back” fecha com um Sainte Anthony’s Fyre mais dançante, candenciado seria mais apropriado. O fato é que nessa música não há como ficar parado, mas o peso está lá, afinal é a marca registrada, a célula mater do álbum. Mais uma vez também, que fique registrada a qualidade instrumental deste trabalho e da música em questão e o solo de guitarra é de tirar o fôlego.

O Sainte Anthony’s Fyre seguiria a sua saga de shows e apresentações ao vivo e abrindo para bandas do naipe de Grand Funk Railroad, Fleetwood Mac, James Gang, Edgar Winter Group e vários outros e era essa a intenção da banda e era em cima do palco que se realizavam. Era quando cresciam como músicos.

Mas a banda não vingou. Após o fim do Sainte Anthony’s Fyre, em 1973, Bob Sharples foi morar com a primeira esposa em Arkansas e fez alguns trabalhos como baterista não muito conhecidos. Greg Ohm também não teve tempo de seguir com outros projetos, pois morreu, pouco tempo depois do fim da banda, de cirrose em decorrência da ingestão excessiva de bebida alcoólica. 

Tom Nardi permaneceu em Nova Jersey tocando baixo em outras bandas, mas sem êxito comercial. Tocou inclusive com Greg em um desses trabalhos em outras bandas, mas que teve fim precoce também.

Apesar do fim precoce do Sainte Anthony’s Fyre, a banda, sem sombra de dúvida, deixou uma marca indelével para o hard rock norte americano e, mesmo que tenha sido “regional” ajudou a desbravar e moldar, consequentemente, o estilo pelos Estados Unidos e hoje, graças às redes sociais e alguns bravos abnegados a música do Sainte Anthony’s Fyre vem ganhando novos admiradores e adeptos como esse que vos fala.

E isso se confirma com alguns comentários, diria, emblemáticos de revistas e críticos como a da popular britânica “Shindig!” que proclama: “Uma obra-prima do hard rock, encharcado de fuzz!”

40 anos depois do seu lançamento o álbum ganhou um relançamento pelo selo “Rockadrome”, corroborando o interesse e a necessidade quase que urgente de que esse álbum merecia ganhar a luz! Esta edição limitada em vinil vem com um pôster e uma inserção com encarte, fotos e letras. E em 2013 veio a versão remasterizada em CD.


A banda:

Tom Nardi no vocal e baixo

Gregory "Greg Ohm" Onushko no vocal e guitarra

Bob Sharples na bateria e percussão

 

Faixas:

1 - Love Over You

2 - Get Off

3 - Summer Fun

4 - Starlight

5 - Lone Soul Road

6 - With Your Beau

7 - Chance of Fate

8 - Wet Back


"Sainte Anthony's Fyre" (1970)

Versão para Download de "Sainte Anthony's Fyre": Clique aqui








 




















 


segunda-feira, 18 de julho de 2022

Armaggedon - Armaggedon (1970)

 

Estamos em um período de escassez criativa! Essa talvez seja a minha única crítica, a minha única preocupação no rock n’ roll. Eu tentei, em dado momento ou em vários momentos, refletir o que tem acontecido com a cena rock. Talvez seja a forma como ouvimos a música ou como buscamos por ela. Contextualizei a possibilidade de que estivesse garimpando erradamente, buscando as mesmices do mainstream que traz, em sua maioria, bandas sem alma e vendidas a um anseio vazio de um mercado ávido por música pasteurizada e que evita a reflexão ou coisa que o valha.

O que dizer da cena stoner e doom metal, que há pouco mais de 20 anos, aproximadamente, vem crescendo, principalmente em termos quantitativo, chegando ao patamar de saturação? Será que estaria enganado quanto a tal escassez criativa? Talvez! Afinal as bandas são excepcionais, ou pelo menos a esmagadora maioria, mas hoje vejo cópias surgindo, o famoso e temível “mais do mesmo” e nada além, nada que de fato arrebatasse o ouvinte, transformando-se em uma espécie de amontoado de bandas e álbuns.

Nada se assemelhará aos incríveis anos 1970 que, claro, como toda cena, surgiram também os oportunismos e a falta de originalidade, mas foi a época em que as bandas, em todo o planeta, experimentaram, trouxeram elementos peculiares à sua música trazendo conceitos sonoros arrojados e que não se renderam aos estereótipos da qual somos escravos e vítimas atualmente.

E já que estou falando do arrojo sonoro, da música, não há como deixar de mencionar a cena rock alemã de meados dos anos 1960 e todos os anos 1970, tendo o krautrock como o seu pilar e a sua referência. Apesar de ser um nome pejorativo, em tom de galhofa por parte da imprensa britânica, o kraut trouxe novidades a uma Alemanha pós-guerra, sem auto estima cultural e bandas que, nos primórdios, eram tidos como grupos de hippies que queriam peitar o status quo, trazendo  uma nova perspectiva cultural, comportamental e política para a Alemanha, aventuraram-se na música psicodélica, lisérgica, buscando a referência no movimento contracultural norte americana, sobretudo, claro, no rock psicodélico.

E uma banda, voltando à Alemanha, por mais rara e obscura que tenha sido, foi de suma importância para um movimento musical do rock que ostentava o minimalismo, o experimentalismo, a introspecção, a viagem psicodélica repleta de ruídos, barulhos eletrônicos. Essa banda colocou em um caldeirão o rock psicodélico, o blues rock e o hard rock, em pleno início de 1970, onde o krautrock, principalmente em bandas mais emblemáticas como Kraftwerk, Amon Duul II e Can, se ouvia a viagem experimental. Falo do ARMAGGEDON!

Mas não se enganem com o Armageddon britânico formado pelo icônico guitarrista e vocalista Keith Relf, que inclusive a sua resenha pode ser lida aqui, ou ainda da banda norte americana Armaggedon, mas da banda alemã, talvez a menos conhecida das suas “irmãs” de mesmo nome.

A palavra “Armagedão” ou “Armageddon” é atribuída ao livro de São João, ao Apocalipse de São João, o último livro da Bíblia e, diante, desses conceitos e visões apocalípticas que esse livro traz, entrega também a inspiração para batizar bandas de rock, afinal, tem tudo a ver, não acham? Essa necessidade premente de chocar, de trazer o impacto a sociedade pseudo conservadora também foi uma tônica no rock germânico dos anos 1960 e 1970 e por que não dizer dos dias atuais naquele país?

O Armaggedon alemão surgiu da mente de um brilhante guitarrista chamado Frank Diez que começou a sua carreira em 1960 e sempre à frente do seu tempo, começando a tocar blues rock e tinha como inspiração musical, claro, o blues americano, bem como o folk rock, muito típico nos anos 1960. Em seu site (frankdiez.de), ao ler a sua biografia, diz que ele foi o único guitarrista alemão que teria tocado com Jimi Hendrix, Chuck Berry e Little Richard. Uau! Que escola! Se de fato esses momentos acontecerão, é totalmente compreensível essa veia bluseira pesada, intensa.

Frank Diez

E assim o foi quando formou o Armaggedon! Tinha como base o blues, o blues rock que surgia na Inglaterra com o Jeff Beck, o Cream, no Canadá com o Steppenwolf e tiveram nessas bandas o pioneirismo no estilo, na fusão do rock com o blues em um acabamento mais pesado, mais agressivo, fugindo e muito do que fazia o Rolling Stones, na sua gênese. E ousaria dizer que o Armaggedon criou esse conceito na Alemanha. E as vezes me pergunto: Como que essa banda é pouco conhecida? Como que essa banda não ganhou o reconhecimento naquela época?

O Armaggedon era formado, além do guitarrista Frank Diez, pelo vocalista e tecladista Manfred Galaktik, o baixista Michael Nurnberg e o baterista Jurgen Lorenzen. Hoje esses nomes podem não dizer nada, mas graças a abnegados que trabalham positivamente com as redes sociais que difundiram sua música e que nos faz chegar a conclusão de sua importância para à época, trazendo uma inspiração sonora anglo-americana com uma cara totalmente germânica, com o peso e a agressividade que o rock naquele país produziu.

Armaggedon

O Armaggedon assinou contrato com o lendário selo “Kuckuck”, em 1970 e as gravações para o seu debut começaram na virada de julho para agosto daquele mesmo ano. Os caras ficaram, pasmem, apenas nove dias em estúdio! Em menos de duas semanas a banda foi capaz de fazer história, mesmo que não reconhecida em 1970, no rock alemão. O suficiente para que hoje seu álbum seja objeto de suspiro e de loucura para todos os amantes de rock, e acredito que, diante do ostracismo em 1970, há quem tinha se deixado arrebatar para este álbum no seu primórdio.

O álbum, homônimo, lançado em 1970, além da notável e brilhante referência do blues rock, com pitadas psicodélicas, trazia algumas inspirações progressivas, tudo isso envolto em uma chama pesada do hard rock. Eram os anos 1970 e eram perceptível bandas flertarem com tantos estilos que ainda eram meio que embrionários, estavam em formação.

O álbum é inaugurado com a música “Round” e já começa com o pé na porta. Um senhor petardo, um voluptuoso hardão setentista com riffs pesados, arrogantes e pegajosos. Diria que essa faixa pode ser considerada como um proto metal, pois traz o peso e a agressividade necessária para se chegar a essa conclusão. Não podemos negligenciar o vocal indulgente de Galatik e as viradas rítmicas tendo uma textura primorosa dos teclados, dando o contraponto ao peso da guitarra. Fabulosa faixa!

"Round"

Na sequência temos uma virada na proposta do álbum, mas que sintetiza a sua versatilidade, com a música “Open”. Traz uma viagem mais lisérgica, psicodélica e contemplativa, diria, sem medo de errar, que se trata de um space rock ao estilo Pink Floyd em seu clássico “Meddle” e não podemos deixar de dar os créditos nas viradas de bateria e da guitarra dando o clima necessário à proposta sonora. Um conceito prog/space rock de excelente qualidade.

"Open"

“Oh Man” volta ao estágio inicial: hard rock e blues rock da melhor qualidade! E aquele riff típico de um hardão, meio desleixado e sujo, abre a música e o vocal rouco e despretensioso é o destaque com riffs atrás de riffs de guitarra que dá o tom pesado a faixa, mas que traz algo meio dançante e a bateria dá esse groove saboroso.

O primeiro cover da banda, em um total de dois, vem com o clássico exuberante da banda Jeff Beck Group, “Rice Pudding”. Mas não se enganem que seria uma versão idêntica da banda do grande Jeff Beck! Pelo contrário! Traz a versão blues, com pitadas generosas de hard rock, mas com uma pegada bem lisérgica também. Espetacular!

"Rice Pudding"

“People Talking” entrega também uma pegada mais dançante, menos pesada, até, diria, mais comercial, radiofônica, mas que ganha substância com os solos de guitarra que, embora simples, encorpa a música, além de um baixo pulsante e vibrante que segue em uma salutar disputa com a guitarra de Diez.

E fecha com outro cover chamado "Better By You, Better Than Me", um clássico da banda Spooky Tooth. E confessarei que não sei qual versão gosto mais, se é a original ou a versão do Armaggedon! Poderia dizer do Armageddon? Olha hein! E que maravilha ficou essa versão! O vocal mais limpo, mas potente, altivo, os riffs de guitarra que entoam potência que rivalizam com uma atmosfera mais soturna, psicodélica. Solos simples de guitarra nos faz dançar, entrar em transe! Fantástico!

"Better By You, Better Than Me"

Este álbum é um excelente exemplo da excelente cena do Krautrock progressivo alemão no início dos anos 1970, mas que trouxera à época uma grata novidade: a junção do blues, do classic rock, do hard rock, do prog rock e do psych. Tudo em um só álbum! Um álbum que deveria ser incluído em toda coleção de discos que se preze!

O álbum do Armageddon disparou de preço nos últimos anos, devido ao crescente interesse, graças ao advento das redes sociais e de abnegados que garimpam e disseminam tais pérolas esquecidas e obscurecidas pelo ostracismo no universo do rocn n’ roll. Mas no entanto a demanda pela banda foi muito baixa, em 1970 e o Armaggedon logo se separou após o lançamento de seu único álbum.

Mas o que também fez com o interesse pelo Armaggedon e seu álbum tenha crescido nesses últimos anos foi também pelo relançamento de “Armaggedon” em 1991 com um som mais limpo e nítido, com um ótimo trabalho de remasterização digital, com uma edição limitada de apenas 1.000 cópias numeradas.

Após o fim do Armaggedon Frank Diez tocou jazz rock com a banda Emergency e mais tarde com Randy Pie, Karthago, Ihre Kinder e Atlantis, Snowball e Eric Burdon's Fire Department. Fundou a Peter Maffay Band que durou, com a sua liderança, por 30 anos. As suas habilidades afloraram também como produtor: Miller Anderson, Telecats, Blues Company e por último, mas não menos importante, sua produção solo melancólica e bela "Stranded on Fantasy Island" são apenas alguns exemplos.

Mesmo que diante do pouco caso pela qual o Armaggedon sofreu em sua gênese, e seu álbum ficando em segundo plano, caindo no ostracismo, no esquecimento, o tempo, mesmo que demasiadamente longo, se encarregou de coloca-lo no seu devido lugar de importância, de pioneirismo. Um arrojado trabalho que conferiu o título, a honraria de um álbum relevante, consiste de blues rock germânico. Altamente recomendado!



A banda:

Frank Diez na guitarra 

Manfred Galatik  nos vocais e teclados

Michael Nürnberg no baixo e guitarra rítmica

Jürgen Lorenzen na bateria

  

Faixas:

1 - Round

2 - Open

3 - Oh Man

4 - Rice Pudding

5 - People Talking

6 - Better By You, Better Than Me       


"Armaggedon" (1970)    

 

 

 

 

 









 








domingo, 10 de julho de 2022

Witchfynde - Give 'Em Hell (1980)

 

A Nova Onda do Heavy Metal Britânico de fato foi uma onda, um modismo que atingiu em cheio o mainstream com bandas fazendo shows faraônicos, em estádios lotados de degenerados jovens sem futuros e amaldiçoados pela própria sorte, com bandas gozando de estruturas de produção de palco jamais vista naquela época.

Mas não se enganem caros e dignos leitores havia o submundo, bandas esquecidas, vilipendiadas, marginalizadas. E não apenas pela temática de suas músicas e pelos coturnos, roupas pretas ou quaisquer coisas relacionadas ao comportamento não, mas relegadas, talvez, pela própria sorte, não se sabe dizer o real motivo: talvez por mero capricho da indústria fonográfica, pelas emissoras de músicas, pelas rádios ou pela incapacidade de gerenciamento dos músicos para com as suas bandas mesmo.

Mas o heavy metal que explodiu na década de 1980 deixou a sua indelével marca, sim, não temos dúvida, mas, como toda cena, toda geração, deixou também suas injustiças, suas dúvidas de originalidade e comunhão, esquecendo alguns de seus rebentos para trás.

A banda de hoje, que abrilhantará, diante da escuridão de sua história, da obscuridade de sua trajetória, foi, digamos, “inserida” na NWOBHM e por quê digo inserida? É uma das peculiaridades desses momentos da música, no rock n’ roll: colocar no “saco” algumas bandas nas cenas que estão em evidência ou que, mesmo diante de sua veste underground ou do mainstream mesmo.

É claro que é demasiado chato, às vezes, ficar “analisando” uma vertente sonora de uma banda, é se deixar escravizar por estereótipos, rótulos que mascaram a razão-mor de tudo isso: a música propriamente dita. Mas essa banda é bem peculiar, pois flerta com o hard rock setentista, puro e genuíno e também com umas pitadas, diria, generosas, de heavy metal, afinal, ambos se complementam. Falo da banda britânica WITCHFYNDE.


O Witchfynde é uma daquelas bandas que navegou em várias vertentes, diria ser um híbrido entre bandas como Judas Priest, Black Sabbath e até algo do Thin Lizzy e algo de heavy metal e Thrash metal. Foi uma banda que foi influenciada e influenciou, por isso o flerte com o hard setentista e o heavy oitentista é evidente em sua sonoridade.

E essa dualidade era caracterizada também, além da sonoridade, na questão estética, nas letras de suas músicas que ia de um punk rock ao estilo pub, tipicamente londrino, às composições conceituais de um rock progressivo, com algumas baladas soturnas, com pegada, inclusive, lisérgica, psicodélica.  

As origens da banda é de Nottinghamshire, na Inglaterra, sendo formada em 1974 pelo baixista Richard Blower e o vocalista Neil Harvey e, como várias bandas tiveram suas mudanças intensas na sua formação o que certamente influencia, de certo modo, na textura sonora da banda.

Blower descobriu o guitarrista Montalo (Trevor Taylor) em uma banda chamada Atiofel. Quando Richard deixou a banda, em 1975, os remanescentes reformularam o Witchfynde com o guitarrista Montalo, o baixista Andro Coulton e o baterista Gra Scoresby, e logo recrutaram o vocalista Steve Bridges.


E neste entra e sai, mesmo com a formação da banda em meados dos anos 1970 Bridges, Montalo Coulton e Scoresby não conseguiram gravar absolutamente nada, oficialmente, até o lançamento do seu single, “Give ‘Em Hell”, em 1979, além de outra faixa a “Gettin Heavy”. O Witchfynde, como muitas bandas, sofreu muito com alguns contratos desfavoráveis e gravadoras mal gerenciadas.


Ouvindo essas faixas inaugurais da história discográfica do Witchfynde nota-se o pioneirismo, uma sonoridade arrojada e versátil que lançara a “pedra fundamental” do que se convencionou de occult rock ou ainda occult metal que descamba para o proto black metal (será?), mas não nos deixemos, completamente, seduzir pelos estereótipos da música, mas a sonoridade do Witchfynde é no mínimo uma entrega desejável à esse tipo de discussão.

O fruto completo das atividades de estúdio do Witchfynde veio com o “álbum cheio” da banda também chamado de “Give ‘Em Hell”, um ano depois, em 1980, alvo da resenha de hoje. A banda assinou com o selo Rondolet Records no início de 1980, que à época era uma gravadora que tinha em seu cast apenas bandas punks que estava no auge comercial, sendo o Witchfynde a primeira banda de hard/heavy rock.

Com o contrato assinado eles rapidamente, sem pestanejar, seguiram com um álbum, na concepção gráfica, com um debochado baphomet na capa, que evidentemente não passaria despercebido em uma loja de discos à época, assumindo de vez a sua postura satânica sem medir nenhum tipo de consequência e, teatro ou não, não temos dúvidas que essa arte, linda ou não, foi o pilar, sobretudo nesse aspecto, para o conceito de muitas, inúmeras bandas de thrash metal, de black metal e até mesmo aquele álbum clássico do Venom, o “Black Metal”, lançado em 1982, tido como referência para os estilos que culminariam em sua notoriedade nos anos 1990 na fria Noruega.

A produção de “Give ‘Em Hell” é crua, não se sabe ao certo se a banda tinha um baixo orçamento para a gravação do álbum, inclusive foram os caras que produziram o álbum, talvez a inexperiências nessa área tenha complicado as coisas, mas o fato é que prejudicando ou não, trouxe um sentido underground distinto, personificando o seu significado, dando uma atmosfera densa, suja à proposta do álbum, de suas letras.

“Give ‘Em Hell” não é um disco de black metal genuíno, que conhecemos hoje, não é um álbum de heavy metal, não é um álbum de punk rock ao estilo Pistols, não tem evidente um psych rock, não é um álbum (que bom!) a se rotular, a se colocar, para antigos, em uma seção sonora em uma loja de discos, por isso que é válida a discussão de que não se deve levantar a bandeira do estilo que o Witchfynde defende, embora o coloque no “saco” da NWOBHM. Eu arriscaria dizer que este debut da banda traz uma salada, uma mescla bem delineada de todas essas vertentes e o fez, creio, intencionalmente, mas sombrio, denso, ameaçador, perigoso para fazer valer as intenções de suas letras.

O álbum é inaugurado com a faixa “Ready to Roll” e de cara já começa metendo o pé na porta, uma porrada sonora toma conta dos ouvidos e de todo o corpo com uma pegada mais heavy, agressiva, agitada, com doses balanceadas de peso, marcada e um ritmo mais contido, menos sujo e até mais complexa. Percebe-se também algo de um hard rock setentista resgatado e adicionado ao temperado de um heavy bem elaborado. A letra tem um quê de celebração.

“Happy inside can't you see we're reelin'

There's somethin' comin' and it's getting' near

Must be that heavy stuff you've been dealin'

We're flyin' high we've got nothin' to fear”

"Ready to Roll"

“The Divine Victim” já traz a característica mais marcante do heavy metal oitentista, graças ao riff mais simples, direto e pesado de guitarra, beirando, diria algo relacionado ao punk rock, dada a sua versão suja, direta e pesada. A letra fala sobre Joana D’Arc queimada em praça pública ao ser acusada de heresia e feitiçaria por um tribunal eclesiástico inglês e francês. Na época, ela tinha somente 19 anos.

“Joan of Ark

Warrior queen

Loved herself

Witch”

"The Divine Victim"

“Leaving Nadir” o Witchfynde decide tirar o pé do freio, decide tirar um pouco do peso da música do início ao fim, mas fazendo alternâncias, variações rítmicas bem solares (se é possível) entre passagens mais intensas e amenas, lembrando, em dado momento, uma música progressiva bem elaborada e versátil. A música fala de um ritual.

"Leaving Nadir"

“Gettin’ Heavy” traz à tona novamente o heavy rock pesadão mesclado ao hard rock setentista que capitaneou basicamente o álbum inteiro, com riffs de guitarra bem agressivo e melosos, com bateria marcada e pesada, um baixo pulsante. Enfim uma música de banda onde todos os músicos participam intensamente e mesmo grau de importância.

"Gettin' Heavy"

Já a faixa título “Give ‘Em Hell” tem a cara, o DNA do heavy metal, com riffs de guitarra matadores, veloz, pesado, agressivo, típico dessa música, com o vocal rasgadão, mais despretensioso.

"Give'Em Hell"

A faixa “Unto The Ages of The Ages” muda totalmente o sentido das coisas no álbum trazendo uma faixa totalmente progressiva, diria um dos primórdios do metal progressivo está nesta música. Nela se percebe uma aposta em alternância das dinâmicas e uma estrutura mais intricada, complexa, mas o peso está lá com lindos solos de guitarra e vocais mais inspirados.

"Unto The Ages of The Ages"

E finaliza com “Pay Now Love Later” de forma empolgante, com uma mescla que permeou por todo o álbum: do hard rock com o heavy metal. Pesada, animada, solos desconcertantes de guitarra, a cozinha mandando muito bem, tudo conspirou a favor nessa faixa que encerra “Give ‘Em Hell”.

"Pay Now Love Later"

“Give ‘Em Hell” não teve grandes repercussões, não foi um sucesso comercial do Witchfynde, mas a banda atingiu os status de cult sobretudo pela sua condição de precursora do estilo, sobretudo pela sua miscelânea sonora, explorando o hard setentista, cuja cena fez parte também, haja vista que fora formada em 1974. Alguns críticos consideram “Give ‘Em Hell”, do Witchfynde, como uma pedra fundamental do heavy metal, apesar de bandas mais famosas como Motorhead e Judas Priest terem a coroa do pioneirismo.

Embora alguns contemporâneos como Venom e Angel Witch ecoassem esse estilo mais pesado aliando ao occult rock, o Witchfynde traz, em suas composições “fetiches” ao rock progressivo e ao rock psicodélico, o que não é, de fato, uma grande novidade, haja vista que muitas bandas já faziam isso, como o Rush, por exemplo. Um álbum de 1980 com vertentes clamorosas de hard rock, rock progressivo, rock psicodélico, com uma manta de heavy metal. Esse é o “Give ‘Em Hell”!

A banda ganhou, apesar do fracasso das vendas de seu debut, certa exposição quando fez, na Inglaterra, uma turnê com o Def Leppard em 1980, mas ainda assim caiu no ostracismo da indústria fonográfica não entrando no rol das grandes bandas que ostentaram o sucesso comercial.

As mudanças na formação aconteceram de novo após o lançamento de “Give ‘Em Hell” saindo Andro Coulton e entrando Peter Surgey em seu ligar. Apesar de todos esses entraves o Witchfynde conseguiu lançar um segundo álbum, um pouco mais experimental, chamado “Stagefright”, mas isso já outra história.


A banda:

Steve Bridges no vocal

Montalo na guitarra

Andro Coulton no baixo

Gra Scoresby na bateria

 

Faixas:

1 - Ready to Roll

2 - The Divine Victim

3 - Leaving Nadir

4 - Gettin' Heavy

5 - Give 'em Hell

6 - Unto the Ages of the Ages

7 - Pay Now Love Later

 

"Give 'Em Hell" (1980)























 




sexta-feira, 1 de julho de 2022

Gamma - Gamma (1975)

 

Recentemente fomos acometidos por uma triste notícia: a prematura morte do exímio e inigualável passamento do guitarrista do Goblin, Massimo Morante. E como o seu próprio nome denuncia ele foi realmente um máximo! O suprassumo da guitarra a serviço do rock progressivo, do jazz rock, do hard rock.

Morante construiu, juntamente com o tecladista Cláudio Simonetti, a música vanguardista do Goblin, trazendo o conceito, a simbiose entre áudio e música, muito antes do clipe musical, graças as trilhas sonoras que embalaram os sombrios filmes de suspense e horror do cineasta Dario Argento.

O Goblin elevou o vertente do dark progressive na Itália e no mundo e Morante, com seu carisma, talento esteve sempre a frente do seu tempo e nunca, nunca será esquecido.

Poderia proferir alguns depoimentos do impacto que a música de Massimo Morante causou em minha vida de humilde ouvinte de rock n’ roll, mas prefiro escrever sobre este homem, e todo o seu legado, que certamente fará com que ele continue a viver, a viver por intermédio de sua obra.

Massimo Morante

E como todo legado, Morante deixou uma vastidão de trabalhos, projetos, além do seu mais audacioso e longevo trabalho com o Goblin e não podemos negligenciar a história da banda Cherry Five que, no início dos anos 1970, mais precisamente em 1975, aproximadamente, a banda estava embrionária, nascendo para o mundo e a sua espinha dorsal, fez com que a mais sucedida nascesse também, o velho Goblin.

A encarnação clássica do Goblin que figurou no Cherry Five e que resultou em um exuberante álbum, em 1975, homônimo, teve músicos do naipe de Cláudio Simonetti nos teclados, Massimo Morante na guitarra e Fabio Pignatelli no baixo. Esses jovens músicos, à época, talvez não tivesse noção que marcariam, para sempre, embora alguns setores da indústria fonográfica não reconhecesse a história do rock progressivo mundial.

Mas a minha homenagem singela ao Massimo Morante trará um trabalho em que eles não eram tão protagonistas, eram muito jovens na época, mas, dada a qualidade sonora era evidente o tamanho do talento desses músicos. Inclusive embora não seja, esse projeto, uma versão “pré-Goblin”, a sua formação contou com os músicos que fariam parte da formação original da banda.

Falo do GAMMA. “Gamma” foi uma minissérie italiana de ficção científica e drama, de 1975, dirigida por Salvatore Nocita e estrelada por Laura Belli, Giulio Brogi e Mariella Zanetti e que conta a história de um transplante de cérebro em um jovem piloto de corrida e de suas implicações éticas. Foi transmitida pelo famoso canal RAI.

Essa série precisava de uma trilha sonora, é claro. E adivinhem que foi chamado para capitanear, conduzir, compor tais músicas para a série: Enrico Simonetti! Vocês sabem que foi Enrico Simonetti? O sobrenome nos é conhecido, teria alguma relação com o eterno tecladista do Goblin e Cherry Five, Cláudio Simonetti? Digo que sim! Eu confesso que não sabia e quando ouvi a trilha sonora de “Gamma” e me coloquei a garimpar, a pesquisar sobre, descobri que Enrico era pai de Cláudio. E nessa história toda tem o Brasil!

Enrico Simonetti e a atriz Lolita Rodrigues

O músico, maestro, pianista, compositor e apresentador de TV Enrico Simonetti viveu no Brasil, em especial em São Paulo, entre os anos de 1952 e 1962, apresentando e tocando em um popular show da extinta TV Excelsior, chamado “Simonetti Show”, com a atriz Lolita Rodrigues, tendo a direção de um jovem e promissor estreante chamado Jô Soares.

Enrico fez muito sucesso entre os anos 1950 e 1960, nos primórdios da televisão brasileira e, como músico de formação, gravou várias trilhas sonoras de filmes e séries, inclusiva a conhecida minissérie da TV Globo, “Presença de Anitta”. Mas Simonetti também deixou a sua marca em seu país natal, Itália, gravando alguns materiais, participando de alguns projetos, incluindo “Gamma”.

Quando a trilha sonora foi lançada os músicos do Cherry Five à época, não tiveram tanta visibilidade, dando protagonismo, claro, ao Enrico Simonetti que capitaneou todo o projeto, concebendo-o, inclusive, compondo esse material. E não custa escalá-los novamente. “Gamma” tinha, como músicos de apoio, Massimo Morante, Fabio Pignatelli, Agostino Marangolo e claro, o filho de Enrico, Claudio Simonetti. O LP foi lançado pelo selo Cinevox entre 1975 e 1976.

Os membros da banda tinham pouco mais de 20 anos cada um e certamente eram prodigiosos. Tinham retornado da Inglaterra e encontrou o magnata Carlo Bixio, executivo da Cinevox, e estavam atrás de músicos para gravar a trilha de “Gamma” e teve nos “moleques” talentosos do futuro Goblin a oportunidade para fazer o projeto se tornar realidade, além, é claro, do forte sobrenome Simonetti, graças ao prestígio de Enrico, para dar um empurrão.

Não deu outra: foram contratados. Afinal, a Cinevox estava a procura de jovens criativos capazes de manipular sons, criar harmonias e melodias arrojadas e tinham nos garotos os requisitos necessários.

"Gamma” mostra a competência de condução de Enrico Simonetti e a já capacidade dos caras do futuro Goblin, com sonoridades calcadas em orquestrações e passagens progressivas e jazzísticas excelentes. Em “Gamma” não está configurada a sonoridade que faria do Goblin uma banda notável no occult rock, não tem aquela atmosfera ameaçadora e soturna, envolta em uma proposta obscura, mas ao ouvir cada faixa deste álbum, com um ouvido razoavelmente apurado, percebe-se nuances embrionárias do que viria a ser o grande Goblin.

Os jovens músicos já demonstravam talento, competência e liberdade criativa, tendo em Enrico, o fio condutor, a mola propulsora disso tudo, dada a sua já experiência. Sem contar que “Gamma” se tratava de um álbum de trilha sonora de uma minissérie, o que no Goblin seria uma máxima com Dario Argento! Nisso tinha uma relação forte.

“Gamma” mostra um soft rock, com um pouco de jazz e rock progressivo etc. É uma boa mescla de criatividade e excelência personificada em notas musicais. Satisfeito com o resultado final, os executivos da Cinevox capitaneados por Bixio colocou os garotos sob contrato gravando o que viria a ser clássicos do Goblin, como “Profondo Rosso” e os primeiros encontros com o cineasta italiano Dario Argento criando uma parceria longeva e de sucesso, mas isso é outra história.

O álbum é inaugurado com a faixa “Gamma” que começa ao estilo “soft rock” com o protagonismo do saxofone que é executado de uma forma contemplativa e suave, mas que logo irrompe em uma orquestra com violinos e uma guitarra com riffs pops.

"Gamma"

“Drug's Theme” começa com uma linha interessante de baixo e alguns recursos eletrônicos, adicionados a uma orquestra de fundo, dando uma pegada contemplativa e progressiva à música. Vai encorpando, com riffs de guitarra e logo volta ao estágio contemplativo inicial. Excelente faixa!

"Drug's Theme"

Em seguida temos “Oceano”, seguindo ao estilo da faixa inaugural, tendo a predominância do sax em uma atmosfera intimista e sombria, mas envolto em uma qualidade sonora invejável.

“Invidia” começa introspectiva, mas com uma levada jazzística na bateria, seguida tão logo pelo piano de Enrico, endossada pelos instrumentos de sopro dando corpo e substância a faixa, mas com quebradas rítmicas impressionantes. Uma faixa bem progressiva.

"Invidia"

“Paoletta” vem com o teclado no comando, trazendo algo de progressivo sinfônico, talvez algo de experimental também.

"Paoletta"

“Mascia” segue basicamente a mesma proposta da faixa anterior: trazendo a predominância dos teclados e um fundo jazzístico bem elaborado.

“Amore Mio Non Farmi Male” traz, graças aos riffs de guitarra ao estilo black, soul, algo dançante, com uma “pitada” de sofisticação graças à orquestra e os belos instrumentos de sopro. E mais uma vez tem o destaque do piano de Enrico.

"Amore Mio Non Farmi"

“Amicizia” traz de volta ao álbum ao seu cerne mais intimista e soft com o piano de Enrico ainda em evidência. Na sequência com “Chi mi cercherà” inclui vocais femininos ao álbum, algo bem comercial e radiofônico, mas feito com muita qualidade e que entrega aquelas macarrônicas músicas italianas dos anos 1960.

"Amicizia"

“Black Jack” apesar de curta traz certa austeridade, a orquestra, a condução da orquestra é a grande responsável por isso com um violão acústico ao fundo corroborando essa máxima à faixa.

"Black Jack"

E fecha com a faixa “Amico Piano” que, como “Chi Mi Cercherà” traz um pouco da cultura musical italiana.

“Gamma” foi relançado em 2007 com o nome “Enrico Simonetti e Goblin”, dada a consagração da banda que naquela época era apenas um embrião do que viria a crescer e dominar a cena progressiva obscura, sendo esta, sem dúvida, a melhor banda do gênero, de todos os tempos. Mas, relevem, sou apenas um fã apaixonado e passional.





A banda:

Enrico Simonetti no piano, teclados

Claudio Simonetti nos teclados

Fabio Pignatelli no baixo

Massimo Morante na guitarra e violão


Faixas:

1 - Gamma   

2 - Drug's Theme    

3 - Oceano   

4 - Invidia     

5 - Paoletta  

6 - Mascia    

7 - Amore mio non farmi male     

8 - Amicizia

9 - Chi mi cercherà

10 - Black Jack       

11 - Amico piano