quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Caixão - Da Porta ao Sumiço (2020)

 

Nessa minha fantástica caminhada de desbravar as grandes bandas que trafegam nas sombras das obscuridades, me peguei em algumas boas e salutares discussões acerca das condições que a sua sonoridade se relaciona, digamos assim, com o público. Uma delas é: um projeto musical pode ser considerado uma banda?

Pode parecer uma pergunta um tanto quanto desproporcional e boba, sem contexto algum, mas quando me vi refletindo sobre, quando essa questão me veio por um bom amigo leitor, me coloquei a pensar. Será que um projeto que, em tese, tem início, desenvolvimento e fim, pode ser considerada como uma banda constituída, haja vista que, quando se tem uma banda, presume-se que os seus músicos queiram a sua longevidade.

Projetos vem e vão, bandas também vem e vão, fãs idem, cenas também, mas a música, quando é relevante para os seus ouvidos e alma, sem dúvida alguma prevalecerá, passará pelos tempos e modismos, incólume, viva e jovial. Independente de como ela, a música, é concebida, ela é música e precisa ser apreciada, “degustada” como tal.

E essa banda, ou melhor, projeto é digno de reverências, dada a sua originalidade e também a sua sonoridade que nos remete aos prolíficos anos 1970, mas sem soar datado ou algo pasteurizado com a intenção de atingir a determinados nichos ou cenas de cunho saudosistas. Falo da banda ou projeto brasileiro, oriundo do Ceará, chamado CAIXÃO.

Caixão

E que orgulho, ufanismos à parte, dizer que se trata de um trabalho brasileiro, de material original e de contundência sendo feito em um país que privilegia as músicas frívolas, sem sentido e oca em sua concepção, mas essas tocam nas rádios, nas emissoras de massa, em tudo quanto é lugar, chega a ser leviano fazer essas pífias comparações. A Caixão já começa a ser underground e pouco “ortodoxo” com o seu nome.

E foi com o seu nome que, quando o conheci, lá pelos anos caóticos da crise sanitária da COVID-19, que realmente me chamou a atenção (risos)! São as maravilhas do mundo do underground e também os meus apreços e predileções musicais. E diante de tanto lixo musical que nos chega sem sequer pedirmos, torna-se urgente filtrar, para não cair na asneira de ouvir porcarias.

O projeto começou, em 2018, com o baterista Ítalo Rodrigo, conhecido pela banda seminal de crossover Damn Youth e também no Echoes of Death. Ítalo trouxe à tona a Caixão com o intuito de ser um projeto, porque, além de ser a sua concepção, ele pincela os músicos que o acompanha na sua empreitada sonora. Ítalo é a Caixão, pelo menos por enquanto, porque tudo indica que o projeto poderá vir a ganhar contornos de banda. Pode parecer estranho essa condição, afinal, a Caixão é uma banda constituída, independentemente de sua essência.

Lançou, em abril de 2019, um single, de nome “Pássaro Holograma” e um EP, com 5 músicas, também no mesmo mês e ano, de nome “Caixão”. Em setembro do mesmo ano gravou um “Split”, ou seja, um álbum com outra banda, chamado “Candelabro”, com a banda Abismo. O ano de 2019 foi bem agitado para a Caixão! Porém somente em outubro de 2020, em pleno auge da pandemia do COVID-19, lançou seu primeiro álbum chamado “Da Porta ao Sumiço”, cujo selo é a Abraxas, conhecida por ter em seu cast bandas de stoner, doom e occult rock da atualidade. E o cenário do caos sanitário também trouxe um formato um tanto quanto atípico na concepção do álbum sob o aspecto da gravação e sem sombra de dúvida na composição das letras. E será esse álbum alvo do texto de hoje.

EP lançado em 2019

“Da Porta ao Sumiço” foi concebido pela seguinte formação: além de Ítalo Rodrigo, na guitarra, o “dono” do projeto, trouxe Mirelle Sampaio, também na guitarra, Renato Alves, no baixo, Jardel Reis na bateria, com a participação no vocal e na letra de Ângelo Sousa, na música “Vulto”. A arte da capa contou com Fernanda JFL.

O processo de criação do álbum se deu de uma forma bem usual, apesar dos tempos temerosos da pandemia, tendo as ideias vindo em momentos totalmente inusitados, tendo como ponto central as músicas surgirem a partir de um riff. O trabalho foi todo feito em casa, afinal, o caos pandêmico exigiu um distanciamento social, o que certamente deve ter impactado o talentoso Ítalo a conceber as faixas que compunham esse álbum. Usaram para fazer a captação, sendo gravado em caixinhas de guitarra, que inclusive o baixo também foi gravado na caixa de guitarra. A mixagem e masterização ficou por conta de Guilherme Mendonça, amigo de Ítalo.

“Da Porta ao Sumiço” é um álbum que remete às sonoridades setentistas, que vai do hard rock ao psych. Passa pelo progressivo também, nuances mais discretas dessa vertente, mas também com um pé em sonoridades mais contemporâneas, como o stoner rock, por exemplo. O som da Caixão não é, com isso, datado, talvez homenagens às bandas de occult rock dos anos 1970 relegadas ao ostracismo, mas que soa com muito frescor, pois evoca o contemporâneo e a capacidade de se mostrar muito diversificada e difícil de se rotular.

É, sem dúvida, um registro contemporâneo, com referências do passado. É tão diversificado e complexo o som da Caixão neste trabalho que eles conseguem ser solares e introspectivos em uma única música, repetindo-se, em outras faixas. É inegável que, ao ouvir “Da Porta ao Sumiço”, não se consiga cativar pelas melodias envolventes e cheia de personalidade, sem contar com os riffs poderosos de guitarra que traz a versão pesada às músicas, propiciando os diversos andamentos distintos nelas, causando ao ouvinte um arrebatamento sonoro.

Como o próprio nome sugere, bem como a sua sonoridade, a Caixão dignifica, por intermédio de seu debut, uma roupagem, como disse, diversificada e calcada nos anos 1970, com viés atualizado trazendo o peso do stoner rock, tudo isso envolto em uma textura bem interessante de occult rock que beira, inclusive, a uma trilha sonora de um filme de terror. Me trouxe à tona até bandas como a italiana Goblin, por exemplo, que sempre explorou o cinema fazendo trilhas para o icônico cineasta Dario Argento.

"Hora de Ir"

“Corrente” segue agora com uma veia mais hard rock com riffs mais pesados de guitarra que, em determinados momentos, fica mais cadenciado, mas nunca leve ou introspectiva. É pesada! A “cozinha” é eficiente. Bateria pesada e marcada, baixo galopante, teclados enérgicos, mas ainda assim, sombrios.

"Corrente"

“Die in the Flame they Created” traz à memória algo de Blue Oyster Cult mais dançante, aquela fase mais comercial da banda dos anos 1980, mas que não negligencia de forma alguma sua pegada occult rock. O stoner se faz presente, o peso e os riffs de guitarra entregam essa vertente na faixa. “And Now Look At the Size of the Damage” segue basicamente a mesma proposta da faixa anterior, dando um caráter mais pop e comercial ao occult rock que permeia na música.

"Die in the Flame they Created"

“Mariposa” traz de volta o peso do stoner rock, capitaneado pelos riffs pegajosos e pesados de guitarra. A seção rítmica segue o conceito da música, se mostrando engenhosa e igualmente pesada. A bateria bate forte sem piedade alguma, mas ainda assim, temos algumas mudanças rítmicas. Bela música!

"Mariposa"

Segue com “Vulto” e a proposta pesada ainda paira sob esse momento do álbum e o hard continua pleno, os riffs de guitarra continuam em destaque, a bateria é pesada, porém cheia de viradas emocionantes. Percebo uma pegada mais heavy metal nesta faixa. A energia e a fluidez nessa música são deveras perceptíveis.

"Vulto"

“Poeira na Luz do Sol” chega mais sombria, mais introspectiva, com uma pegada pesada, porém arrastada, cadenciada, um stoner mesclada a um discreto doom metal. O baixo ganha destaque nessa faixa. É vívido, tocado alto, de forma galopante. A bateria basicamente segue marcada e os riffs de guitarra torna a faixa mais pesada. “Passeio no Céu” traz, mais uma vez, uma textura mais sombria, como na faixa anterior, algo mais introspectiva e soturno. Junto a isso uma pegada mais lisérgica envolve toda a proposta da faixa. A fala ao final da música é um trecho do filme “Compasso de Espera”, de 1973, dirigido por Antunes Filho.

"Poeira na Luz do Sol"

E fecha com “Goodbye Sanity” que se mostra com uma roupagem mais comercial, mais pop e bem dançante. Um conceito em voga entre as bandas atuais de occult rock que mescla o comercial com o occult rock que não é nada original, mas que atualmente é bem difundido nas músicas das bandas que compõe a cena hoje.

"Goodbye Sanity"

 “Da Porta ao Sumiço” pode ser considerado um álbum conceitual, afinal, as músicas, antes de qualquer coisa, se conectam, sonoramente falando. E o significado do nome do álbum também “amarra” esse conceito, pois o sumiço pode ser tanto para dentro quanto para fora, a partir da porta. Significa sumir de si ou dos outros. As faixas trazem esse ambiente de dúvidas, de fraquezas, de medos.

A banda lançou, em março de 2024, o single “Luz Estranha em Quixadá” e recentemente, em julho do mesmo ano outro single de nome “Bloodstains”. Esta última serviu como prenúncio para o lançamento do seu segundo álbum chamado “Entre o Velho Tempo Futuro”, previsto para ganhar luz em setembro. Remessas, no formato vinil, serão disponibilizados a partir de outubro.

"Luz Estranha em Quixadá" (2024)

O que nos resta, enquanto apreciadores do bom e velho occult rock, é aguardar ansiosamente por este tão aguardando novo álbum para ter de volta a Caixão despontando nos palcos e destilando suas músicas carregadas em hard rock, stoner, psicodelia e progressivo. E que o projeto se torne uma banda oficial e longeva. Se a música for o peso determinante não tenha dúvida de que isso logo acontecerá.




A banda:

Ítalo Rodrigo na guitarra

Mirelle Sampaio na guitarra

Renato Alvez no baixo

Jardel Reis na bateria

 

Com

 

Ângelo Sousa no vocal e letra de “Vulto”

 

Faixas:

1 – Hora de Ir

2 – Corrente

3 – Die in the Flame they Created

4 - ...And now look at the Size of the Damage

5 – Mariposa

6 – Vulto

7 – Poeira na Luz de Sol

8 – Passeio no Céu

9 – Goodbye Sanity (Bônus)



"Da Porta ao Sumiço" (2020)


"Entre o Velho e o Tempo Futuro" (Novo álbum de 2024)