domingo, 4 de junho de 2023

Bixo da Seda - Estação Elétrica (1976)

 

Lamentavelmente costumamos lembrar de nossos músicos com as suas mortes! A frase pode parecer, de fato é, forte, pesada, mas essa é a nossa triste realidade. E essa realidade nua e crua se adequa aos nossos músicos à margem do mainstream. Embora o termo soe um tanto quanto cult, no Brasil o cenário beira o perverso.

Bandas sem apoio da indústria fonográfica, sem estrutura para produzir a sua arte, para divulga-la, jogadas ao relento, ao ostracismo pelo simples fato de não ser “vendável” era a tônica nos anos 1970. E para completar costuma-se atribuir às bandas oitentistas o título de desbravadores do “rock Brasil”. E quanto as bandas dos anos 1970? Nada a dizer?

Sem “vitimismos” a realidade é essa! Mas graças ao advento da tecnologia ao universo da comunicação, com as redes sociais, canais no YouTube, blogs, sites, entre outros, algumas bandas esquecidas do passado estão ganhando vida de novo, ganhando a luz, nascendo novamente. E não podemos esquecer, claro, dos abnegados que fazem isso acontecer.

E falando em vilipêndio e afins tivemos a triste notícia de que um grande vocalista, um grande músico nos deixou precocemente: Falo de Fughetti Luz, da banda gaúcha BIXO DA SEDA. E o texto de hoje é em homenagem a esse músico e a sua banda que deixou uma indelével marca na história do rock, embora muitos se recusam a conceber isso.

Bixo da Seda

O Bixo da Seda foi uma banda formada na cidade de Porto Alegre, na segunda metade dos anos 1960, mas se chamava “Liverpool”. Não se sabe a inspiração para o nome, mas, me permitem a “licença poética” para devanear, nós tínhamos uma banda de Liverpool, na Inglaterra que era a mais famosa da época, The Beatles. Será essa a influência?

Liverpool

O Liverpool lançou, em 1969, o seu primeiro álbum chamado “Por Favor Sucesso”. Este trabalho viria ser o embrião, ou pelo menos um dos que viriam a desbravar o clássico rock nacional, embora a sua sonoridade tenha uma pegada mais para a Jovem Guarda, famosa naquela época, com pitadas de Tropicalismo que ganhava corpo no final dos anos 1960. Neste álbum traz composições de Carlinhos Harlieb e da Hermes Aquino e Laís Marques, além de faixas próprias, compostas pelos músicos.

"Por Favor, sucesso" (1969)

Algumas poucas faixas ousavam com um pouco de psicodelia e até, arriscaria dizer, de um proto progressivo bem experimental. A faixa “Voando” desse álbum é um exemplo, um “protótipo” do que viria para frente no futuro dos seus jovens músicos.

Este álbum seria alvo de relançamentos fora do Brasil recebendo alguma atenção e tornando-se um álbum “cult”, recebendo também comparações com “Os Mutantes”.

Em 1970, ainda como Liverpool, a banda lançou o álbum “Marcelo Zona Sul”. Nesse trabalho já se desenhava, mesmo que timidamente o “pré-rock” do Bixo da Seda e neste álbum pode-se destacar a faixa título que tem uma pegada meio folk, meio surf rock. Este trabalho também foi trilha sonora do filme nacional de mesmo nome e dirigido por Xavier de Oliveira. O filme fala sobre a juventude carioca dos anos 1960 se tornando um sucesso de público e crítica revelando os atores Stepan Nercessian e Françoise Forton, que faziam os papéis principais.

"Marcelo Zona Sul" (1970)



Em 1971 o contrato da banda findou e, a partir daí, decidem lançar um compacto, utilizando o nome “Liverpool Sound”, pelo selo “Polydor”, da gravadora “Phonogram” com as faixas “Hei Menina” e “Fale”, sendo que seu lado “A” faz algum sucesso nas rádios do Brasil.

"Liverpool Sound" (Compacto 1971)

Em 1972 o Liverpool se desfaz com Fughetti Luz, o vocalista e principal compositor acabou se casando e indo passar uma temporada na Europa, de forma forçada, pois se exilou em virtude da repressão da ditadura militar, e Wilmar Ignácio Seade Santana, conhecido como Peco (Pepeco), que era o baixista, viajando pelo Brasil e o resto da banda se estabelecendo por Porto Alegre.

No final do ano de 1973 os antigos integrantes do Liverpool, exceto Fughetti Luz, decidem se reunir. A ideia era retomar a banda, mas resolvem mudar o nome para “Bixo da Seda”. A ideia do nome da banda partiu do guitarrista Zé Vicente Brizola, filho do político Leonel Brizola, que fazia parte da banda juntamente com o tecladista Cláudio Vera Cruz. A inspiração surgiu da forma mais óbvia para aquela época: enquanto a banda enrolava um baseado, pensaram na utilidade do papelzinho quase transparente que envolvia a “erva”. A utilidade veio para dar nome a uma das bandas mais emblemáticas do nosso rock.

Fughetti havia voltado para Porto Alegre e formou muitas bandas que tiveram vida curta, como Laranja Mecânica, Bobo da Corte e Trilha do Sol, por exemplo. Foi então que Mimi Lessa, guitarrista, fez o convite a Fughetti para fazer parte do novo projeto, do Bixo da Seda. “Bixo” se escreve com “x” mesmo. Fughetti então aceitou a proposta e se uniu a banda.

Em 1975 se transferiram para o Rio de Janeiro e começam a fazer muitos shows, afinal, o Liverpool lhes possibilitaram a ter alguma fama. Mas não ficaram apenas no Rio de Janeiro, tocando em casas de shows em São Paulo e Belo Horizonte. Mais uma vez mudaram de cidade e com isso também tiveram mudanças na sua formação. Saem da banda Peco, Zé Vicente Brizola e Cláudio Vera Cruz, entrando na banda Renato Ladeira, um dos fundadores de outra emblemática banda, A Bolha.

Com a formação que trazia Fughetti Luz, nos vocais, Mimi Lessa, na guitarra e vocal, Renato Ladeira, nos teclados e vocais, Marcos Lessa, no baixo e vocais e Edson Espíndola, na bateria e vocais gravam o seu primeiro álbum, homônimo, mas também conhecido por “Estação Elétrica”, em 1976, lançado pela gravadora GEL, por intermédio do selo “Continental”.

Eram meados dos anos 1970! O “sonho tinha acabado” com os Beatles e o movimento hippie, com o seu “flower power” havia morrido com seus principais e mais famosos representantes, como Hendrix, Joplin e Morrison. O rock n’ roll também mudou, sobretudo em 1976, ano de lançamento de “Bixo da Seda” ou “Estação Elétrica”, onde o progressivo não era mais viável, comercialmente falando, dando espaço a um raivoso punk rock. O estilo, que sempre foi subversivo, passou a se consolidar como um movimento social, uma arma nas lutas da juventude que ansiava por mudanças no status quo.

E sob esse aspecto comportamental o álbum do Bixo da Seda foi influenciado. Nele se ouve influência do rock progressivo, sim, o rock progressivo ainda estava em evidência graças, claro, a qualidade de alguns lançamentos e do rock n’ roll mais básico, mais calcado na música dos Rolling Stones.

O álbum é inaugurado pela faixa “Vênus” e na sua introdução a sua viagem blueseira se faz, com uma pegada mais cadenciada, com alguma “latinidade” e que logo desagua para um hard rock. Um excelente instrumental já mostrando as credenciais do Bixo da Seda.

"Vênus"

A sequência traz a faixa “Já brilhou” e com um vocal mais contemplativo, traz uma tendência psicodélica, com uma abordagem mais progressiva e regional, com riffs ocasionais de guitarra e uma “cozinha” bem apurada e conectada.

"Já Brilhou"

“É Como Teria Que Ser” traz de volta a “textura” mais hard rock, com algumas pitadas mais “Classic Rock”, ao estilo Rolling Stones, com aquela música de festa.

"É Como Teria que Ser"

“Carrocel” é mais “raivosa” sobretudo no contexto da letra, mas o instrumental acompanha essa pegada, com riffs, embora pegajosos, de guitarra, traduz esse sentimento, sendo um tanto quanto agressivo, envoltos em alguns eventuais solos, mais diretos.

"Carrocel"

“Bixo da Seda”, a faixa título, traz de volta aquela música de festa, meio solar e animada ao estilo Rolling Stones, mas com uma roupagem mais brasileira, extremamente dançante e envolvente.

"Bixo da Seda"

“Sete de Ouro” retoma com a levada instrumental na sua introdução, com pitadas generosas de psicodelia tipicamente brasileira do início dos anos 1970, mas que, em alguns momentos investe em mudanças rítmicas bem interessante, com destaque para as viradas da bateria.

"Sete de Ouro"

Segue com “Gigante” que ainda mantém aquela pegada lisérgica, com um viés mais rock n’ roll, em sua versão mais clássica, com algumas viradas rítmicas bem interessantes e, diria, ousada, algo tribal, com tambores, bongô e bateria, mostrando arrojo.

"Gigante"

“Um Abraço em Brian Jones” já diz tudo, já entrega a influência latente do Bixo da Seda e do seu álbum, do Rolling Stones, homenageando seu eterno guitarrista, Brian Jones. E a música, claro, denuncia isso, música de festa, pegada blueseira, com hardão mais cadenciado.

"Um Abraço em Brian Jones"

O álbum fecha com a faixa “Trem”, e segue na mesma levada dos Rolling Stones: música solar, animada, guitarra ácida, psicodelia, com uma abordagem mais pesada, bongôs a todo o vapor.

"Trem"

Após o lançamento do álbum o Bixo da Seda realizou vários shows pelo país com casas cheias, uma boa receptividade por parte do público, entretanto, ainda assim, a banda decreta o seu fim por questões financeiras. Não tinha grana para se manter na capital fluminense.

E depois do término da banda os integrantes se reuniram para shows em diversas oportunidades, mas sempre sem a presença do vocalista Fughetti Luz, por questões de saúde. Em 2005 o álbum é relançado, fazendo com que a banda continuasse a fazer shows ocasionalmente para divulgar esse momento importante do rock nacional, o renascimento deste clássico que determinou um ponto de importância para a cena rock do Brasil.

Ao vivo em 1998 no Auditório Araújo Viana, Porto Alegre, Rio Grande do Sul

Em 2011 a banda volta aos palcos para mais e mais shows, mais ainda, infelizmente sem a presença de seu grande vocalista, frontman, Fughetti Luz, efetivando, em seu lugar, Marcelo Guimarães nos vocais e Marcelo Truda na guitarra.

Hoje os irmãos Mimi e Marcos vivem no Centro do país, participando de vários projetos voltados, claro, para a música. Edinho se tornou um dos bateristas mais requisitados e importantes do Brasil, tocando, inclusive, no Fu Wang Foo. Fughetti “apadrinhou” na década de 1980 várias bandas, entre elas a Bandaliera, para qual compunha várias músicas, e o Taranatiriça. Lançou ainda dois discos solos e morou, por muito tempo, no interior de São Paulo.

Mas, em abril de 2023, Fughetti Luz morreria. Luz era considerado como o “último hippie vivo”. Sem sombra de dúvida uma figura mítica, influente e extremamente relevante para a história do rock n’ roll e que deveria ter um pouco mais de crédito para a nossa cena em todos os tempos.

O Bixo da Seda merecia crédito por seu álbum, que, como Fughetti, que a construiu a sua imagem e semelhança, deixou uma marca indelével para a nossa cena rock. Um álbum genuíno, simples, direto e poderoso.

A banda, como muitas outras, que encenaram a prolífica década de 1970 deveria servir de compêndio para músicos e apreciadores do rock n’ roll para sempre! Altamente recomendado!





A banda:

Fughetti Luz no vocal, letras e composições.

Pecos (Wilmar Ignácio Seade Santana) Pássaro na guitarra

Mimi Lessa na guitarra

Renato Ladeira nos teclados

Marcos Lessa no baixo

Edson Espíndola na bateria

 

Faixas:

1 – Vênus

2 – Já Brilhou

3 – É Como Teria que Ser

4 – Carrocel

5 – Bixo da Seda

6 – Sete de Ouro

7 – Gigante

8 – Um Abraço em Brian Jones

9 – Trem