sábado, 22 de janeiro de 2022

Black Widow - Black Widow (1971)

 


Uma banda empoeirada, que vem diretamente das quenturas do inferno, mas não vou dizer que seja rara, mas sim esquecida, relegada ao ostracismo pelo massificado público que gosta do rock n’ roll!

Vilipendiada sim, mas importante por ter criado, juntamente com bandas do naipe de Alice Cooper e The Crazy World of Arthur Brown, do “horror rock”, do rock teatral, voltado para o caos, para a loucura do ocultismo, do satanismo. 

Uma das poucas bandas que conseguiu, com maestria, contracenar as suas músicas. Falo do BLACK WIDOW. Falo da banda que foi a primeira ou uma das primeiras a levar os rituais aos palcos em uma espécie de missa negra cênica que, simbioticamente, complementava a sua música, fazendo com que o teatro expressasse a realidade, a verdade de seu som.

Gostaria de falar do segundo álbum de estúdio do Black Widow, homônimo, de 1971. Depois de “Sacrifice”, de 1970, que praticamente inaugurou o progressivo obscuro, com levadas jazzísticas, e pitadas psicodélicas hipnóticas e envolventes e que falava das figuras demoníacas mitológicas, dos rituais sabáticos, temos em “Black Widow” uma sonoridade mais agressiva, mais hard rock, mais progressivo e temas apocalípticos, direcionando a banda a uma proposta um pouco diferente ou acintosamente mais diferente do que “Sacrifice”.


Temas apocalípticos, comportamento humano estavam todos sintetizados em sua música em “Black Widow”, mas os temas ocultos foram minimizados, quase reduzidos. A razão não se saberá ao certo, talvez para atingir novos públicos ou uma simples mudança de curso da banda, mas o fato que tal mudança não deu certo, não teve sucesso sob o aspecto comercial da coisa. Mas não impactou no quesito criativo. O segundo álbum do Black Widow, mostrou uma banda versátil e competente que flertou com uma música mais pesada, um hard rock ainda embrionário no início dos anos 1970 que também ajudou a construir o prog rock mais evidente em seu trabalho anterior, o genial “Sacrifice”.

Mas antes de entrarmos no universo do álbum em questão torna-se mais do que conveniente retroagir no tempo e falar dos primórdios do Black Widow que ajudará a entender um pouco da construção de sua curta, mas significativa carreira discográfica.

O Black Widow foi formado em 1969 na cidade de Leicester, na Inglaterra, em setembro. A banda se tornou conhecida pelas suas apresentações teatrais e sempre foi associada, em um contexto de coadjuvante, com o seu vizinho de Birmingham, o Black Sabbath, mas eram apenas algumas semelhanças, como o teor das letras de terror e satânicas, mas as semelhanças terminavam aí, sendo uma mais multifacetada sonoramente falando e a outra majoritariamente mais pesada e agressiva e, é claro, a popularidade.

Porém a banda foi originalmente formada em 1966 com o nome Pesky Gee! com Kay Garrett (vocais), Kip Trevor (vocais, guitarra e gaita), Chris Dredge (guitarra), Bob Bond (baixo), Clive Box (bateria e piano), Gerry "Zoot" Taylor (órgão), Clive Jones (também conhecido como Clive Beer-Jones; saxofone e flauta).

Pesky Gee! "Exclamation Mark" (1969)

Jim Gannon (guitarra e vocal) substituiu Dredge na primavera de 1969. A banda se separou em setembro de 1969. A banda lançou um álbum pela Pye Records como “Pesky Gee!, Exclamation Mark”, ainda em 1969, antes de Garrett deixar a banda. Os membros restantes continuaram como Black Widow e lançaram seu álbum de estreia, “Sacrifice”, em 1970.

Essas mudanças na formação também foram cruciais e constantes em 1971 saindo o baixista Bob Bond e entrando Geoff Griffith e a entrada do baterista Romeo Challenger no lugar de Clive Box, lançando o autointitulado álbum naquela nova década e nova também foi a proposta sonora deste trabalho do Black Widow. E essas mudanças na formação do Black Widow foram determinantes para dar o peso a sonoridade da banda, marca registrada deste álbum.

A formação do Black Widow que foi responsável pelo nascimento de “Black Widow” tinha Kip Trevor vocais principais, harmonias e maracas, Jim Gannon nos vocais, na guitarra principal e guitarra acústica, Zoot Taylor no órgão e piano, Clive Jones no sax e flauta, Geoff Griffith nos vocais e baixo e Romeo Challenger na bateria.


E o álbum abre com “Tears and Wine” que é um verdadeiro pé na porta, bateria pesada com o sax dançante, insinuante de Clive Jones e uma camada discreta, mas substancial dos teclados que varia entre peso e um vocal melodioso, quase delicado que, entre riffs de guitarra e bateria arrasa quarteirão, mostra o quão versátil é o álbum personificado nesta inaugural faixa.

"Tears and Wine"

“The Gypsy” começa meio folk com dedilhados de violão e contrasta gritantemente com a faixa anterior. Em alguns momentos temos uma pegada mais rasgada com riffs e solos de guitarra capitaneando tal momento, mas voltando ao violão e flauta dando um tom mais “tranquilo” e tendendo, além do folk, para o prog rock de “Sacrifice”.

“Bridge Passage” dá abertura para a “When my Mind Was Young” com uma linha mais comercial, diria radiofônica remetendo aos anos sessenta tendo como referência bandas como Beatles, algo meio gospel também, uma viagem meio progressiva como Pink Floyd com solos de guitarra mais elaborados, em determinados momentos, à lá David Gilmour.

"When my Mind Was Young"

“The Journey” traz de volta o peso, algo talvez cadenciado, mas com a força da bateria marcada e pesada com os riffs de guitarra e os teclados executados de forma visceral. E esse cadenciado me lembra de um pouco do blues rock, uma faixa extremamente multifacetada, rica, de várias texturas, a banda talvez em seu apogeu criativo neste álbum pode ser sintetizado nesta música sem dúvida uma das melhores deste álbum.

"The Journey"

“Poser” segue na mesma toada, uma levada meio bluesy mesclado ao peso do hard rock e, mais uma vez, a bateria e a guitarra travam um salutar desafio, com o vocal bem executado divinamente despretensioso.

E eis que surge uma das melhores do álbum: “Mary Clark”! Para a introdução nos reserva uma levada meio jazzística, o vocal domina as atenções com destaque para alguma introspecção que às vezes irrompe a explosão de seu alcance que vai às alturas e nessa miscelânea toda ainda temos o peso genuíno que dar razão de ser a esse trabalho do Black Widow.

"Mary Clark"

“Wait Until Tomorrow’ é o exemplo perfeito do hardão setentista, bateria quebrando tudo, riffs raivosos de guitarra, vocal meio arrastado e uma camada soberba dos instrumentos de sopro de Clive Jones que entrega mais sofisticação à música”. O que dizer do saxofone envolvente e solar deste gênio multi-instrumentista?

“An Afterthought” vem à tona novamente o folk com o progressivo, uma música curta, mas que trouxe um Black Widow mais contemplativo e fecha com “Legend of Creation”, uma verdadeira epopeia, uma faixa totalmente progressiva capitaneada pelo sax de Jones, que entrega uma sonoridade mais sofisticada e complexa.

E a turnê de promoção de “Black Widow” se deu, porém quase não há registros da banda disponível pela grande rede, além do excelente “Demons of The Night Gather To See Black Widow”, de 1970, que foi gravado para uma TV alemã e cujo set list foi construído com as faixas de “Sacrifice”, há um raríssimo show, de 1971, que cobre a turnê do segundo álbum e conta com uma mescla de músicas dos dois primeiros álbuns de estúdio do Black Widow. Esse show foi realizado na Itália, mais precisamente em Milão, no Teatro Lírico, além de outros dois shows em Roma e Arezzo com as bandas que estavam surgindo à época e que já gozavam de alguma reputação como o Yes e Premiata Forneria Marconi, as bandas da casa.


Porém o único show documentado foi em Milão, tendo versões arrebatadoras como a faixa “Sacrifice” com mais de 13 minutos de duração e a inédita “Wish You Woild” que fora lançada como single em 1971. Infelizmente a qualidade da gravação é bem precária, mas capta a banda em seu ápice, poderosa e visceral tocando clássicos obscuros de seus primeiros dois álbuns de estúdio.

Black Widow - "Live at Milano", 1971

Se o álbum não atingiu êxito comercial que a banda esperava e ansiava depois da repercussão de “Sacrifice” e seus temas obscuros e ocultistas que alguns setores da sociedade conservadora abominavam por não entender as diversas formas e manifestações da arte, inclusive a própria indústria fonográfica, conseguiu no aspecto criativo, pois mesmo depois de algumas mudanças significativas na formação da banda, o que gera incertezas, acarretara em um momento de grande virada na sua história discográfica culminando com o talve melhor álbum da banda, o seu terceiro álbum, intitulado apenas como “III”. Grande álbum, grande banda, que merece todo reconhecimento por seu protagonismo na história do occult rock, do dark progressive.


A banda:

 Kip Trevor nos vocais, maracas

Jim Gannon na guitarra

Zoot Taylor no órgão Hammond e piano

Clive Jones na flauta e saxofone

Geoff Griffith no baixo e vocal

Romeo Challenger na bateria


Faixas:

1- Tears and Wine

2- The Gypsy

3- Bridge Passage

4- When My Mind Was Young

5- The journey

6- Poser

7- Mary Clark

8- Wait Until Tomorrow

9- An Afterthought

10- Legend of Creation