quarta-feira, 18 de outubro de 2023

Triode - On n' a Pas Fini D'Avour Tout Vu (1971)

 

A cena progressiva da França não goza de muita popularidade, não sendo muito respeitada, ficando, por conta disso, aquém do que realmente representa, em termos de qualidade, para a cena progressiva global.

E não se enganem, caros amigos leitores, a França entrega um punhado de grandes bandas, não apenas do prog rock, mas do rock n’ roll em todas as suas vertentes.

Infelizmente fatores mercadológicos impactam nesse triste cenário, sem sombra de dúvida, haja vista que a França não está no centro da música progressiva como a Inglaterra, Alemanha e até mesmo a Itália. Talvez fatores culturais que se “aplicam” na música, mas acredito, este último, se tratar de meras especulações sem nenhuma sustentação.

E falando em grandes centros da música progressiva, bem como em peculiaridades sonoras que variam de país para país, a banda que escolhi para falar ou melhor escrever traz uma sonoridade bem típica da Inglaterra, por exemplo, celeiro de bandas que executavam, flertavam com o jazz rock, o prog rock entre outros sons pagãos bem interessantes. Falo do TRIODE.

O Triode, como tantas bandas de sua geração e flerte sonoro, teve um precoce fim, um desfecho anormal quando se trata de qualidade de música, gravando apenas um álbum, no longínquo ano de 1971, chamado “On n'a Pas Fini d'avoir Tout Vu”.

A banda foi formada na “capital luz”, em Paris, no início de 1970 e teve seu álbum lançado pelo selo “Futura Records” com uma tiragem mínima de cópias. Algo que intriga é que “On n'a Pas Fini d'avoir Tout Vu” não possui um teclado, o que surpreende em se tratando de um álbum que traz, na sua base sonora, o prog rock e o jazz rock.

Talvez a palavra certa a se usar não seja “intriga”, mas “ousadia”, afinal uma banda de rock progressivo não ter em sua formação um tecladista e ainda assim soar com uma imensa qualidade, é digno de reverências.

E falando em formação, o Triode, quando gravou “On n'a Pas Fini d'avoir Tout Vu”, tinha o já exímio Michel Edelin na flauta, Pierre Chereze na guitarra, Pierre Yves Sorin no baixo e Didier Hauck na bateria. Edelin apesar de ser responsável apenas por tocar a flauta, é dono de uma importância grande, afinal a alma da banda passa por seu instrumento.

O Triode imprimiu em seu único trabalho lançado, além da já mencionada veia progressiva com generosas pitadas picantes de jazz rock, traz nuances bem evidentes de psicodelia, lisergia graças ao trabalho extremamente versátil de Edelin e claro, dos demais integrantes.

Ao buscar referências da banda pela “web” observei que muitos analisavam ou melhor, comparavam o Triode ao Jethro Tull, por conta do protagonismo da flauta em seu álbum. Mas ao ouvir “On n'a Pas Fini d'avoir Tout Vu é nítido que essa comparação, além de ser um tanto quanto perniciosa, é equivocada, penso. Trata-se de uma comparação carregada de estereótipos, somente pelo fato do Tull trazer também na flauta de Ian Anderson o protagonismo que no Triode também possui. Evidente que, por conta do uso do instrumento, algumas similaridades são percebidas, mas o Triode tem o que o Jethro Tull quase não tem: o jazz rock.

“On n'a Pas Fini d'avoir Tout Vu” é enérgico, solar, um álbum vivo, pleno e intenso. É totalmente instrumental o que evidencia tal questão. E convém ressaltar que, além da forma fascinante de tocar flauta de Michel Edelin, que harmoniza perfeitamente com o seu psicodélico, lisérgico da guitarra de Pierre Cherez, além da seção rítmica totalmente descolada e envolvente de Didier Hauck e Pierre-Yves Sorin.

O álbum é acelerado, em boa parte de sua execução, nenhuma faixa é fraca ou, digamos, enfadonha, traz uma musicalidade de extrema qualidade, mostrando músicos em excepcional sinergia e ainda assim permaneceram tão esquecidos, desconhecidos, envoltos em uma obscura bolha, inclusive nos circuitos do prog rock ficaram no mais puro ostracismo, sem contar com a linda arte gráfica que já nos convida a ouvir o seu conteúdo.

E foi exatamente assim que me aproximei do álbum do Triode: em minhas incursões, desbravando o mundo encantado da obscuridade que, confesso não lembrar como, cheguei ao álbum desta banda francesa. A arte gráfica foi mesmerizante e, claro, logo me pus a ouvir e o resultado e de total frenesi que relato neste texto.

Trata-se um álbum versátil ou que se convencionou de “eclectic rock” e confesso que, apesar de ser um tanto quanto reticente com esses “rótulos musicais”, esse realmente se encaixa, se adequa ao estilo de som do Triode: um jazzy prog com interlúdios quentes de flauta, com a guitarra ácida, lisérgica e uma “cozinha” competente e audaciosa, dando a textura ideal para a sua vertente sonora.

"Magic Flower"

“Misomaque” de imediato se percebe que é mais acelerada que a música anterior e quem dita esse ritmo é a bateria, mostrando-se mais dinâmica e enérgica, logo depois vem o baixo pulsante e solos rápidos e diretos de guitarra dando mais peso ao conjunto. Uma sopa sonora intensa e dançante!

"Misomaque"

“Moulos Grimpos” já começa contemplativo, com uma pegada mais psicodélica, graças também ao instrumento percussivo. A flauta entra nos momentos mais leves da música, com guitarras dedilhadas e baixo e bateria, mais uma vez, em extrema e competente harmonização. Solos de guitarra limpas e lindas se ouvem e me remete algo meio bluesy.

"Moulos Grimpos"

Segue com “Blahsha” que é a síntese do jazz rock! Bateria swingada e frenética, em alguns momentos, a flauta “duela” com os riffs de guitarra. O todo logo se mostra único com peso e irreverência. Nota-se ao fundo gritos de êxtase, a música é envolvente e plena, texturas pesadas com solos lisérgicos de guitarra. Sem dúvida uma das melhores músicas deste belo álbum. Baixo pulsante de forma louca, bateria pesada, flauta rasgando. Tudo nessa música é intensa!

"Blahsha"

“Lilie” é uma faixa em que se corrobora a qualidade da flauta, tendo o apoio da seção rítmica, baixo e bateria apoiam firmemente, deixando a música mais dançante. A flauta cede lugar ao solo jazzy de guitarra que, embora simples, é extremamente emocional e igualmente dançante. Mas a flauta logo retoma a sua condição de protagonista.

"Lilie"

“Ibiza Flight” anuncia a excelente introdução de baixo enquanto a bateria segue apoiando e a flauta, excelente, “rivaliza” salutarmente com o pulsante baixo. A sintonia é perfeita! O solo de guitarra entra na festa e ganha as atenções, com peso, solo que me remete a um poderoso hard rock.

"Ibiza Flight"

 “Adeubis” é uma faixa mais curta com o predomínio da flauta, mas logo vem os riffs meio dançantes de guitarra, algo entre jazz rock com groove que, mesmo com simplicidade, traz todo o zelo pela riqueza instrumental.

"Adeubis"

“Come Together”, clássico dos Beatles, ficou bem interessante na versão instrumental, nada muito especial, é bem verdade, mas, para variar, é extremamente interessante ouvir a flauta substituir o vocal e a guitarra distorcida, ao estilo acid rock, conferindo a faixa um pouco mais de peso.

"Come Together"

E fecha com “Chimney Suite” é de longe a faixa mais longa, no auge de seus mais de nove minutos de duração e é basicamente conduzida pela flauta, percussão e baixo, tendo a guitarra, em uma versão mais pesada, se junta rapidamente, vindo rasgada, com solos pesados, fazendo o contraponto com a suavidade da flauta que sempre se mostra viva e presente.

"Chimney Suite"

O Triode se separou um ano após o lançamento de “On n'a Pas Fini d'avoir Tout Vu” se separou. O flautista Edelin lançou alguns trabalhos solos, ganhando notoriedade e um deles é o “Michel Edelin Trio/Quartet. Mais tarde Edelin iria se consagrar como uma das lendas da flauta citado, inclusive no “Dicionário do Jazz” (Laffond), como um dos “"The Great Creators of Jazz", autêntico especialista do jazz-flute e um dos quatro na lista do Jazz Hot Prize (ao lado de Dave Valentin, James Moody e Sonny Fortune).

Chereze lançou vários singles e álbuns como artista solo, enquanto Pierre-Yves Sorin tocou como “session man” ao lado de grandes nomes do jazz, se unindo com o exímio baterista Didier Hauck no Jazz Sextet.

“On n'a Pas Fini d'avoir Tout Vu” teve, ao longo do tempo, vários relançamentos com o primeiro pelo famoso selo italiano, a Mellow Records, entre 2000 e 2001, pelo Futura Records, na versão LP, em 2012, sendo que este selo foi o responsável pelo lançamento do álbum em 1971, no mesmo ano outro selo italiano, o Luna Nera Records lançaria o álbum em LP e por fim, até o momento, o selo francês “Souffle Continu Records”, o lançaria em LP.

Um álbum instrumental uniforme, com músicas de excelente qualidade, com a flauta e guitarra fuzzed que se revezam na “liderança” sonora deste obscuro trabalho, com uma seção rítmica que dão o apoio e uma textura pesada e percussiva que faz desse trabalho do Triode, mesmo não sendo uma obra-prima, mas uma pérola do jazz rock. Recomendado!


A banda:

Pierre Chereze na guitarra

Pierre Yves Sorin no baixo

Didier Hauck na bateria

Michel Edelin na flauta

 

Faixas:

1 - Flower

2 - Misomaque

3 - Moulos Grimpos

4 - Blahsha

5 – Lilie                                                                                      

6 - Ibiza Flight

7 - Adeubis

8 - Come Together

9 - Chimney Suite


Download de “On n’a Pas Fini d’Avoir Tout Vu pode ser feito aqui!


Triode - "On n'a Pas Fini d'Avoir Tout Vu" (1971)