quinta-feira, 16 de maio de 2024

Action - Action (1972)

 

A década de 1970 no rock n’ roll foi caracterizada, além da qualidade de suas bandas, pela profusão de materiais produzidos e que não foram oficialmente lançados. Apesar de ter certa fama nos dias de hoje, graças ao advento das redes sociais e da tecnologia que as circunda, não tinham, naquela longínqua década, tantas possibilidades de gravar um álbum.

E as razões podem ser muitas: estrutura, o descaso das gravadoras, até mesmo a má sorte que gira em torno desses fatos mencionados. O fato é que muitas bandas pereceram de forma precoce por não ter conseguido emplacar seus trabalhos, apesar de muitas delas terem a persistência em tocar, quando tinha ofertas para tal, para tentar, ao menos divulgar o nome da banda etc.

E quando uma gravadora traz à luz essas bandas nos dias atuais e quando as ouvimos e gostamos delas, sempre vem à tona aquela pergunta que não quer calar: Como uma banda com essa sonoridade tão avassaladora, tão ousada, não conseguiu o sucesso tão almejado naqueles dias?

Talvez pelo simples fato de serem avassaladoras e ousadas tais bandas não tenham conseguido o empurrão necessário para emplacar as suas músicas, mas o empurrão para o ostracismo.

E uma banda alemã creio se enquadrar fielmente nesse triste cenário que se construiu nos anos 1970. Falo do ACTION. O nome da banda que, na tradução livre significa “Ação”, faz verdadeiramente jus ao nome graças a sua tão intensa e incrível sonoridade, oriunda de um hard rock com uma veia bem resolvida para o rock progressivo em uma multifacetada e arrojada música.

Action

A Alemanha realmente é um celeiro de bandas que nasceram praticamente mortas que gravaram seus materiais e esses, de forma impiedosa e até inexplicável, como o do Action, caem na poeira infalível do ostracismo.

A origem do Action está na cidade de Zweibrücken, na Alemanha. Em 1966 um grupo de jovens decidiu formar uma banda com o que conseguiram juntar de dinheiro com os seus empregos de verão.

A princípio tentaram emular sons dos ídolos da época, como Beatles, Rolling Stones, Jimi Hendrix etc. Eles participaram de diversos concursos e em alguns deles garantindo o primeiro lugar.

Muitas mudanças na formação ocorrem e com isso suas vertentes sonoras vai se modificando juntamente, caminhando mais para uma roupagem mais voltada para o hard rock, psicodelia e na experimentação, com pitadas generosas de rock progressivo que nascia para o mundo na transição das décadas de 1960 e 1970. Percebe-se, inclusive, uma pegada mais soul music, mostrando que os músicos eram competentes.

Mas o Action foi sendo submetido a novos caminhos, mergulhando em estilos mais voltados para o hard rock semelhantes ao Deep Purple e Uriah Heep, fugindo um pouco das longas jams sections que caracterizavam a banda em seus primórdios, mas não fugiu tanto assim, absorvendo um pouco de rock progressivo que já estava em voga no início dos anos 1970.

A banda entra, em 1972, nos estúdios da Kerston Records e gravam o seu debut, chamado simplesmente de “Action”, mas infelizmente nunca foi lançado oficialmente caindo nos escombros obscuros do esquecimento. E já que falei dos fatores que implicam para projetos musicais serem engavetados, lá vai uma em relação ao Action, em especial: por ter apenas quatro faixas, reza a lenda que não seria um álbum, mas um demo, tanto que a quarta faixa é uma música ao vivo o que reforçaria essa tese.

A banda que gravou esse trabalho era formada por: Wolfgang Benki nos vocais, Charly Fottner na guitarra, Otto Nunold nos teclados e órgão, Harald Schindler no baixo e Ernest Cadet na bateria.

“Action” é um poderoso álbum de hard rock com nuances bem evidentes de rock progressivo e entornos de lisergia e experimentações bem estabelecidas que beiram improvisações bem elaboradas. Um trabalho extremamente versátil sintetizando perfeitamente a época em que foi concebido.

O álbum é inaugurado com a faixa “Miscarriage Of Human Thinking (Part I)” e traz nuances viajantes de Pink Floyd, uma balada rock que mostra uma linda simbiose entre o dedilhar das guitarras com um teclado de textura suave e psicodélica. O vocal segue basicamente a proposta da melodia da banda, límpido e leve.

"Miscarriage of Human Thinking (Part I)"

Segue com “Miscarriage of Human Thinking (Part II)”, como sequência da faixa anterior é introduzida com guitarras dedilhadas, teclados contemplativos, sendo um complemento, uma parte dos discretos riffs de guitarra. A bateria, marcada, vai encorpando a música, vai ficando alta, mais pesada e intensa, com vocais mais altos. A guitarra apresenta riffs mais pesados e grudentos, o hard rock passa a protagonizar. Com os seus pouco mais de 13 minutos de duração possibilita essas viradas rítmicas excelentes.

"Miscarriage of Human Thinking (Part II)"

“Hell Track” muda totalmente o humor do álbum entregando mais peso, mais intensidade e emoção. Um hard rock com guitarras mais dissonantes, pesadas, mas que não esmorece quando se trata de viradas rítmicas e a seção rítmica, a “cozinha” vai ditando tal regra, mostrando ritmo com um baixo pulsante e uma bateria mais cadenciada. Uma bela espécime de um hard prog com pitadas bem generosas de psych.

"Hell Track"

E fecha com a faixa ao vivo “You are the Lady” que ganha mais força e evidencia o hard rock com riffs poderosos e ultrajantes de guitarra que faz lembrar o heavy rock dos anos 1980 em sua fase transitória de décadas. Uma faixa mais direta, sem “firulas” e bem pesada, com vocais mais altos e por vezes mais rasgados.

"You Are The Lady"

“Action” não foi lançado em 1972, no período em que foi gravado, caindo no mais profundo ostracismo, sendo engavetado. Apesar das inúmeras apresentações ao vivo da banda àquela época, as dificuldades surgiram e foram obrigados a se separarem em 1973. Eles tentaram gravar um álbum, chegaram a se reunir em estúdio, já que estavam com o selo Kerston Records, mas não deu certo quando o guitarrista Charly Fottner saiu.

Mas foi em 1995, reza a lenda, que os caras se reencontraram e decidiram reunir as gravações das faixas que tinham de 1972 para lança-los o que finalmente ocorreu dois anos mais tarde, em 1997 pelo selo “Very Good Records” no formato LP. Ernest Cadet, o baterista, teria enviado as fitas que juntaram das antigas gravações do Action para Thomas Eicken, da Very Good Records, gerando o que deveria ser o único lançamento da banda finalmente.

Em 2009, a abnegada “Garden of Delights”, selo alemão conhecido por lançar pérolas undergrounds, relançou o material do Action, na versão CD. Um ano antes, em novembro de 2008, o Action, aproveitando esse momento de relançamentos de seu material, se apresentou em “Festhalle Zwelbrucken” tocando as músicas “Hell Track”, “Miscarriage of Human Thinking” e “You are the Lady”. Tais registros estão no relançamento da Garden of Delights”.

As apresentações da reunião da banda apenas confirmaram que o Action, embora tenha sido uma, na incontável história de bandas altamente talentosas que mereciam aclamação nos dias de hoje, mas por algum motivo, igualmente obscuro como a banda, ficaram de fora.

São histórias que caem nas especulações e que enredam várias versões e motivos. O fato é que a banda se mostrou poderosa, incrivelmente competente ao vivo, revelando a sua faceta mais pesada e direta. O frescor e entusiasmo era nítido, mas o tempo foi implacável com o Action, mas não escondeu, mesmo que por um curto período, o seu talento.




A banda:

Otto Nunold nos teclados

Charly Fottner na guitarra

Wolfgang Benki nos vocais

Harald Schindler no baixo

Ernest Cadet na bateria

 

Faixas:

1 - Miscarriage of Human Thinking (Part. I)

2 - Miscarriage of Human Thinking (Part. II)

3 - Hell Track

4 - You are the Lady (Ao vivo)


 




 











 





quarta-feira, 8 de maio de 2024

Wolmari - Wolmari (2019)

 

Há quem diga que um projeto de músicos não consiste em uma banda formada. Talvez tal argumento encontre força no fato de alguns “projetos” não ganharem a estrada, sem turnês ou até mesmo uma divulgação de seus trabalhos, limitando-se apenas às paredes frias dos estúdios.

Provavelmente essa discussão não mereça qualquer tipo de debate, mas o que me preocupa, caros leitores, é a consequência que pretensa afirmação pode gerar no que tange às audições, porque, independentemente de qualquer coisa a música precisa ser colocada em um patamar maior de importância.

As temíveis posturas conservadoras que teimam em pairar no rock n’ roll parece agir como uma cegueira nessa questão de bandas “devidamente formadas” ou projetos que reúnem músicos de outras bandas, as vezes com vibes distintas nas vertentes sonoras.

O fato é que a música precisa ser colocada em prioridade, penso, e encarar projetos, que podem trazer algo de audacioso, até mesmo de músicos estabelecidos, podem também oxigenar a cena, o rock. E é aí que as rejeições podem surgir, levando em consideração que temos cenas cada vez mais estagnadas que ouvem ou figurões ou as bandas e álbuns que flertam com o mainstream.

Sou um entusiasta dos projetos, principalmente que envolvam músicos já experientes que fogem do lugar comum ou da zona de conforto de suas bandas, trazendo, nos brindando com algo novo e arrojado para a sua carreira e consequentemente para a cena que, seja ela do heavy metal, do rock progressivo, precisa se perpetuar com o novo.

E eu, em uma das minhas inúmeras incursões pela grande rede, encontrei um álbum que, logo no aspecto visual me chamou a atenção, com a sua arte gráfica e também por ser finlandesa, acredito que isso já é um convite à audição. Falo da banda WOLMARI.

O Wolmari é um projeto de três músicos da Finlândia que tinha suas vocações musicais para o rock progressivo. São músicos estabelecidos e com longa carreira em seu país natal, tocando ou em várias bandas ou com carreiras solos bem construídos. São eles: o vocalista e tecladista Matti Kervinen que tocou em bandas como Kataya, Pax Romana e Sunhillow. O tecladista Pasi Koivu e o baixista Petri “Lemmy” Lindström que tocaram em bandas como Corvus Stone, além de seus próprios trabalhos solos que variam da música pesada e até o eletrônico.

E como todo bom projeto traz também uma grande quantidade de músicos que colaboraram para a construção de seu único álbum, lançado em 2019, chamado “Wolmari”, pelo selo Presence Records da Running Moose Production, que são: Anssi Nykänen (bateria, percussão), Samu Wuori (guitarra elétrica), Timo Rautiainen (vocal), Hannu Leidén (vocal), Esa Kotilainen (acordeão), Sonja Tiiro (saxofone alto), Anu Wuori (backing vocals) e Teijo Tikkanen (teclados).


“Wolmari” é predominantemente construído com forte atitude no rock progressivo tendo nuances bem evidentes de folk rock e cantando em finlandês. Uma música tipicamente da Finlândia: progressiva e com toques bem generosos de paganismo!

O álbum é inaugurado com a faixa “Wolmari I” traz um caráter literalmente de introdução ao álbum e entrega um instrumental melancólico, sombrio, diria, profundamente atmosférico em que todos os três membros do Wolmari tocam apenas o teclado.

"Wolmari I"

Segue com a faixa “Sarastus” que é a mais longa do álbum, com pouco mais de onze minutos e meio e é cantada em finlandês por Timo Rautiainen, bem conhecido na cena do metal melódico finlandês, com backing vocals femininos. A faixa traz um ritmo lento, contemplativo e lembra, em alguns momentos, o Pink Floyd, especialmente na guitarra de Wuori, com uma linda atmosfera melancólica típica do rock progressivo escandinavo. Não podemos negligenciar as nuances um tanto quanto experimentais nessa excelente faixa.

"Sarastus"

“Jään Tähän” (“Eu Fico Aqui”, em português), mais curta, mas não menos excepcional, com um estilo melódico e viajante, com um instrumental “temperado” por uma abordagem mais pesada com a excelente participação do saxofone e do acordeão que traz um caráter mais exótico a faixa.

"Jaan Tahan"

“Syvä Jää” traz uma introdução calcada nos sintetizadores, algo meio sombrio e soturno, com o baixo seguindo o ritmo, logo entra o piano que entrega uma atmosfera oculta, estranha, mas logo vem a bateria, marcada e pesada, e solos igualmente pesados, de guitarra, que muda o “temperamento” da música. É inegável a influência de bandas italianas como Goblin e até mesmo Antonius Rex. Sax, acordeão apenas incrementa a faixa, dando um caráter de diversidade sonora.

"Syva Jaa"

“Syksy” (“Outono, em português) traz uma “virada” na sua sonoridade, com uma pegada mais pesada e até mesmo agressiva com um vocal indulgente, rouco de Hannu Leiden, outra ilustre participação. Uma faixa de espírito forte que definitivamente deve ser apreciado, porque mostra o caráter totalmente diversificado de “Wolmari”.

"Syksy"

“Onkapannu” é um belíssimo instrumental com lindas camadas de sintetizadores, com uma atmosfera quase de catedral. “Jos Annat Aamun Tulla” é uma faixa também cantada por Timo Rautiainen, é uma música mais comercial, mais acessível para ouvintes que não apreciam tanto rock progressivo, que traz um refrão repetido que “gruda” na mente. Se isso é bom ou ruim dependerá de você, caro leitor e ouvinte. Sem contar com o belo solo de sintetizador, fechando com um belo instrumental.

"Onkapannu"

"Jos Annat Aamun Tilla"

E fecha com “Kaivon Silmä” e, mais uma vez, a introdução fica a cargo dos teclados, agora em uma pegada mais sinfônica, mais contemplativa, logo entra o piano, e assim fica, com esse “jogo” de teclas, em uma viagem intimista e, por vezes, sombria.

"Kaivon Silma"

Nada como projetos na música que vise a estimular o lado criativo e ousado dos músicos e por mais que possa parecer algo efêmero é sim o Wolmari uma banda excepcional que flerta maravilhosamente com várias vertentes do rock, que vai do grego Vangelis, a músicas com uma veia mais acessível e até radiofônica, do progressivo ao hard e heavy rock.

E por mais que o Wolmari exponha as suas inspirações para seu único rebento, mostra que tem um caráter próprio, pois traz à tona uma música contemporânea, com um frescor dos novos e bons tempos do rock. Se você, estimado leitor, aprecia prog rock, hard rock, space rock, folk, sintetizadores introspectivos e atmosferas sombrias e profundas, você terá no Wolmari a audição mais de que perfeita e adequada aos seus ouvidos. Um álbum “charmoso” e altamente recomendado.




A banda:

Petri "Lemmy" Lindström no baixo, guitarras

Matti Kervinen nos teclados, vozes, violões

Pasi Koivu nos teclados

 

Com:

Anssi Nykänen na bateria, percussão

Samu Wuori na guitarra

Timo Rautiainen nos vocais

Hannu Leidén nos vocais

Sonja Tiiro no saxofone alto

Anu Wuori nas vozes de apoio

Teijo Tikkanen nos teclados


Faixas:

1 - Wolmari I

2 - Sarastus

3 - Jään Tähän

4 - Syvä Jää

5 - Syksy

6 - Onkapannu