Recentemente fomos
acometidos por uma triste notícia: a prematura morte do exímio e inigualável
passamento do guitarrista do Goblin, Massimo Morante. E como o seu próprio nome
denuncia ele foi realmente um máximo! O suprassumo da guitarra a serviço do rock
progressivo, do jazz rock, do hard rock.
Morante construiu,
juntamente com o tecladista Cláudio Simonetti, a música vanguardista do Goblin,
trazendo o conceito, a simbiose entre áudio e música, muito antes do clipe
musical, graças as trilhas sonoras que embalaram os sombrios filmes de suspense
e horror do cineasta Dario Argento.
O Goblin elevou o vertente
do dark progressive na Itália e no mundo e Morante, com seu carisma, talento
esteve sempre a frente do seu tempo e nunca, nunca será esquecido.
Poderia proferir alguns
depoimentos do impacto que a música de Massimo Morante causou em minha vida de
humilde ouvinte de rock n’ roll, mas prefiro escrever sobre este homem, e todo
o seu legado, que certamente fará com que ele continue a viver, a viver por intermédio
de sua obra.
E como todo legado, Morante
deixou uma vastidão de trabalhos, projetos, além do seu mais audacioso e
longevo trabalho com o Goblin e não podemos negligenciar a história da banda
Cherry Five que, no início dos anos 1970, mais precisamente em 1975,
aproximadamente, a banda estava embrionária, nascendo para o mundo e a sua
espinha dorsal, fez com que a mais sucedida nascesse também, o velho Goblin.
A encarnação clássica do
Goblin que figurou no Cherry Five e que resultou em um exuberante álbum, em
1975, homônimo, teve músicos do naipe de Cláudio Simonetti nos teclados,
Massimo Morante na guitarra e Fabio Pignatelli no baixo. Esses jovens músicos,
à época, talvez não tivesse noção que marcariam, para sempre, embora alguns
setores da indústria fonográfica não reconhecesse a história do rock
progressivo mundial.
Mas a minha homenagem
singela ao Massimo Morante trará um trabalho em que eles não eram tão
protagonistas, eram muito jovens na época, mas, dada a qualidade sonora era
evidente o tamanho do talento desses músicos. Inclusive embora não seja, esse
projeto, uma versão “pré-Goblin”, a sua formação contou com os músicos que
fariam parte da formação original da banda.
Falo do GAMMA. “Gamma” foi
uma minissérie italiana de ficção científica e drama, de 1975, dirigida por
Salvatore Nocita e estrelada por Laura Belli, Giulio Brogi e Mariella Zanetti e
que conta a história de um transplante de cérebro em um jovem piloto de corrida
e de suas implicações éticas. Foi transmitida pelo famoso canal RAI.
Essa série precisava de uma trilha sonora, é claro. E adivinhem que foi chamado para capitanear, conduzir, compor tais músicas para a série: Enrico Simonetti! Vocês sabem que foi Enrico Simonetti? O sobrenome nos é conhecido, teria alguma relação com o eterno tecladista do Goblin e Cherry Five, Cláudio Simonetti? Digo que sim! Eu confesso que não sabia e quando ouvi a trilha sonora de “Gamma” e me coloquei a garimpar, a pesquisar sobre, descobri que Enrico era pai de Cláudio. E nessa história toda tem o Brasil!
O músico, maestro, pianista,
compositor e apresentador de TV Enrico Simonetti viveu no Brasil, em especial
em São Paulo, entre os anos de 1952 e 1962, apresentando e tocando em um
popular show da extinta TV Excelsior, chamado “Simonetti Show”, com a atriz
Lolita Rodrigues, tendo a direção de um jovem e promissor estreante chamado Jô
Soares.
Enrico fez muito sucesso
entre os anos 1950 e 1960, nos primórdios da televisão brasileira e, como
músico de formação, gravou várias trilhas sonoras de filmes e séries, inclusiva
a conhecida minissérie da TV Globo, “Presença de Anitta”. Mas Simonetti também
deixou a sua marca em seu país natal, Itália, gravando alguns materiais,
participando de alguns projetos, incluindo “Gamma”.
Quando a trilha sonora foi
lançada os músicos do Cherry Five à época, não tiveram tanta visibilidade,
dando protagonismo, claro, ao Enrico Simonetti que capitaneou todo o projeto,
concebendo-o, inclusive, compondo esse material. E não custa escalá-los
novamente. “Gamma” tinha, como músicos de apoio, Massimo Morante, Fabio
Pignatelli, Agostino Marangolo e claro, o filho de Enrico, Claudio Simonetti. O
LP foi lançado pelo selo Cinevox entre 1975 e 1976.
Os membros da banda tinham
pouco mais de 20 anos cada um e certamente eram prodigiosos. Tinham retornado
da Inglaterra e encontrou o magnata Carlo Bixio, executivo da Cinevox, e
estavam atrás de músicos para gravar a trilha de “Gamma” e teve nos “moleques”
talentosos do futuro Goblin a oportunidade para fazer o projeto se tornar
realidade, além, é claro, do forte sobrenome Simonetti, graças ao prestígio de
Enrico, para dar um empurrão.
Não deu outra: foram contratados. Afinal, a Cinevox estava a procura de jovens criativos capazes de manipular sons, criar harmonias e melodias arrojadas e tinham nos garotos os requisitos necessários.
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Os jovens músicos já demonstravam talento, competência e liberdade criativa, tendo em Enrico, o fio condutor, a mola propulsora disso tudo, dada a sua já experiência. Sem contar que “Gamma” se tratava de um álbum de trilha sonora de uma minissérie, o que no Goblin seria uma máxima com Dario Argento! Nisso tinha uma relação forte.
“Gamma” mostra um soft rock, com um pouco de jazz e rock progressivo etc. É uma boa mescla de criatividade e excelência personificada em notas musicais. Satisfeito com o resultado final, os executivos da Cinevox capitaneados por Bixio colocou os garotos sob contrato gravando o que viria a ser clássicos do Goblin, como “Profondo Rosso” e os primeiros encontros com o cineasta italiano Dario Argento criando uma parceria longeva e de sucesso, mas isso é outra história.
O álbum é inaugurado com a faixa “Gamma” que começa ao estilo “soft rock” com o protagonismo do saxofone que é executado de uma forma contemplativa e suave, mas que logo irrompe em uma orquestra com violinos e uma guitarra com riffs pops.
“Drug's Theme” começa com
uma linha interessante de baixo e alguns recursos eletrônicos, adicionados a
uma orquestra de fundo, dando uma pegada contemplativa e progressiva à música.
Vai encorpando, com riffs de guitarra e logo volta ao estágio contemplativo
inicial. Excelente faixa!
Em seguida temos “Oceano”,
seguindo ao estilo da faixa inaugural, tendo a predominância do sax em uma
atmosfera intimista e sombria, mas envolto em uma qualidade sonora invejável.
“Invidia” começa
introspectiva, mas com uma levada jazzística na bateria, seguida tão logo pelo
piano de Enrico, endossada pelos instrumentos de sopro dando corpo e substância
a faixa, mas com quebradas rítmicas impressionantes. Uma faixa bem progressiva.
“Paoletta” vem com o teclado
no comando, trazendo algo de progressivo sinfônico, talvez algo de experimental
também.
“Mascia” segue basicamente a
mesma proposta da faixa anterior: trazendo a predominância dos teclados e um
fundo jazzístico bem elaborado.
“Amore Mio Non Farmi Male”
traz, graças aos riffs de guitarra ao estilo black, soul, algo dançante, com
uma “pitada” de sofisticação graças à orquestra e os belos instrumentos de
sopro. E mais uma vez tem o destaque do piano de Enrico.
“Amicizia” traz de volta ao álbum ao seu cerne mais intimista e soft com o piano de Enrico ainda em evidência. Na sequência com “Chi mi cercherà” inclui vocais femininos ao álbum, algo bem comercial e radiofônico, mas feito com muita qualidade e que entrega aquelas macarrônicas músicas italianas dos anos 1960.
“Black Jack” apesar de curta
traz certa austeridade, a orquestra, a condução da orquestra é a grande
responsável por isso com um violão acústico ao fundo corroborando essa máxima à
faixa.
E fecha com a faixa “Amico
Piano” que, como “Chi Mi Cercherà” traz um pouco da cultura musical italiana.
“Gamma” foi relançado em 2007 com o nome “Enrico Simonetti e Goblin”, dada a consagração da banda que naquela época era apenas um embrião do que viria a crescer e dominar a cena progressiva obscura, sendo esta, sem dúvida, a melhor banda do gênero, de todos os tempos. Mas, relevem, sou apenas um fã apaixonado e passional.
A banda:
Enrico Simonetti no piano, teclados
Claudio Simonetti nos teclados
Fabio Pignatelli no baixo
Massimo Morante na guitarra e violão
Faixas:
1 - Gamma
2 - Drug's Theme
3 - Oceano
4 - Invidia
5 - Paoletta
6 - Mascia
7 - Amore mio non farmi male
8 - Amicizia
9 - Chi mi cercherà
10 - Black Jack
11 - Amico piano