sexta-feira, 1 de julho de 2022

Gamma - Gamma (1975)

 

Recentemente fomos acometidos por uma triste notícia: a prematura morte do exímio e inigualável passamento do guitarrista do Goblin, Massimo Morante. E como o seu próprio nome denuncia ele foi realmente um máximo! O suprassumo da guitarra a serviço do rock progressivo, do jazz rock, do hard rock.

Morante construiu, juntamente com o tecladista Cláudio Simonetti, a música vanguardista do Goblin, trazendo o conceito, a simbiose entre áudio e música, muito antes do clipe musical, graças as trilhas sonoras que embalaram os sombrios filmes de suspense e horror do cineasta Dario Argento.

O Goblin elevou o vertente do dark progressive na Itália e no mundo e Morante, com seu carisma, talento esteve sempre a frente do seu tempo e nunca, nunca será esquecido.

Poderia proferir alguns depoimentos do impacto que a música de Massimo Morante causou em minha vida de humilde ouvinte de rock n’ roll, mas prefiro escrever sobre este homem, e todo o seu legado, que certamente fará com que ele continue a viver, a viver por intermédio de sua obra.

Massimo Morante

E como todo legado, Morante deixou uma vastidão de trabalhos, projetos, além do seu mais audacioso e longevo trabalho com o Goblin e não podemos negligenciar a história da banda Cherry Five que, no início dos anos 1970, mais precisamente em 1975, aproximadamente, a banda estava embrionária, nascendo para o mundo e a sua espinha dorsal, fez com que a mais sucedida nascesse também, o velho Goblin.

A encarnação clássica do Goblin que figurou no Cherry Five e que resultou em um exuberante álbum, em 1975, homônimo, teve músicos do naipe de Cláudio Simonetti nos teclados, Massimo Morante na guitarra e Fabio Pignatelli no baixo. Esses jovens músicos, à época, talvez não tivesse noção que marcariam, para sempre, embora alguns setores da indústria fonográfica não reconhecesse a história do rock progressivo mundial.

Mas a minha homenagem singela ao Massimo Morante trará um trabalho em que eles não eram tão protagonistas, eram muito jovens na época, mas, dada a qualidade sonora era evidente o tamanho do talento desses músicos. Inclusive embora não seja, esse projeto, uma versão “pré-Goblin”, a sua formação contou com os músicos que fariam parte da formação original da banda.

Falo do GAMMA. “Gamma” foi uma minissérie italiana de ficção científica e drama, de 1975, dirigida por Salvatore Nocita e estrelada por Laura Belli, Giulio Brogi e Mariella Zanetti e que conta a história de um transplante de cérebro em um jovem piloto de corrida e de suas implicações éticas. Foi transmitida pelo famoso canal RAI.

Essa série precisava de uma trilha sonora, é claro. E adivinhem que foi chamado para capitanear, conduzir, compor tais músicas para a série: Enrico Simonetti! Vocês sabem que foi Enrico Simonetti? O sobrenome nos é conhecido, teria alguma relação com o eterno tecladista do Goblin e Cherry Five, Cláudio Simonetti? Digo que sim! Eu confesso que não sabia e quando ouvi a trilha sonora de “Gamma” e me coloquei a garimpar, a pesquisar sobre, descobri que Enrico era pai de Cláudio. E nessa história toda tem o Brasil!

Enrico Simonetti e a atriz Lolita Rodrigues

O músico, maestro, pianista, compositor e apresentador de TV Enrico Simonetti viveu no Brasil, em especial em São Paulo, entre os anos de 1952 e 1962, apresentando e tocando em um popular show da extinta TV Excelsior, chamado “Simonetti Show”, com a atriz Lolita Rodrigues, tendo a direção de um jovem e promissor estreante chamado Jô Soares.

Enrico fez muito sucesso entre os anos 1950 e 1960, nos primórdios da televisão brasileira e, como músico de formação, gravou várias trilhas sonoras de filmes e séries, inclusiva a conhecida minissérie da TV Globo, “Presença de Anitta”. Mas Simonetti também deixou a sua marca em seu país natal, Itália, gravando alguns materiais, participando de alguns projetos, incluindo “Gamma”.

Quando a trilha sonora foi lançada os músicos do Cherry Five à época, não tiveram tanta visibilidade, dando protagonismo, claro, ao Enrico Simonetti que capitaneou todo o projeto, concebendo-o, inclusive, compondo esse material. E não custa escalá-los novamente. “Gamma” tinha, como músicos de apoio, Massimo Morante, Fabio Pignatelli, Agostino Marangolo e claro, o filho de Enrico, Claudio Simonetti. O LP foi lançado pelo selo Cinevox entre 1975 e 1976.

Os membros da banda tinham pouco mais de 20 anos cada um e certamente eram prodigiosos. Tinham retornado da Inglaterra e encontrou o magnata Carlo Bixio, executivo da Cinevox, e estavam atrás de músicos para gravar a trilha de “Gamma” e teve nos “moleques” talentosos do futuro Goblin a oportunidade para fazer o projeto se tornar realidade, além, é claro, do forte sobrenome Simonetti, graças ao prestígio de Enrico, para dar um empurrão.

Não deu outra: foram contratados. Afinal, a Cinevox estava a procura de jovens criativos capazes de manipular sons, criar harmonias e melodias arrojadas e tinham nos garotos os requisitos necessários.

"Gamma” mostra a competência de condução de Enrico Simonetti e a já capacidade dos caras do futuro Goblin, com sonoridades calcadas em orquestrações e passagens progressivas e jazzísticas excelentes. Em “Gamma” não está configurada a sonoridade que faria do Goblin uma banda notável no occult rock, não tem aquela atmosfera ameaçadora e soturna, envolta em uma proposta obscura, mas ao ouvir cada faixa deste álbum, com um ouvido razoavelmente apurado, percebe-se nuances embrionárias do que viria a ser o grande Goblin.

Os jovens músicos já demonstravam talento, competência e liberdade criativa, tendo em Enrico, o fio condutor, a mola propulsora disso tudo, dada a sua já experiência. Sem contar que “Gamma” se tratava de um álbum de trilha sonora de uma minissérie, o que no Goblin seria uma máxima com Dario Argento! Nisso tinha uma relação forte.

“Gamma” mostra um soft rock, com um pouco de jazz e rock progressivo etc. É uma boa mescla de criatividade e excelência personificada em notas musicais. Satisfeito com o resultado final, os executivos da Cinevox capitaneados por Bixio colocou os garotos sob contrato gravando o que viria a ser clássicos do Goblin, como “Profondo Rosso” e os primeiros encontros com o cineasta italiano Dario Argento criando uma parceria longeva e de sucesso, mas isso é outra história.

O álbum é inaugurado com a faixa “Gamma” que começa ao estilo “soft rock” com o protagonismo do saxofone que é executado de uma forma contemplativa e suave, mas que logo irrompe em uma orquestra com violinos e uma guitarra com riffs pops.

"Gamma"

“Drug's Theme” começa com uma linha interessante de baixo e alguns recursos eletrônicos, adicionados a uma orquestra de fundo, dando uma pegada contemplativa e progressiva à música. Vai encorpando, com riffs de guitarra e logo volta ao estágio contemplativo inicial. Excelente faixa!

"Drug's Theme"

Em seguida temos “Oceano”, seguindo ao estilo da faixa inaugural, tendo a predominância do sax em uma atmosfera intimista e sombria, mas envolto em uma qualidade sonora invejável.

“Invidia” começa introspectiva, mas com uma levada jazzística na bateria, seguida tão logo pelo piano de Enrico, endossada pelos instrumentos de sopro dando corpo e substância a faixa, mas com quebradas rítmicas impressionantes. Uma faixa bem progressiva.

"Invidia"

“Paoletta” vem com o teclado no comando, trazendo algo de progressivo sinfônico, talvez algo de experimental também.

"Paoletta"

“Mascia” segue basicamente a mesma proposta da faixa anterior: trazendo a predominância dos teclados e um fundo jazzístico bem elaborado.

“Amore Mio Non Farmi Male” traz, graças aos riffs de guitarra ao estilo black, soul, algo dançante, com uma “pitada” de sofisticação graças à orquestra e os belos instrumentos de sopro. E mais uma vez tem o destaque do piano de Enrico.

"Amore Mio Non Farmi"

“Amicizia” traz de volta ao álbum ao seu cerne mais intimista e soft com o piano de Enrico ainda em evidência. Na sequência com “Chi mi cercherà” inclui vocais femininos ao álbum, algo bem comercial e radiofônico, mas feito com muita qualidade e que entrega aquelas macarrônicas músicas italianas dos anos 1960.

"Amicizia"

“Black Jack” apesar de curta traz certa austeridade, a orquestra, a condução da orquestra é a grande responsável por isso com um violão acústico ao fundo corroborando essa máxima à faixa.

"Black Jack"

E fecha com a faixa “Amico Piano” que, como “Chi Mi Cercherà” traz um pouco da cultura musical italiana.

“Gamma” foi relançado em 2007 com o nome “Enrico Simonetti e Goblin”, dada a consagração da banda que naquela época era apenas um embrião do que viria a crescer e dominar a cena progressiva obscura, sendo esta, sem dúvida, a melhor banda do gênero, de todos os tempos. Mas, relevem, sou apenas um fã apaixonado e passional.





A banda:

Enrico Simonetti no piano, teclados

Claudio Simonetti nos teclados

Fabio Pignatelli no baixo

Massimo Morante na guitarra e violão


Faixas:

1 - Gamma   

2 - Drug's Theme    

3 - Oceano   

4 - Invidia     

5 - Paoletta  

6 - Mascia    

7 - Amore mio non farmi male     

8 - Amicizia

9 - Chi mi cercherà

10 - Black Jack       

11 - Amico piano