domingo, 7 de junho de 2020

Too Much - Too Much (1971)


Sabe quando você ouve uma banda pela primeira vez e é arrebatado por um sentimento de leveza, um estado puro de catarse? Sua alma levita, parece que sua alma sai do seu corpo e te contempla chegando a conclusão de que não somos apenas um pedaço de corpo orgânico, mas um sistema complexo de sentimentos intangíveis aos olhos, mas de emoções que te injeta adrenalinas, que te deixa em puro êxtase. 

A música tem essa capacidade: te dá o oxigênio, te dá a melhor fase de sua vida, te proporciona prazer, o psicotrópico de que precisamos para seguir em dias turbulentos de tantas incertezas. Por que digo tudo isso? Essa banda que falarei agora, que fará com que eu tenha a difícil, mas prazerosa missão, de textualizar traz uma ebulição de sentimentos e que conheci recentemente em uma busca aleatória ou talvez nem tanto, por bandas obscuras ou relegadas ao ostracismo.

Me arrebatou de tamanha maneira que no último minuto de duração do álbum, em ainda estado de pura letargia, despertei com a seguinte frase: Preciso fazer uma resenha sobre essa banda, sobre este álbum! Repetia incansavelmente: Maravilhoso, ótimo, excelente! 

E, já recuperado dessa avalanche sonora, cá estou aqui, protocolando as minhas emoções. A banda se chama TOO MUCH e vem do Japão, mais uma banda japonesa que me apaixonei perdidamente. De acordo com algumas fontes de pesquisa que reuni para a confecção do meu texto, li que o Too Much era frequentemente chamado de “Black Sabbath japonês”, o que parecia ser uma tendência graças ao que o Sabbath vinha fazendo à época, rompendo paradigmas no início dos anos 1970, mas que, nesse caso, não se parece nem um pouco com a banda inglesa. 

Too Much

O único álbum do Too Much, homônimo, lançado em 1971, tem peso, é um hard rock potente, com guitarras raivosas, cozinha poderosa, mas que para apenas por aí. “Too Much” traz algumas pitadas generosas de blues, progressivo e até instrumentos de sopro e orquestra, isso mesmo, violinos e tudo o mais. 

Um álbum extremamente versátil que absorveu tudo o que se fazia na época e que, claro, estava sendo edificado, como hard rock, prog rock etc. Mas antes de falar do álbum, darei uma pincelada na história do Too Much. 

A banda foi formada na cidade de Kobe, nos arredores do porto da cidade, de onde os membros da banda cresceram ouvindo tudo que o ocidente produzia naquela época sobretudo o psicodelismo que estava em alta como nos Estados Unidos e Inglaterra, por exemplo. 

O guitarrista Junio ​​Nakahara passou o fim dos anos 1960 tocando blues em uma banda chamada The Helpful Soul, uma banda de Quioto, formada em 1968 e que lançou dois álbuns. Mas a banda não estava fazendo muito sucesso, o público não estava se interessando muito então Nakahara decidiu seguir um novo caminho, saindo da banda, com a intenção de criar um projeto mais “rocker”. 


Foi a partir daí que o Too Much nasceu. A inspiração veio quando o The Helpful Soul estava abrindo o show de outra seminal banda japonesa, a então recém-formada Blues Creation que, na turnê do seu primeiro álbum, cuja resenha está aqui para leitura (Blues Creation - The Blues Creation (1969)), tocava em Kyoto e quando Nakahara viu aquilo tudo ficou excitadíssimo decidindo criar a sua nova banda. 

A turnê do Blues Creation se chamava “Too Much”, daí veio a inspiração para o nome da banda de Junio Nakahara. Com a banda formada Nakahara convida o cantor Juni Lush, mudou seu nome para Tsomu Ogawa e trouxe consigo os colegas de escola Hideya Kobayashi, na bateria e Masayuki Aoki no baixo.


Com a banda pronta e afiada foi assinado um contrato com a Atlantic Records, em 1970, nascendo para o mundo o álbum “Too Much” um ano depois. Um verdadeiro hino proto metal com doses de blues e rock progressivo. 

O álbum é inaugurado com a monstruosa “Grease it Out” com um riff pesadão, denso, sujo, lembrando um doom metal arrastado e sombrio. A base da música se faz com riffs de guitarra, fazendo dela um heavy metal de vanguarda sem sombra de dúvida, com um vocal bem forte e limpo. 

"Grease It Out"

“Love That Binds Me” é uma maravilha ao estilo bluesy, a guitarra se comunica, canta, chora aos virtuosos dedilhados de guitarra de Nakahara e do vocal mais grave de Juni. Um som com personalidade e dramaticidade. 

"Love That blinds Me"

“Love is You” traz de volta aos eixos do hard rock com sustentabilidade dos riffs de guitarra e vocal abafado e que no meio da música ganha velocidade, mais agressividade nos remetendo aos tempos que viria com o heavy metal oitentista. “Reminiscence” traz um pouco de melancolia ao álbum, uma linda e sombria balada com um belíssimo e desconcertante solo de guitarra. Viagem garantida! 

"Reminiscence"

“I Shall Be Released” continua na proposta de balada, com uma pegada mais country com o destaque para o vocal bonito e limpo de Juni Lusch e a guitarra solando de Nakahara que quase fala de tão linda. “Gonna Take You” faz o hard rock voltar a cena com, mais uma vez, riffs capitaneando, trazendo protagonismo a faixa, com destaque para a bateria forte e marcada de Aoki. Faixa vibrante e avassaladora! 

"Gonna Take You"

E o fim e algo simplesmente apoteótico com “Song For My Lady (Now I Found)”. A faixa mais progressiva do álbum que começa com a flauta e o dedilhado delicado do violão com a orquestra e violino ao fundo e com o vocal de Juni por cima com tanta intensidade e drama, fazendo o ouvinte se arrepiar dos pés a cabeça. E tudo vai ficando mais encorpado, os instrumentos em uma simbiose perfeita com a orquestra, os violinos, tudo conspira a favor de emoções que vão ficando á tona. Espetacular! 

"Song For My Lady (Now I Found)"

O estilo afro e descolado de Juni Lusch chamou a atenção dos empresários da Atlantic Records que viu no vocalista uma fonte de ganhar dinheiro e com potencial de sucesso, fazendo com que, mesmo que indiretamente (ou não), dissociasse este da banda, sendo os demais uma sombra do cantor, sendo esse o começo do fim da banda que encerrou as suas atividades, logo após o lançamento desse magnífico álbum que certamente está entre os melhores eu ouvi nos últimos anos.


A banda:

Junio Nakahara (Tsomu Ogawa) na guitarra
Juni Lusch no vocal
Hideya Kobayashi na bateria
Masayuki Aoki no baixo

Com:

Mickie Yoshino no piano e teclados
Isao Tomita no arranjo orquestral e instrumentos de sopro (flauta)

Faixas:

1 - Grease It Out
2 - Love That Binds Me
3 - Love Is You
4 - Reminiscence
5 - I Shall Be Released (Bob Dylan)
6 - Gonna Take You
7 - Song For My Lady






Bloody Mary - Bloody Mary (1974)


O conceito de obscuro, de banda obscura, nos tempos atuais, pode ser relativo. Com o advento das tecnologias que envolvem a informação algumas bandas tidas como raras, obscuras, desconhecidas podem ter seu material, seus álbuns em evidência, visualizados por um número maior de pessoas em todo o mundo. 

Redes sociais, canais de música, sites, plataformas de músicas e tantos outros formatos trazem hoje ao ouvinte a possibilidade, em tempo recorde, de ouvir e ter acesso a bandas que jamais ouvira falar. E não podemos esquecer as pessoas, os donos de veículos de comunicação, que são verdadeiros abnegados, que, com muito afinco, divulga, por intermédio de todas essas ferramentas de informações virtuais, essas bandas, sem contar que alguns selos undergrounds que resgatam materiais não lançados na época, trazendo a luz magistrais álbuns e ressuscitando, muitas das vezes, as próprias bandas. 

Claro que a proporção, em termos de fãs e reconhecimento não será daquela banda consagrada, gigante, que tem décadas de sucesso e altas vendas de álbuns, reforçando a condição das bandas obscuras nesse estágio ainda que tenha seu álbum divulgado por fãs e gravadoras em tempos de encurtamento das informações. 

Mas tem uma banda que, mesmo em tempos de informação em tempo real e ferramentas tecnológicas de comunicação em massa, ainda se coloca em uma posição obscura, diria rara a muitos ouvidos, mesmo aqueles ávidos por bandas obscuras: Falo do BLOODY MARY. 

A banda foi formada na cidade de Nova Iorque e pouco se tem de informação da mesma até os dias de hoje. É tudo escasso, envolta em uma sombra de boatos e evidências questionáveis. O Bloody Mary gravou apenas um álbum, no ano de 1974, autointitulado, com uma limitadíssima quantidade de 1.000 cópias pelo selo "Family Productions Inc." que teve vida curta, bem como a banda ou pelo menos é que as poucas informações conferem.


“Bloody Mary” foi gravado no  UltraSonic Studios, em Hempstead, Nova Iorque, pelo famoso produtor Vinny Testa, um figurão da indústria fonográfica, da Community Productions, e todas as faixas foram creditadas ao Bloody Mary. Mas o que faz dessa banda obscura e rara são as névoas, as sombras envoltas em sua breve vida: o mistério sobre os integrantes que a compuseram. 


Não se sabe quem tocou guitarra, bateria, baixo, teclado e vocal, daí se creditando as faixas no nome da banda. Uma banda sem rosto. E com esse mistério, surge outro. O Bloody Mary teria uma relação muito tênue com outra seminal banda, considerada um “clássico do obscuro”, o Sir Lord Baltimore. 

Havia rumores de que o baterista e vocalista do “Sirlordão”, John Garner teria tocado na banda, teria sido o vocalista do Bloody Mary e que até hoje não teria sido confirmado. Mas em maio de 2007 o próprio Garner negou qualquer conexão com a banda dizendo inclusive que nunca ouvira falar do Bloody Mary até, claro, ser questionado sobre o seu possível vínculo com a banda. Há outro boato também: de que "Bloody Mary" seria o terceiro álbum do Sir Lord Baltimore, o que o baterista/vocalista também não confirma.

John Garner

Para variar e como boato gera mais boato, há outra história de que o Sir Lord Baltimore estaria gravando o seu segundo álbum no mesmo estúdio e, ao mesmo tempo, no mesmo período que o Bloody Mary, em Hempstead, em Nova Iorque, quando Garner foi convidado para ser o vocalista, mas essa informação não tem sustentação, há um equívoco cronológico, haja vista que o segundo álbum do Sir Lord Baltimore, homônimo, fora lançado em 1971 e o álbum do Bloody Mary foi concebido 3 anos mais tarde, em 1974. 

Mas mistérios, obscuridades históricas e boatos à parte o álbum é um excelente e catártico hard rock típico, mas avassalador, vigoroso e poderoso com sustentação em riffs e solos bem estruturados de guitarra com uma boa camada de teclados e pitadinhas progressivas “temperando” o som, tendo influências de bandas como Uriah Heep, Deep Purple e algumas bandas alternativas norte americanas como Bull Angus e até o próprio Sir Lord Baltimore. 

O álbum abre com “Dragon Lady” que timidamente é introduzida por um solo de bateria que vai encorpando com riffs de guitarra, uma discreta camada de teclados e irrompe em uma hecatombe instrumental e um vocal agressivo e intimidador com um excepcional alcance, muito agudo e vai cadenciando entre a leveza e o peso explosivo. 

"Dragon Lady"

“Highway” é mais solar, dançante, energética, tendo nos teclados a sua estrutura sonora, mas com solos de guitarra simples, mas envolventes. “Riddle of the Sea” começa introspectiva, um violão acústico embalando um vocal soturno, misterioso, mas vai ganhando força, de forma gradativa, uma balada rock cheia de personalidade que ganha robustez com solos de guitarra mais agudos e altos e bateria seguindo o peso. 

"Highway"

Ponto alto do álbum sem dúvida “Free and Easy” chega mais animada também, mas não menos pesada, um típico hard rock de “festa” com um duelo, mais do que salutar, entre guitarra e teclado aqui tocado de forma mais frenética. “You Only Got Yourself” te leva a uma viagem com dedilhados de guitarra inaugurais, mas que logo se revela o peso capitaneado pela bateria e o teclado trazendo uma camada mais progressiva a faixa cheio de viradas rítmicas. Excelente música! 

"Free Easy"

“Can You Feel It (Fire)” esmurra a porta com um riff sujo e pesado de guitarra, sendo sustentado por uma “cozinha” excelente e energética, o poderio bélico instrumental dessa música é incrível. E fecha com “I Hear the Music Playing” com um doce piano na introdução, uma balada, um momento mais “brando” do álbum, com um vocal mais limpo e bem executado, mas não se engane ele explode em um hard rock intenso e cadenciado. 

"Can You Feel It (Fire)"

Apesar de ser um grande álbum, um espécime típico do mais puro e genuíno hard rock praticado em sua intensidade, em meados dos anos 1970, quando fora lançado, as poucas informações que há sobre o futuro da banda após o lançamento é de que não houve o futuro, finalizando as suas atividades logo após o surgimento do álbum de 1974. 

Teve mais um relançamento pelo selo sul coreano chamado "Big Pink", um mini LP, em 2014, e infelizmente sem a relação dos integrantes da banda. Isso sim é obscuridade, mas o álbum sim, esse está evidente aos olhos e ouvidos de todos, provando o quanto é uma pérola bruta recomendadíssima.

A banda:

Sem créditos

Faixas:

1 - Dragon Lady
2 - Highway
3 - Riddle of the Sea
4 - Free And Easy
5 - You Only Got Yourself
6 - Can You Feel It (Fire)
7 - I Hear the Music Playing


Bloody Mary - Bloody Mary (1974)