Desde que esse blog foi
concebido, nos idos de 2020, eu venho desenvolvendo uma predileção que, creio,
para alguns ser um tanto estranha. A audição e o desbravar de bandas mais
“garageiras”, ou seja, aquelas bandas com uma sonoridade mais despretensiosa,
mais suja, sem grandes traquejos instrumentais por parte dos músicos.
Aos que apreciam sons ligados
ao rock progressivo e até mesmo um hard rock mais sofisticado, como bandas do
naipe do Led Zeppelin e Deep Purple, por exemplo, pode ter os ouvidos “feridos”,
mas o fato é que são bandas que vem me cativando a cada dia, a cada descoberta.
Algumas lendas cercam essas bandas. São “garageiras” porque seguem essa proposta bem definida ou é a produção desses trabalhos que deixam a desejar? Ou seria os dois? Tenho a nítida sensação de que são bandas que gozam de uma linha muito peculiar e inusitada de sonoridade, um som puro, cru, genuíno, sem amarras com tanta sofisticação.
Parece ser um “discurso” punk de meados dos anos 1970, o famoso “faça você mesmo”, mas não, caros e estimados leitores. Parece que o punk surgiu antes do punk e não ganhou notoriedade como o punk que conhecemos no final daquela década. Seria prudente chamar de “proto punk”?
Nomenclaturas à parte até
mesmo a “romantização” do estilo, vilipendiado, com relação ao pouquíssimo
apoio, cai perfeitamente com a sua sonoridade, ou seja, a péssima produção
parece “validar” e trazer todo o charme ao som duro e áspero dessas bandas. É
lindo!
E mais uma vez, com todo o
prazer, e com um sentimento quase que cívico, trago mais uma banda, da cena
obscura norte americana que merece, com todas as nossas forças, ser difundida
aos quatro ventos desse mundo injusto que privilegia a música “bem-feita”. A
banda se chama PARCHMENT FARM.
Creio que você, estimado
leitor, deve estar se perguntando: mas isso é nome de música. Confesso que, em
minhas incursões no empoeirado e esquecido universo do rock obscuro, quando a
descobri pensei que se tratava da música conhecida do cantor de blues Bukka
White, mas não era. Quando me coloquei para ouvir, pois havia desconfiado da
sua capa, senti como se fosse um trovão nos ouvidos e que ressoou no coração,
me cativando de imediato.
O Parchment Farm foi formado no leste do Missouri no final do ano de 1968, ápice da psicodelia, do “flower power” e do rock paz e amor. A banda, claro, subvertendo essa máxima que imperava na indústria no fim dos anos 1960, destilava um som cru, pesado, intenso e tenso e agitou muitos clubes e festivais da área com as suas músicas autorais e outras covers.
A banda foi ganhando alguns
seguidores, utilizando a palavra da moda, arrastando um público fiel e que
gostaria de fugir do básico da época, da música psicodélica. Os jovens músicos
do Parchment Farm, bem como a cena que crescia no Missouri, carregava, em sua
maioria, o nome “Mike”, mas uma sonoridade extremamente original que muitos
repudiavam na época. O nome da banda, Parchment Farm, não teve, como
inspiração, a música de Bukka White, embora tenha vindo dela, um erro
ortográfico de “Parchman Farm”, local da infame Penintenciária Estadual do
Mississipi, veio do álbum de estreia do grande Blue Cheer, “Vincebus Eruptum”.
Nada melhor que uma inspiração como essa!
Nos seus primórdios, lá pelos
idos de 1968, o Parchment Farm, como disse, ganhou alguns fás fiéis e com isso
começou a receber ofertas de casas de shows e estava construindo uma boa
repercussão, abrindo shows para bandas do naipe de Sons of Champlin, em agosto
e/ou novembro de 1969, no The Rainy Daze Clb, Brian Auger & Trinity, em 7
de julho de 1970, também no Rainy Daze Club e tocou com outra banda local,
Burlington Route, no mesmo lugar, em janeiro de 1970.
A formação original do
Parchment Farm contava com Robert “Ace” Williams, no baixo e vocal, Paul
Cockrum, na guitarra e vocal e o baterista Mike Watermann, além de outros
músicos que nada se sabia, inclusive do nome. Mas Watermann sairia da banda,
dando lugar a Mike Dulany, no final de 1971. Eles se tornariam um trio, um
senhor “power trio”! E foi com Dunaly, Paul e Robert que o Parchment Farm desenvolveu,
de forma frenética, as suas músicas autorais, gravando-as, de forma “artesanal”
e tocando-as em suas apresentações.
A banda apresentou as suas
novas composições em agosto de 1971, abrindo para o Velvet Underground e
Brownsville Station, no Fun Valley Lake, em Pacific, depois para o Ted Nugent e
The Amboy Dukes, em 14 de outubro de 1971, na Mesquita Shrine, em Springfield,
repetindo a dose, agora em janeiro de 1972, na Guarda de Columbia e o grande ZZ
Top, em julho de 1972, no Airway Drive-In Theatre.
Se a banda não estava no ápice
comercial, poderia dizer que estava com boas ofertas de shows de grandes
estruturas e apresentando, para vários públicos distintos do rock n’ roll, a
sua pesada e arrojada música. Estava tudo indo muito bem e a tendência era de
que o Parchment Farm atingiria o sucesso.
As suas músicas,
majoritariamente, trafegam no hard rock, com músicas pesadas, intensas,
animadas, cheias de energia e solares, com algumas “pitadas” de psicodelia
caracterizada nas guitarras lisérgicas e ácidas, mas que tinha fundamento
sonoro no peso. Definitivamente era uma banda que, como o Blue Cheer, por
exemplo, que lhe influenciou com o nome, estava à frente do seu tempo, fazendo
músicas que fugiam do mais do mesmo que imperava na indústria musical da época.
O álbum é inaugurado com a
faixa “Songs of the Dead” que irrompe em poderosos riffs de guitarra e uma
“cozinha” de arrepiar e fazer renascer com qualquer corpo morto: bateria
marcada e pesada e baixo pulsante. Solos animados de guitarra te faz bater a cabeça
compulsivamente, enquanto a “cozinha” continua a dar a salvaguarda necessária
para o peso. “Midnight Ride” segue mais cadenciada, menos pesada. Guitarras são
dedilhadas ao estilo The Doors, só que mais “eletrificado”. Vocais mais limpos
e melódicos são ouvidos, as vezes mais gritados, regendo momentos mais pesados.
Na sequência tem a faixa
“Medici”, mais longa, começa com uma pegada mais leve, ao estilo balada rock,
com guitarras dedilhadas, que alternadamente descamba para o peso caracterizado
pela bateria, como sempre mandando muito bem e baixo seguindo o ritmo. É uma
música repleta de mudanças rítmicas, trazendo um atrativo em tanto para uma
sonoridade dita “garageira”. Pois é, os caras sabiam tocar!
“Summer’s Comin’ Soon” começa
com o “choro” da guitarra que te induz a perceber uma pegada mais blueseira e
de fato o é, mas o peso ganha logo o ritmo da faixa, mas de uma forma mais
cadenciada, com uma vibe mais comercial, diria. “Blind Man” começa pesada, com
a “cozinha” potente, bateria pesada e marcada, baixo pulsante, cheio de groove ao estilo Grand Funk Railroad.
Hard rock típico, forte!
Segue com “Blues Skies Comin’”
que também é pesada, baixo pulsante, um groove que faz da música um pouco mais
cadenciada também. A parte rítmica da banda surpreende positivamente pela
qualidade. “My Lady” começa com a bateria mais jazzística mostrando
versatilidade, mas logo irrompe em um trovão de hard rock pesado, com riffs e
solos avassaladores de guitarra.
“Friends or Lovers” segue na
proposta pesada, com passagens mais suaves, uma pegada mais psicodélica, vocais
limpos e melódicos, além de guitarras mais ácidas, lisérgicas que entrega o
“tempero” mais heavy à música. “Mind Trip” tem o destaque do baixo, com solos
mais pesados e cheios de groove. Dedilhados de guitarra dá um caráter mais
psych à faixa e até sombrio, em alguns momentos.
Segue com “Concrete Jungle” que
foge totalmente a proposta do álbum, que é calcado na música pesada. Nessa
faixa percebe-se, inclusive, uma pegada mais folk e psicodélica, trazendo um
passado não muito distante ao lançamento deste álbum, que é são os anos 1960. E
fecha com “I’m Elected, I Will Not Serve” é uma balada rock embalada por
dedilhados de guitarras lisérgicas, com vocais dramáticos. O solo de guitarra
nos faz viajar, algo até mesmo contemplativo e soturno.
No final de 1972 um cara
chamado Mike Lusher se tornou baterista do Parchment Farm, adicionando ainda um
tecladista de nome Cliff King. A banda estava sofrendo algumas mudanças em sua
sonoridade, haja vista que estava adicionando um tecladista. O que se confirmou
quando adicionou em seu repertório músicas de bandas como Yes, The Moody Blues,
Procol Harum etc.
Em fevereiro de 1973 Cliff foi
substituído por Mike “Scotty” Scott que era um músico que foi inspirado por
Keith Emerson, possuía um moog e tocava flauta. Pronto! Essa era a confirmação
da “nova” vertente sonora do Parchment Farm. A banda abriu shows para Canned
Heat, The Hollies e Rare Earth, em 27 de maio de 1973, em Evansville, Indiana,
além do REO Speedwagon em 18 de agosto de 1973, no Rollins Music Festival,
próximo a Villa Ridge.
O Parchment Farm foi
dissolvido em 1973 e claro que seu fim, com a sua mudança de rumo sonoro, foi o
sepultamento da banda, bem como a falta de apoio de gravadoras. A banda nunca
conseguiu, com isso lançar suas músicas autorais e com o seu fim, fatalmente
essas faixas cairiam no esquecimento, no baú escuro e empoeirado do rock
obscuro.
Mas eis que surge o abnegado
selo Riding Easy Records que redescobre essas gravações, essas fitas e a lança,
no formato LP, trazendo à tona, depois de mais de cinco décadas, o único álbum
do Parchment Farm, em 2024, homônimo. Um som garageiro, áspero, poderoso,
despretensioso, mas especial, diria, sem medo, singular. O álbum pode ser ouvido por intermédio do download que pode ser feito aqui. Pérola mais do que recomendada!
A banda:
Paul Cockrum na guitarra e
vocal
Robert “Ace” Williams no baixo
e vocal
Mike Dulany na bateria e vocal
Faixas:
1 - Songs of the Dead
2 - Midnight Ride
3 - Devil's Film Festival
4 - Medici
5 - Summer's Comin' Soon
6 - Blind Man
7 - Blue Skies Comin'
8 - My Lady
9 - Friends Or Lovers
10 - Mind Trip
11 - Concrete Jungle
12 - If I'm Elected I Will Not
Serve