domingo, 20 de março de 2022

Plus - The Seven Deadly Sins (1969)

 


Muitos trabalhos, muitos álbuns se perderam nos anos 1960 e 1970, sejam pela incompreensão de sua música, muitas delas nessas épocas, embrionárias e logo de difícil digestão, e consequentemente a rejeição pela indústria fonográfica. O número de bandas parece ser interminável, muitas caem na obscuridade, são esquecidas, trafegam no ostracismo, tendem a desaparecer, não vingam.

Mas não se enganem caros leitores que questões como essa são de ordem da qualidade, ou melhor, da falta de qualidade. Claro que temos bandas ruins nesse rol, mas acredite que os álbuns e as bandas são incríveis, o som revolucionário, de vanguarda, por isso esse blog existe: para tentar difundir a história e, sobretudo o som dessas bandas vilipendiadas.

E a banda de hoje é o exemplo fiel e contundente do esquecimento, por conta da incompreensão de sua textura sonora e do consequente esquecimento. Chama-se PLUS e surgiu na Inglaterra na transição dos anos 1960 e 1970, férteis para o rock n’ roll e suas vertentes mais importantes e significativas.

A sua história, a formação da banda, quase tudo está envolta em uma camada nebulosa, escura, obscura mesmo, misteriosa, o que aguça ainda mais o interesse, admito. Eles lançaram apenas um álbum. Eles nunca fizeram um show, nunca se apresentou em lugar algum, não há registro disso, pelo menos. 

Não tocaram em nenhuma rádio à época, não tiveram nenhum tipo de publicidade, na imprensa, absolutamente nada. Então se pode dizer que não teria longevidade, sobretudo por este aspecto mais comercial.

Mas ao ouvir “The Seven Deadly Sins”, lançado em 1969, entrega uma joia, uma pérola, de uma singularidade sonora, complexa, flertando com inúmeros estilos que no final da década de 1960 eram apenas maquetes, estavam começando, sendo construída. Definitivamente o Plus foi um fracasso comercial, estava de fato fadado a esse fim, mas ainda assim esteve muito a frente do seu tempo por conta deste clássico obscuro.


Mas os mistérios não terminam por aí. Até mesmo a formação da banda traz dúvidas. Não há fotos dos músicos e parece que nem todos foram creditados no álbum. Conta com os irmãos Newman, Tony, na guitarra e Mike, na bateria, além de Max Simms no baixo. 

A única parte conhecida dessa história obscura é o ex-baixista e produtor do The Yardbirds, Simon Napier-Bell que apadrinhou os músicos mencionados e que também ajudou a compor metade do álbum, cerca de seis músicas, aproximadamente, além de Ray Singer, este último foi um cantor de bandas nos anos 1960, e mais tarde ajudou a iniciar as carreiras de pessoas como David Sylvian, Japan e Joan Armatrading. Napier-Bell foi e é um empresário que gerenciou The Yardbirds, Marc Bolan e T Rex, Ultravox, Wham! , e, por um tempo o Asia.

Simon Napier-Bell

Ouvindo algumas faixas de “The Seven Deadly Sins” nota-se a presença de vocalistas, um coro inteiro, às vezes, além de piano, órgão, violinos, violoncelos etc. levando a crer que se trata mais de um trabalho dos produtores, do Napier-Bell e Ray Singer do que da própria banda, embora os irmãos Newman sejam creditados com alguma importância, tendo criado a outra metade das músicas contidas no álbum.

“The Seven Deadly Sins” é um álbum conceitual e como o título sugere (tradução literal significa: “Os Sete Pecados Capitais”), fala claro, sobre os pecados capitais. Isso está evidente também na arte gráfica. A capa do disco é gritante nesse sentido com a cruz ao centro e sete pessoas com indumentárias denotando um forte viés religioso sinalizando uma missa católica.

Gravura "Os sete pecados capitais" de Flamengo Frans Huys

“The Seven Deadly Sins” foi concebido, inspirado na peça homônima de Bertolt Brecht e também diante de um cenário um tanto quanto badalado, do interesse renovado do público para com a religião ligado ao rock n’ roll ou algo mais, diria, arrojado, desse conceito, sobretudo devido a peça teatral “Jesus Christ Superstar” e do álbum do Electric Prunes chamado “Mass in F. Minor”.

E quando falamos em obscuridade, mas trazendo uma revolução sonora, carregada de vanguardismo, é porque “The Seven Deadly Sins” é um álbum conceitual baseado nos setes pecados capital com um toque sombrio, obscuro, estranho, docemente estranho e que, em 1969 era uma novidade, afinal poucas bandas se aventuravam nessa proposta de construção de álbum. Poucos foram lançados, como “Tommy”, do The Who, por exemplo.

“The Deadly Seven Sins” traz uma variedade sonora, um mix de sons que faz deste trabalho único e importante, onde podemos destacar uma lisergia psicodélica, no ápice em 1969, com seções de hard rock envolto em uma camada bem experimental, com temperos de jazz rock e blues. Um álbum versátil, complexo e poderoso.

O disco começa com a faixa Introit: "Twenty Thousand People" que soa como algo soturno e distante, um feitiço evocado por um padre de uma belíssima estranheza. Traz um vocal melancólico e comercial, algo melódico e marcante aos ouvidos com uma bela sequência de piano e um solo de guitarra com muita personalidade, diria até mesmo pesada.

Introit: "Twenty Thousand People"

Na sequência temos “Gloria In Excelsis: Toccata” começa com "Toccata i fugą d-mol" de Bach, que depois de um tempo se transforma suavemente em uma melodia simples, um rock direto e que evolui para uma entonação coral dos pecados capitais, escrita por Napier-Bell e Singer, que pode ser ouvida em uma igreja local. O texto foi ligeiramente atualizado para se adequar ao tema abrangente.

Gloria In Excelsis: "Toccata"

Escrita pelos irmãos Newman, Avarice: "Daddy's Thing" abre com interessantes sons clássicos de viola, mas quando os teclados e a guitarra aparecem, a faixa se transforma em um hard rock intenso e viril. Ao ouví-la me faz lembrar uma faixa mais acessível, mais comercial, pop, diria, dos anos 1960, tais como Beatles, por exemplo.

"Daddy's Thing"

“Pride: Pride” soa como uma balada também ao mesmo estilo Beatles, com um viés mais acessível aos ouvidos, mas com um caráter mais soturno, mais desafiador nesse quesito, um som belíssimo, mas extremamente obscuro.

Sloth: "Open Up Your Eyes" é outra faixa de rock com um baixo forte de Simms, super pulsante, que traz uma pegada meio funk, meio dançante diria, com pitadas experimentais e um dos melhores solos de guitarra de Tony Newman.

Sloth: "Open Up Your Eyes"

“Wrath: Gemegemera” traz de volta o peso e algo um tanto quanto perturbador remetendo aos primórdios da música pesada com o choro de uma criança e os gritos de torcedores de futebol, com um baixo poderoso e esmagador que entrega o tempero da música com a cozinha poderosa e a bateria dando o ritmo também.

"Wrath: Gemegemera"

Uma voz maníaca gritando "Vire seus olhos!" é precedido por um curto canto gregoriano, e então The Secrets: "Devil's Hymn" se transforma em uma música pitoresca com a uma atmosférica jazzística, é definitivamente sublime e diabólica, ao mesmo tempo, é de sentir arrepios e faz com o conceito harmonize plenamente com a música.

The Secrets: "Devil's Hymn"

“Lust: Maybe You're The Same” soa como aquelas músicas sessentistas do The Who, cheia de toques pop, mas com muito brilho, força e intensidade e ótimas harmonias vocais. Uma bela faixa!

Envy: "I'm Talking As A Friend" é outra joia! Excelente faixa que introduz com uma atmosfera meio experimental, um som meio minimalista mas que irrompe em uma balada pop ao som de um violão acústico tocado magistralmente.

Envy: "I'm Talking As A Friend"

“Gluttony: Something To Threaten Your Family” inicia um som dissonante do violino trazendo uma atmosfera sombria que nos faz lembrar um filme de terror em seu ápice de sustos e mortes, mas a guitarra acústica e boas harmonias vocais contrabalanceiam com o som apocalíptico em uma balada rock.

“The Dismissal: Twenty Thousand People” fecha o álbum com uma proposta experimental aliado ao peso do hard rock, com viagens psicodélicas e progressivas e sintetiza a proposta complexa e versátil do álbum.

“The Seven Deadly Sins” criada em seu tempo, mas que rompeu com todos os seus paradigmas, foi algo arrojado, singular, espetacular. A música é impressionante, apesar de esquecida e obscura, cercada de mistério e fatores desconhecidos. A seção rítmica é enérgica, intensa, eclética, em um período de experimentalismo e ode à criatividade. 

Eis aqui neste álbum um exemplo sincero da precursão do rock progressivo que conhecemos hoje. É inusitado, é interessante, pois colocou o rock n’ roll, meio que em voga nesta fase transitória de décadas, em um patamar popular e de construção do conceito de sua música valorizando a letra, as composições, a história.

O que era pouco digerível na época, talvez seja esse um dos fatores do seu ostracismo, “The Seven Deadly Sins” conseguir trafegar no obscuro e pop com uma ponte experimental como poucos conseguiram produzir à época. Os músicos sumiram, a banda finalizou, deixou de existir, mas talvez ela tenha surgido com um tempo de vida já determinado, com um fim estipulado, um projeto talvez. 

Porém, pela sua representatividade sonora, ganhou a eternidade e a referência para várias vertentes sonoras de que tanto amamos hoje. Segundo informações, 30 anos depois de seu lançamento o álbum fora relançado, mas não há registros de que isso tenha sido de fato verdade. Altamente recomendado!



A banda:

Tony Newman na guitarra

Mike Newman na bateria

Max Simms no baixo


Faixas:

1 - Introit: Twenty Thousand People

2 - Gloria In Excelsis: Toccata

3 - Avarice: Daddy's Thing

4 - Pride: Pride

5 - Sloth: Open Up Your Eyes

6 - Wrath: Gemegemera

7 - The Secrets: Devil's Hymn (instrumental)

8 - Lust: Maybe You're The Same

9 - Envy: I'm Talking As a Friend

10 - Gluttony: Something To Threaten Your Family

11 - The Dismissal: Twenty Thousand People

 

Plus - "The Seven Deadly Sins" (1969)