sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Gandalf - Gandalf (1977)

 

A cena progressiva da Suécia foi prolífica, foi grandiosa em qualidade e quantidade. Inúmeras bandas surgiram, algumas caíram na obscuridade e no ostracismo, outras gozaram de certa fama. As questões políticas limitavam um pouco, afinal grande parte dessa cena, predominantemente underground, se posicionavam, criticavam por intermédio de suas letras o status quo e os governos censuravam ou as gravadoras, por medo, não gravavam ou engavetavam certos projetos musicais com esse teor, digamos, revolucionário ou anárquico. E, muito em virtude desse cenário desolador, florescia a música sueca comercial “rivalizando” com o prog rock local.

Mas ainda assim o rock progressivo sueco teve um impacto significativo nas forças socioculturais e também, claro, nas políticas que se mostravam antagônicas a essa cena. O prog sueco versava sobre amor, paz e felicidade. As pessoas viviam em coletivos, mudavam-se para o interior e cultivavam suas próprias colheitas. E muitas bandas começaram nessas comunidades e as manifestações foram influenciadas pelo movimento de esquerda.

E, diante desse cenário, os primeiros passos da carreira desses músicos e bandas foram dados em um ambiente pela escassez financeira. Muitos eram jovens e surgiam, em alguns casos, de forma despretensiosa, apenas pelo amor à música, em espaços escolares. E assim foi com uma banda extremamente rara: GANDALF.

Gandalf

Meu bom e fiel amigo leitor, você deve estar a pensar: mais uma banda com o nome Gandalf? Sim, são algumas bandas com esse nome, mas o Gandalf sueco certamente é o menos conhecido. E não se engane, a origem do nome da banda se deu exatamente por conta do famoso e misterioso mago de “O Senhor dos Anéis”. Então a banda achou interessante ter tal nome, pois o personagem era envolto em mistério.

E por falar em banda, vamos aos jovens que formaram o Gandalf: Per-Åke Persson na bateria, Lars Linell no baixo, Mats Ågren no vocal, guitarra e piano, Michael Schlömer na flauta e Johan von Feilitzen no vocal, guitarra e piano.

E quando falamos em influência e movimento progressivo na Suécia, o Gandalf, claro, tiveram as suas referências sonoras e contava com as grandes bandas daquele país, cujos destaques são, entre outras:  Bandas suecas influentes incluíram Hoola Bandoola Band, Nynningen, Kebnekajse, Ola Magnell, Ensamma Hjärtan, Motvind, Coste Apetrea, Zamla Mammas Manna, Mobben, Kaipa, Nationalteatern e Norbottensjärn, Rekyl. E evidente que as bandas internacionais também foram determinantes para a sonoridade do Gandalf, como: Focus, Pink Floyd, Ekseption, Gentle Giant, Frank Zappa e Deep Purple.

O Gandalf, lá no final dos anos 1970, decidiu lançar seu primeiro álbum, de forma privada. Tentaram contatar algumas gravadoras, sendo, claro, em pleno final dos anos 1970, onde bandas pop e comerciais como ABBA eram a oportunidade de mercado das gravadoras, além do punk que florescia para este mesmo mercado, negado. Por isso a decisão dos jovens músicos do Gandalf lançar o álbum, homônimo, em 1977, de forma bem “artesanal” e privada (Gandalf Skivprod), em um total limitado de 378 cópias. Eles tiveram o apoio financeiro principalmente dos seus amigos da escola. Eles eram tão jovens!

Inclusive, convém trazer à tona uma parte desse momento da história do Gandalf. O primeiro e único álbum da banda estava planejado para ser lançado por um selo comunista de nome Oktober, mas quando ouviram a faixa inaugural “Plastisk Svensson”, os empresários do selo consideraram “anti-classe trabalhadora demais”. Ficaram com medo e decidiram cancelar o lançamento.

Já que estamos falando do único álbum do Gandalf, convém tecer alguns comentários acerca de sua sonoridade que flerta com várias vertentes do rock, não apenas o progressivo sueco, que tem, como base, o prog sinfônico, mas também de um boogie-rock, com alguns solos pesados de guitarra, que tendem para o hard rock, além de uma pegada bluesy, um blues rock. A banda não tinha rótulos e experimentava todos os sons que reinaram no rock nos anos 1970. E esse som pouco estereotipado e por vezes de garagem, fez com que, em 1977, mais precisamente, com o seu lançamento tímido e limitado em cópias, não ganhasse o interesse de selos conservadores.

Antes de falar de cada música deste álbum pouco usual para ouvidos mais ortodoxos, convém falar um pouco do retrato vivido pelo Gandalf da percepção do público pela mesma, bem como as suas primeiras apresentações ao vivo. A banda, oriunda de uma cidade chamada Uppsala, começaram a tocar, graças a sua boa relação com outras instituições de ensino, fizeram alguns shows em outras escolas. E conseguiram tocar para 25.000 pessoas nos arredores de Estocolmo em um salto mais ousado da banda, no “Hagafesten”. Um dia fantástico de verão com um uma grande plateia. E dividir o palco com tantas outras bandas, algumas já experientes e outras surgindo, foi, no mínimo, incrível para os jovens músicos do Gandalf.

O álbum é inaugurado com a faixa “Plastisk Svensson” que traz um hard rock com o destaque para riffs e solos de guitarra que a torna pesada e animada. E essa energia da música também se revela em uma pegada mais dançante lembrando um rockabilly. Também se percebe uma lisergia, um beat que se “entrelaça” com o rockabilly. Segue com “Morgon Dimman” que começa pastoral, viajante, com dedilhados lisérgicos de guitarra e uma flauta doce, delicada. E assim a música é conduzida, entre solos ácidos de guitarra e a flauta. E ainda assim, traz uma melodia com nuances, como um prog rock.

"Plastisk Svensson"

“Verklig Heten” explode em um hard rock volumoso, solos intensos de guitarra, bateria forte e com uma batida agressiva e marcada. O baixo é pulsante, a “cozinha” é extremamente competente. Mas ainda há mudanças de andamento, momentos de balada, conduzidas por um vocal cantado em sueco. O solo de guitarra no meio da faixa é espetacular: límpido e viajante. O lado progg é capitaneado pela flauta delicada. “Betygs Terror” começa com um piano e a flauta, novamente em destaque, construindo um prog rock com uma pegada meio jazzística. As mudanças de andamento são perceptíveis e a bateria conduz cada mudança com maestria.

"Verklig Heten"

“Den Vita Snov” começa com uma pegada psicodélica, com dedilhados de guitarra lisérgica e solos que me remetem ao The Doors e Iron Butterfly. Bateria lentamente executada, lembrando um blues rock, baixo no mesmo ritmo. Simples e agradável essa faixa! Viajante com solos de guitarra. “Miljo Forstoring” segue a mesma proposta da faixa anterior, um beat psicodélico bem dançante, mas com uma pitada comercial, algo mais palatável, com um boogie com muita animação entre tudo isso.

“Vanderingar Om Skolan” traz a versão blues rock do Gandalf. Sedutor, envolvente, assim se conduz a música, com o piano no destaque, mas alterna com uma pegada mais hard rock e assim se desenvolve, entre o peso do hard rock e a sedução do blues rock cantado, de uma forma inusitada, em sueco. “Balladen Om Fyristorg” continua com a pegada bluesy, mas agora inteiramente com o blues rock pesado, com riffs pegajosos de guitarra. E fecha com “The Spoon” começa com uma balada com o piano e vocal quase que à capela. Entra, em seguida, a bateria, marcada e um solo voltado para o blues que deixa a sonoridade dessa faixa versátil como todo o álbum.

"Balladen Om Fyristorg"

A dissolução do Gandalf ocorreu de forma muito precoce, afinal o cenário era desfavorável para esses jovens e audaciosos músicos que, em pleno final dos anos 1970, onde o punk estava no auge mercadológico, bem como a new wave e a disco music, tornaria difícil a “concorrência”. Era o início dos anos 1980 e o Gandalf, sem apoio e suporte financeiro adequado para difundir sua arte, pereceu, sumiu da cena prog que já não estava mais no auge comercial.

Mas nem tudo era ruim, a luz no fim do túnel escuro e negro se fez e o Gandalf teve o tão aguardado e esperado álbum homônimo relançado, com toda a pompa e circunstância pelo selo PQR-Disques Plusqueréel. No estilo da verdadeira ressureição, as vibrações carregadas de prog sinfônico, hard rock, blues e até mesmo um rock psych repleto de ácido desperta a alma de quem ouve esse belo e intrigante trabalho, os transportando para as florestas encantadoras onde os sonhos hippies se entrelaçam com as estrelas. Eram as origens dessa cena ganhando visibilidade novamente por intermédio do Gandalf.

O vinil, acompanhado por um livreto de 12 páginas, com letras originais e fotos da banda inéditas, destaca uma cena prolífica personificada pelo único trabalho do Gandalf, oferecendo a mistura pouco ortodoxa de psicodelia, progressivo, hard rock, com estilos emergentes e experimentais da sua época.

Os anos 1970 trouxeram sonoridades em caráter experimental e esses novos sons, de fato testaram a capacidade de ousar muitas gravadoras no que diz respeito ao apoio a essas bandas que são igualmente ousadas, em criar um som totalmente novo e arrojado, diante de músicas plastificadas e óbvias, clacadas em um pop digerível e de fácil assimilação.

Hoje as bandas gozam dessa caminhada tortuosa e difícil de seus predecessores, além de ter tantas formas de audição e de alcance a essas sonoridades, tantas formas digitais de escolher, as redes sociais que difundem as novas bandas e solidifica, mesmo que em um ambiente underground, mas forte, de sonoridades que se dão ao luxo de ainda ganhar novos “braços” sonoros, sempre se renovando.

Por mais que o Gandalf tenha perecido na obscuridade nos seus primórdios foi, como tantas outras bandas de sua época, importante para a pavimentação de uma música tão poderosa e original que, sem dúvida, faz do rock sueco ainda muito criativo e vivo, poderoso e cheio de vida, de uma vida longa e próspera. O cantor e guitarrista Johan von Feilitzen mais tarde fundou a banda comercial de pop rock Hansa Band, uma banda sem mérito e com ainda menos qualidades prog.





A banda:

Johan von Feilitzen no vocal, guitarra e piano

Per-Åke Persson na bateria

Lars Linell no baixo

Mats Ågren no vocal, guitarra e piano

E Michael Schlomer na flauta

 

Faixas:

1- Plastisk Svensson

2- Morgon Dimman

3- Verklig Heten

4- Betygs Terror

5- Den Vita Snov

6- Miljo Forstoring

7- Vanderingar Om Skolan

8- Balladen Om Fyristorg

9- The Spoon 




"Gandalf" (1977)



























Nenhum comentário:

Postar um comentário