sexta-feira, 1 de maio de 2020

Pulsar - Halloween (1977)


Um dos grandes erros no rock é restringir em poucos países a sua importância e protagonismo e um dos argumentos é a questão quantitativa, o argumento de quem tem mais bandas surgindo nos Estados Unidos, Itália, Alemanha, Inglaterra, levando-se em conta, a música progressiva, por exemplo. O mercado fonográfico segue essas “tendências”, consolidando-as, em detrimento de outros tantos países que, apesar de apresentar desvantagens quantitativas não ficam atrás no quesito qualidade. 

Mas uma das poucas vantagens que se atribui aos dias contemporâneos que essa máxima, aos poucos, está caindo por terra, pois ferramentas de comunicação, tais como as redes sociais e internet faz com que as bandas obscuras e de centros poucos tradicionais surjam graças a abnegados fãs que as disseminam. É preciso globalizar a cena, principalmente a do rock progressivo, que não é tão popular atualmente, trazendo à tona bandas de países que não estão no topo da moda, as fronteiras não devem existir nesse caso. 

Então a próxima parada é na França com uma das bandas mais legais de rock progressivo daquele país chamada PULSAR. A banda foi formada em Lyon, em 1971 e o seu som, nos primórdios, tinha uma vertente mais psicodélica, experimental, bem viajante, que lembra o Pink Floyd e King Crimson. 

A formação original tinha os seguintes músicos: Jacques Roman (órgão, piano, sintetizador), Victor Bosch (bateria, percussão), Gilbert Gandil (guitarra, voz) e Philippe Roman (baixo), mas faltava algo, então eles recrutaram o flautista e músico de cordas Roland Richard. 

Pulsar

Em 1974 foi lançado seu debut, o belo álbum “Pollen”. Foi aclamado pela crítica especializada, apesar das baixas vendas e traz essa proposta que marcou a sua fundação. A visibilidade veio com o segundo álbum, “The Strands Of The Future”, tendo mais sucesso, com vendas superiores a 40.000 cópias, mas que seguia basicamente a proposta do primeiro álbum. 

"Pollen" (1975)

"The Strands of Future" (1976)

Mas a virada veio com o terceiro álbum, alvo desta resenha, chamado “Halloween”, de 1977. A banda passou a cantar em inglês com a nítida intenção de ganhar mais e novos mercados e mostrou um Pulsar mais maduro, com uma sonoridade mais particular e própria, arrojada, ousada, um rock progressivo sinfônico atípico, mais sombrio, soturno, obscuro, levando em conta que a presença da influência do Floyd e Crimson ainda esteja em evidência, mas com a cara e a concepção do Pulsar. 


A banda ainda estava em turnê divulgando o ótimo álbum “The Strands Of The Future” quando começaram a desenhar a concepção de “Halloween”. Apesar do sucesso de vendas de “The Strands of The Future”, o seu contrato com o selo Kingdom Records foi expirado e o mesmo não fora renovado.

Então assinaram contrato com a CBS, que logo incentivou a banda a escrever o material novo, nascendo o “Halloween”. Portanto, a banda trocou seu baixista, assumindo o instrumento Michel Masson e em seguida se mudando para uma fazenda nas montanhas da região de Savoy, onde a maior parte de seu trabalho fora escrito. 


Foram para o Aquarius Studios em Genebra com o ex-Yes Patrick Moraz ajudando na produção de “Halloween". É notório que este álbum foi o trabalho mais audacioso e ambicioso do Pulsar, tornando-o um dos mais importantes da história do rock progressivo francês e diria do mundo, sem dúvida alguma.

A formação da banda neste álbum consistia em: Jacques Roman no sintetizador, teclado e mellotron, Victor Bosch na batería e percussão, Gilbert Gandil na guitarra e vocal, Roland Richard no piano e flauta e Michel Masson no baixo. 

O álbum abre com "Halloween Parte I" com cerca de vinte minutos de duração abre com a voz de um menino muito aguda, introduzindo o ouvinte a uma música viajante e extremamente visceral no que tange a sua beleza, com ondas de mellotron, flautas e violão tocado delicadamente em uma atmosfera hipnótica e bela. Sons melancólicos, sintetizadores ao som de space rock e levadas sinfônicas são ouvidas nessa faixa, nos remetendo a abordagens floydianas e do velho King Crimson, sem contar com a viagem orquestral dirigida pelo mellotron. Excelente faixa!

"Halloween Part I"

“'Halloween Parte II'” tem mais ou menos a duração da faixa anterior. A diversidade sonora ainda se faz presente nesta faixa com adição de saxofone, violino e flauta, oferecendo também a levada space rock mesclado a um sinfônico bem elaborado e marcado. Percebem-se também linhas melódicas e harmônicas excepcionais tendo o vocal um grande destaque. 

"Halloween Part II"

“Halloween” mostra o ápice de uma banda que, a cada álbum que lançou, foi ganhando corpo e substância sonora, apresentando neste trabalho uma linha melódica incrível se tornando um álbum altamente recomendável. Um álbum introspectivo, cênico, com viés assustador, sombrio, mas deliciosamente sereno. 





A banda:

Jacques Roman no sintetizador, teclado e mellotron,
Victor Bosch na batería e percussão,
Gilbert Gandil na guitarra e vocal
Roland Richard no piano e flauta
Michel Masson no baixo

Com:

Sylvia Ekström (voz da criança na introdução da primeira faixa)
Jean-Louis Rebut  no vocal
Jean Ristori no cello e engenheiro
Xavier Dubuc nas congas


Faixas:

1 - Halloween Part I:

A - Halloween Song
B - Tired Answers
C - Colours of Childhood
D - Sorrow in My Dreams

2 - Halloween Part II:

A - Lone Fantasy
B - Dawn Over Darkness
C - Misty Garden of Passion
D - Fear of Frost
E - Time




"Halloween" (1977)






The Can - Monster Movie (1969)


O CAN se notabilizou e atingiu algum êxito comercial enquanto banda com o vocalista japonês Damo Suzuki e admito aos amigos que leem essas linhas que trabalhos posteriores desta seminal banda representante e pioneira do bom e velho krautrock são ótimos! 

O que dizer de “Tago Mago”, de 1971? E dos grandes álbuns “Ege Bamyasi” e “Future Days”, respectivamente lançados nos anos 1972 e 1973? Pois é, a fase áurea precisa ser enaltecida e reconhecida como a pedra fundamental da música experimental e progressiva da Alemanha, mas não podemos negligenciar o seu início, não podemos esquecer a fase inaugural dessa importante banda da cena krautrock, iminente movimento contracultural da Alemanha e que sintetizou uma revolução sonora e comportamental da juventude inquieta e descontente com o status quo daquele país. 

Can

E o Damo foi importante nesse momento importante do Can ou The Can, como era conhecido nos seus primórdios. Um japonês, que fez algum sucesso na Alemanha e que cantava em inglês. E foi nessa “babilônia” que ele, como um cometa, uma força da natureza, mexeu com as estruturas da banda germânica que foi formada em 1968 na cidade de Colônia.

Damo Suzuki

Mas quero falar do debut do Can, quero falar da gênese dessa banda que foi um símbolo de uma cena que foi o alicerce do rock n’ roll alemão, chamado “The Monster Movie”, de 1969. E por que falar de um álbum menos conhecido, menos “badalado” do Can? 

Pela sua representatividade histórica, pela sua importância, até hoje, para a música. Sempre quando o ouço ele me parece tão jovem, tão atemporal. Um som minimalista, mas que revela a expressão mais genuína e primordial de uma música que não envelhece e que dita “moda”, mesmo que os progenitores da moda não saibam ou fazem que não sabem de nada, afinal, para quem acha a música do Radiohead vanguardista, ouçam “Monster Movie” do Can e logo se aperceberão que estão redondamente equivocados. 

The Can em 1968

Falo do debut do The Can, que, como mencionado, usava o “The” antes do Can, pois o considero, juntamente com o outro seminal disco da cena chamado “Phallus Dei”, do Amon Duul II, lançado no mesmo ano, como um dos pilares do krautrock.

“The Monster Movie” configurou uma verdadeira revolução sonora que não se via na Alemanha pós-guerra há muito tempo. Dos escombros das grandes guerras surgiu uma música anarquista, crua, mudanças drásticas de paradigma passou a ser vista e ouvida nas ruas alemãs contra um status quo calcado em comportamentos conservadores, com uma cultura pop alienante com músicas que não retratavam os anseios de uma juventude ávida por mudanças sociais, políticas e econômicas, que lutava por um lugar ao sol. 

Eram tempos difíceis. Mas por outro lado, “Monster Movie” não se enquadrava em nenhum estilo, não dava a entender um segmento sonoro, eram tempos embrionários, de transições, de novas percepções sonoras. 

Os garotos do The Can estavam preocupados em personificar em sua música os seus instintos subversivos e não se enganem que eles estavam preocupados em mostrar virtuosidade, eram o oposto a tudo isso, mas ainda assim foram responsáveis por edificar a cena psicodélica tipicamente alemã e consequentemente a cena progressiva. 

Isso que é revolução! E os responsáveis por essa manifestação artística foram: Malcolm Mooney no vocal, Michael Karoli na guitarra, Irmin Schmidt no órgão e teclados, Holger Czukay no baixo e Jaki Liebezeit na bateria.


“Monster Movie” é uma verdadeira “salada” sonora, levando-se em consideração os estereótipos e os rótulos tão necessários para muitos nos dias de hoje, mas que sequer tinha uma nomenclatura naqueles remotos tempos. Mas já que os temos (estereótipos) atualmente, vamos a tentar nomear este ótimo álbum: psicodélico, improvisações experimentais, jazz fusion, progressivo de vanguarda, lisérgico, sombrio, em alguns momentos, contemplativo em outros. 

O trabalho emana subversão. Não gosto de comparações, mas o The Can é o Pink Floyd da Alemanha, para situar aqueles que se estão na zona de conforto e entendem que a banda britânica é a pioneira do experimentalismo no rock no mundo. Ah, quanta ingenuidade...

Mas antes de dissecar “Monster Movie”, falemos rapidamente de algumas curiosidades históricas do The Can e que molda a sua música e as mensagens políticas e anárquicas da banda. O The Can, como disse, foi formada em 1968, tendo como seus fundadores o tecladista Irmin Schmidt que tinha base e formação clássica e mesclou essa parte erudita com a lisergia e o minimalismo em voga na época. 

Irmin Schmidt

Era tudo muito agressivo e ameaçador. Fundaram também a banda o baterista inovador Jaki Liebezeit e o baixista Holger Czukay. A banda, no início se chamava “Inner Space”, mudando para “The Can” e finalmente “Can”, na sua fase mais conhecida. Segundo o baterista Liebezeit “CAN” era a abreviação para “Comunismo”, “Anarquismo” e “Niilismo”. 


Precisa dizer mais alguma coisa para definir o som da banda e de seu trabalho de estréia, “Monster Movie”? A obra abre com “Father Cannot Yell” que de cara já mostra a loucura chapante e lisérgica do CAN com sonoridades eletrônicas com uma pegada bem acid rock, bem hard que lembra Velvet Underground com muita agressividade e uma sonoridade crua e um destaque para cozinha coesa entre bateria e baixo que faz com que dancemos mesmo que inconscientemente. Demais!

"Father Cannot Yell"

“Mary, Mary So Contrary” começa com uma atmosfera meio space rock, com harmonias mais complexas, uma música viajante, uma balada transcendental, linda, uma obra-prima. Uma melodia cativante e contemplativa e que só não alçou voos por conta de questões geográficas, claramente.

"Mary, Mary So Contrary"

“Outside my Door” tem um pouco do pop sessentista, uma música simples, com uma batida simples e um vocal meio raivoso, quase gritado que ouso dizer que me remete aos acordes de um punk clássico, nova iorquino mesmo (Blasfemia?). E o que dizer dos acordes de guitarra? Riffs sujos, perigosos, ameaçadores, pesado. Proto punk não seria nenhum exagero.

"Outside my Door"

“Yoo Doo Right” fecha o disco com status de faixa épica e que sintetiza o que o The Can faria ao longo de sua brilhante trajetória na música. Psicodelismo, progressivo de vanguarda, dança hipnótica, viagem chapante, tudo você percebe ou ouve nesta música, é a síntese do movimento krautrock.

"Yoo Doo Right"

“Monster Movie” é um clássico não só do krautrock, da psicodelia alemã, é uma ode ao subversivo, uma tapa na cara do conservadorismo de uma sociedade que estava sendo vítima do genocídio cultural alemão que parecia que estava matando mais do que as grandes guerras mundiais. 

É a síntese do underground, mas que personificou a revolução musical da época e que até hoje dita regra, é referência, é atemporal. Tem o tempo nas suas mãos. Para se ter a dimensão da importância desse álbum, reza a lenda que Malcolm Mooney, logo após o lançamento de “Monster Movie”, saiu da banda para buscar um pouco de sanidade. Loucura sonora! 

O The Can mostrou a capacidade de inovar, de trazer uma nova e arrojada linguagem no rock aliando psicodelia que, em 1969, na época da feitura deste álbum, estava no auge do movimento hippie, do proto progressivo, jazz fusion e viagens experimentais aliadas a verdadeiras libertações criativas, fomentadas por jovens inquietos que até hoje parecem que não envelheceram.




A banda:

Irmin Schmidt nos teclados e órgão 
Jaki Liebezeit na bateria
Holger Czukay no baixo
Michael Karoli na guitarra
Malcolm Mooney no vocal


Faixas:

1 - Father Cannot Yell
2 - Mary, Mary, So Contrary
3 - Outside My Door
4 - You Doo Right 




The Can - "Monster Movie" (1969)





Codex Serafini – Serpents of Enceladus (2020)


Fazer música em dias pasteurizados e midiáticos se tornou um verdadeiro desafio. Um desafio para aqueles músicos e bandas que se permitem dominar pela liberdade criativa, sem amarras, sem filtros, sem deixar seduzir por questões comerciais, radiofônicas e dinheiro, muito dinheiro em troca. O desafio vem com a coragem de expor a sua arte, despida, mostrando as suas verdades, as suas percepções e visão de mundo. O Codex Serafini retrata com fidelidade a coragem de tornar tangível a sua arte sonora da forma mais original, arrojada e pouco ortodoxa em dias pseudo contemporâneos trajados de fascismo, conservadorismo, entre outros campos minados de intolerância. Eles se auto intitulam saturnianos que veio a Terra para mostrar a todos os seus habitantes para abrirem as suas mentes. Talvez seja essa a saída para que cada um de nós abandone uma postura tão frustrada, que não se permite conhecer a si próprio, libertar-se. E não se enganem que essa situação não se estenda ao rock n’ roll, tão conservador e chato a ponto de vilipendiar, rejeitar sonoridades alternativas sem ao menos ouvir e construir de fato seu senso crítico acerca de uma banda ou sonoridade. O aspecto estético do Codex Serafini também é particular e obscuro. Não revelam suas identidades, usando capas e vestimentas obscuras e soturnas, com longos cabelos que ocultam as silhuetas de seus rostos, focando essencialmente na música. 

Codex Serafini

Como eles dizem: “Você não precisa ver rostos ou corpos para se conectar com alguém em um nível mais profundo”. Ainda no aspecto visual e no contexto histórico, o nome da banda vem de uma enciclopédia sobre um mundo imaginário com um texto indecifrável com mais de mil desenhos feitos pelo artista e arquiteto italiano Luigi Serafini entre 1976 e 1978, chamado Codex Seraphinianus. A primeira edição do livro foi publicada em 1981. Em 2006 o livro foi relançado na Itália. O livro reinterpreta a zoologia, a botânica, a mineralogia, a etnografia, a arquitetura etc. 

Codex Seraphimianus

A escrita indecifrável da língua serafiniana expressa as seções, as legendas de desenhos e a numeração. Os desenhos lembram as pinturas surrealistas do grande pintor Salvador Dali e vai de encontro com a proposta das faixas do primeiro EP lançado pela banda Codex Serafini chamado “Serpents of Eceladus”, de 2020 onde a banda define: “Uma peça saturniana de cinco formas intercambiáveis, disfarçada de fato, situada no limite desconfortável entre surreal e fantasia”. O álbum traz homenagens e referências da grandiosa, mas também pouco compreendida cena alemã, chamada, pejorativamente, de krautrock com influências de bandas como Neu! e Can, com experimentalismo, improvisações baseadas em jazz rock, progressivo, guitarras lisérgicas e um vocal estridente, gritado e perturbador. “Serpents of Enceladus” é um álbum ácido, chapante e poderoso. A banda de Saturno, que definiu seu som como “Saturnian Rock”, de uma misteriosa cidade chamada “Enceladus”, aportou em Brighton na Inglaterra e conta com a seguinte formação: Tethys Cassini, Dione Cassini, Epimetheus Cassini, Janus Cassini e Mimas Cassini. Não se sabe se os nomes são verdadeiros e que instrumentos os mesmos tocam. O álbum começa com a faixa “Liber” com um som minimalista, com um peso calcado em riffs de guitarra e um saxofone dando um tempero mais jazzístico a música.

Codex Serafini - "Liber" (Clipe oficial)

“Cronus” começa ameaçadora e sombria com o destaque no vocal em uma espécie de ritual tendo como pano de fundo o sax lembrando a fase remota do King Crimson. “Janus” é mais chapante, lisérgica, viajante, com doses cavalares de um Pink Floyd da fase Barrett.

Codex Serafini - "Cronus"

“Fountains of Enceladus” é a mais pesada do álbum, com uma pegada hard psicodélica que alterna com atmosferas mais sombrias, capitaneadas pelo vocal. E fecha com “Speaking in Tongues”, a mais longa e progressiva, com pitadas de hard, do álbum. Tem uma forte influência do King Crimson em uma junção de sua fase transitória das décadas de 60 e 70 com a áurea fase de meados da década de 1970: pesado e psicodélico.

Codex Serafini - "Speaking in Tongues"

O Codex Serafini pode não ser revolucionário, trazer algo novo, mas merece todas as reverências pela coragem de mostrar a sua verdade artística personificadas em sua música em tempos de músicas simples, descaracterizadas e pasteurizadas.

A banda:

Tethys Cassini
Dione Cassini
Epimetheus Cassini
Janus Cassini
Mimas Cassini

Faixas:

1 - Liber
2 - Cronus
3 - Janus
4 - Fountains of Enceladus 
5 - Speaking in Tongues




Fleur de Lis - Facing Morning (1971)

Essa banda que vem da Escandinávia! Da fria região da Europa que traz uma banda e álbum calcados na improvisação, na música "chapada", com viagens psicodélicas, guitarras lisérgicas e pitadas bem generosas de um rock progressivo que ainda engatinhada em terras europeias.

O que era um esquecido, antigo e obscuro álbum que poderia, por exemplo, uma pequena fortuna no passado, atualmente uma cópia desse material seja original ou relançamentos custaria uma vultosa quantidade de dinheiro, dada a raridade e importância, que costumamos chamar de cult, desse trabalho psych prog para o rock dinamarquês e mundial, quem sabe.

A banda é o FLEUR DE LIS, talvez uma das primeiras da cena rock da Dinamarca que não é tida como parte do centro rock do planeta. Era uma época de transição do rock n’ roll, com a cena beat, psicodélica em declínio, com as intenções progressivas florescendo na Europa. O Fleur de Lis absorveu todas essas vertentes e, mesmo no auge da obscuridade, estaria fazendo história com o seu único álbum, lançado em 1971, chamado “Facing Morning”.

Os primórdios da banda, o embrião do Fleur de Lis começou em 1970, aproximadamente, na escola primária em Skive com Leif Nielsen Kramer e Kaj Olesen. Eles estudavam juntos e começaram a tocas música juntos também, mas sem pretensões profissionais, apenas para se divertir.

No Skive Gymnasium, os dois conhecem Svend Thomsen, e logo se encontraram o novo trio junto com outros jovens do Skive que também curtiam uma música. E foi nessa movimentação, nessa união, que nasceria Fleur de Lis. Eles só curtiam música e tocavam despretensiosamente, inspirados no som que estava em voga na época como Beatles, Rolling Stones e The Who.

A banda é resultado da fusão de duas bandas locais de nomes The Fog e The False Image. O nome “Fleur de Lis” foi dado por Svend quando estava folheando um dicionário e se deparou com “Fleur de Lis”, o nome de um lírio francês.

 Ele achou que o nome soava bem e, como na época existiam muitas e muitas bandas que tinham em seu nome o “the” no início, eles queriam trazer algo novo para a sua banda. Então foi definido que o nome da banda seria Fleur de Lis.

Quando a banda foi criada, já com o seu nome estabelecido, eles viram a possibilidade de seguir com uma carreira musical, achavam que tinham jeito para a coisa, de seguir em turnês e gravar discos etc. Então a banda logo começou a ensaiar, já tinha inclusive esboços que poderiam ser músicas em potencial e até alguns materiais já prontos.

Então o Fleur de Lis começou a fazer shows pequenos e contataram o dono da Quali Sound, Palle Juul, que tinha um estúdio em Nibe. A intenção era gravar uma demo com o que já tinham para que pudesse usar quando tivesse que tentar acordos para novos shows e quem sabe lançar um álbum oficialmente.

Então Leif Nielsen Kramer pegou emprestado o Opel 1900 de seus pais e, embalado com instrumentos e outros equipamentos, a banda partiu para Nibe, onde gravou uma demo em pouco tempo.

A música "Bad Looser" foi uma das primeiras músicas gravadas por Fleur de Lis. Os membros de outra banda chamada Birds of Paradise, que estavam no estúdio ao mesmo tempo e ouviram o Fleur de Lis gravarem a sua primeira música.

A Birds of Paradise era uma banda mais conhecida que o Fleur de Lis, mas acabaram se juntando e a música “Bad Looser” acabou sendo gravada em um álbum com eles. Inclusive Leif Kramer tocaria também por um tempo no Birds of Paradise.

O Fleur de Lis nesse momento tinha a seguinte formação: Svend Thomsen no órgão e teclados, Kaj Olesen na bateria, Leif Kramer Nielsen na guitarra, clavinete, vocal e composição, Peder Pedersen no baixo e violão e Bjarne Pedersen na guitarra.

E com uma formação e muito seguros de si, já com um punhado de canções prontas, Leif, que as escreveu, queria e estava determinado para gravar um álbum de verdade e sozinhos.

O Fleur de Lis teve a permissão para gravar o seu álbum na sala de música do Skive Gymnasium. Fizeram claro, algumas adaptações para que pudesse ter o melhor resultado possível nas gravações e colocaram tapetes como silenciadores e fizeram outras medidas, meio primitivas, para obter o melhor da sonoridade no seu novo álbum.

E foi com o técnico de som Kai Toft, tido pela banda, como o sexto integrante que apareceu, tendo grande participação no sucesso da gravação. Eles tinham equipamentos muito simples, mas Kai fez muita mágica para fazerem as coisas acontecerem, mas ainda assim, claro, tudo era muito difícil. Um fato interessante era que não podiam gravar em várias faixas, tendo que gravar todos os instrumentos e vocais de uma vez.

Se alguém cometesse um erro sequer teria que começar novamente, mas ainda assim se percebe alguns erros na produção final, isso é resultado de uma gravação “artesanal”. Posteriormente a música foi mixada no estúdio Quali Sound.

Assim nasceria “Facing Morining”, em 1971. Leif não ficou satisfeito com o resultado final e até achou que poderia ter feito melhor, mas é o preço que se paga por não ter a mínima estrutura e apoio da indústria fonográfica. Mas usaram esse material e queriam que Palle Juul e a Quali sound lançassem. Então foi lançado “Facing Morning” pago com o próprio dinheiro dos membros do Fleur de Lis.

A banda havia negociado com Palle Juul para fazer 500 cópias do álbum, mas não conseguiram, segundo o Fleur de Lis Jull os enganou, colocando poucos discos à venda, sendo ainda que cópias individuais foram mantidas pelos próprios membros da banda. Resultado: poucos discos foram vendidos. Reza a lenda que Svend vendeu a sua cópia a sua tia Bodil, tendo que comprar uma nova cópia.

A sonoridade de “Facing Morning” vai de um rock progressivo com excelentes passagens de guitarra, com solos bem elaborados e complexos, uma camada interessante de órgãos, tais como hammond e moog e vocais masculinos e femininos, além de um tempero psicodélico chapante e viajante. As letras são parte em dinamarquês e em inglês, com faixas instrumentais de muito bom gosto.

O álbum começa muito bem com “Home of Mind” com um vocal chapante e uma suave camada psicodélica de teclado e que, na progressão da música vai ficando mais pesado com um solo de guitarra simples e lisérgico, mas que dignifica o peso da faixa em seu final. 

"Home of Mind"

“Har I Set” segue na mesma linha da faixa anterior, com uma levada mais acústica, mais introspectiva, obscura. “Facing Morning” conta com um vocal feminino, meio operístico que me remete a Annie Haslam, ao estilo acústico, violão e voz.

"Har I Set"

“In Love” começa pesada com riffs de guitarra bem agressivos, um acid rock digno de terras norte americanas em meados da década de 1960 com uma cozinha bem entrosada, direta e crua, uma bela faixa instrumental.

"In Love"

“Why” começa com um órgão sacro e com uma guitarra viajante e psicodélica, uma excelente balada, uma das melhores faixas do álbum, sem dúvida, extremamente melancólica e triste.

"Why"

“Bad Loser” segue com a mesma proposta da faixa anterior, tensa, com uma atmosfera densa e introspectiva, tendo um protagonismo nos teclados e uma linha interessante de baixo.

"Bad Loser"

“Sympathetic Attitude” tem uma levada meio comercial, pop sessentista, uma espécie de beat dançante mostrando a veia psicodélica da banda. O álbum fecha com “Sneen” com um vocal praticamente à capela mostrando qualidade e uma intensa dramaticidade.

"Sympathetic Attitude"

Apesar de Facing Morning não ter sido um grande sucesso de vendas, os seis amigos continuaram a tocar juntos no Fleur de Lis. Eles tiveram permissão para pegar emprestado uma pequena casa de fazenda fora de Skive, que eles converteram em uma sala de prática. Além disso, havia espaço para sair e se divertir.

Tiveram muitas discussões que variavam desde questões musicais a políticas e isso fez com que o Fleur de Lis tivesse a primeira baixa, o baterista Kaj Olesen. Ele percebeu que não teria futuro diante de tantas discussões e resolveu sair e aproveitou para estudar em Horsens Red. Foi substituído por Per Schou.

Distantes da cidade, da badalação urbana eles conseguiram gravar músicas para um novo álbum. Mas era iminente que o Fleur de Lis estava prestes a se separar, era questão de tempo. Eles conseguiram gravar algumas músicas para um segundo álbum, mas o Fleur de Lis estava se desfazendo. Alguns músicos estavam concluindo o ensino médio e outros decidindo sair da cidade, então o fim se deu, o Fleur de Lis se desfez e o segundo trabalho nunca lançado.

O Fleur de Lis estava espalhado por toda a Dinamarca. Svend Thomsen trabalhou na DR em Holstebro e mais tarde veio para Aarhus, em 1978, onde viveu e trabalhou desde então. A música tem sido uma grande parte de sua vida, já que ele teve um grande papel no trabalho de desenvolvimento de conceitos de rádio, como Den Store Lysfest, que ele "inventou" junto com Poul Martin Bonde (porta-voz de imprensa do Smuk Fest para uma série de anos). Svend Thomsen também foi uma das forças motrizes por trás do Blå Hotel, que DR construiu junto com, entre outros, Henning Stærk.

Enquanto trabalhar com música preencheu a maior parte da vida de Svend, foi diferente para Leif Nielsen Kramer que parou de escrever música quando a banda gravou aquelas músicas que comporia o segundo álbum do Fleur de Lis. Após o colegial em Skive, ele se mudou para Aarhus, onde trabalhou como substituto de bicicleta em escolas primárias por três anos. Ele então se inscreveu novamente no Skive para fazer um curso de professor.

Por um longo período, Leif Nielsen Kramer morou na Groenlândia, onde lecionou. Terminou com ele voltando para Aarhus alguns anos atrás. Ele não está mais no mercado de trabalho, mas teve mais tempo para cultivar o interesse pela música. Ele compôs um musical e agora está associado à Academia Musical Dinamarquesa em Frederica.

Mas um evento especial estava por acontecer. Os seis membros originais do Fleur de Lis se encontraram e conversaram sobre os velhos tempos no Skive Airport que Kai Toft, possui hoje. Eles decidiram relançar “Facing Morning”, porque descobriram que o álbum se tornou um clássico cult ouvido por muita gente na grande web.

Em 2004 “Facing Morning” foi relançado com 1.000 novas cópias. Mesmo envelhecidos, os músicos mostraram-se felizes com o resultado do relançamento e com a repercussão positiva que teve na Dinamarca. Muitos revendedores já demonstraram interesse em difundir, vender “Facing Morning” em suas lojas.

Svend e Leif segurando o relançamento de "Facing Morning"

“Facing Morning” trazia um som pouco palatável, underground, mas relevante, poderoso, pouco usual, mesmo que a banda tenha tido uma breve, efêmera vida. Uma música que não se rendeu aos esteriótipos e adequou-se a um período de experimentação e de vários flertes sonoros. Pérola altamente recomendada.




A banda:

Leif Nielsen na guitarra, vocal e clarinete

Bjarne Pedersen na guitarra

Peder Pedersen no baixo e guitarra acústica

Svend Thomsen no órgão, teclados

 

Com (nas músicas que comporia o Segundo álbum):

Per Schou na bateria e clavinete

Pat Funell  nos vocais e backing vocals

Else Kristiansen nos backing vocals

Inge Kristiansen nos backing vocals

 

Faixas (original):

1 - Home Of Mind

2 - Har I Set

3 - Facing Morning

4 - In Love

5 - Why

6 - Bad Loser

7 - Sympathic Attitude

8 – Seen

 

Faixas (relançamento com as faixas que seria do Segundo álbum):

9 - East Hill Rag

10 - Settlement

11 - After The Settlement

12 - Gensyn I

13 - Gensyn Ill

14 - Wbn

15 - Mood 


Fleur de Lis - "Facing Morning" (Versão 1971)


Fleur de Lis - "Facing Morning" (Versão estendida 2004)