Sabe aquele moleque,
tipicamente brasileiro, que se espelha nos jogadores endinheirados e craques do
futebol mundial e fala: quero ser um Neymar! Quero ganhar dinheiro e jogar no
Barcelona e fazer muitos gols e fazer muito sucesso! Sim, o futebol faz parte
da nossa cultura e as escolinhas de futebol espalhadas pelo Brasil é um celeiro
de sonhos de crianças que querem ganhar o mundo.
Mas, para variar, sempre há as
ovelhas desgarradas que seguem o caminho mais difícil e que parece fazer questão
de ser um marginal, caminhar nos subterrâneos utópicos e decide fazer música! E
pior: fazer rock n’ roll sem amarras, que deixa fluir a criatividade, sem se
tornar um produto pasteurizado. Assim é o multi-instrumentista RAFAEL DENARDI!
Rafael Denardi
Rafael é o exemplo do
“operário do rock” fiel, na verdadeira acepção da palavra. Sofre como muitos
músicos que não vivem de jabás da indústria fonográfica ou que vende a alma
sonora para ter sua música nos dials radiofônicos, para mostrar a sua arte,
batendo de porta em porta para viabilizar seu sonho e ter uma carreira e viver
dela, da sua música.
Trabalham de sol a sol, tem seus reveses, é pouco
reconhecido. Mas segue! Segue lutando, porque acredita no que faz, é
persistente porque encontra as suas verdades em cada nota musical que concebe
que cria. E essa situação se reflete perfeitamente no seu segundo e belíssimo
trabalho, lançado em 2020, chamado “Adios Rick”. Mas antes de falar desse EP do
Rafael Denardi, é preciso voltar no tempo para explicar o Rafael músico, o
Rafael moleque que, ao contrário de muitos outros que empunhavam uma bola e
que queria ser um astro do futebol, ele começou a querer, desde cedo e, incentivado pelo pai e
vizinho, a ser um músico.
O rock progressivo foi a segunda vertente que ele descobriu. Claro que o
garoto, além de querer ser músico, ouvia música pesada, heavy metal e afins. E,
vale conferir o último trabalho do cara, também lançado em 2020, chamado “Two
Handfuls of Rock”, um verdadeiro petardo que mescla hard rock setentista,
stoner rock e hardcore. Tendo ainda outro álbum, o seu debut, lançado em 2014, chamado de "One".
O pai ouvia algumas coisas, conhecia algo aqui ou acolá, mas ele tinha um vizinho que tinha uma invejável coleção de CDs de rock progressivo, que ia de Gentle Giant até Ozric Tentacles. Então o jovem Rafael pediu ao seu vizinho para gravar algumas cópias das bandas que ele mais apreciava e ouviu até dizer chega, até os CDs ficarem gastos.
"Two Handfuls of Rock"
O pai ouvia algumas coisas, conhecia algo aqui ou acolá, mas ele tinha um vizinho que tinha uma invejável coleção de CDs de rock progressivo, que ia de Gentle Giant até Ozric Tentacles. Então o jovem Rafael pediu ao seu vizinho para gravar algumas cópias das bandas que ele mais apreciava e ouviu até dizer chega, até os CDs ficarem gastos.
“Adios Rick” é um
resultado de suas peraltices de criança marginalizada e desgarrada que preferia
ouvir rock progressivo a jogar bola nas ruas de São Caetano do Sul, onde nasceu
e vive até hoje. Nas palavras do próprio Rafael Denardi: “Quis criar algo
progressivo e setentista porque foi exatamente esse gênero e esse período que
me tornaram um apaixonado pela música, por baixo e pelo Rickenbacker.”
É um
compilado de sua vida, de sua infância pouco ortodoxa. O EP traz influências
sólidas e evidentes de bandas do submundo do hard progressivo alemão, da
agressividade germânica, da complexidade pesada do Emerson, Lake & Palmer e
do velho Galo Atômico, do Atomic Rooster dos tempos mais viscerais do grande
vocalista e guitarrista John Du Cann! A propósito Rafael Denardi
se comparou ao vocal, segundo ele, esganiçado, de Du Cann!
O rapaz definitivamente é muito humilde, uma humildade que se rompe pelo talento que tem. E esse talento se multiplica pelos instrumentos que toca sozinho neste trabalho. É isso mesmo: Rafael toca todos os instrumentos em “Adios Rick”! A bateria virtual, o seu melhor amigo, o baixo Rickenbacker, os teclados virtuais, assinou a produção (caseira e artesanal) e a concepção do álbum, compôs as músicas, como um trabalhador brasileiro, fez e faz tudo, sem esmorecer!
John Du Cann
O rapaz definitivamente é muito humilde, uma humildade que se rompe pelo talento que tem. E esse talento se multiplica pelos instrumentos que toca sozinho neste trabalho. É isso mesmo: Rafael toca todos os instrumentos em “Adios Rick”! A bateria virtual, o seu melhor amigo, o baixo Rickenbacker, os teclados virtuais, assinou a produção (caseira e artesanal) e a concepção do álbum, compôs as músicas, como um trabalhador brasileiro, fez e faz tudo, sem esmorecer!
E o seu inseparável amigo, o baixo Rickenbacker, é a razão do nome
de seu EP e aqui vale a pena ler a história. Rafael perdeu seu emprego no
início de março deste ano, mas tinha umas reservas monetárias que logo se foi e
se viu obrigado a vender seu inseparável baixo. Que decisão terrível para um
músico! Começou a procurar compradores e um cara de São Paulo deu um lance e
ainda ofereceu um Giannini AEB010, a réplica nacional do 4001.
Então, desse
sentimento de perda, saiu o “Adios Rick”, daí o nome. O processo de composição
e gravação de “Adios Rick” veio no começo de junho, surgindo um riff no seu
baixo rapidamente. Foi adequando as ideias ao seu estilo de tocar dando
contornos ao trabalho. E é assim que começa a primeira parte do álbum, a faixa
inaugural, intitulada “Adios Rick Part I e II”.
Poderoso, dinâmico,
avassalador, o baixão rickenbacker pulsando forte, a bateria marcada, teclados
acompanhando o ritmo e trazendo uma atmosfera progressiva e complexa ao som
que, ao mesmo tempo, é passional, visceral e agressiva. Rafael quis fazer
versos mais memoráveis e fáceis de digerir porque sobre eles que construiu toda a narrativa da música, então, segundo
ele, não dá para encher o ouvido do seu público de informação. “E a segunda
parte, mais bagunçada e agressiva, simboliza que algo realmente mudou. O
panorama econômico mudou e o único bem que poderia se desfazer e que lhe daria
um conforto financeiro por um tempo era o baixo”, então era uma transição
natural entre dois momentos, completou Denardi sobre esse fragmento do “Adios
Rick”.
“Adios Rick Part III”, mais
curta, mais pesada e agressiva, traz o personagem principal, o bom e necessário
“rick”, em um solo desconcertante e pesado que, nas palavras de Rafael Denardi
significa, no contexto da mensagem, um momento para expurgar sentimentos ruins
e a raiva que sente com a atual situação horrível pela qual o Brasil passa deixando sua sociedade
vulnerável e de joelhos, sendo capitaneadas por boçais governamentais. Com uma
bateria introdutória mais jazzística, diria. Os teclados, mais frenéticos e
caóticos, torna essa percepção mais tangível, nota-se uma evidente referência
de Keith Emerson por aqui.
“Adios Rick Part IV e V”
traz um belíssimo desfecho, mais elaborada, com uma “queda” para um progressivo
mais genuíno com influências das bandas mais pesadas da Inglaterra, com o protagonismo
do teclado e bateria, tendo o baixo como mero coadjuvante, dando uma camada
menos densa e mais trabalhada a faixa, de quase oito minutos de duração. Mais o
baixo logo ganha destaque na metade da música, fazendo um salutar dueto com o
teclado. Rafael Denardi envelopa, com resquícios de raiva, o conceito da
música, do EP.
O processo de gravação foi
feita parte a parte, com a bateria virtual, depois os teclados que também é
virtual e depois o baixo. Denardi confessa ainda que nunca tinha feito uma
composição sequer de teclado e em “Adios Rick” foram doze solos! Um verdadeiro
desafio que se permitiu fazer. Um trabalho ousado para a sua história, embora
curta, mas cheia de significados e momentos pouco lineares. Nesse período
oficializou a venda do seu tão querido baixo rickenbacker, conseguindo adquirir
uma réplica. Tudo fora gravado e mixado em sua casa, gravando os vocais em um
estúdio no Centro de São Paulo. “Adios Rick” teve duas capas: uma para
lançamento e promoção, que foi feita pelo próprio Rafael Denardi e a outra pela
ilustradora paulistana chamada Ingrid Koritar.
Capa de "Adios Rick" criada por Rafael Denardi
Capa concebida pela ilustradora Ingrid Koritar
Um trabalho concebido, como
muitos na história do rock n’ roll, em momentos de adversidade, de
dificuldades, de provações, que faz colocar á prova o músico, o homem, que olha
para o seu passado, ainda se delineando pelas predileções pelo rock progressivo
e o músico que vem tomando forma do presente. As várias personificações do Rafael
Denardi se encarando, se olhando e, diante dos desafios da vida, vai edificando
a sua verdade sonora. Assim é “Adios Rick”, a sua relação com a música e todos
os reveses externos que o edifica.
A banda:
Rafael Denardi nos vocais,
na bateria e teclados virtuais e no baixo rickenbacker
Faixas:
1 – Adios Rick Part I e II
2 – Adios Rick Part III
3 – Adios Rick Part IV e V
Audição de “Adios Rick” no
Bandcamp:
E Download: