segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Toad - Open Fire (Live in Basel 1972 - 2005)

 

O texto hoje assumirá um caráter de homenagem. Não que os outros que estão registrados neste humilde e reles blog não sejam, mas esse lamentavelmente tem um ensejo póstumo. No primeiro dia de novembro de 2023 o virtuoso e grandioso guitarrista italiano, baseado na Suíça, Vittorio Vergeat, nos deixou.

Talvez para muitos apreciadores de rock n’ roll esse nome não seja lembrado, esteja no ostracismo, nos porões empoeirados do estilo, mas se tratou de um dos melhores e mais influentes dos guitarristas que o mundo testemunhou nos últimos cinquenta anos!

É sabido que é mais salutar que as homenagens devem ser feitas em vida, mas quis as circunstâncias que Vic Vergeat, como era conhecido, nos deixasse tão prematuramente, antes de ter um texto sobre a banda gigante, porém pouco comercial, que fundou: o TOAD.

Vic Vergeat

Embora, como disse, o Toad não tenho gozado, ao longo das décadas, de fama, sucesso, se tornou emblemática pelo menos na Suíça, sendo, sem sombra de dúvida, uma das precursoras do heavy rock, do proto stoner naquele país. Se tornou também um ponto fora da curva quando se tratou de apresentações ao vivo. A banda se notabilizou em seu país por sua ferocidade, musicalidade e algumas “travessuras”, se é que me entendem, no palco, principalmente quando Vic tocava guitarra com os dentes, algo que emulou de sua grande inspiração no instrumento: Jimi Hendrix.

Então já que falei das poderosas apresentações ao vivo do Toad, nada mais interessante falar de um registro ao vivo avassalador que, apesar de ter acontecido na cidade de Basel, em 1972, foi lançado apenas em 2005, levando o nome de “Open Fire – Live in Bassel 1972”.

O Toad passou por várias mudanças de formação ao longo de sua trajetória, mas construiu os seus melhores e mais criativos momentos com o seguinte line up: Vic Vergeat na guitarra e vocal, Werner Fröhlich no baixo e voz e Cosimo Lampis na bateria.

Mas antes de passear na história do Toad e de seu registro emblemático ao vivo, “Open Fire – Live in Bassel 1972”, vamos falar um pouco também da história de Vic Vergeat, o nosso também homenageado.

O Toad clássico

Vittorio Vergeat nasceu e viveu na Itália até os quinze anos de idade, se mudando para Ticino, na Suíça. Começou, nesta mesma idade, a tocar violão, um autodidata, gravando sua primeira música com um produtor com certo renome precocemente e logo começou a se apresentar com uma banda que tinha gêmeos cantando. Com quinze anos também lançou um single que foi traduzido para o inglês com uma banda chamada “The Black Birds”, que tinha um ótimo cantor com o dobro de sua idade.

Em 1969 decide tentar a sorte em Londres. Lá chegou a tocar brevemente com uma banda que nascia e se chamava Hawkwind! Sim! Vergeat foi o guitarrista original do Hawkwind! Mas apesar da pouca idade e do talento prodigioso na guitarra, o relacionamento com os outros caras do Hawkwind não era dos melhores, sempre brigando. Diante da falta de perspectiva em Londres e das intensas brigas com o Hawkwind decidiu largar tudo e voltar para a Suíça, baseando-se em Basel.

Em Basel havia uma banda de psych rock, de krautrock chamada Brainticket que estava meio alinhada aos que os alemães da cena kraut estavam fazendo em seu país natal e que estava fazendo algum sucesso na Suíça. Na realidade a banda tinha músicos da Alemanha, da Suíça, da Itália. Era uma banda, digamos, “multinacional”.

Vergeat se aproximou dos caras e tal proximidade fez com que Cosimo Lampis e Werner Frohlic, baterista e baixista, respectivamente se juntassem a ele para formar uma nova banda, o Toad. E como os caras não se sentiam bons vocalistas o “time” se completou com Benjamin Jaeger. Mas Cosimo e Werner, antes de sair do Brainticket, ajudaram a gravar o debut da banda chamado “Cottonwoodhill”, gravado em 1970 e lançado em 1971.

Brainticket - Cottonwoodhill (1971)

Com o Toad formado, isso em 1970, eles precisavam, claro, fazer shows, compor para lançar seu novo álbum. O primeiro show da banda aconteceu em Zurique e a banda foi, para variar, muito bem recepcionada, os moleques curtiram e muito a ferocidade do Toad no palco. Depois tocou em Ticino. A banda ainda não tinha nome. Precisavam criar um nome para facilitar a sua divulgação. Vergeat, antes do show começar, decidiu dar uma volta nos jardins do clube em Ticino e viu um sapo, foi daí que veio a inspiração para o nome da banda: Toad!

Apesar da banda, ainda jovem, não ter uma formatação em seu estilo de som, afinal era muito cru, estava nítido que o Toad tinha a vontade de seguir a linha dos “power trios” muito comum na época, como Blue Cheer, Cream, Mountain, Jeff Beck Group, Experience, de Hendrix etc. O som era um volumoso hard rock, com pegadas blueseiras bem pesadas. É notadamente um som voltado para o proto metal e proto stoner, muito solar e pesado.

O Toad logo ganhou alguma visibilidade recebendo ofertas para tocar em vários lugares na Suíça. A banda foi encorpando público de forma natural, graças, principalmente às suas apresentações ao vivo e ao seu primeiro álbum, homônimo, que seria lançado em 1971.

"Toad" (1971)

Tal trabalho foi concebido em um estúdio em Londres, após assinatura de contrato com a “Hallelujah Records”. O dono da gravadora foi extremamente legal com os caras do Toad, embora eles tenham gravado em uma semana, afinal, estar em estúdio era caro, principalmente para uma banda nova como o Toad. “Toad” foi mixado por Martin Birch, lendário produtor que trabalhou, entre outros, com o Deep Purple. A banda fez mais de 200 shows por toda a Suíça.

Um ano depois, em 1972, a banda lançaria seu segundo álbum, “Tomorrow Blue”. Esse trabalho traria uma veia mais “blueseira” mas sem deixar de lado, claro, seu hard rock potente e poderoso. Vergeat assumiria os vocais, pois Benjamin Jaeger sairia da banda, ao fim da produção do primeiro álbum. Martin Birch assumiria também a produção deste álbum. Assim nasceria o Toad no “formato” power trio, o que sempre sonhou Vic Vergeat. Um dos grandes e subestimados “power trios” da história do rock n’ roll nos anos 1970.

Com o lançamento de “Tomorrow Blue” a banda sairia em turnê, claro, afinal, o segredo do Toad estava em sua energia ao vivo, nos palcos. A cada show que realizava, o seu público aumentava, ganhava corpo. As casas, algumas pequenas, já não comportava os jovens que passavam a seguir o Toad e todo o seu belicismo sonoro.

"Tomorrow Blue" (1972)

Um dos shows mais significativos e importantes foi na cidade de Basel, em 1972, intitulado “Open Fire – Live in Basel”, que viria a ser lançado em CD, apenas em 2005, será alvo de nossa resenha de hoje para homenagear Vic Vergeat, sintetiza fielmente, além das influências de Vic e companhia, como toda a força, a consistência e poderio do hard rock da banda suíça. Inclusive este ao vivo contempla faixas eternizadas e escritas por Jimi Hendrix, como: “Red House” e “Who Knows”.

Então falemos de “Open Fire”. O álbum é inaugurado com a faixa título do segundo álbum, “Tomorrow Blue”. A introdução, ao estilo “bluesy” contagia, anima, é dançante. A bateria, cadenciada, mas pesada, dá o tom do poderio bélico dessa faixa. A propósito essa faixa, em sua versão ao vivo, ganhou vida, mais peso, a banda se permitiu improvisar, ousar em alguns momentos, tanto que atinge os 14 minutos de duração. Guitarras explosivas, distorcidas, baixo marcado e pulsante. “Tomorrow Blue” é um verdadeiro arrasa quarteirão!

"Tomorrow Blue" (Live in Basel 1972)

Segue com “Thoughts”, também do segundo álbum, que já diz a que veio logo no início. Riffs pesados de guitarra, “cozinha” afinada dando o tom, com a bateria pesada, indulgente, os pratos parecem voar. Baixo intenso, galopante. Aqui é a personificação do hard rock sem arestas, puro e bruto.

"Thoughts" (Live in Basel 1972)

A sequência tem a sugestiva faixa “Blues”. Como nome já entrega aqui impera o blues rock. A guitarra viaja entre o “bluesy” e o hard rock nos seus momentos, claro, mais pesado. Bateria marcada, cheia de viradas, mas sem deixar de lado o peso. O baixo segue o compasso e traz algum groove.

"Blues" (Live in Basel 1972)

“Pig’s Walk”, faixa do primeiro álbum, de 1971, começa indulgente com a riffs poderosos de guitarra que logo se entrelaçam com solos avassaladores. Não traz tanto virtuosismo, mas dá conta do recado trazendo um “tempero” pesado. Pesado é o nome ideal para essa faixa! Aqui o proto metal parece reinar, com direito a solos de bateria e tudo o mais!

"Pig's Walk" (Live in Basel 1972)

E eis que surge o clássico eternizado por Jimi Hendrix, “Red House”. A pegada do blues rock que notabilizou Hendrix e que serviu de inspiração para Vic Vergeat e sua trupe parece emulada com sucesso nessa versão. Blues rock mesclado ao hard rock, com groove, balanço e consistência.

"Red House" (Live in Basel 1972)

E fecha finalmente com outro clássico de Hendrix, “Who Knows”. A pegada dançante é delineada pela guitarra, um dedilhado simples, mas genial de Vic dá o tom e abre os trabalhos nessa faixa que não despreza o hard rock, mas traz uma boa cadenciada que se torna inevitável dançar e “bater” a cabeça.

"Who Knows" (Live in Basel 1972)

O Toad ficou um tempo sem gravar material, depois de “Tomorrow Blues”, até que em 1974 começa a preparar o seu terceiro trabalho de estúdio, “Dreams”, que seria oficialmente lançado em 1975. Vic fala com muito carinho desse álbum, dizendo em algumas entrevistas que o processo de gravação foi muito leve, prazeroso.

"Dreams" (1975)

Mas a crítica já não olhou com bons olhos esse lançamento. Em “Dreams” o Toad notadamente direciona sua sonoridade para uma pegada mais “funk”, alguma mais groove, o que não deixa de ser percebido, em menor “dosagem” nos álbuns anteriores. Era fato também que os teclados e o piano suavizariam um pouco a sonoridade da banda neste álbum, porém era nítida a intenção da banda explorar novas sonoridades.

“Dreams” foi lançado pelo pequeno selo “Frog”. O álbum foi lançado apenas na Itália. O nível de atividade da banda diminuiu significativamente, mas não impediu que o Toad continuasse com as suas poderosas apresentações, dando-lhe o status de uma das grandes bandas ao vivo dos anos 1970. Mas o Toad não conseguia sucesso comercial nos Estados Unidos e Inglaterra, o que era intenção de Vic Vergeat.

Então o inevitável acontece com a saída de Vic Vergeat e o fim, em 1975, do Toad. Assim Vic foi para a América e o Reino Unido tentar a sorte. Gravou um álbum solo com a intitulada “Vic Vergeat Band” chamado “Down to the Bone”, em 1980 que saiu pelo selo “Capitol”. De fato, um belíssimo álbum que foi produzido pelo ícone produtor alemão Dieter Dirks, que mostra o hard rock com uma pegada mais radiofônica. Até que deu certo, porque Vic saiu em turnê com bandas do naipe de Nazareth e o Aerosmith.

Vic Vergeat Band - Down to the Bone (1980)

Show de divulgação do álbum na Alemanha (1980)

Mas Vic Vergeat parece nunca ter esquecido de seu “filho” pródigo, o bom e velho Toad. A banda se reuniu, de forma esporádica, nos anos 1980, mas não lançou nenhum material novo.

Porém reformulou a banda no início dos anos 1990 com um novo baixista e contando ainda com Cosimo Lampis, na bateria. Dois novos álbuns foram finalmente lançados: “Hate to Hate”, em 1993 e “Stop this Crime”, em 2001.

Um guitarrista à frente de seu tempo, um músico vanguardista que, mesmo diante de reveses comerciais que o manteve, juntamente com a sua banda, à margem do protagonismo, Vic Vergeat e o Toad conseguiram construir uma cena, se tornando referência no estilo e em todos os outros que porventura viriam mais à frente. Fica o seu legado para a sua eternidade.




A banda:

Vic Vergeat no vocal e guitarra

Cosimo Lampis na bateria

Werner Froehlich na bateria


Faixas:

1 - Tomorrow Blue

2 - Thoughts

3 - Blues

4 - Pig's Walk

5 - Red House (Hendrix)

6 - Who Knows (Hendrix)



Toad - "Open Fire - Live in Basel (1972-2005)"