sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Black Zé - Só para os Loucos...Só para os Raros (1975)

 

Em tempos tão bicudos, sombrios, exaltar o “produto” brasileiro pode ser deveras arriscado. Não pelo fato que tais produtos sejam ruins, de conteúdo discutível no que tange a qualidade, mas que seja acusado de ufanismo e com isso vir a cascata de adjetivos pouco agradáveis, como fascista, ultraconservador etc.

Claro que também a definição de “conteúdo” é um tanto quanto subjetivo, mas valorizar ou buscar valorizar o que é nosso pode se tornar um risco ou porque vivemos, fomos doutrinados a perceber que nesta terra nada tem de bom.

Mas de uns tempos para cá, com a experiência de vida e a mínima capacidade de se posicionar e mostrar a indignação de algo que te incomoda, não tenho me importado muito com a opinião alheia, sobretudo quando vem carregada de frustrações e nada construtivo para o seu caminho evolutivo.

E este reles blog que você, caro e distinto leitor, lê, tem me ensinado muito, não apenas na disseminação da informação, das histórias das bandas e seus feitos artísticos, mas me tem fomentado ou pelo menos me estimulando para tal, a garimpar certos trabalhos, certas bandas e álbuns verdadeiramente incríveis, muito bons.

E principalmente me estimulado a conhecer bandas brasileiras, mas bandas brasileiras mesmo, não aquelas que importam e “vestem” a sonoridade gringa, não tendo o mínimo de capacidade e qualidade para fazer algo que nos remeta à nossa cultura com o rock n’ roll.

É fato que podemos elencar aqui algumas grandes bandas que apresentam tais nuances sem descaracterizar o estilo de música de que tanto amamos, mas que assume uma posição de pioneirismo neste estilo em nossas terras são poucas. Muitas que reivindicam ou bradam aos quatro cantos que se dizem aqui no Brasil precursoras no rock entregam sonoridades pouco originais no que tange a tal da “brasilidade” e não entendam isso como ufanismo, mas a afirmação do que somos, em todos os aspectos, enquanto nação, sociedade.

E eu, por uma grata surpresa e alegria, em mais uma de minhas incursões e garimpos pela grande rede, tive a alegria de descobrir uma banda brasileira, mais precisamente do Rio de Janeiro, tida como a terra do samba, uma banda de rock exemplar e que enaltece verdadeiramente, genuinamente, o DNA da nossa cultura. Falo da banda BLACK ZÉ.

Black Zé

A banda já trazia o bom humor e a irreverência típica de nosso povo já no seu nome. Infelizmente por se tratar de uma banda obscura, pouco conhecida, não se sabe ao certo a inspiração pelo nome, mas a simbologia da cultura brasileira no nome “Zé”, com a sua simplicidade, juntamente com o “Black”, mostra que, me perdoem a licença poética, o “Black” comum à época, nos anos 1970, em alguns nomes de bandas britânicas e o “Zé” que traz a “cara” brasileira, a versão brasileira do rock n’ roll com as suas leituras bem peculiares e sim, caros leitores, o Black Zé tem suas peculiaridades sonoras bem definidas e o melhor: convincentemente boa, muito boa.

Mas como aqui se preza pela história, vamos, sem mais delongas, a ela. O Black Zé foi formado em 1972, completando, nesse ano, 50 anos, no Rio de Janeiro e apesar de ser considerada atualmente como uma banda “cult” e até pouco conhecida, nos seus primórdios levou as suas letras e melodias, com muito rock e brasilidade, para todos os cantos deste país, mas firmou as suas bases na bucólica cidade imperial de Petrópolis.

A guitarra e percussão, aquela dose latina, com uma sonoridade dançante, envolvente e muito solar eram as tônicas de sua música e com isso, com os seus shows também, claro, fez com que o Black Zé ganhasse alguma visibilidade, repercussão.

E os grandes palcos brasileiros à época testemunharam a presença única do Black Zé, principalmente aqueles que estavam nas principais capitais do país tupiniquim. De shows memoráveis em casa de shows petropolitanos como o “Senzala” e no “Hotel Quitandinha”, como na PUC de São Paulo ou até no Museu de Arte Moderna, no Rio, palco este que recebeu grandes bandas na década de 1970, além do Teatro Casa Grande, também no Rio.


E palcos conhecidos como a cerne, a nata das manifestações culturais que fervilhavam os ímpetos pelo descontentamento da censura que, nos anos 1970 estavam no ápice da violência em prol da censura. E lá estava o Black Zé que, por natureza, exalava contestação, a versão brasileira da contracultura em um período nefasto e sombrio da antidemocracia.

O rock é ou pelo menos era um veículo de contestação, da oposição ao “status quo”, daquela época, de todas as épocas e o Black Zé representava essa condição e, muito antes de muitos garotos que pensavam em mudar o mundo com as suas rebeldias, o Black Zé, já com seus instrumentos, empunhados como armas da revolução, vociferava a sua ojeriza pelos censores, pelos ditadores do Brasil. E diga-se de antemão, instrumentos potentes e de excelente qualidade!

E aqueles públicos que foram impactados pelos shows voluptuosos do Black Zé testemunharam não apenas um show lisérgico, poderoso, pesado da banda, mas o início da revolução pela democracia, em prol dela, mesmo que, os garotos, os também garotos do Black Zé, não percebessem tal façanha.

Mas então, diante dessa estrutura de palco, de produção de palco, de shows em grandes palcos, e de instrumentos de grande qualidade, por que o Black Zé não atingiu o êxito comercial? São coisas de nossa indústria fonográfica que não é diferente das indústrias fonográficas de outros países! Porém antes de tentar responder a essas perguntas cada vez mais complexas, apresentemos a banda: Luiz Roberto Peçanha, conhecido como “Roberto Planta” no vocal, Richard Brokaw, conhecido como “Inglês” na guitarra, Thomas Brokaw no baixo, Mauro Sant’anna, conhecido como “Conde Borromeu”, na bateria e Márcio Aguinaga na guitarra, além de Guilherme Valle, conhecido como “Bill Valley”, na guitarra. Valle tocou na segunda versão da banda e nos lançamento do álbum único do Black Zé fora creditado como membro da mesma.

Embora o Black Zé tenha tido alguma representatividade na década de 1970 com a sua música extremamente arrojada, não conseguiu produzir material suficientemente consistente para uma discografia longeva, tendo apenas um álbum lançado, em 1975, com o título mais do que adequado chamado “Só para os Loucos...Só para os Raros”. Nada como um título que basicamente sintetizou toda uma geração neste país, bem como a sua sonoridade, a sonoridade daqueles que amavam o rock n’ roll e tudo o que esta vertente significou para aqueles temidos anos de chumbo.

Bem a base sonora do “Só para os Loucos...Só para os Raros” já foi dissecada aqui, mas vale falar, ou melhor, escrever novamente sobre. Traz um rock mais pesado, talvez um hard rock com referências tipicamente brasileiras e latinas com um salutar confronto entre guitarras e percussão e algumas pitadas de psicodelia.

E vale salientar que, aos que já ouviram essa pérola do nosso rock, vai perceber que, diante da excelente qualidade na gravação e também do revolucionário som do Black Zé que parece que o álbum fora concebido nos anos 1980 e até nos 90, mostrando que a banda esteve muito a frente do seu tempo.

Diante de uma escassez de informações na grande rede para a busca de referências para a confecção desse texto, algumas “lendas” envolvem o “Só para os Loucos...Só para os Raros”. É consenso que esse álbum fora gravado em 1975, mas reza a lenda de que, em virtude da falta de interesse e apoio da indústria fonográfica a esse trabalho, o álbum não foi lançado naquele ano, sendo, de forma totalmente independente, ganhando a luz apenas nos anos 1980. Esse fato histórico corrobora a pergunta feita, neste texto, anteriormente, de como que um álbum excepcional como este, com uma banda tão competente como essa, não ter tido uma longevidade discográfica, principalmente! Eis a resposta! E, mesmo lançado nos anos 1980, conforme alguns dados indicam, sem nenhum interesse por parte de nenhum selo, nenhuma gravadora.

O fato é que hoje o Black Zé, graças aos abnegados pela música obscura, pelo rock n’ roll e algumas ferramentas de comunicação, o “Só para os Loucos...Só para os Raros”, tem tido uma visibilidade maior que no passado.

Então falemos dele, faixa a faixa! O álbum é inaugurado com a música “Só Para Os Loucos” que traz o peso da guitarra e bateria, pesada e marcada, dita o ritmo meio pesado, meio dançante da faixa. Solos simples, mas cativantes, de guitarra dá o tom também. Já começa intensa e solar! Aqui cabe uma curiosidade sobre essa música. Muitos já tocaram e gravaram essa faixa, principalmente pelo Sodré e o cantor Ventania que, inclusive assumiram a autoria da música que já estava registrada na escola Nacional de Música do Rio de Janeiro. A música também foi usada, sem autorização, no filme “Com Licença eu vou a Luta”, estrelado por Fernanda Torres e em uma novela da TV Globo.

"Só para os Loucos", ao vivo no Rio de Janeiro, 2000

“Vôo Do Urubu” traz o triângulo, instrumento típico do forró, abrindo a música em perfeita harmonização com riffs pesados de guitarra. A sonoridade traz o regionalismo aplicado perfeitamente ao rock n’ roll ao estilo Ave Sangria, seminal banda brasileira e nordestina, mas o Black Zé adicionou o peso do hard rock.

"Voo do Urubu"

“Cilada” já revela a faceta do blues rock, a lamentação do blues, mas com o toque solar da música brasileira. Um tom de dramaticidade com peso e muita personalidade.

"Cilada"

Na sequência temos “Onde é?” com uma textura mais voltada para um hard rock mais radiofônico, diria, com uma pegada meio comercial, mas trazendo uma mensagem poderosa na sua letra que não é nem um pouco comercial, “acessível”, com temas ambientais.

"Onde é?"

“O Dia Virá” a gaita chora e traz uma versão raiz do rock n’ roll sulista norte americano, mas trazendo um balanço, uma sonoridade bem dançante, para não fugir às características brasileiras. Mas essa versão meio “americanizada” da música harmoniza perfeitamente com a letra, que fala basicamente do intuito de querer viver do rock n’ roll e para o rock n’ roll.

"O Dia Virá"

“Sai Dessa” traz um pouco da lisergia que compõe do álbum, a guitarra dedilhada, o vocal meio introspectivo trazem o tom da faixa que descamba para essa proposta sonora ácida e psicodélica.

"Sai Dessa"

“Motel 3/Suíte Presidencial” entrega uma baladinha ao estilo tropicalista, uma viagem, ousaria dizer, bem progressiva, com um belíssimo instrumental que mostra uma banda forte e coesa.

"Motel 3/Suite Presidencial"

“As Viagens Do Rei Do Facão” traz de volta o regionalismo brasileiro na sua pauta sonora, a música nordestina com uma pitada generosa de psicodelia, mostrando uma faceta corajosa e arrojada da banda. Sem dúvida um dos destaques do álbum.

As Viagens do Rei do Facão"

“Lanterna” incorpora o classic rock ao álbum revestido de um belo hard psych. O peso também dita regras nessa faixa com solos rápidos e pegajosos de guitarra.

"Lanterna"

“Dueto Rio-Bahia” é mais uma representante do regionalismo, marca deste álbum e banda, tendo nos solos da guitarra materializando esse quesito a faixa, mas que revela também um peso, graças ao ritmo consistente e cadenciado da “cozinha” do Black Zé: bateria pesada e baixo pulsante.

"Dueto Rio-Bahia"

E fecha com “Fogueira” que, mais uma vez, traz o rock em perfeito alinhamento com a música latina. É dançante, cadenciado, com guitarra e bateria ditando tal proposta sonora.

"Fogueira"

Em 1991, já com o álbum finalmente lançado, mesmo que de forma totalmente independente, o Black Zé decide excursionar pelo Brasil para divulgar a banda e o seu álbum com alguns dos integrantes originais e também com o guitarrista Bill Valley, o Guilherme Valle, que encarnara na segunda formação do Black Zé, mais alguns músicos contratados.

Mas não foi muito longe, pois em 1999 o vocalista Luiz Roberto Peçanha, que assumira o nome de Roberto Planta, uma brincadeira homenageando Robert Plant, vocalista do Led Zeppelin, morrera vítima de câncer de pulmão. Peçanha, ainda nos anos 1980, gravou algum material com o guitarrista Lufe Lima, mas que nunca ganharam a luz e provavelmente se perderam.

Roberto Planta

Richard Brokaw, o guitarrista, flautista e produtor da banda, baiano, filho de pai americano e mãe baiana, que cresceu ao som dos atabaques do candomblé e do rock psicodélico, sem dúvida levou essa textura ao Black Zé. Conhecido como “Inglês”. Atualmente é uma atração da noite da cidade de Búzios, no Rio de Janeiro.

Inglês

Márcio Aguinaga, guitarrista e compositor, foi um dos fundadores do Black Zé. Com Peçanha compôs algumas de suas melhores músicas. Atualmente continua em sua carreira com o projeto MPB Blues.

Thomas Brokaw, irmão de Richard Brokaw continua em sua carreira como músico, tocando com o Trio Celta.

Mauro Sant’Anna era conhecido por saber tocar um variado número de instrumentos diferentes. Assumiu o baixo na gravação de “Só para os Loucos...Só para os Raros”.

Mauro

Guilherme Valle fez parte da segunda formação do Black Zé ainda bem novo, e depois tocou no México e em cruzeiros pelo Caribe.

Guilherme

As apresentações do Black Zé nos anos 1990 fizeram com que alguns desses shows fossem gravados em raras fitas cassetes e que foram resgatadas pelos músicos da banda e disponibilizadas em plataformas digitais de músicas, bem como na fanpage da banda e nas suas redes sociais. Nas plataformas digitais de música pode ser acessada aqui e nas redes sociais aqui.

O Black Zé, ocasionalmente, tem aparecido com algumas apresentações em sua terra natal, Petrópolis e lembrado em documentários como “O Som por Trás da Neblina”, do jornalista Roberto Oto, que foi alvo de discussão no programa “Arte & Cultura” com a série “Rock na Serra” que pode ser visto aqui. Que o Black Zé seja lembrado eternamente pela sua contribuição para a história do rock brasileiro.


A banda:

Luiz Roberto Peçanha, conhecido como “Roberto Planta” no vocal

Richard Brokaw, conhecido como “Inglês” na guitarra, flauta e produção

Thomas Brokaw no baixo

Mauro Sant’anna, conhecido como “Conde Borromeu”, na bateria

Márcio Aguinaga na guitarra

Guilherme Valle, conhecido como “Bill Valley”, na guitarra. Valle tocou na segunda versão da banda e nos lançamento do álbum único do Black Zé fora creditado como membro da mesma.

 

Faixas:

1 - Só Para Os Loucos

2 - Vôo Do Urubú

3 - Cilada

4 - Onde É?

5 - O Dia Virá

6 - Sai Dessa

7 - Motel 3/Suíte Presidencial

8 - As Viagens Do Rei Do Facão

9 - Lanterna

10 - Dueto Rio-Bahia

11 - Fogueira


"Só Para os Loucos...Só para os Raros (1975)

Versão Download clique aqui
Senha: brrock