segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Plus (Argentina) - No Pisar El Infinito (1976)

 

Amigos leitores hoje finalmente irei reparar um erro, que considero deveras grave, deste blog: esquecer das bandas argentinas! E não se enganem não foi reflexo de rivalidades futebolísticas ou coisa que o valha, mas talvez a falta da devida oportunidade, até pelo fato de ser ainda um blog jovem e que tem muito a progredir.

É sabido que a cena rock argentina é extremamente diversa, no que tange às vertentes sonoras, sobretudo nos anos 1970: prog rock, hard rock são os estilos mais difundidos pelas bandas e com essa prolífica qualidade, as cenas corroboram, com um público ávido em consumir esse produto desde sempre.

E a banda de hoje representou com extrema fidelidade e competência a cena pesada do rock n’ roll argentino e felizmente e finalmente escreverei algumas linhas acerca dessa seminal e pouco difundida banda. Falo do PLUS.

Plus

O nome é mais do que sugestivo para essa banda que soube honrar, com a sua curta, porém efusiva discografia, a cena hard rock sul americana, com particularidades bem visíveis, bem sentidas em sua sonoridade, a tal da latinidade é peculiar.

Mas como aqui cabe um pouco de história, falemos dos primórdios do Plus. O embrião da banda surgiu, como sempre costuma ser, da dissolução de outra banda, a “Escarcha. Três de seus integrantes, Julio Sáez, guitarrista, Hugo Racca, baixista e Cacho D’Aria, baterista, juntaram-se a Saúl Blanch, vocalista, para formar o Plus, isso em 1975.

O Plus surgiu em um momento convulsivo na política argentina, pouco antes do golpe de Estado, onde o país cairia nas mãos da ditadura militar, tirando Isabel Perón do poder, em 24 de março de 1976 chefiada pelo Tenente General Jorge Rafael Videla, Almirante Emilio Massera e o Brigadeiro General Orlando Ramón Agosti.

Um período de repressão se instauraria na Argentina e, claro, algumas expressões ou manifestações contraculturais seriam alvos de ataques e censuras e o Plus, bem como toda a cena rock, sofreria com esses reveses, tendo poucas ofertas de shows e incentivo por parte de gravadoras que, com medo, evitaria contratar e/ou financiar os “famosos subversivos” ou “hippies” que poderiam colocar à prova a harmonia do governo opressor.

E foi exatamente no turbulento ano de 1976 que o Plus lançaria seu debut intitulado “No Pisar el Infinito”, alvo de minha resenha de hoje. A Plus representaria, além dos entraves de falta de oferta de shows, o rock alternativo, cuja cena abundava em bandas progressivas, de jazz rock, fusion etc, sendo uma das principais bandas de seu estilo, juntamente com bandas do naipe de El Reloj e Vox Dei.

Essa era efetivamente a intenção quando da transição do Escarcha para o Plus. Era criar um projeto que privilegiasse a pegada de clássicas e medalhonas bandas do estilo espalhadas pelo mundo, tais como: Deep Purple e Led Zeppelin. Não sou um entusiasta das comparações, mas é inegável que o Plus traz essas inspirações em seu álbum de estreia.

“No Pisar el Infinito” foi gravado no Film Records Studios entre 20 de julho e 4 de outubro de 1976 e lançado pela “TK Discos” de uma forma quase que “artesanal”, sem um grande orçamento e também não teve o devido apoio quando a banda seguiu em turnê.

Porém mesmo com as baixas ofertas para se apresentar devido ao opressor cenário político com a censura militar, a banda conseguiu realizar alguns shows e se mostrou bastante enérgica em palco, afinal, a sua música ajuda e muito para essa condição.

O público curtiu muito “No Pisar el Infinito”, a banda, a cada show, pelo menos os poucos que teve, ganhava experiência, uma consistência e uma sinergia incrível. O álbum é primordialmente calcado no típico, porém indefectível, hard rock setentista, cru, com levadas latinas bem peculiares, sendo agressivo, pesado, mas cadenciado e radiofônico em algumas faixas. A formação do Plus para este álbum tinha: Julio Saéz na guitarra e vocal, Saúl Blanch no vocal, Hugo Racca no baixo e vocal e Horácio D'Arias na bateria.

O álbum é inaugurado com a faixa monstruosa de “Noches de Rock and Roll” que já introduz como um soco na jugular com riffs pesados de guitarra, baixo pulsante e bateria em uma batida agressiva e pesada. É um “exemplar” não apenas de hard rock, mas é perceptível o peso mais voltado para o heavy metal. A seção rítmica traz o groove, a guitarra o peso e vocal engloba tudo sendo alto e gritado. Abre o álbum dizendo a que veio e representando a sua proposta devidamente.

"Noches de Rock and Roll"

“Tomame como Soy” é mais cadenciada, suja, traz à lembrança “Master of Reality”, do Black Sabbath, diria sem medo, apesar de não ser tão taxativo, afinal essas percepções são muito particulares. O vocal soa mais melódico, mais bem trabalhado juntamente com os backing vocals. Os riffs de guitarra continuam sendo destaque juntamente com os seus solos, apesar de simples, mas diretos.

"Tomame como Soy"

“Ya Tenés por quién Luchar” muda o “humor”, o ambiente do álbum, com uma linda balada, com um lindo vocal, bem mais melódico do que faixa anterior, algo meio dramático, emocional, com um violão ao fundo, mas logo entra a seção rítmica que deixa a música mais agitada, mas que não foge à sua proposta.

"Ya Tenés por Quién Luchar"

A sequência traz “La Chance Sutil” retorna ao hard rock com a rápida introdução de bateria que abre para riffs de guitarra pegajosos e baixo mais pesado, além de pulsante. O vocal, melódico, implementa um alcance maior. Um hard rock mais ao estilo Purple e Rainbow.

"La Chance Sutil"

“Hablan de Tiempos Mejores”, com seus vinte segundos, abre com um trabalho vocal que abre para a sequência com a faixa “El Mago del Tiempo” que traz o habitual peso do álbum, com uma pegada latina e meio psicodélica que traz à memória Carlos Santana, mas mais eletrificado, com os riffs de guitarra pesados e dançantes. O mais legal é ouvir os bongôs com os solos de guitarra. Convergem maravilhosamente, apesar de atípicos.

“Lo Único que Es” é melancólico, é sombria. O violão dedilhado na introdução que traz essa nítida percepção da música, logo irrompe em uma explosão hard rock e o vocal logo se transforma, sendo gritado, esgoelado. A seção rítmica, a “cozinha” ganha, mais uma vez, destaque, entregando groove, vida à faixa.

"Lo Único que Es"

“Occúltame Hermano” traz de volta aquela sensação de uma música arrastada, algo relacionado ao doom, ao Sabbath dos primórdios. É uma faixa com a guitarra suja, que me remete ao occult rock do início dos anos 1970, a bateria marcada, bem executada. Definitivamente uma das melhores e mais versáteis do álbum.

"Occúltame Hermano"

E fecha com a faixa “Zapada Final” e não poderia fechar melhor. O retorno do hard rock típico extremamente pesado. A bateria é indulgente, arrogante, pesada e os riffs de guitarra muito agressivos. A música segue em uma velocidade incrível e lembra um heavy rock de vanguarda que entraria em qualquer álbum de uma banda de heavy metal oitentista. Exemplar perfeito do hard rock!

"Zapada Final"

As apresentações ao vivo, o impacto midiático de “No Pisar el Infinito” e o antigo, mas eficaz, trabalho de boca a boca dos novos fãs, rendeu um contrato com o RCA e o Plus para lançamento do seu segundo álbum, em 1978, simplesmente chamado de “Plus”. Ele foi renomeado pelos fãs com o nome de "Melancholic Girl", por causa de uma música que contém mais de onze minutos de duração. Neste trabalho participaram Celeste Carballo nos corais e o violinista Fernando Suárez Paz, do Quinteto Astor Piazolla.

Mas essa segunda tentativa não foi tão eficaz e o sucesso que a banda adquiriu, a duras penas, diminuiu drasticamente. Chegaram a fazer uma turnê razoavelmente grande pela América do Sul, com destaque na Colômbia, e quando já tinham um contrato novo com a gravadora “Tonodisc” para gravar o terceiro álbum intitulado “Escuela de Rock n’ Roll”, já em 1981, as diferenças internas, as brigas tornaram a vida do Plus insustentável, inclusive o guitarrista Julio Saéz tinha saído antes da gravação deste álbum, entrando em seu lugar León Vanella. A separação definitiva do Plus aconteceria um ano após o lançamento do terceiro álbum, em 1982.

"Escuela de Rock and Roll (1981)

Saéz, o baixista Hugo Racca e o baterista Cacho D’Arias posteriormente se juntaria a uma banda de nome “Dr. Silva”, do tenista Guillermo Vilas, que admirava a sonoridade do Plus. De todos os integrantes do Plus o único que conseguiu algum êxito comercial foi o vocalista Saul Blanch que se tornou com quem o Rata Blanca gravou seu primeiro álbum autointitulado, em 1988.

Hugo Racca morreu em 1988 e Julio Saéz se tornou, após a separação de Patrício Rey y Sus Redonditos da Ricota, empresário e guitarrista de Indio Solari. Em 2016 morreria o baterista Cacho D’Arias. Em 2011 o álbum “No Pisar El Infinito” foi relançado e remasterizado com duas faixas adicionais: “A Thousand Options” e “Hoy Te Wonderas”.

Um álbum monstruoso e obrigatório para qualquer fã das obscuridades do hard rock progressivo dos anos 1970. Este vai surpreender até mesmo aqueles que não são tão afeitos à música pesada. Altamente recomendado!




A banda:

Julio Sáez na guitarra e vocal

Horacio Darías na bateria

Saúl Blanch no vocal

Hugo Racca no baixo e vocal

 

Faixas:

1 - Noches de Rock and Roll

2 - Tomame Como Soy

3 - Ya Tenés por Quien Luchar

4 - La Chance Sutil

5 - Hablan de Tiempos Mejores

6 - El Mago del Tiempo

7 - Lo Unico Que Es

8 - Ocúltame Hermano

9 - Zapada Final


"No Pisar El Infinito" (1976)


































quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

Sub - In Concert (1971)

 

Algumas orientações sonoras podem cair na vala comum do estereótipo, principalmente quando uma cena ganha algum destaque. E um exemplo evidente é o krautrock, proeminente na Alemanha no final dos anos 1960 e início dos anos 1970.

O kraut como conhecemos traz aquele experimentalismo, uma espécie de “resposta” psicodélica da Alemanha. Um som minimalista, viajante, chapante e repleto de improvisações.

Mas ao longo dos anos, sobretudo no início da década de 1970, a cena foi ganhando corpo, recebendo outras vertentes ou aprimorando a sonoridade, graças ao hard rock e o rock progressivo que estavam aparecendo para o mundo.

É comum ouvirmos bandas com nítidas influências de hard rock, rock progressivo e até mesmo um prog sinfônico, comum em países como a Itália, por exemplo. E lamentavelmente tudo é colocado no “mesmo saco” do krautrock, talvez por questões mercadológicas ou simplesmente uma falta de entendimento que o estilo sofreu, foi impactado por outras vertentes do rock.

Confesso que discussões como essa também se caracteriza como estereótipo, algo que talvez não fosse necessário, afinal tudo se configura, tudo se converge para o óbvio: rock n’ roll! Essa necessidade surge, penso, para entendermos minimamente o “conceito sonoro” de uma banda e isso não é nenhum crime.

Então analisando por esse prisma, hoje falarei de uma banda extremamente rara e obscura, oriunda da cidade de Munique, que, no longínquo ano de 1971 conseguiu personificar o conceito de evolução da cena krautrock. Falo do SUB.

O SUB, um nome um tanto quanto atípico para uma banda kraut, foi formado, como disse, em Munique, no ano de 1969 e lançou apenas, para variar, um álbum, em 1971, intitulado “In Concert”. Ele estranhamente foi lançado na Itália pelo selo “Help”, em uma pequena edição, com uma tiragem de apenas 1.000 cópias. Atualmente o LP original é negociado por aproximadamente € 1.000 em leilões virtuais e sites especializados! Acredite se quiser!

Reza a lenda de que o empresário da banda teria roubado as fitas máster e ido com elas para a Itália, lançando o álbum por lá. E por alguma razão foi decidido transformar as músicas contidas nessa fita em um álbum ao vivo, por isso o nome de “In Concert” com aplausos do público “overdubados”, evidenciado na primeira faixa, “Sub Theme I”. O máximo que se pode ter próximo a uma apresentação ao vivo é de que as músicas teriam sido gravadas no formato “alive in studio”, mas sequer essa informação está confirmada.

Casos como esse soam miseravelmente levando em consideração um trabalho de marketing do álbum e da banda, pois traz a informação de que as coisas foram feitas em um viés falso.

“In Concert” foi gravado no verão de 1970 no Union-Studios, famoso estúdio em Munique, por músicos com alguma visibilidade, com experiências em outras bandas, são eles: Christian Wilhelm no vocal, Klaus Kätel na guitarra, Peter Stimmel no baixo, Johannes Vester nos teclados e Lutz Ludwig na bateria. Este último, o Ludwig, foi baterista de outra banda underground muito legal, o Amos Key.

Amos Key - "First Key" (1974)

Bem se no aspecto comercial deixou um pouco a desejar, com histórico de roubos e informações falsas, no musical o Sub traz um line up com músicos extraordinários com inspirações ao estilo Deep Purple e Uriah Heep, primordialmente.

Mas o Sub se diferencia das mencionadas, pois entrega uma sonoridade calcada no rock progressivo e hard rock, com uso pleno de teclados e o tão falado Krautrock, pois flerta com improvisações e jams sections de primeiríssima qualidade.

São definitivamente abordagens composicionais bem elaboradas, bem estruturadas, focando na guitarra, corroborando no peso e os teclados que evidenciam a sua levada mais progressiva. Mas se percebe e muito elementos mais psicodélicos, com riffs de guitarras mais estridentes, ao estilo lisérgico mesmo e pegadas mais bluesy. Essas vertentes devem surgir de um passado de fusão de bandas beats locais que ajudaram a formar o Sub no final da década de 1960.

A abertura conta com a longa “Sub Theme I (Sub In Concert) ”, que, no auge dos seus dezoito minutos de duração conta uma jam section que mescla momentos pesados, selvagens, capitaneados por riffs e solos avassaladores de guitarra, com texturas bem servidas de teclado, mostrando muito virtuosismo. Uma abordagem bem arrojada para a sua época, pois entrega experimentalismos com pitadas bem generosas de hard rock. De fato, é uma atmosfera que se difere de todas as demais faixas do álbum, mostrando groove pesado e viagens chapantes de hard rock e psych rock.

"Sub Theme I (Sub in Concert)"

“Off” começa animada, com guitarra acústica bem dedilhada e baixo galopante e teclados enérgicos. Logo a guitarra lisérgica surge “rasgando” a música. Uma típica faixa que se encaixa perfeitamente às batidas beats, psicodélicas da segunda metade dos anos 1960.

"Off"

“Sub Theme II (Money Maker)” não foge muito à regra da faixa anterior. Muita lisergia, guitarra com riff ao estilo psicodélico, uma bela seção rítmica que traz algo meio dançante e teclados meio sombrio, dando um caráter mais introspectivo a música em alguns momentos.

"Gimme Some Lovin" mostra a habilidade de Stimmel no baixo e a bateria pesada e marcada, confirmando uma seção rítmica bem interessante. Os teclados ganham representatividade instrumental nesta faixa “espaçando” um pouco a música ganhando destaque, sem mostrar algo enfadonho, muito pelo contrário. São teclas enérgicas, solares.

A divertida “Ma-Mari-Huana” já escancara as predileções da banda pelos psicotrópicos típicos da transição das décadas de 1960 para a década de 1970 e mostra uma banda mais enérgica, intensa, vívida, mas não necessariamente pesada, agressiva. O destaque fica para o vocal mais rasgado, mais intenso, quase gritado, diria. Somando a esse vocal não podemos negligenciar a participação do teclado igualmente animado.

"Ma-Mari-Huana"

"Match I" começa com um vocal meio dramático, intenso, mas logo fica um tanto quanto estranho com um impulso percussivo e soma-se a estranheza os teclados que soam um tanto quanto sombrio. Depois desse momento meio apocalíptico as teclas ficam mais estelares, solares, mais animado, mais direto ao ponto.

Fecha o álbum com a faixa “Match II” que tem a presença de uma guitarra mais “funk”, algo meio grooveado, mas com toques bem generosos de psych rock, com um vocal bem destacado, dando uma tensão única à música.

O Sub existiu apenas por mais três anos após o lançamento de “In Concert” e excursionou pela Alemanha, Áustria e Itália, este último país que foi lançado seu único trabalho, após o suposto roubo das fitas máster pelo empresário da banda. Mas infelizmente o álbum não atraiu as atenções, apesar do material de excelente qualidade apresentado.

“In Concert” teve alguns relançamentos, sendo que o primeiro foi pelo selo “Garden of Delights” em 1994, no formato CD, pelo selo “Mayfair” em 2004, em LP e novamente “Garden of Delights”, em 2012, no formato LP. A esses relançamentos foram incluídas cinco faixas bônus que não acrescenta muito às faixas originais.

O Sub pode, para muitos, transparecer a ideia de ter sido apenas mais uma banda de heavy psych, mas algo o faz diferenciar-se das demais e é exatamente a sua inspiração experimental calcada na cena krautrock, mas com peças intrincadas e de peso, a junção muito boa entre prog rock e hard rock. Quando se ouve o Sub percebe-se que poderia ter uma vida mais longa. Pouco se sabe sobre o futuro dos músicos, apenas que o baterista Lutz Ludwig, como disse, tocaria na banda Amos Key. Os demais são um mistério enigmático.


A banda:

1 - Sub Theme I (Sub in Concert)

2 - Off (3:56)

3 - Sub Theme II (Money Maker)

4 - Gimme Some Lovin'

5 - Ma-Mari-Huana

6 - Match I

7 - Match II

 

Faixas:

Christian Wilhelm nos vocais

Klaus Kätel na guitarra

Peter Stimmel no baixo

Johannes Vester nos teclados

Lutz Ludwig na bateria



Sub - "In Concert" (1971)

Link para download do álbum aqui


















sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

Tentacle - The Angel of Death (1971)

 

Algo incompreendido, louco, insano. Será que podemos trazer essas nomenclaturas a um álbum de rock n’ roll? Sim! Alguns, ao longo da história, já foram tipificados assim, mas no álbum que falarei ou tentarei falar, não entrega apenas essas características. Ao ouvi-lo me parece ser algo “garageiro”, artesanal, feito de uma forma totalmente desleixada e rústica.

Confesso que na minha jornada pelos escombros comerciais da música, pelo empoeirado e obscuro reino das bandas pouco conhecidas essas percepções tem se tornado algo um tanto corriqueiro, mas esse álbum é particularmente especial nesse sentido.

E já começa pelo aspecto estético, com a capa de uma caveira apalpando um seio de uma manequim de “showroom”, é no mínimo uma aberração chapante que, em um primeiro contato, não traz nenhum conceito, nenhuma mensagem, apenas seres inanimados simbolizando talvez um sexo ou a morte à espreita.

Talvez o nome do álbum sugira alguma coisa: “The Angel of Death” e a banda se chama TENTACLE. A banda, claro, pouquíssimo conhecida, é oriunda da Escócia e não se tem muita informação sobre as suas origens, apenas pela gravação de seu único álbum, que aconteceu na transição de 1970 para 1971, no Central Scotland Studios, em Falkirk.

O álbum foi produzido e que teria sido liderada por Jim West e alguns grupos de empresários envolvidos com outras bandas menos conhecidas também como Bodkin e Soho Orange, dando a entender que todas tinham algo em comum, sendo produzido por Erika “Witch” Gnotsik e Manfred “Warlock” e o selo é “Witch & Warlock”.

Outro fator sombrio, obscuro que gira em torno do Tentacle é o total desconhecimento dos seus músicos, não há créditos no álbum, absolutamente nada. Tudo parece girar em torno de Jim West que produziu e provavelmente esteve à frente do projeto. Talvez esse era o cerne do Tentacle: um projeto de cunho experimental e extremamente rústico.

Em uma das capas do Tentacle há alguns pequenos textos falando de instrumentos sendo tocados, da produção do álbum, mas nada denuncia o line up da banda, os seus músicos ou coisa que o valha. Há um texto, em especial, que fomenta a aura obscura, a névoa densa de obscuridade que circunda o Tentacle. Leia o texto:

“Vocals, bass, drums, two guitars, sometimes gentle, sometimes weird...A man playing faster than his guitars…The power of central Scotland…”

Traduzindo…

“Vocais, baixo, bateria, duas guitarras, às vezes suaves, às vezes estranhas... Um homem tocando mais rápido que suas guitarras...O poder da Escócia Central...”

“The Angel of Death” foi, como disse, gravado entre 1970 e 1971, mas teria, reza a lenda, sido apenas gravado e não lançado oficialmente, sendo lançado apenas em 1990, na Alemanha, em Dusseldorf, quando as fitas teriam sido encontradas, sendo prensadas em vinil e lançadas também em CD em tiragens limitadíssimas. Mas há fontes que definem que “Angel of Death” foi concebido nos longínquos anos 1970. Já que carece de informação, confirmação, optei por colocar as duas informações.

“The Angel of Death”, como diz no pequeno texto acima, extraído do encarte do álbum, traz vertentes psicodélicas, com nuances folk, mas com guitarras que, além de lisérgicas, entrega texturas pesadas, com peso do hard rock, ainda ganhando evidência em uma cena embrionária. São passagens pesadas, mas não agressivas, pegadas folk, viajantes e psicodélicas e improvisações progressivas.

É sombrio, soturno, as vezes soa melancólico, mas que se torna solar nas suas partes pesadas. É lisérgico, é ácido, graças as guitarras distorcidas. É um álbum definitivamente atípico, artesanal, feito sem apreço a produções megalomaníacas e mesmo sem todo esse trabalho de produção, é maravilhoso, torna-se a cereja do bolo.

“The Angel of Death” começa com a faixa “My Destiny – My Faith” que, no auge dos seus longos vinte minutos de duração traz dedilhados viajantes da guitarra acústica, algo um tanto quanto introspectivo, melancólico, mas depois entra a bateria em uma pegada meio jazzística e a guitarra fica mais pesada, com riffs agressivos, indulgentes, ameaçadores e volta a calmaria jazzy. O vocal é dramático, baixo, mas envolvente e até um tanto quanto sedutor. E nessa linha segue a faixa: sedutora, chapante, lisérgica e sombria. Mas atentem aos solos de guitarra que remete ao Atomic Rooster e Dark.

"My Destiny - My Faith"

A sequência conta com a faixa “Thought” que introduz também com dedilhados de guitarra, mas logo irrompe em um estrondoso hard rock tipicamente setentista com riffs gulosos, cheios, potentes de guitarra. O baixo segue impondo algum ritmo, a seção rítmica precisa ser valorizada nessa faixa, a bateria é cadenciada e pesadona e a guitarra sempre em destaque que, além dos riffs, vem com alguns solos diretos que corrobora o peso. O final da faixa ganha mais velocidade e nos remete a um heavy metal de vanguarda! Sem dúvida uma das mais pesadas do álbum!

"Thought"

“Tentacle” já inicia com o pé na porta, pesada, agressiva, uma explosão instrumental orquestrada pela bateria e guitarra, tendo o baixo dando uma textura mais suja. Mas a diversidade rítmica, proporcionada pelo prog rock, se fazia presente, com passagens mais suaves, com pegadas psicodélicas. Nessa faixa a banda mostrou diversidade com prog, psych e hard em um mesmo pacote.

"Tentacle"

A faixa título, “The Angel of Death” o vocal já ganha destaque logo na introdução, de bom alcance, sujo, alto com riffs de guitarra dando o recheio, uma textura mais arrogante e pesada, solos mais simples e direto dão um tom da sua estrutura sonora, mas as viradas rítmicas também ganham destaque. É uma faixa definitivamente voltada para o hard prog, típico. Uma das músicas mais plenas, é o ápice do álbum, sem dúvida. E fecha com trinta e um segundos de “Epitaph” da mesma forma que começou, com dedilhados de guitarra viajantes e chapantes.

"The Angel of Death"

Para alguns ouvidos mais exigentes, mais apurados, talvez, ouvir os primeiros acordes do álbum “The Angel of Death” pode parecer ruim, péssimo. É inegável que a produção é de baixo orçamento e isso, claro, impacta no produto final, mas se tornou a cereja do bolo, dando o tom obscuro, delineando a proposta da sonoridade da banda: suja, pesada, progressiva, sombria.

“The Angel of Death” é estranho, é “artesanal”, é algo feito de forma simples, mas definitiva. A criatividade imposta nas cinco faixas mostra que na simplicidade há beleza, há a verdade impressa pela banda, por isso é estranho, por isso é marginal.


A banda:

Não creditado

 

Faixas:

1 – My Destiny – My Faith

2 – Thought

3 – Tentacle

4 – The Angel of Death

5 – Epitaph


"The Angel of Death" (1971)


Download do álbum aqui