sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Exponent - Upside Down (1974 - 2014)

 

A minha afeição pelo rock n’ roll alemão é mais do que justificada, levando em consideração a “selva” ainda inexplorada que é a cena germânica. Há muito a se desbravar, há muito a se ouvir de bom. São pérolas obscuras, esquecidas e que, de forma abnegada, são revisitadas, trazidas à vida por selos igualmente underground.

Não vou aqui tecer comentários detalhados do motivo pelo qual tais bandas caem no ostracismo ou ainda sequer tem seus materiais lançados de forma oficial, o mais importante é exatamente dar luz ao rock obscuro, trazê-las à vida de novo e reparar, em muitos casos, tais equívocos, sobretudo pela sonoridade complexa e de qualidade da esmagadora maioria das bandas.

E mais uma banda cativou-me, inicialmente pelo fator visual. A capa, de imediato, me chamou a atenção e, por mais que possa ser simples, nada de novo ou avassalador, eu precisava ouvir o conteúdo, após, claro, as minhas investidas em busca de novas “velhas” pérolas obscuras disponíveis pela grande rede.

Quando dei o “play” a magia se fez, a magia sonora eclodiu de forma catártica! Que banda! Que sonoridade! Mas antes de destrinchar faixa a faixa, claro, sem mais delongas, vou apresentar a banda: EXPONENT!

O Exponent foi formado, em 1971, em uma cidade, na Alemanha, chamada Wuppertal, Dusseldorf, mesma região que outra banda seminal e um pouco mais conhecida surgiu, a Hölderlin. Inclusive o Exponent, entre 1971 e 1974, fez uma série de shows em circuitos alemães abrindo para bandas do porte de Novalis e o próprio Hölderlin, entre tantas outras.

E já que mencionamos algumas grandes bandas germânicas o Exponent foi formado a partir do mesmo line up de outra banda, também pouco conhecida, a “Cannabis India” que lançou, em 1973, um álbum chamado “SWF Session”.

Cannabis India - "SWF Session" (1974)

A formação que participou de “SWF Session” e do único trabalho do Exponent, “Upside Down”, de 1974, trazia: Dirk Fleck no baixo e Rüdiger Braune na bateria. Completou ainda a formação do Exponent Frank Martin nos teclados, flauta e vocal e Martin Köhmstedt na guitarra. Esses dois últimos, claro, não tocaram no Cannabis India.

Observa-se nessas movimentações dos músicos que são bandas surgidas sob o aspecto de projetos, dando a entender que não seriam duradouros, principalmente o Cannabis India.

“Upside Down” foi originalmente gravado no “Tonstudio Baue” em 1974, porém nunca foi lançado, caindo no mais puro e genuíno ostracismo por décadas e décadas até ganhar vida em um lançamento do selo underground chamado “Kosukuro Records”, no formato LP, em 2014, quarenta anos depois de sua gravação e, ano seguinte, saindo em CD, pelo valoroso selo alemão "Garden of Delights”.

O fato é que as gravações de “Upside Down” não interessaram a nenhuma gravadora e a banda viria a se separar dois anos depois, em 1976. Mas obstáculos à parte o Exponent entregou neste trabalho harmonias pensadas para levar a melodias dotadas de caráter emocional que fazem desse álbum uma ode ao rock progressivo sinfônico, com pegadas experimentais remetendo ao krautrock em seus primórdios e ousadas passagens de blues e até mesmo algo mais pesado do hard rock.

Instrumentos como o moog e mellotron dão toda a textura para a edificação do som do Exponent, com passagens viajantes de guitarra e uma seção rítmica extremamente competente e orgânica.

Embora a capa, excelente, sugira algo voltado para o heavy metal ou black metal, o som de “Upside Down” é dominado pelo prog rock, sinfônico, jazz e nuances bluseiras com uma textura experimental remetendo o krautrock.

O álbum é inaugurado pela faixa “Duplicate” e o que de imediato ganha destaque é o vocal de Frank Martin que, de forma dramática, mostra o quão sua entonação é límpida e cristalina. Mas logo entra a bateria puxando uma levada mais jazzy e os teclados impondo uma roupagem mais sinfônica. A guitarra, com riffs e solos mais diretos, rasga a atmosfera sombria, trazendo um pouco mais de peso à faixa com uma pegada mais veloz, inclusive. A típica faixa progressiva com viradas rítmicas excelentes.

"Duplicate"

“Last Spring” é introduzida pelo órgão dando-a uma atmosfera soturna, sombria, com lindos e viajantes solos de guitarra, um tanto quanto viajante, contemplativos. O vocal logo entra e envolve, mais ainda, toda a “estrutura sonora” com propostas sombrias. O baixo segue o ritmo pulsante, mas vagaroso. Mas logo irrompe em uma explosão pesada do hard rock com solos de guitarra vibrantes e uma bateria marcada e pesada. E assim “Last Spring” segue, com viradas rítmicas interessantíssimas.

"Last Spring"

Na sequência a faixa “Thoughts” surge com uma viagem psicodélica remetendo aos tempos ácidos de Pink Floyd de Sid Barrett, mas os teclados logo anunciam a veia sinfônico que permeou todo o álbum. O vocal, sempre límpido e cristalino, entonam a sonoridade psych prog da faixa. 

"Thoughts"

E finalmente é finalizado com a faixa mais longa, cerca de vinte minutos, do álbum: “Dream”. E definitivamente se trata de uma verdadeira jam section, uma seção de improvisações que vai do krautrock ao hard rock, passando por passagens psicodélicas e progressivas, com o destaque, nessa construção, para os teclados e riffs de guitarra que sustentam os momentos mais pesados da faixa. E claro que os componentes mais complexos se fazem presentes, mas dominados pela criatividade que só as improvisações são capazes de proporcionar. Excelente música!

“Upside Down”, do Exponent é mais do que adequado para aqueles que querem sair da famigerada “zona de conforto” e ouvir coisas novas, mesmo que sejam antigas. Mais adequado ainda para aqueles que curtem rock progressivo sinfônico, com toneladas de moog e mellotron, mas extremamente integrado a bons e pesados riffs de guitarra, flertando com o hard rock.

Exponent, apesar de sua curta passagem pela cena germânica do rock, deixou um pequeno, mas significativo legado de um belo exemplar de música progressiva sinfônica aliada às improvisações e experimentalismos que pautou o momento áureo do krautrock na transição das décadas de 1960 e 1970. Altamente recomendado!


A banda:

Frank Martin nos teclados, flauta e vocal

Dirk Fleck no baixo

Rüdiger Braune na bateria

Martin Köhmstedt na guitarra

 

Faixas:

1 - Duplicate

2 - Last Spring

3 - Thoughts

4 - Dream 


Exponent - "Upside Down" (1974)




Download do álbum aqui!


 













 



quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Kaamos - Deeds and Talks (1977)

 

Este reles e humilde blog tem me revelado, juntamente com os meus garimpos, o que hoje tem sido óbvio, muito óbvio: de que o rock n’ roll é universal, diversificado e ainda selvagem, intocável em alguns rincões do planeta.

É pensar em demasia limitado achar que países como Inglaterra, Estados Unidos, Itália e Alemanha, por exemplo, sejam o centro desta música de que tanto amamos e em nenhum outro lugar existir nada que possa ser devidamente valorizado pela sua qualidade sonora.

São tantas bandas esquecidas, raras, com seus álbuns por alguns subjugados pelo simples fato de não se adequarem à importantes mercados consumidores da música ou a “formatos” sonoros “fora de moda”.

“Fora de moda”, descolados do tempo é outro tema difícil dentro do “show business”. Essa eterna questão de o tempo “julgar” a música e de que precisamos nos adequar às novas tendências de música é outra conversa perigosa construída pelo marketing perverso da indústria fonográfica. Por que aquela música que você se identifica não pode estar presente em seus dias?

E a banda de hoje se desloca de um tempo em que o rock progressivo não estava mais em alta, mas, ainda assim, valorizando as suas verdades sonoras, decidiu, a duras penas, seguir e gravar um álbum no fim da década de 1970 na fria Finlândia. Vejam o cenário totalmente adverso: gravar um álbum de prog rock no final dos anos 1970, na Finlândia.

Era o punk em voga, música rápida e simples, de poucos acordes, era a época da disco music, da música das pistas de dança, animadinhas. Não tinha mais espaço para as músicas trabalhadas, conceituais e tudo que o valha. Mas convenhamos, o prog rock sempre foi marginalizado com exceção de alguns figurões que conseguiram se transformar em “bandas de arena” elevando um pouco o nome da cena.

Mas voltando a Finlândia, a banda KAAMOS foi formada em Turku, sudoeste da Finlândia, pelo guitarrista Peter Strelmann e o tecladista e organista Ilkka Poijärvi. O nome “kaamos”, de origem finlandesa, significa “a noite polar quando o sol nunca nasce”, algo extremamente comum naquele país escandinavo.

Os membros originais consistiam na formação de quatro músicos: além do guitarrista Strelmann e o tecladista Poijärvi, trazia Eero Valkonen, na bateria, Eero Muntarkarma no baixo e o vocalista americano Jimmy Lewman. O organista Ilkka Pojärvi logo abandonaria a banda, bem como Lewman que sairia no ano seguinte à formação da banda, em 1974.

Este último foi substituído pelo guitarrista Ilpo Murtojarvi e pelo cantor/baterista Johnny Gustafsson. O verão de 1975 vê a saída de Strelmann, que se juntou ao Exército, e foi substituído pelo tecladista Kyosti Laihi.

O tecladista Kyösti Laihi, que era membro do “Pepe & Paradise” e também da banda Hellmann's Youth Society, quando chegou no Kaamos defendeu ardorosamente que a banda deveria tocar rock progressivo ao estilo Camel, Yes e Genesis, afinal, no início da década de 1970, quando o Kaamos foi formado, era o auge do estilo e também trazia a experiência por ser um músico que havia tocado em várias bandas locais.

Mas a banda sofreu muito com as intensas e constantes mudanças em seu line up, era um entra e sai direto de músicos e isso quase desintegrou o Kaamos, principalmente após a saída de um de seus membros fundadores, o guitarrista Peter Strelmann. Então Laihi, que parece ter assumido o comando da banda, recrutou Ilpo Murtojärvi, que foi guitarrista e compositor por um tempo da banda “Karma”. Pediu a ele que escrevesse uma música para a banda. 

No final eles se estabeleceram em um quarteto, como no início, formado por Kösti Laihi, nos teclados, Ilpo Murtojärvi, na guitarra e Jonny Gustafsson na bateria e vocal e Jakke Leivo, no baixo, ambos ex-integrantes de uma banda de orientação “pop” chamado “The Islanders.Ing”.

Neste momento do Kaamos já não tinha nenhum membro da formação original, o que era um desafio e tanto manter as arestas sonoras da banda, sem uma referência de sua história. Então decidiram cair na estrada para se apresentar, divulgar a sua música.

De Turku, a cidade natal do Kaamos, até a capital, Helsinque, tocaram em clubes, apresentaram suas músicas autorais que adicionavam blues, funk e folk à música clássica, era o prog rock e a sua capacidade de se híbrido, como o rock na sua gênese.

Em 1975 o Kaamos gravou uma fita demo e negociou com várias gravadoras para gravar um álbum oficialmente, mas era meados dos anos 1970, o rock progressivo não estava na crista da onda, afinal o punk e a new wave, entre outras músicas de cunho mais radiofônico e comercial eram as pepitas de ouro da indústria fonográfica, então as portas se fechavam. Mas a luz no fim do túnel se fez e veio da sua terra natal, Turku.

A M&T Productions, gravadora fundada em 1975 pelos irmãos Matti e Teppo Ruohonen, descobriram o Kaamos que era da mesma região. Uniram o útil e o agradável, já que a jovem gravadora estava precisando de novas bandas ao seu cast e o Kaamos estava precisando de gravadora, a banda então assinou contrato em 1976 gravando o seu primeiro e único trabalho, no início de 1977, chamado “Deeds and Talks”.

"Deeds and Talks (1977)

“Deeds and Talks” é um álbum majoritariamente de rock progressivo, com forte viés sinfônico, baseado em várias texturas de teclados e guitarras líricas, solos bem trabalhados de guitarra, até em demasia, o que, pelo menos para este que vos fala, é muito prazeroso, o que o torna um álbum especial, incluindo ainda lindas passagens de sintetizadores de movimentos interessantes, bem agitados, em uma mescla bem interessante entre o progressivo britânico com nuances do típico folk rock escandinavo, outro fator extremamente interessante para mim.

É percebido no debut do Kaamos uma guitarra bluesy, mas suaves, que nos traz à lembrança de bandas como Camel, com melodias enérgicas que me lembra Wigmam tardio, diria. Embora “Deeds and Talks” não seja um álbum inovador, ele merece uma audição pelo fato de entregar exatamente essa miscelânea de vertentes sonoras que construíram o hibridismo progressivo no fim dos anos 1960 e que se constatou em seu apogeu entre 1971 e 1974, mais ou menos.

O álbum é inaugurado com a faixa “Strife” que é centrada em guitarras de blues, com solos diretos, porém bem trabalhados, límpidos e bem executados, com teclados que traz uma textura graciosa e com uma bela performance de flauta. Essa performance meio blues e o vocal do baterista, embora não seja um primor, me fez lembrar os primeiros tempos do Bad Company meio “nórdico”! Loucura, não?

"Strife", live at Wimma, Turku, 2010

“Are You Turning” segue cheia de senso melódico que tece notas de teclados bem nostálgica, algo viajante e contemplativo, diria. A guitarra é potente, enérgica, solar, com solos diretos, mas empolgantes. Os vocais, dessa vez, são bem agradáveis, bem melodiosos, algo típico dos países escandinavos, sabe? Não saberia dizer sob o aspecto técnico e/ou comportamental, mas é algo que me parece óbvio.

"Are You Turning", live at Wimma, Turku, 2010

A próxima faixa, “Delightful” é especial pois tem uma participação efetiva e competente, sob o aspecto instrumental, de todos os músicos, com destaque para uma bateria delicada, bem executada, no auge de sua simplicidade, e teclados contemplativos. Há alguns compassos deliciosamente estranhos e casuais, com elementos evidentes de jazz rock e vocais ao estilo Ian Anderson, do Jethro Tull. Bela música!

"Delightful", live at Helsinki, 2012

“Barocchi” traz também uma faixa instrumental muito bem executada, com uma pegada clássica, com um groove brilhante e bem contagiante, com o pleno uso do Moog. Na segunda metade o solo de guitarra se desenvolve muito bem, em uma versão rock, bem como do órgão.

"Barokki", live at Finland, 2012

“Isabelle Dandelion” é uma balada bem melancólica, dramática, diria soturna, ao som de violão e piano em plena e total sinergia sonora e os vocais pungentes de Gustafson são verdadeiramente emocionantes.

"Isabelle Dandelion", live at Wimma, Turku, 2010

Segue com “Moment (Now)” que imprime uma pegada mais jazz rock com teclados lindos e solares com guitarras mais poderosas, elásticas e até pesadas. As harmonias vocais e, mais uma vez, o todo instrumental são fantásticos. As guitarras se mostram afiadas, os teclados flutuantes, com o fusion protagonizando.

"Moment (Now)", live at Helsinki, 2012

“When Shall We Know” entrega uma atmosfera mais funky, algo dançante, em uma miscelânea com o blues e, claro, o rock progressivo, sendo soberbamente introduzido, sem soar “deslocado”. O piano é tanto quanto enérgico e o conjunto da obra tem um sentido de AOR.

"When Shall We Know", live at Wimma, Turku, 2010

O álbum é excelentemente encerrado com a faixa “Suit-Case” que, como o nome já sugere, trata-se de uma grande e instigante “peça” de rock progressivo que dura mais de oito minutos e tem um lindo e potente arranjo de teclado que me remeteu aos grandes e interessantes momentos do Greenslade, banda a que tenho adoração. Ele se torna, em alguns momentos, experimental, com “quedas” para improvisações, apresentando elementos de complexidade e cheio de emoções.

"Suit-Case", live at Wimma, Turku, 2010

“Deeds and Talks” é assim: um rock progressivo com forte viés sinfônico com um senso de melodia nórdica, tendo como alicerce teclados do rock progressivo britânico e guitarras incandescentes de blues e funk, com viagens jazzísticas. Ou seja, traz a plenitude da versatilidade.

O álbum ganhou alguma notoriedade, algum elogio por parte dos críticos musicais da Finlândia, sendo considerado como o melhor momento do rock progressivo daquele país desde a fundação do Wigwam, inclusive, porém a resposta do mercado foi tímida, morna, provavelmente por ter sido concebido por um selo pequeno e que ainda estava engatinhando, além das novas predileções da indústria fonográfica pelo punk rock e new wave, sendo as vendas decepcionantes.

Mas apesar de todos esses entraves o Kaamos continuou a se apresentar localmente, em sua terra natal, Turku, mas não resistiu a esses reveses e se separou em 1980. Sentiram falta, em decorrência desse cenário totalmente contra, de um público interessado e substancial para assisti-los também nas apresentações.

O tecladista Kyösti Laihi formou o Boulevard com Erki Korhonen. Em 1989 sofreu uma esclerose múltipla, mas que não o impediu de continuar ativo nesta mesma banda até os anos 2000. Como compositor escreveu várias músicas para vários cantores e, em 2002, gravou a música "Eteenpäin" com a Seitzema Seinaflua Bergesta Band.

O baterista e vocalista Johnny Gustafson se juntou a um grupo de dança “Bogart Company”, que se tornou sucesso e a mais tarde se reuniu a banda Bluebird. Depois disso, ele seguiu uma carreira solo, mas morreu em 9 de outubro de 2021.

O baixista Jakke Leivo se tornou um pioneiro no ensino do baixo na Finlândia e desde então tem sido professor titular do instrumento no no Helsinki Conservatory of Pop and Jazz, no Departamento de Educação Musical da Sibelius Academy e no Helsinki University of Applied Sciences Stadia.

O guitarrista Ilpo Murtojärvi formou o grupo new wave Pasi & Mishin no início dos anos 1980, tocando com os renomados guitarristas Anna Hansky, Aneli Thurliston e Joel Harikainen. Mais tarde, ele se tornou músico de estúdio e atuou como professor de guitarra pop e jazz no Conservatório de Turku. Em 2015, ele foi indicado como o melhor artista pela Turku Jazz Association em reconhecimento às suas realizações na composição e ensino de jazz.

Com um movimento de ressurgimento do rock na Finlândia “Deeds And Talks” foi “reavaliado” e entendido como um clássico do rock progressivo obscuro, ganhando uma reedição, limitada em vinil, em janeiro de 2016 pelo selo “Rocket Company”. Mas antes, em 2010, este álbum foi relançado em CD pela mesma gravadora.

“Deeds and Talks”, do Kaamos, apesar do seu infortúnio, se revela grandioso, mesmo não trazendo nenhum elemento de vanguardismo em seu som, mas feito com sinceridade, competência, sem se deixar rotular por uma vertente ou estilo. A prova contundente da qualidade do trabalho foi a carreira dos seus músicos pós Kaamos, extremamente prolífica, bem-sucedida, corroborando a importância deste álbum para a história do rock n’ roll finlandês e quiçá europeu, onde o prog rock reina absoluto.



A banda:

Johnny Gustafsson nos vocais, bateria e percussão

Kyösti Laihi nos teclados, moog e sintetizadores e backing vocals.

Ilpo Murtojärvi na guitarra e backing vocasl

Jakke Leivo no baixo

 

Faixas:

1 - Strife

2 - Are You Turning

3 - Delightful

4 - Barokki

5 - Isabelle Dandelion

6 - Moment (Now)

7 - When Shall We Know

8 - Suit-Case 



"Deeds and Talks" (1977)






































sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

Valhalla - Valhalla (1969)

 

1969 foi o auge da psicodelia com o Woodstock, um festival de música que afirmou não só beat e a lisergia do rock n’ roll, mas um comportamento de uma população, sobretudo jovem, que vislumbrava a paz e o amor e a busca do desprendimento do conservadorismo que permeava na sociedade da época. Mas a horrenda guerra do Vietnã era a pauta de algumas bandas famosas da época. Todos ou grande parte eram contra, achavam uma aberração e de fato o era.

Era a liberdade, era o hipismo. E a música, bem como as drogas orgânicas e industrializadas, ajudava ou personificavam tal fenômeno sociológico, eram as portas da percepção abertas para sensações transcendentais. Na música, nas bandas de rock n’ roll, predominavam o experimentalismo, as improvisações, as músicas lisérgicas dançantes que hipnotizavam os expectadores ávidos por experiências psicodélicas.

Algumas gozavam de certo peso na sonoridade como o Experience de Hendrix, o Cream, o Vanilla Fudge, Yardbirds etc, mas tinham muito do psicodelismo pujante na época ainda em suas músicas. Contudo, ainda nessa época, tínhamos bandas que ousavam e causavam certo furor pelo fato de tocar mais pesado, de forma mais visceral, mais direta, tais como exemplos tinham Led Zeppelin, Grand Funk Railroad, Blue Cheer, Black Sabbath, The Stooges, entre outras bandas.

Essas bandas foram as primeiras desbravadoras do embrionário hard rock que no final da década de 1960 e início dos anos 1970, onde eclodiu uma grande quantidade de bandas que passaram a se tornar referência para o estilo, dando fim definitivo ao “flower power”.

Mas tivemos outras bandas que facilmente podem ser inseridas neste rol de baluartes do hard rock, que executava um rock com temática mais pesada e que infelizmente não teve os holofotes para difundir a sua música e colher os louros do pioneirismo, mas que, graças a abnegados como nós, amantes incondicionais do estilo e ferramentas como a internet, trazem à luz as bandas que caíram na implacável malha do esquecimento, nos porões esquecidos e obscuros do rock n’ roll.

E diante de uma quantidade razoável de bandas, conheci uma que, a primeira audição, me gerou uma completa surpresa positiva mesclada a um espanto por uma sonoridade arrojada e revolucionária no longínquo ano de 1969. Falo de uma banda chamada VALHALLA e seu único álbum lançado, de nome “Valhalla”.

O Valhalla foi uma banda norte americana que fazia uma mescla de hard rock ácido e visceral com o uso de hammond. Em alguns momentos fica muito orquestral e até sinfônico e até passagens jazzísticas, com pitadas progressivas. Era uma época de transição, ou seja, do psicodelismo para o rock pesado, mas o Valhalla já mostrava uma considerável queda pelo peso, pelo heavy rock e lembra um pouco o começo do Deep Purple e também o Uriah Heep.

E falando em começo o Valhalla, como tantas outras bandas, das famosas e obscuras, comercialmente falando, tinham os porões, as garagens, com o mínimo de estrutura para tocar os seus primeiros acordes. Não tiveram sessões em estúdios ou estruturas adequadas, eram espaços ínfimos, pequenos e muitas vezes nas casas dos pais, onde era o terror da vizinhança pouco simpática a uma sonoridade, digamos, pouco ortodoxa.

Eram muito jovens quando formaram o Valhalla, nunca tinham tocado em outras bandas anteriormente, em Long Island, apesar de ter alguma cena rock nessa região. E tudo girava em uma mentalidade antiautoritária, as agitações civis estimulavam o surgimento de bandas, de jovens que queriam expressar as suas insatisfações com o status quo pela arte, pela música e claro não foi diferente com os meninos do Valhalla.

Mas eram tempos difíceis para as bandas que pouco tinha no que se refere a oportunidades para gravar e difundir a sua música. Mas o selo “United Artists” contatou o tecladista, vocalista e pianista da banda, Mark Mangold, oferecendo um contrato ao Valhalla, após ter visto a banda tocar em um clube. A banda era forte, era visceral ao vivo e certamente colaborou para a gravadora convoca-los para a gravação de seu único álbum, “homônimo”, em 1969.

Mesmo com um contrato debaixo do braço a banda, formada por Mangold nos teclados, vocal e piano, Rick Ambrose no baixo e vocal, Dom Krantz na guitarra, Eddie Livingston na bateria e Bob Huling no vocal e percussão, teve dificuldades para conceber seu álbum, afinal pouca verba foi liberada para os caras trabalharem e entregarem um álbum com uma qualidade na sua produção.

A banda, muito jovem e pouco rodada no show bussiness, teve que contar inteiramente com o seu produtor, acontecendo tudo muito rápido, ou seja, uma ou talvez duas tomadas no máximo, basicamente sem overdubs. O álbum foi feito na “raça”! Tanto que se nota, na mixagem, a bateria um pouco baixa, mas que não comprometeu no resultado final, muito pelo contrário.

Nunca se soube exatamente quantas cópias foram feitas para este álbum, possivelmente poucas cópias o que infelizmente “ajudou” para a banda não conseguir êxito comercial. A capa do disco, um navio viking, que queima e naufraga, revela com força o nome da banda. Valhala, na mitologia escandinava, era o palácio onde as almas dos guerreiros mortos em combate eram recebidas para servir ao deus Odin. Era uma espécie de santuário onde só entravam os mortos com honras. Era o paganismo nórdico a favor do rock n’ roll, daí se explica a sua essência. O nome do artista que concebeu a arte gráfica era Remo Bramanti.

Quando o álbum foi lançado o Valhalla não fez grandiosas turnês, foram apenas apresentações locais, basicamente em faculdades, clubes e alguns poucos festivais pelos Estados Unidos. Era desejo de a banda divulgar o seu trabalho novo, até então, pela Europa, o que nunca aconteceu. Mas a banda conquistou alguma fama na região onde foi formada e arredores, graças as suas explosivas apresentações.

Na concepção da criação, todas as faixas foram compostas, foram criadas no piano com alguma improvisação ou em ensaios e grande parte dessas músicas tiveram inspiração em posturas anti-guerra ou questões comportamentais. Era uma época de descoberta, sombria, então formas de pensar velhas e antiquadas estavam na “pauta” dos jovens do Valhalla. Tudo isso era inspiração para compor e não tinha como fugir daquelas “tendências”.

“Valhalla” trazia a potência e o vigor do hard rock, mesclado a um proto prog, algo como um progressivo sinfônico graças a uma orquestra que ajudou no processo de composição e concepção do álbum, com músicas repleta de mudanças de ritmo e melodias complexas, mas muito orgânicas, cheias de vivacidade e visceralidade.

E ele é inaugurado com a faixa “Hard Times” que traz uma fusão avassaladora de riffs de guitarra e teclados frenéticos, as misturas de proto metal e rock psicodélico são evidentes, com guitarras pesados e vocais ásperos e poderosos complementados pelo hammond.

"Hard Times"

“Conceit” começa mais devagar e suave, mas gradualmente se desenvolve, tornando-se uma faixa psicodélica mais pesada e fantástica no final. A melodia dos versos é cativante!

"Ela levou uma vida protegida desde o amor de cachorro para ser minha esposa"!

O solo de guitarra no fim da faixa assume contornos de distorção e com efeitos de “wah-wah” incríveis.

"Conceit"

O peso das duas faixas anteriores desaparece com a linda balada “Ladies in Waiting”, a faixa mais lenta do álbum e trabalhada lindamente no piano. A melodia é delicada e o vocal é excelente nesta faixa. A letra provavelmente não seria tão popular nos dias de hoje:

"Mãe de nada, os frutos do seu ventre foram em vão."

"Ladies in Wainting"

“I’m Not Askin” traz o estilo psicodélico ácido e pesado e fica um pouco mais progressivo em alguns momentos, com uma seção estendida de solo de guitarra avassaladora e um pouco também com a bateria, tendo a textura do hammond que traz a “cereja” do bolo. Não podemos deixar de destacar a força pulsante do baixo que trouxe mais peso a faixa. Percebi também uma levada bluesy nesta música, além do vocal gritado e rasgado. Lindo!

"I'm not Askin"

“Deacon” é uma música tipicamente “flower power”, com a orquestra como pano de fundo trazendo a noção de algo voltado para o proto prog, talvez um progressivo sinfônico.

"Deacon"

“Heads are Free” traz aquela sonoridade meio psicodélica, resquício de rock lisérgico, um pouco comercial e acessível, traz também um limpo e belo solo de guitarra. Lembra um pouco The Doors.

"Heads are Free"

“Roof Top Man” é um espetáculo à parte. Introdução jazzística na bateria, um vocal blueseiro e uma pegada hard faz dessa música uma das melhores do álbum, sem dúvida. Traz também uma guitarra “fuzz” lembrando os primórdios do Iron Butterfly.

"Roof Top Man"

Em seguida tem a faixa "JBT" que significa algo como "July Building Thunderstorm" ou “formação de tempestades de julho”. É uma música mais suave que descreve poeticamente uma construção e uma tempestade que se aproxima. Começa com uma guitarra limpa e um som de órgão mais suave, mas perto do final muda um pouco.

"JBT"

“Conversation” também pega leve, como a faixa “Deacon”, se revelando uma linda balada com a predominância do piano dando-lhe a camada necessária para a música.

"Conversation"

O álbum fecha com “Overseas Symphony” que é um tanto quanto épico trazendo a combinação de heavy psych com a orquestra. A música com pouco menos de seis minutos e meio se revela complexa e rica, cheia de mudanças rítmicas com solos de guitarras lindas, vocais emotivos e de grande alcance e transições com uma leve e doce flauta, aquela faixa extravagante entre peso e prog rock.

"Overseas Symphony"

O único membro do Valhalla que teve uma carreira musical mais longeva foi o tecladista Mark Mangold que foi, após o fim do Valhalla, foi para o American Tears e lá ajudou a banda a gravar três álbuns de estúdio, além de ter gravado alguns trabalhos solo.

O Valhalla lamentavelmente não durou muito tempo, mas deixou uma marca indelével em um período de grandes transições para o rock n’ roll onde esta música conheceria, na virada dos anos 1960 para os anos 1970, grandes vertentes como hard rock, rock progressivo e que estavam impressos na música da banda.

Um hard potente, verdadeiros petardos de guitarra e teclados caóticos, vocais ao estilo heavy rock... Um álbum que, embora esteja nos porões do rock, certamente, ao ouvi-lo, você logo chegará a uma óbvia conclusão: É uma referência para uma toda uma cena que surgiria forte na década de 1970 e 1980.



A banda:

Rick Ambrose no baixo, vocais

Bob Huling na percussão, vocais

Don Krantz na guitarra

Eddie Livingston na bateria

Mark Mangold nos teclados, vocais

 

Faixas:

1 - Hard Times

2 - Conceit

3. Ladies in Waiting

4 - I'm Not Askin'

5 - Deacon

6 - Heads Are Free

7 - Rooftop Man

8 - JBT

9 - Conversation

10 - Overseas Symphony




"Valhala" (1969)



 





 


























 


 




quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Minus Two - SWF Session (1972 - 2010)

 

O krautrock, icônica cena comportamental, política e musical alemã, ficou notoriamente conhecida, sob o aspecto da música, pelas bandas com suas longas e experimentais músicas, com “quedas” para a lisergia, para o psych rock, com pegadas bluseiras, jazzísticas e até algo mais pesado como o hard rock, por exemplo.

Até hoje a cena, em seus primórdios, não é muito encara pelos amantes do progressivo, como bandas do gênero, pois estão mais ligadas ao psicodélico, afinal, tais bandas surgiram em uma época em que a psicodelia estava em voga, nos anos de 1968, 1969.

Mas quando o progressivo estava em voga, isso lá pelos anos de 1972 ou 1973, algumas bandas alemãs, surfando na onda, conseguiu, com maestria, aliar o experimentalismo, o minimalismo do krautrock com o genuíno prog rock que tinha na Inglaterra o berço das grandes representantes do estilo.

E fizeram com maestria e ousadia, fazendo o que poucos tinham a coragem de colocar em prática, no estúdio e nos palcos. Claro que havia os famosos “power trios”, como o Emerson, Lake & Palmer que, mesmo com uma dose limitada de músicos no palco, os destruía destilando suas notas pesadas e complexas.

Porém o que dizer de uma dupla? Sim! Um “duo”! Pode parecer algo impensável, atípico, até louco, em se tratar de rock progressivo. Como parecer relevante e consistente com apenas dois caras no estúdio ou no palco!

Pois sim, há uma banda, ou melhor, um “duo”, que surgiu na Alemanha no início da década de 1970 e que pratica um som incrivelmente forte e intenso. Falo do MINUS TWO.

O Minus Two foi formado no início de 1971 quando dois jovens estudantes de música em Viernheim, o tecladista e organista Günter Kühlwein e o baterista Walter Helbig de uma banda de soul chamada “Excelsior”. Já começa aí no estilo de som, do soul para o prog rock, uma guinada e tanto.

Os caras decidiram continuar fazendo música mesmo que a ruptura com a sua antiga banda. Então radicalmente dispensou, em seu novo projeto, guitarristas e baixistas optando por uma dupla com tecladistas e baterista. Por isso que o nome da banda é “Minus Two” que, na tradução livre significa “Menos Dois”.

Com o Minus Two formado a banda passou a excursionar pelo sul da Alemanha, fazendo um bom número de shows, apareceu até na televisão, além de uma exposição de uma rádio em Berlim, em 1971.

Gravou uma seção para a Südwestfunk (SWF), em Baden Baden, no verão de 1972 o que originaria o álbum lançado somente em 2010, pelo selo “Long Hair”, chamado de “SWF Session”, cuja gravação ocorreu em 1972 e que foi esquecida.

Esquecida porque nenhuma gravadora queria gravar o material, porém também porque os jovens estudantes continuaram com as rotinas estudantis na Universidade das Artes de Basiléia, mais precisamente na Swiss Jazz School.

Talvez possa parecer louco e muito improvável uma dupla de baterista e tecladista, ou faltar algo no conceito da música, em sua estrutura melódica ou coisa que o valha. Confesso que, quando a descobri e li rapidamente sobre o pouco que tem a respeito do Minus Two na grande rede, por exemplo, achei se tratar de algo raso e trivial, mas não! Uma sonoridade extremamente cativante, viva, diria até intensa.

“SWF Session” é um álbum de prog rock, mas com a alma kraut com improvisações alucinantes, viajantes, quase lisérgicas e chapantes a ponto de a alma sair do corpo e se deixar seduzir pelas notas que saem desse trabalho.

E convém ressaltar um detalhe que considero de suma importância: por se tratar de um “duo”, dois instrumentos, não há nenhuma espécie de indulgência entre os músicos e seus instrumentos, ou seja, não há solos intermináveis de bateria, de teclado. Há uma convergência entre os músicos e seus instrumentos.

Então comprovemos a audácia sonora produzida neste álbum, falando de cada faixa, das quatro faixas que o compõe. “SWF Session” inicia com a faixa “Sticks and Keys” que já começa com uma breve, mas sombria introdução sombria do hammond que logo irrompe em uma simbiótica relação com a bateria, que ocasionalmente se coloca em alguns solos, com viradas rápidas e diretas.

"Sticks and Keys"

Segue com “Differences” que é introduzida com o teclado novamente, mas com uma vibe mais experimental, talvez algo voltado para o space rock, com um “caráter” mais contemplativo. A bateria se faz presente, de forma mais intensa aos minuto e meio e segue em um salutar duelo com o hammond e ficando cada vez mais intenso e até, por vezes, pesado.

"Differences"

“First Romance” é faixa mais longa e talvez a melhor de todo o álbum. O vocal traz um tom sombrio, texturas obscuras tecem a música e entrega também algo tenso e dramático. O teclado é o “culpado” por essa atmosfera também e a bateria traz o senso rítmico, arrastado, até perigoso. Fantástica música!

"First Romance"

E o álbum fecha as cortinas com “Welcome for You” e é inaugurado com o frenesi dos teclados e uma combinação experimental e lisérgica que logo fica mais solar, mais animado, com o prog rock assumindo protagonismo, talvez uma levada jazzística de nota com a bateria entregando tal momento.

"Welcome for You"

“SWF Session”, quando ganhou vida décadas mais tarde, em 2010, trouxe, como bônus track, a faixa “Differences” ao vivo em Baden Baden, naquela apresentação no longínquo ano de 1972.

O tecladista Günter Kühlwein foi morar na suíça e é muito ativo como músico nas áreas do jazz, soul e blues e leciona também na Swiss Jazz School, onde foi aluno.

Walter Helbig, o baterista, está na Alemanha onde trabalha como professor de música e tocou em algumas big bands de jazz e também trabalhando para vários músicos pop como Jürgen Drews, por exemplo.

Sem dúvida o pouco caso de algumas gravadoras foi o pivô para o esquecimento dessa gravação, mas parece que os jovens músicos à época também não deram tanto o devido interesse ao belíssimo trabalho que produziram que de tão ousado, resultou em uma música de vanguarda e cheia de vida.

 

A banda:

Walter Helbig na bateria, percussão e vocal

Günter Kühlwein nos teclados e vocais principais

 

Faixas:

1 - Sticks and Keys

2 - Differences

3 - First Romance

4 - Welcome for You

Bonus Track:

5 - Differences (Live)


"SWF Session" (1972 - 2010)