A transição das décadas de
1960 e 1970 foi agitada para os músicos da seminal banda alemã Lucifer’s
Friend. Muitos foram os álbuns lançados entre, principalmente entre os anos de
1970 e 1972, com o recém-surgido Lucifer’s Friend e os projetos da maioria de
seus músicos que, de alguma forma, pelo menos em sua maioria, foram
predecessores a essa importante banda de hard rock germânico. E falaremos de
uma muito importante para a fundação da música pesada, do hard rock alemão e
que não é lá muito reconhecida pelo feito: o Electric Food.
Mas antes de falar
do Electric Food torna-se mais do que pertinente falar do passado desses caras
que remontam o longínquo anos 1960, mais precisamente o ano de 1963 quando uma
banda, de nome “The German Bonds”, tinha dois músicos que viriam a se tornar
membros essenciais do Lucifer’s Friend: o guitarrista Peter Hesslein e o
tecladista Peter Hecht, além do baixista Dieter Horns.
The German Bonds gozou de
alguma popularidade e a construiu no “Star Club” da cidade de Hamburgo e tinha
nas suas primeiras formações, além de Hecht nos teclados e Dieter Horns, no
baixo, Rainer Degner, na guitarra e vocal e Peet Becker na bateria.
A banda
fazia parte da cena beat alemã, sendo uma das primeiras a aquecer a cena local,
tocando covers de bandas conhecidas também dessa vertente, de um som mais pop e
dançante, como Hollies e Pretty Things, por exemplo. A banda era boa ao vivo,
mas deixava a desejar nos estúdios, talvez pelo fato da pouca idade e
inexperiência dos músicos ou pouca estrutura que a gravadora dava para os caras
produzirem.
O fato é que a banda durou por algum tempo, o suficiente para
gravar alguns razoáveis sucessos como “Sonata Facile” que pode ser considerado
como uma das primeiras manifestações do progressivo sinfônico na Alemanha e “We
Are Out of Side”.
The German Bonds - "We Are Out of Side", Live (1966)
Mas a origem do Electric
Food começa a ser moldada quando o guitarrista Peter Hesslein entra para o The
German Bonds, isso em 1968. Com a chegada de Hesslein decidem mudar o nome, bem
inusitado e engraçado, diga-se de passagem, para Electric Food.
Os anos
seguintes não foram lá os melhores. Até 1970 não tinha shows para fazer e, para
ganhar alguma grana, precisavam fazer outras atividades remuneradas até mesmo
para sustentar o que realmente eles amavam fazer: tocar, serem músicos.
Electric Food
A luz no fim do túnel
apareceu, a situação começou a melhorar um pouco em 1970 quando assinaram
contrato com um pequeno selo chamado “Europa” que tinha a intenção de investir
em bandas novas com uma sonoridade mais “arrojada” e que chamava a intenção da
juventude alemã e que fossem desconhecidas do grande público, afinal, já que
não tinha um grande orçamento, parecia ser interessante investir em bandas
novas que não são caras.
Como Peter Hesslein, Dieter Horns e Peter Hecht já
tinham um bom entrosamento e amizade, desde a época do falecido The German
Bonds, então entraram no estúdio para conceber o primeiro trabalho do Electric
Food, o homônimo, de 1970.
"Electric Food" (1970)
Nesse período foi convidado
para a empreitada outro importante personagem na história do Lucifer’s Friend,
o baterista Joachim "Addi" Rietenbach e o vocalista, que no debut do
Electric Food não fora creditado, chamado George Monro, um pseudônimo para
George Mavros.
George Mavros
Com essa formação o primeiro
álbum do Electric Food ganhou a luz do dia. Mas esse material lançado não teria
tanta divulgação assim e ficou marcado mesmo como um trabalho de estúdio, sem
realização de turnês ou algo que valha, mas aqui ele ganha relevância sendo o
alvo de nossa discussão. O álbum conta com a predominância de um potente e
vigoroso hard rock, puro e genuíno e pode ser considerado como um dos primeiros
do estilo lançado na Alemanha, sem sombra de dúvida.
O Lucifer’s Friend, que
também pode ser considerado como um dos precursores da música pesada germânica, definitivamente foi importante em todos os sentidos para o rock alemão
e até quando esta não existia, já deixava na história o seu nome, antes de
tê-lo figurado na música pesada alemã. Em alguns textos espalhados pela grande
rede, o Electric Food tinha influência de bandas como Led Zeppelin, Uriah Heep,
Deep Purple entre outras que, na época, fazia muito sucesso, no início da
década de 1970, mas convenhamos que, dada a sua importância para o rico rock n’
roll alemão, o Electric Food, embora fosse o “primo pobre” da cena, pode e deve
ser considerada como um dos precursores do estilo.
Dentre as faixas gravadas no
primeiro álbum tem alguns covers de bandas famosas à época, como “Whole Lotta
Love”, do Led Zeppelin e “House of The Rising Sun”, da banda The Animals.
Afinal era uma estratégia para divulgar e impulsionar o nome dos músicos e
também da banda, afinal, tendo essas músicas famosas de bandas igualmente
conhecidas, a chance era grande. Cabe aqui, antes de dissecar o álbum do
Electric Food, falar de mais um momento importante na história do Electric Food
que, nada mais é do que predecessor do Lucifer’s Friend.
Falo da banda Asterix
e do seminal vocalista britânico John Lawton. “Asterix” era outro projeto
formado em 1970 e tinha todos os membros do Electric Food, no seu primeiro
álbum, além dos vocalistas Toni Cavanaugh (Tony Cavanna) e o mais famoso: John
Lawton.
John Lawton
Lawton é de uma cidade
chamada Halifax, no Reino Unido, começando lá a sua carreira, na década de
1960, tocando em bandas como The Deans e Stonewall. Decidiu se mudar para Hamburgo,
em 1969, depois de uma turnê que fez com o Stonewall por toda a Alemanha.
Por
lá se integrou ao grupo vocal de Hamburgo chamado “The Les Humphries Singers”,
entre 1971 até 1976, mas antes fora convidado para ser o vocalista de uma banda
chamada Asterix que tinha como músicos a banda Electric Food. Lançaram um álbum
em 1970 e Lawton, por questões óbvias, tocou em mais faixas que os outros
vocalistas Cavanna e Monro.
O Asterix é tido como o pré Lucifer’s Friend e há
quem diga que já era o lucifer’s Friend e o nome da banda que era “Asterix” não
era o nome da banda, mas o nome do álbum. Essa confusão toda para constatar o
óbvio: que Electric Food, Asterix e Lucifer’s Friend foram “gerados” do mesmo
ventre sonoro.
.
"Asterix" (1970)
Mas como aqui quem está na
crista da onda é o primeiro trabalho da banda Electric Food, vamos às músicas
deste excelente trabalho. Abre com a faixa clássica do Led Zeppelin “Whole
Lotta Love”. A chama pesada original do Zeppelin está lá. Aquele riff
característico de guitarra na introdução, a bateria pesada, um belo vocal
melódico e poderoso, mas a versão do Electric Food é mais direta ainda, sem
aqueles momentos lisérgicos e psicodélicos que entre os “momentos” pesados na
música original gravada pela banda britânica. Ótima versão!
"Whole Lotta Love"
“The Reason Why” traz a
memória um som típico norte americano, sulista, soando, em alguns momentos
country, mas logo ganha força, ganha corpo e, entre riffs crus e diretos de
guitarra e teclados tocados freneticamente em um belo duelo, a música ganha
peso, mas que logo volta aquele momento mais lento. Belas alternâncias rítmicas
fazem dessa faixa também especial.
"The Reason Why"
“Hey Down” vem com teclados
vivazes e cheio de força com a bateria em um estilo meio jazzístico em uma
levada bem pesada, com um vocal limpo, alto, de grande alcance e melódico até
chegar ao cume do caos sonoro. “Tavern” tem também o destaque dos teclados e da
bateria com solos curtos e bem feitos de guitarra.
“Going To See My Mother” é
uma faixa bem dançante e solar! Traz um pouco da chama da década de 1950, com
um piano bem divertido. Um típico rockabilly bem interessante. Mas o destaque
do álbum é um clássico, um cover da banda The Animals chamado “House Of The
Rising Sun”. Uma excelente versão com a assinatura do Electric Food: um hard
rock poderoso e arrebatador.
"House of the Rising Sun'
“Let's Work Together”,
clássico do ex-Beatle George Harrison, é outra faixa dançante, envolvente e
animada. O vocal acompanha os teclados em um ritmo cadenciado e interessante,
tendo a guitarra dando o “tempero” mais pesado ao conjunto sonoro. “Sule Skerry”,
a começa com uma pegada mais blueseira, mas com a marca registrada do hard rock
com guitarra “cantando” forte e bateria pegando pesado que logo dá lugar ao
vocal bem executado. Uma faixa poderosa, um senhor petardo!
"Sule Skerry"
“Nosferatu” é sem dúvida a
mais sombria do álbum! Com uma atmosfera densa e ameaçadora, com gritos de
desespero e tudo que tem direito, ela irrompe com uma bateria poderosa feito um
trovão, com riffs de guitarra sujos e repetitivos e teclados obscuros faz dessa
música uma das melhores deste trabalho do Electric Food.
Nosferatu"
“Twelve Months And A Day” é
mais lisérgica, uma pegada mais beat, com um aspecto mais comercial e
radiofônico, é cadenciada com um bom trabalho do vocal e da “cozinha” em uma
bela sinergia. “Icerose” tem o destaque dos teclados e de riffs bem satisfatórios
de guitarra em mais uma sinergia bem salutar com um belo duelo, onde o trabalho
dos instrumentistas, como um todo, diria, tem a sua importância.
"Twelve Months and a Day"
O álbum fecha
com “I'll Try” que traz de volta os momentos mais agressivos do Electric Food
neste álbum, com, mais uma vez, a participação intensa dos teclados tocados de
forma intensa e visceral com os riffs de guitarra dando peso.
"I'll Try"
O Electric Food, em 1971,
lançaria um segundo álbum chamado “Flash”, mas sem muita repercussão, como o
primeiro álbum. E nesse mesmo período um novo projeto ganharia vida e se
chamaria “The Pink Mice” que consistia na encarnação mais sinfônica desses
músicos do Electric Food e Lucifer’s Friend, tendo também influências clássicas
com releituras de ícones do estilo como Bach e Beethoven, por exemplo.
The Pink Mice
Lançaram dois álbuns, o
primeiro, em 1971, chamado “In Action” e o segundo, em 1972, chamado “In
Synthesizer Sound”. The Pink Mice é considerado, junto com bandas do naipe de
Triumvirat, que no início de sua história se chamava “The Rat”, um dos pioneiros do progressivo sinfônico na Alemanha.
Em 2004 os dois
álbuns foram relançados em CD, em um formato "dois em um". Uma pérola mais do
que recomendada da vasta e rica Alemanha sonora. Um verdadeiro “clássico
obscuro” perdido dos primórdios da música pesada. Nesse emaranhado de
lançamentos e projetos, o mais audacioso e longevo de todos, o próprio Lucifer’s
Friend, ganharia vida com o seu primeiro álbum, utilizando de fato, oficialmente,
o nome “Lucifer’s Friend”, também em 1970 com o álbum homônimo, mas isso já é
outra história...
A banda:
George Monro (George Mavros)
nos vocais
Peter Hesslein na guitarra e backing vocals
Peter Hecht nos teclados
Dieter Horns no baixo
Joachim "Addi"
Rietenbach na bateria
Faixas:
1 - Whole Lotta Love
2 - The Reason Why
3 - Hey Down
4 - Tavern
5 - Going to See My Mother
6 - House of the Rising Sun
7 - Let's Work Together
8 - Sule Skerry
9 - Nosferatu
10 -Twelve Months and a Day
11 - Icerose
12 - I'll Try
"Electric Food" (1970)