domingo, 16 de agosto de 2020

Electric Food - Electric Food (1970)


A transição das décadas de 1960 e 1970 foi agitada para os músicos da seminal banda alemã Lucifer’s Friend. Muitos foram os álbuns lançados entre, principalmente entre os anos de 1970 e 1972, com o recém-surgido Lucifer’s Friend e os projetos da maioria de seus músicos que, de alguma forma, pelo menos em sua maioria, foram predecessores a essa importante banda de hard rock germânico. E falaremos de uma muito importante para a fundação da música pesada, do hard rock alemão e que não é lá muito reconhecida pelo feito: o Electric Food. 

Mas antes de falar do Electric Food torna-se mais do que pertinente falar do passado desses caras que remontam o longínquo anos 1960, mais precisamente o ano de 1963 quando uma banda, de nome “The German Bonds”, tinha dois músicos que viriam a se tornar membros essenciais do Lucifer’s Friend: o guitarrista Peter Hesslein e o tecladista Peter Hecht, além do baixista Dieter Horns.


The German Bonds gozou de alguma popularidade e a construiu no “Star Club” da cidade de Hamburgo e tinha nas suas primeiras formações, além de Hecht nos teclados e Dieter Horns, no baixo, Rainer Degner, na guitarra e vocal e Peet Becker na bateria. 

A banda fazia parte da cena beat alemã, sendo uma das primeiras a aquecer a cena local, tocando covers de bandas conhecidas também dessa vertente, de um som mais pop e dançante, como Hollies e Pretty Things, por exemplo. A banda era boa ao vivo, mas deixava a desejar nos estúdios, talvez pelo fato da pouca idade e inexperiência dos músicos ou pouca estrutura que a gravadora dava para os caras produzirem. 

O fato é que a banda durou por algum tempo, o suficiente para gravar alguns razoáveis sucessos como “Sonata Facile” que pode ser considerado como uma das primeiras manifestações do progressivo sinfônico na Alemanha e “We Are Out of Side”.

The German Bonds - "We Are Out of Side", Live (1966)

Mas a origem do Electric Food começa a ser moldada quando o guitarrista Peter Hesslein entra para o The German Bonds, isso em 1968. Com a chegada de Hesslein decidem mudar o nome, bem inusitado e engraçado, diga-se de passagem, para Electric Food. 

Os anos seguintes não foram lá os melhores. Até 1970 não tinha shows para fazer e, para ganhar alguma grana, precisavam fazer outras atividades remuneradas até mesmo para sustentar o que realmente eles amavam fazer: tocar, serem músicos.

Electric Food

A luz no fim do túnel apareceu, a situação começou a melhorar um pouco em 1970 quando assinaram contrato com um pequeno selo chamado “Europa” que tinha a intenção de investir em bandas novas com uma sonoridade mais “arrojada” e que chamava a intenção da juventude alemã e que fossem desconhecidas do grande público, afinal, já que não tinha um grande orçamento, parecia ser interessante investir em bandas novas que não são caras. 

Como Peter Hesslein, Dieter Horns e Peter Hecht já tinham um bom entrosamento e amizade, desde a época do falecido The German Bonds, então entraram no estúdio para conceber o primeiro trabalho do Electric Food, o homônimo, de 1970.

"Electric Food" (1970)

Nesse período foi convidado para a empreitada outro importante personagem na história do Lucifer’s Friend, o baterista Joachim "Addi" Rietenbach e o vocalista, que no debut do Electric Food não fora creditado, chamado George Monro, um pseudônimo para George Mavros.

George Mavros

Com essa formação o primeiro álbum do Electric Food ganhou a luz do dia. Mas esse material lançado não teria tanta divulgação assim e ficou marcado mesmo como um trabalho de estúdio, sem realização de turnês ou algo que valha, mas aqui ele ganha relevância sendo o alvo de nossa discussão. O álbum conta com a predominância de um potente e vigoroso hard rock, puro e genuíno e pode ser considerado como um dos primeiros do estilo lançado na Alemanha, sem sombra de dúvida. 

O Lucifer’s Friend, que também pode ser considerado como um dos precursores da música pesada germânica, definitivamente foi importante em todos os sentidos para o rock alemão e até quando esta não existia, já deixava na história o seu nome, antes de tê-lo figurado na música pesada alemã. Em alguns textos espalhados pela grande rede, o Electric Food tinha influência de bandas como Led Zeppelin, Uriah Heep, Deep Purple entre outras que, na época, fazia muito sucesso, no início da década de 1970, mas convenhamos que, dada a sua importância para o rico rock n’ roll alemão, o Electric Food, embora fosse o “primo pobre” da cena, pode e deve ser considerada como um dos precursores do estilo. 

Dentre as faixas gravadas no primeiro álbum tem alguns covers de bandas famosas à época, como “Whole Lotta Love”, do Led Zeppelin e “House of The Rising Sun”, da banda The Animals. Afinal era uma estratégia para divulgar e impulsionar o nome dos músicos e também da banda, afinal, tendo essas músicas famosas de bandas igualmente conhecidas, a chance era grande. Cabe aqui, antes de dissecar o álbum do Electric Food, falar de mais um momento importante na história do Electric Food que, nada mais é do que predecessor do Lucifer’s Friend. 

Falo da banda Asterix e do seminal vocalista britânico John Lawton. “Asterix” era outro projeto formado em 1970 e tinha todos os membros do Electric Food, no seu primeiro álbum, além dos vocalistas Toni Cavanaugh (Tony Cavanna) e o mais famoso: John Lawton.

John Lawton

Lawton é de uma cidade chamada Halifax, no Reino Unido, começando lá a sua carreira, na década de 1960, tocando em bandas como The Deans e Stonewall. Decidiu se mudar para Hamburgo, em 1969, depois de uma turnê que fez com o Stonewall por toda a Alemanha. 

Por lá se integrou ao grupo vocal de Hamburgo chamado “The Les Humphries Singers”, entre 1971 até 1976, mas antes fora convidado para ser o vocalista de uma banda chamada Asterix que tinha como músicos a banda Electric Food. Lançaram um álbum em 1970 e Lawton, por questões óbvias, tocou em mais faixas que os outros vocalistas Cavanna e Monro. 

O Asterix é tido como o pré Lucifer’s Friend e há quem diga que já era o lucifer’s Friend e o nome da banda que era “Aserix” não era o nome da banda, mas o nome do álbum. Essa confusão toda para constatar o óbvio: que Electric Food, Asterix e Lucifer’s Friend foram “gerados” do mesmo ventre sonoro.

"Asterix" (1970)

Mas como aqui quem está na crista da onda é o primeiro trabalho da banda Electric Food, vamos às músicas deste excelente trabalho. Abre com a faixa clássica do Led Zeppelin “Whole Lotta Love”. A chama pesada original do Zeppelin está lá. Aquele riff característico de guitarra na introdução, a bateria pesada, um belo vocal melódico e poderoso, mas a versão do Electric Food é mais direta ainda, sem aqueles momentos lisérgicos e psicodélicos que entre os “momentos” pesados na música original gravada pela banda britânica. Ótima versão!

Electric Food - "Whole Lotta Love"

“The Reason Why” traz a memória um som típico norte americano, sulista, soando, em alguns momentos country, mas logo ganha força, ganha corpo e, entre riffs crus e diretos de guitarra e teclados tocados freneticamente em um belo duelo, a música ganha peso, mas que logo volta aquele momento mais lento. Belas alternâncias rítmicas fazem dessa faixa também especial.

Electric Food - "The Reason Why"

“Hey Down” vem com teclados vivazes e cheio de força com a bateria em um estilo meio jazzístico em uma levada bem pesada, com um vocal limpo, alto, de grande alcance e melódico até chegar ao cume do caos sonoro. “Tavern” tem também o destaque dos teclados e da bateria com solos curtos e bem feitos de guitarra.

“Going To See My Mother” é uma faixa bem dançante e solar! Traz um pouco da chama da década de 1950, com um piano bem divertido. Um típico rockabilly bem interessante. Mas o destaque do álbum é um clássico, um cover da banda The Animals chamado “House Of The Rising Sun”. Uma excelente versão com a assinatura do Electric Food: um hard rock poderoso e arrebatador.

Electric Food - "House of the Rising Sun'

“Let's Work Together”, clássico do ex-Beatle George Harrison, é outra faixa dançante, envolvente e animada. O vocal acompanha os teclados em um ritmo cadenciado e interessante, tendo a guitarra dando o “tempero” mais pesado ao conjunto sonoro. “Sule Skerry”, a começa com uma pegada mais blueseira, mas com a marca registrada do hard rock com guitarra “cantando” forte e bateria pegando pesado que logo dá lugar ao vocal bem executado. Uma faixa poderosa, um senhor petardo!

Electric Food - "Sule Skerry"

“Nosferatu” é sem dúvida a mais sombria do álbum! Com uma atmosfera densa e ameaçadora, com gritos de desespero e tudo que tem direito, ela irrompe com uma bateria poderosa feito um trovão, com riffs de guitarra sujos e repetitivos e teclados obscuros faz dessa música uma das melhores deste trabalho do Electric Food.

Electric Food - "Nosferatu"

“Twelve Months And A Day” é mais lisérgica, uma pegada mais beat, com um aspecto mais comercial e radiofônico, é cadenciada com um bom trabalho do vocal e da “cozinha” em uma bela sinergia. “Icerose” tem o destaque dos teclados e de riffs bem satisfatórios de guitarra em mais uma sinergia bem salutar com um belo duelo, onde o trabalho dos instrumentistas, como um todo, diria, tem a sua importância. 

"Twelve Months and a Day"

O álbum fecha com “I'll Try” que traz de volta os momentos mais agressivos do Electric Food neste álbum, com, mais uma vez, a participação intensa dos teclados tocados de forma intensa e visceral com os riffs de guitarra dando peso.

Electric Food - "I'll Try"

O Electric Food, em 1971, lançaria um segundo álbum chamado “Flash”, mas sem muita repercussão, como o primeiro álbum. E nesse mesmo período um novo projeto ganharia vida e se chamaria “The Pink Mice” que consistia na encarnação mais sinfônica desses músicos do Electric Food e Lucifer’s Friend, tendo também influências clássicas com releituras de ícones do estilo como Bach e Beethoven, por exemplo.

The Pink Mice

Lançaram dois álbuns, o primeiro, em 1971, chamado “In Action” e o segundo, em 1972, chamado “In Synthesizer Sound”. The Pink Mice é considerado, junto com bandas do naipe de Triumvirat, que no início de sua história se chamava “The Rat”, um dos pioneiros do progressivo sinfônico na Alemanha.

Em 2004 os dois álbuns foram relançados em CD, em um formato "dois em um". Uma pérola mais do que recomendada da vasta e rica Alemanha sonora. Um verdadeiro “clássico obscuro” perdido dos primórdios da música pesada. Nesse emaranhado de lançamentos e projetos, o mais audacioso e longevo de todos, o próprio Lucifer’s Friend, ganharia vida com o seu primeiro álbum, utilizando de fato, oficialmente, o nome “Lucifer’s Friend”, também em 1970 com o álbum homônimo, mas isso já é outra história...

A banda:

George Monro (George Mavros) nos vocais
Peter Hesslein na guitarra e backing vocals
Peter Hecht nos teclados
Dieter Horns no baixo
Joachim "Addi" Rietenbach na bateria

Faixas:

1 - Whole Lotta Love
2 - The Reason Why
3 - Hey Down
4 - Tavern
5 - Going to See My Mother
6 - House of the Rising Sun
7 - Let's Work Together
8 - Sule Skerry
9 - Nosferatu
10 -Twelve Months and a Day
11 - Icerose
12 - I'll Try



Electric Food - "Electric Food" (1970)