quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Ritual - Widow (1983)

 

A história da indústria da música está repleta de pitorescos e incomuns momentos que definitivamente vale a pena ser contada. Por isso a existência deste humilde e reles blog, porque aqui bons amigos leitores a história também tem o seu lugar de protagonismo, bem como, claro, a música, afinal, convenhamos que ambos se complementam.

E muitas dessas histórias, desses momentos são daquelas bandas, inúmeras, diga-se de passagem, que não chegaram ao estrelato, que não atingiram o status de banda conhecida, não pelo fato de serem ruins, uma porcaria, mas o sucesso é sob o aspecto comercial da coisa e esse sim é no mínimo “digno” de questionamentos no que tange a qualidade sonora.

Mas este reles e humilde blog que o nobre leitor lê é uma ode ao fracasso! Nós amamos o fracasso, porque nele reinam absolutas as bandas obscuras, esquecidas, vilipendiadas pela história da indústria fonográfica. O fracasso é extremamente rico e rende histórias e momentos únicos.

Talvez esse tal fracasso possa ser dissecado, entendido de várias formas: a banda estar na hora e lugar errado, a tal da sorte, como se qualidade dependesse de sorte e afins, mas como falamos em mercado, em uma indústria orquestrada, geralmente, por um sistema destrutivo e paternalista, muitos sucumbem para poucas “oligarquias” prosperarem e sucesso se torna algo totalmente raso.

E essa banda que vos apresento neste texto sintetiza com fidelidade esse panorama que, por se tratar de um sistema, perdura desde os seus primórdios, com algumas mudanças de “aperfeiçoamento” nos dias atuais com alguns adventos tecnológicos, por exemplo. Falo da banda britânica RITUAL.

Ritual

Já começa pelo nome, digamos pouco ortodoxo. Não chega a ser algo agressivo, indulgente, mas que suscita algumas interpretações ameaçadoras que foge do maldito status quo de uma sociedade podre e pseudo conservadora. Mas para os pagãos da música, atrai, no mínimo, atenção e foi o que aconteceu basicamente comigo. Quando se lê um nome desses, é como se fosse mesmerizado.

E quanto a banda, foi formada em 1973 e por anos e anos trafegou por circuitos de clubes sombrios é fétido, na incessante e, às vezes, inglória busca por um mísero contrato para gravar a sua arte, mas absolutamente nada vinha, nenhum convite.

E assim o foi por quase 10 anos! A persistência é um dos pontos positivos dessas bandas obscuras, a defesa de suas verdades sonoras é o maior e mais relevante patrimônio de tais bandas! Seu single saiu em 1981 e o seu primeiro álbum lançado em 1983 pelo selo “Legend Records”.

Era o auge da famosa “New Wave of British Heavy Metal”, a nova cena do heavy metal britânico e ainda assim o Ritual não conseguiu se “encaixar” na cena assumindo certo protagonismo comercial como bandas do naipe de Iron Maiden, Def Leppard entre outras.

O seu álbum “Widow” trazia uma miscelânea do hard rock e do heavy metal, este último no auge, haja vista que a banda trafegara nessas duas cenas, é oriunda do hard setentista e teve seu álbum lançado nos anos de ouro do heavy metal que era, de fato, a “onda” do momento.

“Widow” corrobora definitivamente de que o hard construiu as arestas para o heavy metal reinar nos anos 1980, mas ainda assim o álbum, como disse, não se “encaixou” aos anseios do “mercado”, ou melhor, da cena da época, composta basicamente por jovens que foram moldados a gostarem do heavy metal.

O Ritual, com seu recém-lançado trabalho, foi, diante disso, incompreendido, mal divulgado pela gravadora, não foi tocado nas rádios mais populares e ficou à margem do gradativo sucesso da NWOBHM e das suas principais bandas. A banda caiu no mais puro e triste ostracismo, aquém do sucesso estrondoso e do bem-sucedido heavy metal que também logo cairia em segundo plano, dando lugar ao “metal farofa” surgida na “animada” Los Angeles.

“Widow”, quando lançado à época, no formato LP teve, foi concebido quase que, diria “artesanalmente”, com apenas 2.000 cópias, então aos que adquiriram essa pepita é digna de edição de colecionador.

O resultado de “Widow” foi tão desastroso para o Ritual que, em virtude dessa mínima visibilidade e também da arte gráfica do álbum, o nome da banda foi confundida com “Widow” e não “Ritual”. Inclusive o nome “Widow” está listado em alguns sites importantes de rock e heavy metal, causando confusão e dúvida até entre os fãs do estilo.

E ainda sobre a arte gráfica reza a lenda de que a imagem da mulher ajoelhada e nua se trate de uma bruxa sendo crucificada ou em uma espécie de ritual dando uma razão de ser ao nome da banda, mas isso nada mais é do que uma licença poética de quem vos fala.

Assim se desenha o debut do Ritual: Resquícios evidentes do hard rock oculto com contornos do novo heavy metal que figurava nos primeiros anos da década de 1980. E ouvindo esse belo trabalho “old school” percebe-se, pelo menos para este que vos fala, uma evidência dos primeiros do occult rock, sobretudo pelo teor das suas letras, mas, em algumas entrevistas, o guitarrista e vocalista Re Bethe, sempre tentou minimizar tal afirmativa, mas é até razoável pensar se tratar de um álbum de occult rock, pois traz ecos da assombrosa abordagem do início dos anos 1970 e sua pequena vertente do rock oculto.

A formação do Ritual na construção de “Widow” trazia além de Re Bethe, na guitarra e vocal, tinha Phil Mason no baixo e Rex Duvall na bateria. E voltando às apresentações de “Widow” a sua atmosfera segue com faixas pouco convencionais trazendo uma aura sombria, soturna, entregando, em alguns momentos, algo arrastado, lamacento, lembrando um doom metal, na sua gênese.

A faixa inaugural do álbum, a música título, “Widow” carrega consigo a firme vertente hard obscura do início dos anos 1970 que lembra, em alguns momentos, os primeiros trabalhos do Black Sabbath, com riffs cativantes de guitarra, bateria marcada, cadenciada e baixo pulsante ditando o ritmo. O vocal, soturno, limpo, melódico, melancólico abrange a toda essa textura sonora entregando uma sonoridade extremamente emocional e sombria.

"Widow"

“Come to the Ritual” muda a “chavinha” literalmente! Traz o heavy metal em voga naquela época, com mais velocidade, elétrico, frenético, riffs de guitarras mais pesado e poderoso. O vocal mantém a chama melancólica, porém um pouco mais indulgente e sedutor, algo ameaçador que sintetiza a letra e mensagem da música. Outro ponto interessante da faixa é a mudança rítmica seguindo uma proposta mais progressiva, como na faixa anterior, diria, dando arestas para o que convencionaria mais no futuro como metal progressivo.

"Come to the Ritual"

“Rebecca” é mais “urgente” no que diz respeito ao heavy metal. O protótipo perfeito da vertente repaginada dos primórdios setentistas do hard rock. Mas o peso contrasta com uma cadência que me remete ao doom metal em sua gênese. Mas não desperdiçam nos solos de guitarra, embora diretos e simples. O vocal, mais imponente, não deixa de valorizar a sua limpidez e dramaticidade.

"Rebecca"

“Never for Devil” traz, em sua introdução, a chuva, os trovões eternizados pelo Black Sabbath em seu clássico de mesmo nome, mas que irrompe em um galopante solo de bateria e um pulsante e intenso baixo, a “cozinha” da banda não faz feio e dá abertura para um poderoso e frenético heavy rock que flerta, cronologicamente e instrumentalmente falando, com os anos 1970 e 1980, trazendo o peso de um e a velocidade do outro, respectivamente. Não há como deixar de bater cabeça e dançar nesta faixa.

Morning Star” segue a mesma proposta da faixa anterior, mas um tanto quanto introspectiva e até, por vezes, contemplativa. O peso, personificado pelos riffs pegajosos de guitarra, se contrastam com o vocal melódico que “obriga” os instrumentos a recuarem no peso, em um momento mais suave, tendo apenas o baixo marcado ditando o ritmo.

"Morning Star"

“Journey” te transporta inteiramente aos anos 1970! O peso “bate de frente” com a cadência, trazendo um pouco mais de qualidade ao som, mostrando que a banda pode sim, trabalhar um pouco mais a sua perspicácia instrumental, com guitarras com solos mais limpos e me trabalhados, apesar de diretos e bateria bem trabalhada, sem contar com o vocal repetidamente sendo executado de forma limpa e competente.

E fecha com a faixa “Burning” que me remete aos anos 1970, porém com uma pitada generosa de occult rock e suas bandas de gueto, esquecidas, ao estilo Coven e primeiros álbuns do Blue Oyster Cult. O Ritual nessa faixa tira um pouco o pé do freio, com uma pegada mais “sedutora”, pop, por vezes, atraente como todo bom e velho occult rock.

"Burning"

Mesmo com a nítida produção de baixo orçamento a banda conseguiu sintetizar, sonoramente, a sua proposta e revelando as suas raízes que o tempo não se encarregou de esvair. Embora o álbum tenha trazido as novidades do período em que fora concebido corrobora as suas verdades calcadas na gênese dos anos 1970. O flerte com as vertentes nada mais é do que essa confirmação, de que a gestação do heavy metal se deu com o pai hard rock no início dos anos 1970, ganhando corpo nos anos 1980, ganhando a sua independência nos dourados anos 1980.

Tudo em “Widow” é úmido, endurecido, pesado, sombrio e que mostra, personifica uma dura jornada de uma banda que, por muitos e muitos anos, em uma invejável persistência conseguiu superar os reveses impostos pela paternalista e conservadora indústria fonográfica e gravou seu álbum que, embora não tenha tido a audiência necessária revela a importância de vertentes de duas décadas importantes para o heavy rock.

Depois de algum tempo, não muito, do lançamento de “Widow” o Ritual mergulhou em um hiato tirando-o de cena, certamente motivado pelo insucesso de seu álbum, sob o aspecto comercial e o baixo apoio da sua gravadora e das rádios, mas retornando, dez anos depois, com o seu segundo álbum, chamado “Valley of The Kings”, de 1993.

"Valley of the Kings" (1993)

Diante do tamanho da importância e da influência que o Ritual e o seu debut, “Widow”, representou para a música e os músicos, era inevitável que ele fosse revisitado, revisado e relançado, ganhando uma nova e convincente arte gráfica em 2008 pelo selo Shadow Kingdom Records com faixas bônus.

"Widow" em reedição de 2008

O Ritual, mesmo que nos escombros escuros do rock n’ roll ditou regras, serviu de referência para as principais vertentes da música pesada, trafegou por elas, se tornando necessário, urgente e poderoso! E assim o é com seu álbum, “Widow”, que parece resistir ao tempo.


A banda:

Phil Mason no baixo

Re Bethe nos vocais e guitarra   

Rex Duvall na bateria

 

Faixas:

1 - Widow     

2 - Come to the Ritual       

3 - Rebecca 

4 - Never for Evil     

5 - Morning Star      

6 - Journey  

7 - Burning  

 

 

Ritual - Widow (1983)

 





















 




quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Taste of Blues - Schizofrenia (1969)

 

Vasculhar os escombros obscuros do rock n’ roll nos possibilita encontra algumas gratas “loucuras”, que foge ao famigerado padrão, o óbvio. O rock não pode e não deve ser tratado como algo fugaz e óbvio. Nunca!

O garimpo é vida! Chega desses pasteurizados óbvios que insistem em se tornar os faróis do rock n’ roll, faróis esses que só colocam na escuridão a qualidade diversificada do estilo de que tanto amamos.

Por que digo isso? Porque, claro, em meus garimpos pela grande rede eu descobri algo que jamais pensaria encontrar: uma banda escandinava, mais precisamente da Suécia, que foge um pouco do hard rock! Mas diante disso vem a pergunta: Mas como pensar que na Suécia tem apenas hard rock? O que dizer de algumas grandes bandas progressivas?

Sim, verdade! Mas o que dizer de ouvir uma banda sueca com traços evidentes e bem delineados de krautrock? Krautrock, para os desavisados, foi um movimento social, cultural e musical que se formou na Alemanha no fim da década de 1960 e início dos anos 1970 e ajudou a moldar o rock germânico.

Mas parece que seus contornos sonoros ajudaram a desenhar a música de algumas bandas suecas, mas que, lamentavelmente caíram no ostracismo e vilipêndio da indústria fonográfica, sempre segmentária e conservadora.

E claro citarei uma que ouvi e confesso me ter feito dançar, pois me divertiu a tal ponto que me deixei envolver, em uma espécie de mesmerização plena e deliciosa que somente as bandas desse estilo minimalista e pouco compreendido até hoje entre os fãs mais exigentes do rock progressivo.

E como sempre a história é envolvente, mas que converge para todas as bandas que seguiram no caminho da obscuridade marginal: de dificuldades, de provações, de baixos orçamentos ou nenhum, entre outras adversidades.

A banda é TASTE OF BLUES e o alvo desse texto é o seu único álbum, lançado em 1969, chamado “Schizofrenia”. Mas antes de destrinchar esse álbum incrível e pouco ortodoxo (por isso que ele é especial), vamos de história porque as suas passagens história são no mínimo pitorescas e valem registro.

Taste of Blues

O Taste of Blues foi formado, como disse, na Suécia, em uma região chamada Malmö, em 1967, por Claes Ericsson (órgão e violino), Anders Stridsberg (vocal), Rolf Fredenberg (guitarra), Robert Möller (baixo) e Patrick Erixson (bateria).

E jovens como eram, lá nos anos 1960, sempre tiveram o ímpeto e a impetuosidade de queimar as suas energias tocando rock n’ roll que estava no auge graças a invasão britânica, a cena psicodélica de São Francisco e toda a subversão que o rock poderia proporcionar, tocando em várias bandas pequenas e locais.

E tocavam em clubes de jovens ao redor do condado de Skåne e o embrião do Taste of Blues estava em uma banda chamada “The Decibels”, que tinha cinco adolescentes; duas guitarras, baixo, bateria e um vocalista.

Mas da mesma forma que era comum ter bandas juvenis nascendo, também tinham bandas morrendo, que não vingavam e o “The Decibels” foi uma delas, sucumbindo bem antes de fazer shows ou coisa que o valha, apenas algo amador e totalmente despretensioso.

Quando o The Decibels dissolveu o baixista Robert Möller e o guitarrista Rolf Fredenberg sentiu a necessidade de criar uma nova banda e tentar levar o ofício a sério, ter longevidade e sucesso na música. E aconteceu! No outono de 1967 a banda estava formada!

A primeira coisa de que precisavam era de um local para ensaiar, para tocar, para começar a delinear a sua sonoridade. E conseguiram encontrar, de graça, um prédio no centro de Malmö. Um prédio abandonado, porque seria demolido. O próximo passo era buscar novos companheiros para formar a banda e usaram jornais para buscar novos integrantes.

E assim quando os caras foram integrados à banda, ela ganhou forma e um nome também: “Taste of Blues”. O primeiro show aconteceu em 11 de dezembro de 1967, mas Anders, o vocalista, abandonou o barco, em setembro de 1968, alegando que tinha que dar sequência aos seus estudos, dar prioridade aos estudos e foi aí que entrou Don Washington, um norte americano que morava em Malmö.

Don era negro e tinha 40 anos de idade, certamente o mais velho da banda e reza a lenda de que ele era alcoólatra, viciado em drogas, um ladrão condenado e desertor da Guerra do Vietnã e que se mudou ou fugiu para a Suécia em meados dos anos 1960.

Era um cara barra pesada e temido nas quebradas de Malmö que odiava brancos e que teria agredido fisicamente dois membros da banda, no entanto permaneceu no Taste of Blues graças os seus dotes de cantor ou por medo dos caras da banda, vai saber! O fato é que ganhou a vaga de vocalista do Taste of Blues.

Don Washington

Reza a lenda também que o Taste of Blues era uma banda performática e que tocava para um público pequeno, mas fiel, ávido por música psicodélica. Não era uma banda “dançante”, mas inspirava o público a interagir fortemente graças às batidas meio beat, meio soul, meio blues, com guitarras ácidas e distorcidas.

O Taste of Blues tocou em clubes, casas de shows na Suécia, Dinamarca e Noruega, fizeram um belo tour pela Escandinávia, além de alguns shows na Finlândia também. A Dinamarca foi o país mais receptivo que eles encontraram, que eles tocaram, ocasionando uma ida mais intensa naquelas frias terras.

A banda foi ganhando alguma repercussão, graças as suas apresentações teatrais e viscerais e abriram para alguns figurões como Frank Zappa and The Mothers que, dizem as boas línguas que, em um desses shows o próprio Zappa usou a guitarra do Rolf, do Taste of Blues, em sem show, além de Fleetwood Mac, no Concert Hall de Gotemburg, Jefferson Airplane, no verão de 1969 e tocar para presos em presídios pela Suécia, ou seja, indo do céu ao inferno.

Mas a banda precisava gravar, de documentar um álbum e receberam uma proposta do selo “SSR” para gravar em seus estúdios. As gravações aconteceram em novembro de 1968 e os músicos tinham que se deslocar para Estocolmo ou Gotemburgo para as gravações de seu álbum chamado de "Schizofrenia". Não se sabe ao certo quantas cópias foram prensadas desse único álbum do Taste of Blues, varia entre 500 ou 1.000 cópias desse clássico do submundo do rock sueco.

Outra lenda ronda a banda no processo de gravação de "Schizofrenia". As gravadoras, mesmo com alguma visibilidade que o Taste of Blues estava ganhando, não estava interessadas em gravar a banda em estúdio e alguns americanos que moravam na Suécia decidiram financiar a gravação do álbum em estúdio, talvez por causa da presença do Don Washington, também americano, dando ao Taste of Blues algum crédito.

E talvez, me permitam a licença poética, seja verdade essa história, pois na capa do álbum, muito legal, diga-se de passagem, traz o nome da banda com o nome de Don em destaque. Talvez pelo fato do mesmo ser americano ou porque tenha sido uma exigência do “investidor” dar destaque ao vocalista estadunidense. 

Mas a história pode não ser verídica, pois a banda teria recebido o convite da gravadora “SSR” para gravar seu álbum, ou também pode ter sido paga para liberar aos músicos para tocarem em seus estúdios. Histórias à parte "Schizofrenia" foi concebido em 1969.

A história do álbum "Schizofrenia" gira em torno da sua faixa título em que a banda tocava em seus shows em verdadeiras sagas improvisadas, com muita psicodelia, lisergia e peso, em alguns momentos, com tantas variações, por isso ganhou 17 minutos de duração, que ocupou um lado inteiro no LP e que recebeu esse nome que, em português significa “Esquizofrenia” porque a música tem partes muito distintas, ganhando as tais variações rítmicas e que juntas tudo acontece, como um bolero, por exemplo, e me desculpem pela comparação.

Então a formação do Taste of Blues quando gravou “Schizofrenia" tinha: Don Washington nos vocais, Rolf Fredenberg na guitarra, Claes Ericsson no órgão e violino, Robert Moller no baixo e Patrik Erixson na bateria.

Don Washington e Claes Ericsson

Robert Moller e Rolf Fredenberg

Patrick Erixson

Os lados, falando sobre o aspecto do formato LP, são um tanto quanto distinto, mas o cerne sonoro não foge a regra de um inusitado e maravilhoso krautrock com viagens experimentais, baseados em sons minimalistas, com flautas, saxofones e guitarras ácidas, aqui e ali, sobretudo na primeira faixa, tendo no lado “B” uma sonoridade mais dançante, com solos de guitarras mais pesadas com um viés blueseiro, tendo como cerne o tripé kraut-blues-rock e tendo ainda aquela atmosfera, aquela aura psicodélica, aquele beat dançante e hipnótico.

Abrimos então com a faixa título, “Schizofrenia” que já falamos alguma coisa e que basicamente serviu de base estrutural para a concepção do álbum e traz o lado mais krautrock e experimental da banda. O lado lisérgico, improvisado e cheio de recursos sonoros, com as tais variações que faz da música e álbum, uma verdadeira “loucura”. Flautas, saxofones, guitarras com riffs ácidos e bateria marcada que faz lembrar o Can são destaques nessa peça pouco ortodoxa para o rock naquela época.

"Schizofrenia"

A sequência tem “A Touch Of Sunshine” inaugura a fase mais direta do álbum, com um blues rock tendo a guitarra como cerne da música, mais ainda com evidências firmes de um bom e velho psicodelismo, mas bem convencional, mas nem um pouco ruim, pelo contrário. Don escreveu a letra e nesta música também inaugura o seu vocal, Claes, o tecladista, apresentou a música e traz aquele estilo tradicional de blues que lembra um pouco o Doors e Cream.

"A Touch of Sunshine"

“On The Road To Niaros” inicia com aquele teclado sombrio e que ganha um pouco de peso com a bateria tocada velozmente e logo os teclados voltam alternando. O vocal de Don é imperioso, altivo, bem executado e a “cozinha” dá o ritmo, bateria blueseira, baixo pulsante. Lindo! Aqui cabe uma curiosidade acerca da letra da música: ela foi composta ônibus a caminho de Trondheim na Noruega. “Nidaros” é um nome antigo da Era Viking.

"On The Road To Niaros"

“Another Kind Of Love” é uma música tributo ao John Mayall e traz uma salutar “batalha” entre riffs de guitarra e órgão com o vocal poderoso de Don sobressaindo. Traz um blues mesclado a hard rock mais cadenciado e indulgente. E tudo isso desemboca em um solo simples, mas avassalador.

"Another Kind of Love"

“Another Man’s Mind” traz um vocal mais limpo e melódico, mas soa sombrio, estranho, talvez pela letra, com teclados mais soturnos e perigosos que irrompe em um solo de guitarra ácido, intenso e que logo transforma a faixa em um verdadeiro hardão, com peso e até com certa dose agressiva.

"Another Man's Mind"

E fecha com “What Kind Of Love Is That” que traz um som mais solar, um blues mais animadão, que induz o ouvinte a dançar, a se mexer, algo bem orgânico, uma música simples, mas muito comercial, uma “queda” meio radiofônica talvez.

O Taste of Blues continuou com alguns shows e eles fizeram uma amizade muito forte com o Jefferson Airplane, e que ofereciam alguns psicotrópicos aos “meninos” do Taste of Blues. Os caras não aceitavam, não usavam drogas, mas bebiam após os shows até mesmo para socializar com os fãs e tentar vender seus álbuns e fazer aquele merchandising de seus shows futuros.

Mas infelizmente as vendas dos álbuns foram pífias, pequenas, as rádios não queriam promover o Taste of Blues, a sua música estava muito a frente do seu tempo e algumas rádios não queriam destruir as suas reputações com músicas tão experimentais à época. Mas a banda conseguiu, mesmo que a duras penas, conquistar um público em sua terra natal, na Suécia, mais especificamente em Estocolmo. Inclusive o último grande show do Taste of Blues foi em Estocolmo, em uma casa de shows como banda residente.

Quando o Taste of Blues foi dissolvido o violinista e tecladista Claes Ericsson integraria a banda Lotus, mas depois se juntaria ao baterista Patrik Erixson para formar a banda de hard prog Asoka, bem conhecida na cena rock sueca.

"Schizofrenia" foi relançado em 1992 pelo selo sueco “Garageland”, no formato vinil e em CD, no ano de 2010 pela gravadora “Transubstans Recordsem”. Um clássico obscuro, uma pérola mais do que recomendada e necessária. 

Uma banda que definitivamente construiu a cena rock da Suécia com primor e arrojo, mesmo contra um ostracismo por parte do mercado conservador, mas que deixou gravada na história daquele país um conceito inovador e subversivo que tanta se almeja no bom e velho rock n’ roll.



A banda:

Don Washington nos vocais

Rolf Fredenberg na guitarra

Claes Ericsson nos teclados e violinos

Robert Moller no baixo

Patrik Erixson na bateria

 

Faixas:

1 - Schizofrenia

2 - A Touch Of Sunshine

3 - On The Road To Niaros

4 - Another Kind Of Love

5 - Another Man’s Mind

6 - What Kind Of Love Is That

 

 

Taste of Blues - Schizofrenia (1969)






 






















 




sábado, 1 de outubro de 2022

Psycheground - Psychedelic and Underground Music (1971)

 

Não é novidade aos queridos amigos leitores que o cerne deste humilde e reles blog é sobre as bandas obscuras, isto é, pouco conhecidas do grande público. Aqueles álbuns e bandas que não tiveram nenhum apoio, foram esquecidas, caíram simplesmente no ostracismo e engavetadas no baú escuro e empoeirado do rock n’ roll.

Mas parece que algumas bandas encarnam essa condição, tem como método existir dessa forma e praticam, concebem a sua música, a sua arte, nesse aspecto. São obscuras e edificam a sua história dessa forma.

São tão raras, tão obscuras e undergrounds que sequer tem a certeza dos nomes dos seus integrantes, não há nomes, não há silhuetas de sua anatomia, não há registros, nada.

E para nós, amantes, enamorados do rock obscuro, não há nada melhor e estimulante ter acesso, ouvi-las e melhor: quando gostamos. A excitação parece se incontida! E para mim, que cria textos sobre muitas delas, que pesquisa sobre elas, parece ser superlativo esses sentimentos de prazer.

E a banda alvo de mais um novo texto veio até mim, após mais aqueles momentos especiais de que compartilhamos, com outras pessoas, o mesmo interesse que, em um grupo temático nas redes sociais, mais precisamente no Facebook, publicou e aqui, aproveito para difundir, o Universo Progressivo. Aquele escambo sonoro de que temos a alegria de conhecer e proporcionar grandes novidades aos que comungam da música de que tanto amamos.

E, ao ouvir este álbum, foi como se arrebatado fosse por um trovão sonoro que me chacoalhou dos pés à cabeça! Aquele som, aquela banda, aquele álbum que, quando estabelecemos um primeiro contato, já te deixa de joelhos em uma sensação prazerosa de subserviência.

E essa banda vem, adivinhem, da Itália! Ah a Itália, bons amigos leitores que, a cada dia nos proporciona novidades em todas as suas gerações, em todas as suas décadas e momentos históricos. E o melhor é que a década de 1970 naquele país parece interminável, inesgotável nas suas bandas, nos faz parecer ser uma selva ainda intocada, selvagem, um universo vasto e inexplorável.

Mas sem mais delongas vamos às devidas apresentações. Essa banda se chama PSYCHEGROUND. O nome denuncia os seus predicados: psicodélico, mesclado a momentos de hard rock, jazz rock, blues e súbitos momentos de prog rock ainda embrionário na Itália.

À época a banda, dada a sua aura misteriosa, foi confundida, até pela sua sonoridade por mais uma banda britânica. E claro, além do seu nome, em inglês, e pela música, muito típica da Inglaterra, sugestiona o ouvinte a esse caminho, mas não, a banda foi concebida em terras italianas.

Se o nome denuncia a sua vertente sonora, a capa, desenhada em um intenso e chamativo fundo vermelho, traz um homem, de proeminente barba, com uma bandana colorida, o que, se me permitam a licença poética, retratavam, em imagens, os costumes, os comportamentos da época, a contracultura na música, capitaneada pela música lisérgica, psicodélica.

E o que dizer do nome do único álbum lançado em 1971? Simplesmente se chama "Psychedelic and Underground Music"! Música psicodélica e underground! O nome entrega a sua condição, mostra o seu direcionamento, define a obscuridade de sua história.

E quem esteve por trás de "Psychedelic and Underground Music"? Na época se tratava de um mistério! Ninguém sabia quem eram os músicos que conceberam este álbum e quem compôs as suas músicas. No álbum lançado nos primórdios anos 1970 não tinha fotos, não tinha nomes, nada que apresentasse os caras que estiveram por trás deste excelente trabalho, mas tinha um nome, um pseudônimo: “Ninety”.

“Ninety” era Gianpiero Reverberi, figura conhecida na música italiana nos anos 1960 e 1970 e foi quem escreveu, concebeu as músicas de “Psychedelic and Underground Music” e também produziu o New trolls e o Le Orme, sendo que neste último foi, por um curto período de tempo, membro efetivo da banda. E os responsáveis por materializar em estúdio as músicas, por questões contratuais, foram os músicos do Nuova Idea, banda que sequer ainda tinha lançado seu primeiro álbum, com este nome, o “In The Begining”, em 1971. “Psychedelic and Underground Music” foi gravado no estúdio de Gianpiero Reverberi.

Nuova Idea - "In The Begining (1971)

O genovês Gianpiero Reverberi se notabilizou, além de trabalhar com o rock n’ roll italiano nos anos 1970, por trabalhar em uma ampla gama de mídias, como temas sonoros para TV, trilhas sonoras para os famosos “faroestes espaguetes” e ao lado de Robert Mellin compôs a memorável música tema para a TV a série infantil “As Aventuras de Robinson Crusoé”, em 1964, além de produzir também álbuns de muitos cantores populares da Itália.

Gianpiero Reverberi (Ninety)

E a formação da banda tinha Enrico Casagni no baixo, flauta e vocal, Claudio Ghiglino na guitarra e vocal, e Paolo Siani na bateria e vocal, Giorgio Usai nos teclados e vocal, e Marco Zoccheddu na guitarra e vocais. Seus nomes não foram creditados no álbum lançado, nas apenas 500 cópias lançadas em 1971 pelo pequeno selo “Lúpus”. E, nessas condições, outras bandas também lançaram seus álbuns sem creditar músicos, nesta mesma camada de mistério, tais como Planetarium, Blue Phantom, Fourth Sensation e Underground Set.

Nuova Idea no início dos anos 1970

E já que mencionei o Undeground Set vale aqui um adendo a essa banda que tem, além da sonoridade, muita coisa em comum com o Psycheground. O Underground Set, com o seu primeiro álbum, lançado em 1970, mas “construído” ainda nos anos 1960, teve as suas músicas compostas pelo próprio Gianpiero Reverberi e a banda que as executou foram também da banda Nuova Idea.

"The Underground Set" (1970)

Reza a lenda que, além de Reverberi, outros compositores participaram de “Psychedelic and Underground Music”, são eles: Sandro Brugnolini, Massimo Catalano e Stefano Torossi. Tais nomes, para variar, não foram creditados no álbum, portanto não está confirmada a informação se de fato participaram da composição das cinco faixas do álbum ou teriam assinado essas composições para fins comerciais, promocionais, uma prática frequente naquela época, obrigando muitos músicos e artistas a usar um ou até mais pseudônimos.

“Psychedelic and Underground Music” é um álbum predominantemente instrumental, com raros momentos de harmonizações vocais e nada mais trazendo muita psicodelia, um hard psych de muito respeito, rhythm & blues e levadas bem comerciais, radiofônicas, diria, apesar de ser álbum obscuro e raro, com um cunho, como disse fortemente britânico, o que levou a muita gente, à época de seu lançamento, crer se tratar de uma banda britânica.

O álbum é inaugurado pela faixa-título, “Psycheground”, e de entrada já nos brinda com um riff pesadão de guitarra, mesclado a um hammond bem nervoso, um típico, mas poderoso, hard psych ao estilo Cream. Uma sonoridade que nos remete às bandas potentes dos anos 1960. Uma guitarra ácida, lisérgica que nos faz balançar, bater a cabeça, mas, sobretudo viajar loucamente em sua loucura necessária.

"Psycheground"

“Easy” inicia cadenciada ao som da bateria, algo meio jazzy, talvez, com o hammond delicadamente ao fundo, trazendo aquele tempero psicodélico, juntando ao riff de guitarra que entrega uma pegada meio funk, dançante, tudo envolto em um clima lisérgico, como sempre.

"Easy"

“Traffic” começa introspectiva, ao som de dedilhadas notas de guitarra e harmonizações vocais ao estilo Vanilla Fudge e contemplativa na sua introdução vai ganhando corpo, com riffs mais pesados de guitarra e os teclados mais eloquentes e logo irrompe com um solo de guitarra lindíssimo, a música ganha peso, mas logo volta contemplativa. Um exemplo de progressivo clássico.

"Traffic"

“Ray” é solar, animada, uma energia mais evidente, marcada por uma levada mais pop, mais acessível, mais radiofônica, diria. O piano ganha destaque e é a camada, a textura por trás da música, a base da música e ganha uma versão mais rock, com um solo pesado de guitarra, mostrando uma banda extremamente versátil.

"Ray"

E o fim do álbum traz a faixa “Tube” que, certamente é a mais jazzística de todas, um jazz rock que tem o “recheio” da lisergia, da psicodelia, com o hammond conferindo essa textura ácida à música. A qualidade da banda e de seus músicos pode ser traduzida, materializada nessa música.

"Tube"

Algumas das faixas do “Psychedelic and The Underground Music”, como “Psycheground” e “Ray” estiveram em uma compilação promocional chamada “Oggi & Domani”, lançada pela “Leo Records”, em 1971. E aqui também vale outra curiosidade que o “Ninety”, o nosso Gianpiero Reverberi, usou seu pseudônimo para uma faixa no álbum “Ventaglio Musicale”, de Beppe Carta. A última faixa desse álbum contou com a composição de Gianpiero.

 

"Ventaglio Musicale'

"Oggi & Domani"

Reza a lenda também de que possa ter sido uma faixa remanescente de “Psychedelic And Underground Music”. A história é de que tenha sido um corte ou um take estendido de uma sessão de gravação para a penúltima faixa “Ray”. E a última teoria é devido ao longo tempo de execução da faixa, não havia espaço suficiente para ela no álbum “Psychedelic and The Underground Music”.

E não podemos deixar de falar da dupla Gianpiero Reverberi e do seu irmão, Gianfranco Reverberi, também muito conhecido na Itália por produzir trilhas sonoras para os filmes, séries de TV da Itália. Ambos gravaram junto um álbum também muito conceituado na Itália que leva o sobrenome dos irmãos.

Irmãos Reverberi

O álbum original, lançado em 1971, pelo Psycheground é muito raro, afinal, como disse, foram apenas 500 cópias prensadas naquele ano, sendo, claro considerado, por colecionadores, uma preciosidade do rock italiano. “Psychedelic And Underground Music” foi relançado, em vinil, pela Cinedelic Records em 2008 e CD pela AMS em 2009.

Um clássico raro e obscuro e que corrobora a sua condição, a sua história em seu nome e que marcou um curto, mas significativo momento do rock italiano, com sonoridades, embora com uma forte influência do rock britânico dos anos 1960, com algumas grandes bandas e álbuns que inauguraram a brilhante e vultosa cena progressiva da Itália e que, até os dias de hoje, se perpetua com grandes novidades. Psycheground com o seu “Psychedelic and The Underground Music” definitivamente é uma preciosidade sonora e que vale cada segundo de nossa audição.


A banda:

“Ninety” (Gianpiero Reverberi) na composição das músicas

Enrico Casagni no baixo, flauta e vocal

Claudio Ghiglino na guitarra e vocal

Paolo Siani na bateria e vocal

Giorgio Usai nos teclados e vocal

Marco Zoccheddu na guitarra e vocais

 

Faixa:

1 – Psycheground

2 - Easy

3 - Traffic

4 - Ray

5 - Tube

 

Psycheground - "Psychedelic and Underground Music" (1971)