Tem certas histórias no rock
n’ roll que podem parecer clichês. Sempre aquela máxima de garotos tocando em
garagens, jovens cheios de sonhos de ser um rock star e ganhar o mundo, de
serem donos do mundo!
O sonho é válido, o ser
humano é movido por sonhos e deles fazem sua realidade diária e planejada, mas
nem sempre é o que parece ser, o panorama pode ser indigesto e insólito.
E, apesar da consistência e
relevância de muitos trabalhos espalhados pelo mundo, de grandes álbuns, de
grandes bandas, acabam não vingando, não ganhando o mundo e se enclausura na
obscuridade, do vilipêndio de tudo e todos, ainda que a persistência, o amor à
música sejam a tônica dessas bandas.
É por isso que existe esse
blog, para que possamos dar luz a essas bandas e álbuns que, por algum
infortúnio, não tiveram o merecido crédito e visibilidade. Alguns dirão que é
um bando de fracassados que não souberam dar sequência às suas carreiras, a
falta de gestão de suas vidas e da sua arte são os responsáveis pela derrocada
dessas bandas. O fracasso é comercial, mas a criatividade tem de ser exaltada.
Mas ainda assim é um assunto
que geraria uma ampla discussão! Talvez seja fato tudo isso, talvez seja fato a
falta de apoio, a falta de sorte. Mas o fato aqui é ser abnegado o bastante
para multiplicar e disseminar esses álbuns que pereceram! Essa sim é a nossa
missão!
E a banda de hoje, rara, talvez
um pouco conhecida entre os apreciadores do rock obscuro, e vem dos Estados
Unidos, talvez um dos primeiros trabalhos de rock pesado e lisérgico oriundo
daquele país. Falo da banda CORPUS.
A banda foi formada em 1970
em uma cidade chamada Corpus-Christi, no Texas, daí vem o nome da banda, por
jovens universitários. E o nome desses jovens e certamente sonhadores era:
Richard Deleon no vocal principal e guitarra rítmica, William Grate na guitarra
principal e backing vocals, James Castillo "Beaver" no baixo e Frudy
Lianes na bateria.
E não se enganem que, por se tratar de garotos que o seu único álbum lançado em 1971 chamado “Creation a Child”, lançado pelo selo “Acorn Records”, é ruim. Nunca! Esse álbum traz um hard rock com generosas pitadas de psicodelia lisérgica com passagens bem executadas de blues.
Um rock n’ roll vigoroso,
eclético, pleno e muito cativante, com trabalho de guitarras bem entrosado com
o todo, bem caprichoso, com riffs e solos excelentes, com baixo pulsante, cheio
de groove, bateria bem ritmada e
cheia de percussão, com um vocal de belo alcance, diria bem melódico.
É um álbum muito bem
produzido, o que surpreende, levando em consideração que se trata de uma banda
pouco conhecida e logo sem estrutura para uma boa produção. Enfim, é um
trabalho que, costumo dizer, de banda, com todos os instrumentistas no mesmo
nível de destaque.
"Creation a Child"
nos remete a bandas como o Blue Oyster Cult no seu início e com o perdão das
comparações e influências tanto que diria, sem medo de errar que, o Corpus é
sem sombra de dúvida uma banda que serviu de referência para toda uma prolífica
cena hard dos Estados Unidos, mesmo sendo apenas uma banda local e pouco
conhecida.
Ouvir esse trabalho, mas faz
chegar à conclusão de que a banda não merecia ser jogada para escanteio, em uma
escuridão que cega o protagonismo dessa e de tantas outras bandas que cai no
ostracismo, não sendo parte da história. Afinal são bandas desbravadoras e
merecem todo o devido reconhecimento.
“Creation a Child” é um
álbum conceitual e traz a vida como pano de fundo, a vida que é muito curta,
efêmera. A capa, belíssima, diga-se de passagem, denuncia o tema sonoro, com
uma criança em um colo talvez de entidade divina e logo abaixo, no rodapé da
arte gráfica, um feto envolvido com o nome do álbum em detalhes bem lisérgicos,
tipicamente da psicodelia ainda vigente na terra do Tio Sam no fim dos anos
1960 e início dos 1970.
Bem, então vamos ao álbum?
Ele começa com a faixa "Cruising" que tem um forte viés sulista, um
Southern Rock de encher os olhos e acariciar os bons ouvidos e alma, sem contar
com solos de guitarra poderosos e cheios de inspiração. Percebo também um blues
dando um “tempero” à música. O vocal não fica atrás, dando regência a esse
espetáculo rítmico! Música de gente grande!
“Joy” dá sequência a
“Creation a Child’ e de cara já te entrega uma guitarra chorando um lindo blues
melancólico e introspectivo, com um vocal limpo e dramático que, no decorrer de
sua execução, vai aumentando gradualmente, a guitarra destila solos mais
pesados e agressivos, é um espetáculo, uma verdadeira ode ao blues rock na sua
mais perfeita concepção.
“Marriage” traz aquela introdução meio funk, meio soul da guitarra e segue dançante e ritmada, com uma pegada bem comercial, algo que me remete ao pop sessentista, mas com o som característico dos anos 1970, com a guitarra dando a tônica e a bateria bem marcada e tocada pesadamente.
A faixa título, “Creation a
Child” traz uma linda balada, com arranjos e melodias bem executadas, onde os
instrumentos se complementam em uma simbiose viajante e lisérgica, com os
destaques para solos contemplativos de guitarra e um vocal bem competente e
pleno. Sem dúvida um dos destaques do álbum.
“Just a Man” traz acid rock que me recordou o The Doors em seu momento mais arredio. Um som cativante e solar, com a lisergia pesada mesclado ao novamente rock sulista, fincado no regionalismo norte americano.
“We Can Make It, Luv” começa
animada, a bateria cheia de swing, de percussão, com um baixo pulsante e riffs
de guitarra pesados, bem feitos e que me remeteu, em alguns momentos, um proto
metal, um rock de festa para ninguém botar defeito!
“Not Mine” é mais uma linda e delirante balada, tipicamente americana. Traz um pouco de country rock, um lindo trabalho de vocalização e que remete também aquelas músicas radiofônicas de bandas da década de 1960.
“Where is She?” Revisita
uma sonoridade oriunda da década de 1950, simples e dançante, que fica mais
pesada com solos de guitarras que, mesmo curta e direta, dá o peso que é a
marca registrada do álbum.
E fecha com “Mythical Dream”
seguindo uma linha mais psicodélica, introspectiva, uma atmosfera mais obscura
e densa, que tem no vocal limpo a personificação de um som viajante que nos
traz uma incrível sensação de liberdade. Uma balada linda e bem executada que
fecha brilhantemente o álbum.
Logo após o lançamento do álbum, estranhamente a banda findou as suas atividades sem deixar rastros. Pouco se sabe de seus músicos, pouco se sabe sobre o futuro de cada um deles. O fato é que os sonhos de sucesso tão inerentes aos jovens músicos não vingaram para o Corpus, foi tão fugaz e efêmero, mas que deixou um álbum que definitivamente é um clássico obscuro do hard psych dos Estados Unidos.
“Creation a Child” foi
reeditado em vinil em 1987, de forma não oficial, relançado, em formato CD, em
2000 pelo selo italiano Akarma e também no mesmo ano e também pelo mesmo selo
italiano, Akarma, porém no formato LP e mais outros três relançamentos pelo
mesmo selo Akarma, em 2013 e mais recente, em 2023, esses em LP e outro no
formato CD. Após esses relançamentos pelo selo Akarma, vários outros foram
relançados não oficialmente pelos selos: Flash, Axis, entre outros. Altamente
recomendado!
A banda:
William Grate na guitarra e
vocal
James Castillo no baixo
Frudy Lianes na bateria
Richard Deleon na guitarra e
vocal
Faixas:
1 - Cruising
2 - Joy
3 - Marriage
4 - Creation A Child
5 - Just A Man
6 - We Can Make It, Luv
7 - Not Mine
8 - Where Is She