sábado, 1 de agosto de 2020

Corpus - Creation a Child (1971)

Tem certas histórias no rock n’ roll que podem parecer clichês. Sempre aquela máxima de garotos tocando em garagens, jovens cheios de sonhos de ser um rock star e ganhar o mundo, de serem donos do mundo!

O sonho é válido, o ser humano é movido por sonhos e deles fazem sua realidade diária e planejada, mas nem sempre é o que parece ser, o panorama pode ser indigesto e insólito.

E, apesar da consistência e relevância de muitos trabalhos espalhados pelo mundo, de grandes álbuns, de grandes bandas, acabam não vingando, não ganhando o mundo e se enclausura na obscuridade, do vilipêndio de tudo e todos, ainda que a persistência, o amor à música sejam a tônica dessas bandas.

É por isso que existe esse blog, para que possamos dar luz a essas bandas e álbuns que, por algum infortúnio, não tiveram o merecido crédito e visibilidade. Alguns dirão que é um bando de fracassados que não souberam dar sequência às suas carreiras, a falta de gestão de suas vidas e da sua arte são os responsáveis pela derrocada dessas bandas. O fracasso é comercial, mas a criatividade tem de ser exaltada.

Mas ainda assim é um assunto que geraria uma ampla discussão! Talvez seja fato tudo isso, talvez seja fato a falta de apoio, a falta de sorte. Mas o fato aqui é ser abnegado o bastante para multiplicar e disseminar esses álbuns que pereceram! Essa sim é a nossa missão!

E a banda de hoje, rara, talvez um pouco conhecida entre os apreciadores do rock obscuro, e vem dos Estados Unidos, talvez um dos primeiros trabalhos de rock pesado e lisérgico oriundo daquele país. Falo da banda CORPUS.

Corpus

A banda foi formada em 1970 em uma cidade chamada Corpus-Christi, no Texas, daí vem o nome da banda, por jovens universitários. E o nome desses jovens e certamente sonhadores era: Richard Deleon no vocal principal e guitarra rítmica, William Grate na guitarra principal e backing vocals, James Castillo "Beaver" no baixo e Frudy Lianes na bateria.

E não se enganem que, por se tratar de garotos que o seu único álbum lançado em 1971 chamado “Creation a Child”, lançado pelo selo “Acorn Records”, é ruim. Nunca! Esse álbum traz um hard rock com generosas pitadas de psicodelia lisérgica com passagens bem executadas de blues.


Um rock n’ roll vigoroso, eclético, pleno e muito cativante, com trabalho de guitarras bem entrosado com o todo, bem caprichoso, com riffs e solos excelentes, com baixo pulsante, cheio de groove, bateria bem ritmada e cheia de percussão, com um vocal de belo alcance, diria bem melódico.

É um álbum muito bem produzido, o que surpreende, levando em consideração que se trata de uma banda pouco conhecida e logo sem estrutura para uma boa produção. Enfim, é um trabalho que, costumo dizer, de banda, com todos os instrumentistas no mesmo nível de destaque.

"Creation a Child" nos remete a bandas como o Blue Oyster Cult no seu início e com o perdão das comparações e influências tanto que diria, sem medo de errar que, o Corpus é sem sombra de dúvida uma banda que serviu de referência para toda uma prolífica cena hard dos Estados Unidos, mesmo sendo apenas uma banda local e pouco conhecida.

Ouvir esse trabalho, mas faz chegar à conclusão de que a banda não merecia ser jogada para escanteio, em uma escuridão que cega o protagonismo dessa e de tantas outras bandas que cai no ostracismo, não sendo parte da história. Afinal são bandas desbravadoras e merecem todo o devido reconhecimento.

“Creation a Child” é um álbum conceitual e traz a vida como pano de fundo, a vida que é muito curta, efêmera. A capa, belíssima, diga-se de passagem, denuncia o tema sonoro, com uma criança em um colo talvez de entidade divina e logo abaixo, no rodapé da arte gráfica, um feto envolvido com o nome do álbum em detalhes bem lisérgicos, tipicamente da psicodelia ainda vigente na terra do Tio Sam no fim dos anos 1960 e início dos 1970.

Bem, então vamos ao álbum? Ele começa com a faixa "Cruising" que tem um forte viés sulista, um Southern Rock de encher os olhos e acariciar os bons ouvidos e alma, sem contar com solos de guitarra poderosos e cheios de inspiração. Percebo também um blues dando um “tempero” à música. O vocal não fica atrás, dando regência a esse espetáculo rítmico! Música de gente grande!

"Cruising"

“Joy” dá sequência a “Creation a Child’ e de cara já te entrega uma guitarra chorando um lindo blues melancólico e introspectivo, com um vocal limpo e dramático que, no decorrer de sua execução, vai aumentando gradualmente, a guitarra destila solos mais pesados e agressivos, é um espetáculo, uma verdadeira ode ao blues rock na sua mais perfeita concepção.

"Joy"

“Marriage” traz aquela introdução meio funk, meio soul da guitarra e segue dançante e ritmada, com uma pegada bem comercial, algo que me remete ao pop sessentista, mas com o som característico dos anos 1970, com a guitarra dando a tônica e a bateria bem marcada e tocada pesadamente.

"Marriage"

A faixa título, “Creation a Child” traz uma linda balada, com arranjos e melodias bem executadas, onde os instrumentos se complementam em uma simbiose viajante e lisérgica, com os destaques para solos contemplativos de guitarra e um vocal bem competente e pleno. Sem dúvida um dos destaques do álbum.

"Creation a Child"

“Just a Man” traz acid rock que me recordou o The Doors em seu momento mais arredio. Um som cativante e solar, com a lisergia pesada mesclado ao novamente rock sulista, fincado no regionalismo norte americano.

"Just a Man"

“We Can Make It, Luv” começa animada, a bateria cheia de swing, de percussão, com um baixo pulsante e riffs de guitarra pesados, bem feitos e que me remeteu, em alguns momentos, um proto metal, um rock de festa para ninguém botar defeito!

"We Can't Make It, Luv"

“Not Mine” é mais uma linda e delirante balada, tipicamente americana. Traz um pouco de country rock, um lindo trabalho de vocalização e que remete também aquelas músicas radiofônicas de bandas da década de 1960.

"Not Mine'

“Where is She?” Revisita uma sonoridade oriunda da década de 1950, simples e dançante, que fica mais pesada com solos de guitarras que, mesmo curta e direta, dá o peso que é a marca registrada do álbum.

"Where is She?"

E fecha com “Mythical Dream” seguindo uma linha mais psicodélica, introspectiva, uma atmosfera mais obscura e densa, que tem no vocal limpo a personificação de um som viajante que nos traz uma incrível sensação de liberdade. Uma balada linda e bem executada que fecha brilhantemente o álbum.

"Mythical Dream"

Logo após o lançamento do álbum, estranhamente a banda findou as suas atividades sem deixar rastros. Pouco se sabe de seus músicos, pouco se sabe sobre o futuro de cada um deles. O fato é que os sonhos de sucesso tão inerentes aos jovens músicos não vingaram para o Corpus, foi tão fugaz e efêmero, mas que deixou um álbum que definitivamente é um clássico obscuro do hard psych dos Estados Unidos. 


“Creation a Child” foi reeditado em vinil em 1987, de forma não oficial, relançado, em formato CD, em 2000 pelo selo italiano Akarma e também no mesmo ano e também pelo mesmo selo italiano, Akarma, porém no formato LP e mais outros três relançamentos pelo mesmo selo Akarma, em 2013 e mais recente, em 2023, esses em LP e outro no formato CD. Após esses relançamentos pelo selo Akarma, vários outros foram relançados não oficialmente pelos selos: Flash, Axis, entre outros. Altamente recomendado!



A banda:

William Grate na guitarra e vocal

James Castillo no baixo

Frudy Lianes na bateria

Richard Deleon na guitarra e vocal

 

Faixas:

1 - Cruising

2 - Joy

3 - Marriage

4 - Creation A Child

5 - Just A Man

6 - We Can Make It, Luv

7 - Not Mine

8 - Where Is She

9 - Mythical Dream



Corpus - "Creation a Child" (1971)