domingo, 18 de setembro de 2022

Spektar - Spektar (1974)

 

Sabe aquelas bandas, de caráter e reputação regional, que, quando descobrimos e ouvimos nos orgulhamos de gostar dessa música extraordinária que é o rock n’ roll? O que, para muitos, pode parecer algo deveras ortodoxo e muito linear, o rock n’ roll é híbrido e tem as suas bases em diversos estilos, como gospel, rockabilly, jazz, blues, música tribal africana, entre outros.

E por que falo de orgulho? Exatamente por isso! Pela inevitabilidade do rock! Sim, caros amigos leitores! Ainda há, sempre teve, na realidade, bandas que nunca se renderam aos clichês do estilo e dos rótulos que muitas almejam para ganhar um lugar ao sol no reino fantástico da indústria fonográfica e o descartável e irreal sucesso.

E o caráter regional não é demérito para banda alguma! Claro que, sob o aspecto comercial da coisa, a banda perece, não foi competente, fracassou! Mas neste reles e humilde blog, as bandas “fracassadas” reinam absolutas. Amamos o fracasso! Aqui as bandas exprimem as suas verdades!

E a banda de hoje vem de longe, de uma região que sempre ganhou as manchetes pelas suas guerras, pelos conflitos locais, pelo ódio e a intolerância que esses eventos ocorrem, sobretudo pela questão perversa política e econômica: da Croácia, a ex-Iugoslávia.

Pois é, nobres leitores, da Croácia! Fujamos um pouco das regiões centrais do rock n’ roll, para provarmos, definitivamente, de que há vida, há rock em outros cantos desse planeta e de boa qualidade!

E essa banda eu descobri, como sempre, em minhas incursões pela grande rede que, nesse aspecto, nos salva, graças aos abnegados que a usa para difundir a música de que amamos e achei a capa um tanto quanto indulgente, com os rostos dos integrantes em uma arte que os coloca em um plano um quanto divino, mas me interessou!

A música também se consome com os olhos! Quando comecei a ouvir foi uma espécie de deslocamento da vida cotidiana que me alçou para um plano melhor, de puro e genuíno prazer. Que sonoridade pouco atípica, mas que se identifica, mesmo caindo nos clichês do rótulo. Uma miscelânea improvável, mas que se encaixou divinamente.

Por isso que a minha saga pelo mundo perdido da obscuridade do progressivo continua e me coloco em um panorama viciante e saudável nos confins da música relegada ao vilipêndio, ao ostracismo, das bandas obscuras, vítimas, sim, das circunstâncias mercadológicas, do acaso ou do que quer que seja.

Mas sem mais delongas vamos às apresentações da croata SPEKTAR. Conhecem? Pois é, mais uma raridade que merece a luz. A banda veio, mais precisamente da cidade de Zagreb e se tornou muito conhecida naquela região, graças às suas apresentações ao vivo.

Spektar

O Spektar foi formado no início de 1974 pelo compositor, tecladista e percussionista Enco Lesić que havia acabado de sair de uma banda chamada Indexi. O Indexi foi formado em Sarajevo, atual capital da Bósnia e Herzegovina, em 1962, e tocava beat psicodélico com viés popular que lançou vários compactos e EPs com covers e composições próprias, alcançando sucesso por vários países do leste europeu.

Indexi

Lançaram apenas três álbuns, o primeiro em 1972, com uma música, chamada "Sve ove Godine" que lhes rendeu sucesso naquele mesmo ano. O segundo lançado em 1978 e o último em 1999. Apesar de continuar em atividade nas décadas de 1980 e 1990, o Indexi gravou muito pouco até se desfazer definitivamente em 2001.

Indexi - "Sve Ove Godine"

O nome da banda, voltando para o Spektar, foi inspirado em uma música do primeiro álbum do exímio baterista panamenho Billy Cobham, de nome “Spectrum”, lançado em 1973, e também uma faixa, na realidade uma sub-faixa, um fragmento da música “Searching For The Right Door / Spectrum”. Spectrum significa espectro, em inglês que, por sua vez, em croata, significa “spektar”.

Billy Cobham - "Spectrum" (1973)

O Spektar, quando lançou seu único álbum, em 1974, tinha a seguinte formação: Davor Rocco no baixo, Dragan Brčić na bateria, Neven Frangeš no piano e Enco Lesić nos teclados, sintetizadores, mellotron e vocal. Frangeš logo saiu ao lançamento do álbum, homônimo, para se dedicar a sua carreira acadêmica e no jazz, mas, de alguma forma, continuou a colaborar com a banda no palco. Davor, além do baixo, também produziu o trabalho do Spektar. Lesić, além dos teclados e vocais, dedicou-se as composições das músicas do álbum.

Mas antes de lançar esse trabalho o Spektar teve um caminho um tanto quanto, digamos, árduo, precisando fazer alguns shows, provar a sua qualidade nos palcos para enfim chamar a atenção de alguns empresários de gravadoras para finalmente documentar as suas composições. E isso, de certa forma, aconteceu.

A recém-formada gravadora “Suzy”, também conhecida pelo rico catálogo de licenças de estrelas do rock internacional (selos como CBS e WEA) que eles lançaram na Iugoslávia, obviamente queria promover uma banda de rock nacional sem muitos critérios de seleção. Enco Lesić, que já havia deixado o Indexi depois de escrever seu primeiro single de sucesso "Sve ove godine", provavelmente estava por perto e com alguma reputação por conta do sucesso da música, definiram que ele estava adequado para o “perfil” que procuravam, além da nova banda que ele havia formado. E assim finalmente o debut fora lançado.

“Spektar” trazia um rock progressivo com elementos de jazz, funk e música clássica. Um som complexo, versátil, beirando o sofisticado, mas muito acessível graças ao rock n’ roll, cerne da sonoridade da banda. Outra peculiaridade, pelo menos para nós, do Ocidente e acostumados a ouvir bandas em inglês, do Spektar é que a banda canta em seu idioma natal.

O álbum abre com a música “Spektar I”, que tem uma levada funk bem dançante, que vale conferir, bem como a faixa que fecha o disco, “Spektar II” e “Vrisak Mora”, são certamente destaques do álbum.

"I"

Na sequência temos “Pjesmom Bih Htio Da Kazem” que começa em clima bem introspectivo sustentado pelo piano e um vocal bem obscuro.

"Pjesmom Bih Htio Da kazem"

“Ona Se Igra” tem uma levada bem radiofônica, bem comercial. “Dobri Kapetan” tem uma levada meio jazzística e bom desempenho vocal, que desemboca em um hard rock vigoroso que me remete ao Atomic Rooster, grande faixa.

"Ona Se Igra"

“Mora” também traz o destaque do vocal com um belo alcance e potência, uma música viajante, com uma base de teclado excepcional. “Žene, Žene” segue a mesma linha de “Ona Se Igra”, bem pop e comercial.

"Mora"

“Spektar II” fecha o álbum como começou com a predominância de teclas nervosas, bem dançantes e potentes com uma levada jazzística ao estilo bem “roots”.

O Spektar, logo após o lançamento do álbum, se desfez devido ao pouco sucesso e a baixa vendagem de seu álbum. Brčić e Rocco tentaram reformular a banda meses depois sob o mesmo nome e se unindo a outro tecladista, de formação clássica, Neven Franges. Esta formação do Spektar pode ser ouvida no álbum de 1976 chamado "Rođenje", quando se juntaram ao cantor e compositor Drago Mlinarec, além dos álbuns subsequentes, "Negdje Postoji Netko" e "Sve Je u Redu", todos esses obtendo um aclamado sucesso.

"Rodenje" (1976)

Enco Lesić construiu uma das carreiras de produtor mais bem-sucedidas em negócios musicais na ex-Iugoslávia, mas faleceu, com 63 anos de idade, em 30 de julho de 2013. Ele foi muito importante para a cena rock na Croácia e ponto culminante dessa importância, além de suas bandas obscuras dos anos 1970 foi quando, na década de 1980, abriu o estúdio “Druga Maca”, em Belgrado, na Sérvia, antiga ex-Iugoslávia.

Enco Lesic

Foi, por exemplo, neste estúdio que foi gravado o álbum "Package Arrangement", que incluía Idols, Electric Orgasm e Šarlo the Acrobat. Enco Lesić também foi o produtor do álbum. Outras bandas que produziram em seu estúdio, bem conhecidas na Sérvia, foram Ekaterina Velika e U Skripcu.

O fato é que, bandas como Spektar, merece a luz e mostrar ao mundo verdadeiras pérolas do rock progressivo que parecem, para nossa sorte, minar e que pedem para se mostrar e, mesmo que, cronologicamente antigas, traz o frescor da novidade e da perpetuação da música de que tanto amamos.



A banda:

Enco Lesić nos vocais, piano, Hammond, sintetizadores.

Davor Rocco no baixo, guitarra e percussão

Dragan Brčić na bateria e percussão

Convidados:

Nada Zgur nos backing vocals

Simona Sterle nos backing vocals

Zvezdana Sterle nos backing vocals

Palmira Klobas nos backing vocals

Alenka Felicijan nos backing vocals

Zeljen Klasterka na guitarra (Faixa 5)

Milan Ferlez na guitarra (Nas faixas 3 e 6)

 

Faixas:

1 - Spektar I

2 - Pjesmom bih htio da kazem

3 - Ona se igra

4 - Vrisak mora

5 - Dobri kapetan

6 - Mora

7 - Zene, zene

8 - Spektar II

 

Spectar - "Spektar" (1974)