segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Capitolo 6 - Frutti per Kagua (1972)

 

O ano era 1969. O rock progressivo italiano era apenas uma “maquete”, embrionário. Sequer falava em rock progressivo em qualquer parte do mundo, inclusive, no máximo se tinha músicas de improvisação, experimentais, sem a tal nomenclatura que se convencionaria no seu auge, lá pelo ano de 1971, 1972, aproximadamente.

O beat italiano, baseado na psicodelia norte americana, com um viés comercial, porque adicionava um “tempero” da música popular italiana era o que se ouvia nas rádios de música italianas e tinham em bandas como Le Orme, por exemplo, como seu principal expoente, sua principal referência.

E bandas como essas que edificariam o estilo progressivo que tomaria conta dos olhares de algumas gravadoras e selos que surgiriam investindo nessas bandas de jovens transviados que gostariam de ousar na música, importando o prog rock da Inglaterra, sobretudo de bandas icônicas como Emerson, Lake & Palmer.

Algumas bandas italianas, como Premiata Forneria Marconi, o próprio Le Orme, foram bandas que beberam dessa cena beat e que logo reformulariam a sua sonoridade aderindo ao rock progressivo que, nos idos de 1971 e 1972, estava em voga.

Mas apesar da prolífica cena progressiva que invadia a Itália no início dos anos 1970, algumas bandas caiam no mais puro ostracismo, tornando-se obscura, pela sua estrutura sonora, pelas mensagens afiadas de suas letras, muitas de cunho político e comportamental que, em virtude de uma sociedade conservadora, são relegadas ao esquecimento.

E uma banda, rara e obscura, pode se adequar a esse cenário com segurança é o CAPITOLO 6 com o lançamento de seu único álbum, em 1972, chamado “Frutti per Kagua”. A banda, para variar, permaneceu desconhecida na Itália, a despeito da qualidade de sua música, que entrega um progressivo vigoroso e repleto de complexidade, uma sonoridade inquieta e “escrava” da livre criatividade de seus músicos.

Capitolo 6

O Capitolo 6 foi formado em 1969 a partir da fusão de duas bandas: I Rangers, de Livorno e o Gli Eremiti da região de Viareggio. O quinteto original, que continha dois bateristas, consistia em Riccardo Bartolotti (vocal, guitarra, flauta), Jimmy Santerini (teclados, vocais), Giovanni Galli (baixo e bateria) imediatamente substituído por Mauro Romani (baixo), Lorenzo Donati (bateria, voz) e Luciano Casa (guitarra, bateria). Entretanto há alguns desencontros de informações divulgadas sobre a banda, principalmente quanto ao local em que foi formada, onde aventou-se que os mesmos tenham surgido em Roma.

Contudo não é apenas essa informação que gera discussão e questionamento, pois de acordo com algumas informações divulgadas, o Capitolo 6 teria lançado um single para o selo “Acto” praticamente assim que foi formada, que é a “Cool Jerk” e “Please, Please, Please”, ambos covers da banda Capitols, mas a notícia é discutível a ponto, inclusive, de ser categoricamente negada por um dos membros da banda.

O Capitolo 6 conseguiu um contrato, em Roma, com a subsidiária da RCA, a IT, que era dirigida por Vincenzo Micocci, graças à intercessão do amigo e produtor de Viareggio, Franco Tessandori, lançando seu primeiro e real single chamado “Mi Innamoro di Te”, em 1971.

A banda já estava radicada em Roma e o novo quinteto com Loriano Berti, da região de Grosseto, aconteceu, substituindo Luciano Casa. É provável que o Capitolo 6 tenha sofrido várias mudanças de formação nesse período e a prova contundente é de um clipe da TV iugoslava chamada “Tele Capodistria”, já os mostra como um quarteto, com Donati como vocalista, Santerini (no baixo), sax/flautista Berti e o guitarrista Roberto Ghiozzi (ex-tecladista e cantor do grupo beat de Livorno, I Satelliti), este último como substituto temporário de Bartolotti que não tinha passaporte para ir para o exterior.

A banda esteve bem ativa fazendo vários shows pela Itália e ganhou alguma visibilidade no Viareggio Pop Festival em 1971 abrindo shows, inclusive, do Led Zeppelin. Finalmente veio o momento de gravarem o seu álbum de estúdio que passaria a se chamar “Frutti per Kagua”, em 1972. A capa do álbum denuncia um trabalho conceitual, que fala sobre a origem dos “Redskins americanos” e as complicadas negociações de terras indígenas pelo homem branco.

“Frutti per Kagua”, quando foi gravado e lançado, tinha, em seu line up cinco integrantes, que são Riccardo Bartolotti nos vocais, guitarra e flauta, Jimmy Santerini nos teclados e vocais, Loriano Berti no saxofone e flauta, Maurizio Romani no baixo, Lorenzo Donati na bateria e vocais. Mas foi reduzida para um quarteto, com a efetivação de Santerini e Bortolotti.

O álbum tem duas faces bem distintas, mas homogeneizadas por uma sonoridade bem dura, substancial, consistente e enérgica com grandes trechos de rock progressivo, sinfônico e até mesmo um volumoso hard rock. Tem quebras de ritmo bem ousadas, com passagens de tirar o fôlego com quebras entre um verso e outro das músicas com destaque para os vocais com a flauta e o sax sobressaindo em alguns ótimos momentos.

O álbum é composto por apenas cinco, mas fabulosas faixas, sendo a primeira uma verdadeira joia digna do que conhecemos como rock progressivo italiano. A faixa título, “Frutti Per Kagua”, de quase 19 minutos, é conduzida com extrema perfeição por Berti com belas passagens de flauta ao longo de seu percurso. Traz também uma forte seção de blues rock que me faz lembrar os primeiros trabalhos do Jethro Tull e até algo de “Benefit”. A guitarra é carregada de emoção, com bons e elétricos riffs. E quando os instrumentos se “desligam” por um momento arpejos de órgão se estabelece dando entornos evidentes de rock progressivo, mantendo um forte diálogo com a flauta. É sem dúvida uma faixa aclamada, definitiva da banda.

"Frutti per Kagua"

“Grande Spirito” é uma linda balada acústica, bem cativante, traz uma levada bem contemplativa, viajante, em uma atmosfera bem dramática, intensa. A faixa não é brilhante, mas linda e visceral.

"Grande Spirito"

“Il Tramonto di un Popolo” começa com um breve canto e ruídos de bateria, antes que a instrumentação traga uma alternância sólida de passagens de rock furioso e passagens pastorais. A diversidade que levou 18 minutos para se desenvolver e se acomodar na suíte está aqui compreendida sem perder um pingo de tensão. 

"Il Tramonto di un Popolo"

O encerramento do álbum é com a faixa 'L'Ultima Notte' carrega uma vibração muito semelhante, embora com maiores doses de expansão e fluidez, o que é bom para seus quase doze minutos de duração. O baterista trabalha eficientemente na base, enquanto o guitarrista principal oferece o que são indiscutivelmente seus melhores solos no álbum. 

"L'Ultima Notte"

“Frutti per Kaqua” foi relançado em 1999 pelo selo Akarma com uma capa dobrável. As primeiras cópias desta reedição tinham o desenho da capa impresso ao contrário e abrindo-a não dá para ver todo o cacique, pois as duas metades são giradas 90 graus uma em relação à outra. Este defeito foi corrigido em cópias posteriores.

Novas reedições de vinil foram lançadas em 2017 e 2020. O álbum foi relançado em CD em março de 2003 pela BMG, com capa “mini-LP” gatefold e obi, como parte de sua série “Dei di um Perduto Rock” e, posteriormente reimprimido em outubro do mesmo ano, quando um segundo lote desses CDs saiu.

O álbum foi relançado em CD em março de 2003 pela BMG com capa mini-LP gatefold e obi, como parte de sua série "Dei di un Perduto Rock", e posteriormente reprimido em outubro do mesmo ano, quando um segundo lote desses CDs saiu.

Como muitas bandas e artistas assinaram com a RCA, o Capitolo 6 foi destaque em algumas compilações lançadas por esta gravadora. Um deles foi o “Sanremo 1972”, um álbum que incluía originais e remakes da edição daquele ano do concurso de canções da TV italiana.

O Capitolo 6 não apareceu no show, mas foi incluído no LP com suas músicas cover: “Jesahel” e “T Voglio” do Delirium. Uma compilação semelhante chamada “Hit Parade Itália número 4 – Sanremo ‘72”, foi lançada na Alemanha, novamente pela RCA.

Outras compilações foram lançadas na América do Sul, uma delas na Venezuela chamada “Em Español: Los Finalistas del Festival de Sanremo 1972 e incluiu algumas faixas do Capitolo 6. Na Argentina uma outra compilação foi lançada, mas agora do festival de Sanremo de 1971 intitulada “Festival de Sanremo 1971.

O segundo single do Capitolo 6, “M’innamoro di Te”, foi lançado em versão em espanhol (“Me Enamoro de Ti” e “Amabamos Tres”) foi lançado na Argentina e no Uruguai, bem como na Venezuela. Algumas faixas, para o mercado sul americano, foram gravadas pela banda após este single, porém nunca lançadas.

Uma reedição de “Frutti per Kagua” foi lançada no Japão em 2008, em CD, pela BMG com uma capa de mini-LP reproduzindo o original.



A banda:

Riccardo Bartolotti nos vocais, guitarra, flauta

Jimmy Santerini nos teclados e vocais

Loriano Berti no sax e flauta

Maurizio Romani no baixo

Lorenzo Donati na bateria e vocais

 

Faixas

1 - Frutti per Kagua

2 - Grande Spirito

3. Il Tramonto di un Popolo

4. L'Ultima Notte 


Capitolo 6 - "Frutti per Kagua" (1972)