sábado, 25 de fevereiro de 2023

Il Tempio delle Clesside - Il Tempio delle Clesside (2010)

 

O flerte entre o passado e o presente no rock progressivo italiano pulsa, faz do futuro algo mais consistente, relevante, novo e seguro. A cena respira o frescor da contemporaneidade, a história é celebrada a cada banda que surge, a cada fã que a reverencia, o ciclo da riqueza sonora parece se renovar contemplando o clássico, a essência não está inerte, é viva e se renova a cada dia.

Os desbravadores e persistentes músicos e bandas dos anos 1970 deixaram um legado de verdade sonora muito eloquente e foram responsáveis por entregar o leme do barco da cena progressiva italiana para os jovens que, munidos da proposta e embebidos dela, navegaram por mares bravios, sim, mas domados fazendo da atual cena mais forte, mais intensa, vívida, plena, com bandas com uma sonoridade calcada nos tempos de outrora, mas olhando para as tendências dos novos tempos.

E quando esses tempos, essas “eras” se fundem? Seria possível gerações se darem as mãos e entregarem trabalhos consistentes e interessantes para o público? Diante do discurso acima seria fácil e, convenhamos que é fácil sim, principalmente quando falamos do rock progressivo italiano. O velho e o novo que, em muitas situações da vida, são tratados como água e vinho, de uma forma tão separada e divergente, se convergem quando a Itália progressiva é a pauta. E temos um exemplo emblemático para a história dessa cena. Um case de sucesso, de crítica e público, que se atende pelo nome de IL TEMPIO DELLE CLESSIDE.

Il Tempio delle Clesside

Definitivamente a banda Il Tempio delle Clesside  é um grande e bem sucedido exemplo do casamento entre o novo e o clássico. A banda foi formada em Gênova no ano de 2006 por dois jovens músicos, a tecladista Elisa Montaldo e o baixista Gabriele Guidi Colombi, estes oriundos da banda Hidebehind.

Elisa convidou para o posto de vocalista nada menos do que Stefano “Lupo” Galifi, da clássica banda obscura Museo Rosenbach. A ideia original era tocar o debut do Museo, “Zarathustra” ao vivo com seu original vocalista com novos arranjos, tanto que o nome da banda vem de uma das partes da suíte da faixa deste álbum clássico, “Zarathustra”, “Il Tempio dele Clessidre”.

Stefano "Lupo" Galifi

Uma verdadeira homenagem a década de 1970 com novas roupagens. Em 2007 algumas performances ao vivo começaram a acontecer com belos shows, a química parecia ser muito grande, a banda estava entrosada, então decidiram compor músicas novas, um material novo para um novo álbum.

Então, em setembro de 2010, o álbum autointitulado foi lançado pelo selo emblemático “Black Widow Records”. Um trabalho ambicioso, importante e com altas dosagens de aventura, uma aventura sonora que, repleto de audácia, porque trazia, de forma intencional, além de propostas setentistas, uma música mais contemporânea, moderna.

Para este álbum de 2010, homônimo, a banda teve algumas modificações em seu line-up e contou com Stefano Galifi no vocal, Elisa Montaldo no teclado e hammond, Giulio Canepa na guitarra, Fábio Gremo no baixo e Paolo Tixi na bateria, com Antonio Fantinuoli no cello e Max Manfredi na narração, na faixa 7. Gabriele Guidi Colombi, que tinha formado, juntamente com Elisa, a banda, a deixou antes do lançamento do debut do Il Tempio delle Clesside.

Para confirmar o quanto a banda é versátil e competente, o trabalho da arte gráfica, da capa do álbum contou com Maurilio Tavormina na arte, Fabio Gremo na concepção e Elisa e Andrea Montaldo no logo da banda. Em contato com Elisa, antes da concepção desta resenha, que nos brindou com valiosas informações sobre o álbum, diz que o mesmo tem o conceito geral, a ideia do tempo: “Tempo como o elemento que domina a vida dos seres humanos (até mesmo a capa simboliza o destino e o tempo), onde os homens estão em constante luta para dominar o tempo e como ele regula os nossos aspectos da vida”.

Apesar de um projeto audacioso, Elisa disse que a gravação do álbum fora longo e complicado, pois, além dos poucos recursos disponíveis, a composição, arranjo e gravação das músicas tiveram um conceito “vintage”, mas com muita paixão e criatividade. Assim é o álbum: com referências ao metal, mas muito melódico, sinfônico, jovem, robusto, clássico, remetendo a bandas como Il Balletto di Bronzo, Yes, Gentle Giant e é claro Museo Rosenbach.

A música encontrada em “Il Tempio delle Clesside” é principalmente muito densa, pesada e altamente energética, com pausas instrumentais arrebatadoras e conduzida pelo órgão e pela guitarra, sendo tocados de maneira divertida, solar, mas sem esquecer o mellotron, mais clássico, dando um caráter “vintage”, mas sem soar datado. Trata-se de um hard rock, com pitadas generosas de um melódico com alto teor de dramaticidade capitaneado pelo vocal de Stefano “Lupo” Galifi. É denso sim, pesado também, mas de uma delicadeza singular. Em suma: este álbum é um misto de um rock mais pesado, com um prog “romântico” com sabor italiano e humores melancólicos e alegres.

Há umas citações de Elisa Montaldo, em outubro de 2010, para o emblemático e necessário site “Prog Archives” com a banda, em que ela fala sobre o processo de composição das músicas e das suas inspirações e que sintetiza perfeitamente com a concepção do álbum “Il Tempio delle Clesside”:

“Quando tenho inspiração, vou imediatamente para o piano e toco: a improvisação é a coisa mais importante para mim, componho música diretamente de minhas emoções, sonhos e ideias e tento traduzi-los em música... sons dos meus teclados para criar a cor do tom certo, e tentar emular os sons progressivos clássicos que eu amo (Mellotron, Chamberlin, órgão Hammond) As guitarras estão estritamente conectadas com os teclados em nossa música, elas são muito refinadas e versáteis, Giulio é um violonista muito bom e tem uma grande sensibilidade musical que torna os arranjos originais, bem equilibrados e em harmonia com o real sentido das composições."

Elisa Montaldo

O álbum abre com a instrumental “Verso l’Alba” apresentando o que será o álbum majoritariamente: uma sonoridade bem familiar do rock progressivo dos anos 1970, com um órgão profundo, sintetizador frenético, riffs poderosos de guitarra e um estilo marcado de bateria. “Insolita Parte Di Me” começa enérgica, contagiante, forte e abre alas em para o vocal límpido de Galifi, em uma faixa melódica. Não se pode negligenciar também as camadas de teclados incríveis de Montaldo, trazendo textura a sua sonoridade.

"Verso I'Alba" e "Insolita Parte Di Me" (Live)

“Boccadasse” traz linhas fortes de bateria e uma levada meio jazzística dando passagem para o vocal e destaque para o teclado de Elisa trazendo a “camada sonora” que a música precisa. É complexo, pois traz o hard rock em fusão com o rock progressivo remetendo ao Uriah Heep do passado.

"Boccadasse"

“Le Due Metá Della Notte” é certamente uma das mais belas faixas do álbum com a linda introdução de piano de Elisa e o vocal contemplativo de Galifi, um pouco da tradicional música italiana. 

"Le Due Metá Della Notte"

“La Stanza Nascosta” é uma balada triste e dramática marcando uma dupla infalível entre o vocal de Stefano e o piano de Elisa. É docemente melancólico, dramático e intenso, mesmo que sombria.

"La Stanza Nascosta"

“Danza Esoterica Di Datura” traz a obscuridade, além do tema, como também no som com destaque no piano clássico aliado ao peso dos riffs de guitarra. Traz, claro, texturas ricas em mellotron que preenchem as vozes sombrias e indulgentes de Galifi. E todo esse conjunto se torna pesado, arrogante, intenso e complexo, repleto de mudanças de tempo. “Faldistorium” vem com pratos de bateria, notas contundentes de sintetizador que oscilam, que vibram em vibrações cheia de energia e intensidade e tudo isso envolto em uma trama jazzística que logo é interrompida por solos de guitarra que remete aos anos 1970. Logo depois vem mellotrons que encharcam a sonoridade com um hard rock mais veemente.

"Danza Esoterica di Natura" e "Faldistorium" (Live)

“L’Attesa” começa com um órgão muito pesado, com uma guitarra elétrica com riffs pegajosos e poderosos que logo recuam para uma seção mais suave que abre para um vocal mais apaixonado e teatral de Stefano.

"L'Attesa" (Live)

A suíte “Il Centro Sottile” é épica, com passagens rítmicas virtuosas e com ricos instrumentais, onde a bateria, o baixo e o mellotron desmentem uma pretensa simplicidade e calma em seu andamento. O piano é incrivelmente brilhante revelando uma seção intensa e delicada, corroborando a riqueza instrumental dessa faixa, fechando claro, com a seção vocal dando um acabamento mais pesado e melódico.

"Il Centro Sottile" (Live)

E fecha com “Antidoto Mentale” com uma proposta mais sinfônica, mas que, por outro lado entrega algo meio pop, radiofônico, mas muito original e competente.

"Antidoto Mentale" (Live)

Il Tempio dele Clessidre traz o presente, agradecendo ao passado, sem soar datado criando uma diretriz e um caminho para o futuro. A banda, sem sombra de dúvida, representa o que há de melhor na nova cena progressiva da Itália, porque respeito os desbravadores do passado, mas que também impõe a sua sonoridade arrojada e contemporânea. Não há fim, começo, meio, apenas música, música de qualidade.

A banda seguiu seu caminho sem o vocalista Stefano “Lupo” Galifi que deixaria o Il Tempio delle Clesside para retomar voltar a sua banda de origem, o Museo Rosenbach para a concepção de um novo projeto, um novo álbum que ganhou luz em 2013, o bom álbum “Barbarica”, de 2013. Elisa Montaldo e companhia gravaria, também em 2013, o seu segundo álbum chamado “AlieNatura” com um novo vocalista, o Francesco Ciapica e gravando, em 2017, o seu terceiro e último álbum de estúdio, o “Il-Lūdĕre”.



A banda:

Stefano "Lupo" Galifi no vocal

Giulio Canepa na guitarra

Elisa Montaldo no piano, no órgão, nos teclados e vocais

Fabio Gremo no baixo

Paolo Tixi no bateria

 

Faixas:

1 - Verso l'Alba

2 - Insolita Parte di Me

3 - Boccadasse

4 - Le Due Metà della Notte

5 - La Stanza Nascosta

6 - Danza Esoterica di Datura

7 - Faldistorium

8 - L'Attesa

9 - Il Centro Sottile

10 - Antidoto Mentale 



"Il Tempio delle Clesside" (2010)



 

























 


 


 




domingo, 19 de fevereiro de 2023

Antonius Rex - Zora (1977)

 

A cena progressiva italiana não é marcada apenas pelas bandas sinfônicas e vocalistas passionais em um alto tom de dramaticidade, embora não podemos negligenciar que tal vertente foi a edificação do bom e velho prog rock italiano. Nós temos, naquelas bandas, uma cena que, mesmo vilipendiada e esquecida, vive e respira, mesmo que a duras penas, sem o menor tipo de apoio e compreensão pela indústria fonográfica, desde sempre e os ardorosos fãs de rock progressivo, que o dark prog.

Eu não sei, ao certo, se existe esta terminologia, mas penso que é maid do que adequada para trazer materialização a bandas como Goblin, por exemplo, que elevou o nível do dark prog italiano e que, depois de persistir, perseverar por décadas e décadas conseguiu notoriedade não apenas na Itália, mas em outros países que abraçam intensamente a cena espalhados pelo planeta progressivo.

O real é que a cena progressiva dark é formada por pequenos guetos, como todo o occult rock, em todas as vertentes sonoras e que hoje, discretamente vem ganhando algum espaço, muito graças a bandas como o Ghost que atualmente até grammy sueco, de onde foi formada, já ganhou. É uma banda que está no mainstream, goza de grande popularidade, mas que ainda mantém a chama do occult rock que foi responsável pela construção de sua música lá para o fim da primeira década dos anos 2000.

O fato é que a cena do progressivo oculto, apesar de escanteada desde sempre, tem bandas que, mesmo esquecidas, tiveram a sua importância quanto ao seu pioneirismo e mesmo que muitas dessas bandas mais recentes, como o próprio Ghost, mencionada aqui neste texto, não fale abertamente, sobre algumas referências, não há como não observar, como perceber a presença, em seu som, de bandas como o Goblin, entre tantas outras como Blue Oyster Cult, Alice Cooper, Kiss, Mercyful Fate, entre tantas outras.

Mas até mesmo o grande e icônico Goblin, com seus anos e anos de estrada também tem, claro, as suas influências e só existe porque outras poucas bandas que o antecederam, sobretudo na Itália, criaram um conceito sonoro, criaram uma base que viria a se tornar definitiva ontem hoje e, sem sombra de dúvida, sempre. São legados que, mesmo reinando na penumbra do esquecimento, se torna referência, porque desbravaram o estilo no estado bruto de sua existência. Falo de bandas como Jacula e Antonius Rex. Já ouviram falar nessas bandas? Não?

E aos desavisados que não conhecem tais bandas, que foram os responsáveis pelo “big bang” do dark prog na Itália e quiçá no planeta, lá para o final dos anos 1960, teve, como mente pensante e importância, a cargo do guitarrista, compositor e mente brilhante Antônio Bartoccetti.

Bartoccetti esteve à frente em vários projetos, em diversas bandas que, pelo norte da Itália, ajudaram a caracterizar o som da Itália progressiva, quando sequer existia direito um som progressivo, diante do modismo do beat italiano. E lá estava Bartoccetti e seus poucos amigos que faziam uma música arrojada e incompreendida desde sempre.

Mas o cume da sua história musical foi com o Jacula, criada em Milão, no final dos anos 1960, mais precisamente no ano de 1969. Poucos meses depois de sua fundação, Bartoccetti, ao lado de Fiamma Dallo Spirito (voz, violino e flauta), Doris Norton (bateria) e Charles Tiring (teclados), Antonius, como era conhecido, lançou o álbum “In Cauda Semper Stat Venenum”, o qual saiu em uma edição limitada de 300 cópias apenas, um álbum cunhado “artesanalmente”, diria. Esse álbum foi produzido em Londres e foram distribuídas apenas entre os produtores, donos das gravadoras, a banda e algumas seitas que Bartoccetti seguia e tinham como base para construir as letras de suas músicas.

Jacula - "In Cauda Semper Stat Venenum" (1969)

A sonoridade, arrojada e totalmente nova, era baseada em composições voltadas para o órgão de igreja que, apesar de erudito, trazia um tom extremamente sombrio e novo no rock, bem como guitarras distorcidas, ao estilo, pasmem Black Metal, onde consideram o Jacula como o pai do Black Metal tão conhecido na Noruega.

Mas o sombrio não fica no conteúdo sonoro não, mas também na arte gráfica deste clássico álbum do dark prog, mostrando uma imagem em preto e branco, de um homem comendo pedaços de um cadáver dentro de um cemitério! Não tem como associar às capas de Black Metal, daquelas mais conhecidas lançadas na década de 1990, período de seu auge, não é?

O segundo álbum do Jacula foi “Tardo Pede In Magiam Versus”, de 1971, também lançado em número limitado de cópias (cerca de 1.000) e por um selo até hoje desconhecido e isso parece ter sido uma constante em toda a história de produção de Bartocccetti. Este trabalho também contou com Norton agora nos vocais e sintetizadores, além de Tiring e da adição de Albert Goodman (bateria), este LP destaca mais a guitarra distorcida e o violino.

Jacula - "Tardo Pede In Magiam Versus" (1971)

A capa de “Tardo Pede in Magiam Versus” é a mesma de “In Cauda Semper Stat Venenum”, porém no formato colorido e, para variar, acabou causando muita revolta na Itália, sendo censurado. Lamentável, não é?

O Jacula se desintegrou, mas Bartoccetti não parou, fundando o grupo Invisible Force, ao lado do eterno colega Charles Tiring, Elisabeth d’Esperance (voz) e Peter McDonald (bateria), com os quais lançou os singles “Morti Vident” e “1999 Mundi Finis”, ambos em 1971. A linha é similar ao que apareceu no segundo disco do Jacula.

Jacula

O Invisible Force mudou de nome, adotando Dietro Noi Deserto, trazendo Bartoccetti no baixo ao lado de Luciano Lura (voz, órgão), Luciano Quaggia (guitarra) e Mauro Baldassari (bateria), que lançou os singles “Dentro Me” e “Aiuto”, canções mais voltadas para o rock clássico italiano do que para o progressivo.

Mas essa introdução toda é para falar de outra banda que humildemente considero como a pedra fundamental da história do dark prog italiano e mundial e que proporcionou Bartoccetti e companhia investir mais na versatilidade de sons e sonoridades, experimentando mais. Falo do ANTONIUS REX, banda esta alvo da resenha de hoje.

Antonius Rex

Levou o seu nome, como o cara que sempre esteve no comando, a liderança das concepções do som seja do Jacula como também do Antonius Rex. Mas contou com o apoio, sempre incondicional, de Doris Norton, nos teclados e vocais, além do baterista Albert Goodman. “Neque Semper Arcum Tendit Rex”, gravado em 1974, primeiro álbum da banda, é tido, por muitos, como um primeiro álbum solo de Antônio Bartoccetti, mas considero como um álbum de banda, de todos os envolvidos, como Doris Norton e Goodman e, como não mencionar essas figuras tão importantes?

Antonius Rex - "Neque Semper Arcum Tendit Rex" 

Mas o álbum não fora lançado naquele ano de 1974, tudo novamente por causa da arte da capa e do seu conteúdo e dessa vez foi a gravadora “Vertigo” que achou a capa ultrajante, porque continha uma mensagem “diabólica” do século XVII e algumas letras fortes, principalmente na faixa “Devil Letter”, o álbum foi engavetado. Depois desse revés tentou lança-lo pelo selo do baterista Albert Goodman, “Darkness”, mas nunca passou por uma questão promocional.

Então somente em 1977 o Antonius Rex conseguiu, à duras penas, lançar o que é considerado o seu primeiro álbum lançado oficialmente: “Zora”. E será esse o álbum a ser comentado, a ser resenhado. “Zora” foi lançado pelo pequeno selo “Tickle” e, para manter o estilo Bartoccetti de ser, com uma capa para lá de excelente e pouco ortodoxa, para a nossa alegria.

Apresenta uma linda bruxa quase nua, com os seios de fora, chicoteando caveiras que estão tocando um concerto em um navio prestes a afundar. Mas também, para variar, gerou repulsa entre os conservadores de plantão, tendo uma nova capa diferente e mais “comportada” no ano seguinte com uma capa diferente, tendo apenas uma pequena imagem de uma das caveiras. O resto, tudo em preto contendo apenas o nome da banda e do álbum.


“Zora” traz a mente inquietante e criativa de Antônio Bartoccetti, sem sombra de dúvida. É fato que trazem à memória o seu trabalho anterior, sobretudo como o Jacula, mas já se observava coisas novas, uma sonoridade mais experimental sim, mas voltada para um progressivo que, no ano em que foi concebido “Zora”, estava mais do que consolidado, apesar de pouco popular, que na realidade, convenhamos, sempre, mas piorou com o surgimento comercial do punk e disco music.

Outro fato interessante é que, quando busquei as referências históricas do álbum e da banda o álbum é tido como fraco e pouco inspirador. Claro e evidente que não podemos criticar e desrespeitar as opiniões alheias, afinal, as opiniões são particulares, mas o que eu não concordo é com algumas alegações de que a linha de Bartoccetti muda muito e fica longe da proposta do Jacula.

Mas é por isso que o álbum, em minha opinião, ganha em qualidade e importância, pois apesar de tais mudanças, o Antonius Rex assume uma um caráter de banda progressiva, mas ainda com a essência obscura e temática ocultista e aquela sonoridade ameaçadora e perigosa, mas com muito mais substância, riqueza em suas melodias e harmonia. A banda, em “Zora”, era formada por Antonio Bartoccetti no vocal e guitarra, Doris Norton nos teclados e vocais e o ex-Jacula Albert Goodman na bateria.

O álbum abre com “The Gnome” mostra um sintetizador, sempre em destaque, fazendo um som de vento, em uma bateria meio dance e uma linha de baixo envolvente tendo uma estrutura pesada, densa no sentido dark, obscuro da palavra, e ainda tem o vocal de Bartocelli bem melódico.

“Necromancer” mostra um rock progressivo mais estruturado, com vocais mais melancólicos com destaque nos teclados dando aquela atmosfera densa e uma guitarra com riffs e solos duros e ameaçadores. No transcorrer da música o que se percebe é um jazz fusion com um destaque instrumental impressionante.

 “Spiritualist Seance” é um épico que tem na melodia sustentada pelos teclados, a sua importância. Com um vocal feminino a música ganha um clima ainda mais pesado, graças também a guitarra alucinada de Bartocelli.

“Zora” assume um progressivo mais convencional com melodias intricadas e muitas passagens. O teclado sempre presente, o violão dedilhado, uma música frenética e progressiva excelente.

O álbum fecha com “Morte Al Potere” que tem a guitarra pegando fogo em uma sequência pesada de riffs e solos com melodias acessíveis, mas sempre com aquela atmosfera dark.

“Zora” e Antonius Rex mostram o lado negro e necessário do progressivo italiano que, apesar de desprezados pelos fãs puristas, faz desta banda e da cena a qual criou e faz parte algo rico e diferente, especial. O Antonious Rex seguia com mudanças em sua sonoridade, tendendo para o rock progressivo com músicas melancólicas, complexas e obscuras. Recomendo também o seu álbum “Ralefun”, onde você pode ler a resenha aqui, sucessor de “Zora”, de 1979.

O Antonius Rex seguiu sua carreira, mudando de formação, mas consolidando a sua história no dark prog italiano e encorpando também a sua história discográfica lançando “Anno Demoni”, de 1979 e “Praeternatural”, 1980. Na primeira década dos anos 2000, com muita dificuldade, mas com muita persistência, voltou a ativa, lançando mais dois álbuns: ”Magic Ritual”, de 2005 e “Switch on the Dark”, de 2006.

Em 2009 foi o ano de lançamento de “Per Viam”, um álbum que marcou também a volta do Jacula. Neste mesmo ano “Zora” foi agraciado com um lançamento comemorativo, apresentando a inédita “Monstery” e resgatando a famosa capa da bruxa nua. O último trabalho do Antonius Rex foi o álbum, de 2013, chamado “Hystero Demonopathy”.


A banda:

Antonio Bartoccetti na guitarra e vocal

Doris Norton nos teclados

Albert Goodman na bateria

 

Faixas:

1 - The Gnome

2 - Necromancer

3 - Spiritualist Seance

4 - Zora

5 - Morte al Potere 


Antonius Rex - "Zora" (1977)







 






 


















 


domingo, 5 de fevereiro de 2023

Procession - Fiaba (1974)

 

Nunca escondi as minhas predileções pelas bandas que nunca se renderam aos estereótipos da música. Sabe aquele rótulo, aquele carimbo de banda predominantemente de hard rock, prog rock etc?

Evidente que muitas bandas conquistaram seus status de grande por ter sido desbravadoras nas suas vertentes sonoras, mas quando falamos, por exemplo, nos prolíficos anos 1970, não há como uma banda competente e talentosa que não tenha se rendido a alguns estilos que tiveram seu nascimento e aperfeiçoamento naqueles áureos anos para o rock n’ roll.

E a minha frenética e intensa busca por essas relíquias e riquezas sonoras têm sido deveras interessantes e no universo das bandas obscuras e raras é o que mais encontramos com tais características. Acredito que são obscuras e pouco conhecidas por conta dessa condicionante, entre outros fatores, é claro.

E conheci uma banda na história que refleti fielmente essa característica e digo mais: os seus primeiros dois álbuns, de apenas três em sua discografia, apenas, para retratar duas bandas diferentes. Para alguns mais conservadores diriam que essa banda, em especial, seria descaracterizada e totalmente perdida no que tange a sua orientação sonora. Eu diria que são músicos, criativamente falando, inquietos e que deixam aflorar as suas inspirações. Falo da banda PROCESSION.

Procession

No caso do Procession além das inquietudes criativas e da capacidade instrumental de seus músicos, outras necessidades determinaram algumas mudanças no rumo de sua música ao longo da primeira metade dos anos 1970 e essas necessidades têm nascedouro em questões comerciais e monetárias.

O Procession foi formado na cidade de Turim, na Itália, em 1971 e como tantas bandas que não tem o mínimo de apoio e respaldo pela indústria fonográfica para a sua arte, foi persistente, foi determinada para chegar ao topo vendendo a sua música, entregando as suas verdades sonoras e em 1972, lançou o seu debut chamado “Frontiera”.

Frontiera (1972)

E falando em persistência, talento e arte, “Frontiera” é considerado como um audacioso e corajoso trabalho e sem dúvida alguma é tido como um dos primeiros álbuns de hard rock lançado na Itália. E assim o é! Pesado, forte, intenso, visceral, pode ser entendido facilmente como um álbum que elevou o nível da música pesada na Itália, mesmo que não tenha sido o primeiro a ser concebido com essas arestas na terra da bota.

E mesmo sendo um pesado álbum de rock foi construído sob a proposta conceitual, falando, como sugere o nome do trabalho, sobre a questão da imigração na Itália, falando, em especial dos sulistas indo para as regiões do norte do país.

Mas a pequena gravadora do Procession à época, a “Help” (uma subsidiária da RCA que também lançou o primeiro álbum de Quella Vecchia Locanda) estava falindo e, para variar, as cifras das vendas de “Frontiera” estava muito aquém do que os executivos do selo e dos músicos da banda do que projetaram.

Então a banda decidiu que iria se submeter a algumas mudanças e elas foram drásticas, radicais! Cerca de 2/5 da banda permaneceu para o próximo projeto que viria ganhar a luz apenas dois anos depois do lançamento de seu primeiro álbum, o “Frontiera”

A formação do Procession quando conceberam “Frontiera” tinha: Gianfranco Gaza no vocal, harpa de boca, Roby Munciguerra na guitarra, Marcello Capra também na guitarra, Angelo Girardi no baixo, bandolim e Giancarlo Capello na bateria, percussão.

A banda, que tinha dois guitarristas, passa a ter apenas um, permanecendo Roby e saindo Capra. Gaza, o vocalista, continuou na banda e teve uma mudança que para muitos foi bem significativa para a sua sonoridade, com a entrada de Maurizio Gianotti no saxofone e flauta, além da saída do baterista Capello sem nenhuma substituição com outro baterista de forma efetiva no “cargo”. E foi basicamente com esse time que o Procession retornaria aos estúdios para gravar o seu segundo álbum chamado “Fiaba”, em 1974, alvo de minha resenha de hoje.

“Fiaba”, lançado agora pelo selo “Fonit” ganha outra roupagem totalmente distinta do que o seu antecessor, o “Frontiera”: assume um untuoso progressivo sinfônico, com algumas nuances de hard rock, mas os teclados, flautas, sax e muito violão acústico alternavam com algo jazzístico e até para o folk rock, inclusive. Traziam influências do progressivo sinfônico que reinava na Itália em meados dos anos 1970, com algo de progressivo britânico sem soar cópia ou algo que valha.

E para essa empreitada, o Procession contou com grandes músicos convidados, que são: Francesco "Froggio" Francica na bateria, percussão, ele tocava na grande banda Raccomandata con Ricevuta di Ritorno, Franco Fernandez e Ettore Vigo nos teclados, esse último era da banda Delirium, além dos vocais excelentes de Silvana Aliotta, da até então recém-aposentada banda Circus 2000, em uma das faixas do álbum. A banda contou ainda, nos shows, com os serviços de Roberto Balocco, ex- Capsicum Red, na bateria.

Embora “Fiaba” tenha trazido grandes novidades em sua textura sonora em relação a “Frontiera” a banda tentou e conseguiu levar em “Fiaba” um belo contraponto entre o peso do hard rock com a complexidade e leveza do prog sinfônico entre a guitarra de Roby Munciguerra e a parte mais suave, digamos, representado pela flauta de Maurizio Gianotti que contrapõe delicadamente a textura harmônica completa com uma duplicação das notas.

O álbum é inaugurado com a faixa “Uomini Di Vento” que traz um folk rock bem solar, animado com acústico dedilhando rapidamente um solo de guitarra mais pesado desde o seu início, logo se desenvolvendo para um hard rock que rememora “Frontiera”. Tem uma ótima linha de baixo, pulsante e vivo com bateria marcada, com vocais que harmonizam com um belo som de guitarra crua e que logo se contrapõe a solos de flauta e saxofone.

Procession - "Uomini Di Vento" (Live at Torino, Itália, 2008)

E segue com “Un Mondo Sprecato” que começa com violão, vocal suave e sax em uma boa melodia, mas o baixo é entusiástico e interessante, pulsa fortemente, com um solo de guitarra meio “uivante” que logo é desafiado por um saxofone duro e intenso, mas o mellotron acalma tudo. O vocal é muito agradável nessa linda faixa.

Procession - "Un Mondo Sprecato" (Live at Torino, Itália, 2008)

"C'era Una Volta” tem uma sensação jazzística com uma longa e linda introdução de saxofone com os pratos da bateria e um baixo ao fundo. Entra um vocal bem energético e ensolarado, com um solo de guitarra muito suave à distância. O desempenho vocal de Silvana Aliotta, do Circus 2000, é irretocável.

Procession - "C'era Una Volta" (Live at Torino, Itália, 2008)

"Nottorno" começa com uma seção fantástica de flautas e pratos acústicos, criando uma sensação melancólica. Isso continua por algum tempo até que o ritmo aumenta com alguns solos espaciais, uma faixa muito eficaz e paciente.

Procession - "Nottorno"

"Il Volo Della Paura" tem um bonito inicio em violão e flauta, logo depois entra um saxofone muito bem executado até o fim com a presença da guitarra e um ótimo vocal.

Procession - "Il Volo Della Paura"

E fecha com a faixa título, “Fiaba” é pura felicidade sinfônica com mellotron, flautas, acústico, baixo animado e bateria mantendo as coisas bombando.

Procession - "Fiaba"

Com o lançamento de “Fiaba” o Procession se manteve bem em algumas apresentações ao vivo, fazendo alguns shows, não muitos, a vida das bandas pouco conhecidas na Itália, além das adversidades político-partidárias acirradas no país naquela época dificultava um pouco a vida das bandas que precisavam dos shows para promover seus trabalhos.

E mais uma vez o Procession não conseguia, mesmo com a qualidade sonora elevada de seus dois primeiros álbuns, alavancar, sob o aspecto comercial, o nome da banda forçando, lamentavelmente, o fim triste e precoce da banda no ano de 1975.

O vocalista Gianfranco Gaza, após o fim do Procession, colaborou com a banda Arti & Mestieri em seu segundo álbum, de 1975, chamado “Giro Di Valzer Per Domani”, deixando a cena musical logo depois e falecendo em 1986.

O guitarrista original Marcello Capra, após deixar o Procession  e tocar com Tito Schipa Jr., lançou alguns álbuns em 1978, 1998 e 1999, principalmente trabalhos solo de violão. O saxofonista Maurizio Gianotti mais tarde tocou com a banda de jazz-rock Combo Jazz.

Uma nova formação do Procession foi formada por Roby Munciguerra para alguns shows em 2006, com Samuele Alletto no vocal, flauta, Stefano Carrara nos teclados e violão, Enzo Martin no baixo e Max Aimone na bateria, anteriormente com Venegoni & Cia.

Esta formação lançou um novo álbum em 2007, intitulado “Esplorare”, que inclui novas gravações de quase todos os álbuns originais do grupo, “Frontiera” e “Fiaba”, além de uma faixa inédita.

Procession - "Esplorare" (2007)

A mesma gravadora que lançou este álbum do Procession, a “Eletromântica”, produziu no final de 2012, um álbum ao vivo com a gravação inédita de um show no Lio Club de Chieri, intitulado “9 gennaio 1972” , quando a banda ainda tocava covers de nomes como Atomic Rooster, Free e Jethro Tull.

Procession - "9 Gennaio 1972" (2012)

Uma banda que ousou por necessidade de se tornar grande, sob o aspecto comercial, mas que, mesmo não tendo atingindo o ápice do sucesso das paradas, se mostrou extremamente relevante, gigante e importante para o desenho da história do rock italiano. “Fiaba”, “Frontiera” e o Procession são indispensáveis para a história do hard prog italiano.

 



A banda:

Gianfranco Gaza / vocal

Roby Munciguerra / guitarras

Maurizio Gianotti / saxofones tenor e alto, flauta

Paolo D'Angelo / baixo

Com:

Francesco "Froggio" Francica / bateria, percussão

Franco Fernandez / teclados (2,6)

Ettore Vigo / teclados (3)

Silvana Aliotta / vocal (3)

 

Faixas:

1 - Uomini Di Vento

2 - Un Mondo Sprecato

3 - C'era Una Volta

4 - Notturno

5 - Il Volo Della Paura

6 - Fiaba


Audição de "Fiaba":


https://youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_lrsOiiQ4M9VIKfqTH3_kjRn06dpJL5Y2M