domingo, 23 de agosto de 2020

Tarkus - Tarkus (1972)


Fim do ano de 1971 e início de 1972. O peruano Walo Carrillo estava preso, em cana. O cara era baterista de uma banda do Peru chamada Telegraph Avenue, que fundia o rock psicodélico com ritmos latinos. 

Era uma banda relativamente conhecida no seu país e na época estava fazendo alguns shows pelo Peru. Os colegas de banda de Walo, preocupados que o mesmo não retornasse à banda após a sua saída da prisão, decidiu colocar outro baterista no seu lugar, sem consulta-lo. 

O vocalista e guitarrista, o também peruano Alex Natanson, puto com essa decisão, não concordou com o substituto, decidiu sair da banda e quando Walo chegou para reassumir seu posto de baterista e viu outro cara no seu lugar decidiu sair da banda. 

Decidiu também empreender outro projeto, isso já em 1972. Ele conheceu um hippie argentino de nome Guillermo Van Lacke no Plaza San Martín e o convidou para fazer parte desse tal projeto. Esse projeto viria a ser chamado de “TARKUS”, considerada uma das primeiras bandas de hard rock do Peru e da América Latina.

Tarkus

Não se enganem amigos leitores, o nome "Tarkus" não têm rigorosamente nada a ver com o icônico álbum do Emerson, Lake & Palmer, a começar pelo aspecto sonoro. O Tarkus era uma banda que tinha no hard rock o seu mote, talvez, em alguns momentos, escassos, tinha lampejos de rock progressivo.

Mas o nome “Tarkus” foi em homenagem a um ser mitológico que vive no fundo da alma de todos e tem a função de proteger a moralidade do indivíduo contra o mundo externo. Interessante, não? O power trio começou a fazer muito sucesso nos shows, a banda tinha muita força e energia no palco, mas faltava um elemento melódico. 

Então o argentino da banda, Van Lacke, voltou para o seu país para se encontrar com um amigo, também argentino, chamado Dario Ginella, um guitarrista competente e ávido fã do Led Zeppelin e que também foi, como Van Lacke, um prolífico compositor. 

Certamente os argentinos, apesar de a banda ser baseada no Peru, tiveram grande influência na estrutura sonora do Tarkus, tanto que, no seu primeiro álbum, lançado em 1972, a banda tinha uma forte influência de bandas como Black Sabbath, Deep Purple e, claro, Led Zeppelin. 


A propósito, esse seminal clássico obscuro será alvo do meu texto de hoje. Agora com quatro integrantes a banda conseguiu fechar contrato com a MAG, uma gravadora peruana para gravar o seu álbum em 1972. 

“Tarkus”, nome do seu debut, foi gravado entre 3 de abril e 16 de maio de 1972. O estúdio deu a banda total liberdade para gravar as suas músicas da maneira que quisessem. A gravação, sob a direção técnica de Carlos Guerrero, foi feita com esmero e dedicação, mas apenas 50 cópias foram distribuídas no Peru, pareciam prensagens de teste com o rótulo “MAG padrão”, para serem distribuídas como material promocional e algumas cópias foram vendidas em algumas lojas especializadas naquele país. 

E parece que só ficou nisso em terras peruanas. A gravadora não decidiu lançar no Peru com a alegação da baixa demanda, mas o álbum se tornou muito procurado em outros cantos da América Latina e, reza a lenda de que teria vendido muito nos Estados Unidos. O encarte, contendo as letras de todas as músicas, nunca foi incluído nas cópias promocionais.


Com o seu álbum finalmente lançado faltava a estreia oficial. E o local escolhido para a festa, a celebração, foi o cinema El Pacifico, mas pouco antes desse momento Darío decidiu sair da banda. Nem tudo foi festa, mais um problema surgiu. 

Mas apesar dos problemas, o primeiro álbum do Tarkus é simplesmente um petardo sonoro, agressivo, um volumoso álbum de hard rock. Um hard rock competente, consistente e muito avançado para a sua época. Percebem-se, em alguns momentos, pitadas de um rock psych, um acid rock bem pesado e lisérgico. 


As letras, cantadas em espanhol, tem guitarras pesadas, com solos elaborados e riffs pegajosos e igualmente pesados, bateria nervosa, baixo pulsante e um vocal agressivo e de grande alcance. Tudo o que um bom e genuíno hard rock pode oferecer! 

O álbum já começa avassalador com a excelente faixa “El Pirata” com um furacão de riffs e solos crus e diretos de guitarra, uma bateria marcada e batida impiedosamente com um baixo pulsante. Uma música que parece que foi produzida em tempos atuais, lembrando muito que essas novas bandas de stoner rock fazem hoje. “El Pirata” é extremamente atemporal, soa vivaz e fresco.

"El Pirata" live at Jammin (2007)

“Martha Ya Está” começa sombria, arrastada, lembrando algumas bandas de occult rock, com uma atmosfera densa, com dedilhado de guitarras que dá todo o tempero necessário para esse clima que logo se confirma com o vocal quase que murmurado. Mas logo fica mais intenso, de forma gradativa, com riffs de guitarra mais pesado e volta para o clima mais sombrio. Uma excelente música para os apaixonados pelo occult rock.

"Martha Ya Esta" live at Jammin (2007)

“Cambiemos Ya” segue, mais ou menos, com a mesma proposta da faixa anterior, o violão ditando o clima de psicodelia, com o vocal em tom dramático, seguindo uma linha mais introspectiva, mas que logo fica mais gritado seguido por riffs de guitarra mais pesado e assim, também vai alternando entre a leveza e o peso.

"Cambiemos Ya"

“Tempestad” traz a tona de novo o lado mais pesado do álbum, um som mais agressivo e imponente, mas que, ao mesmo tempo soa um pouco arrastado, lembrando um pouco rock de garagem, um som mais despretensioso com riffs lembrando Black Sabbath, sujo e pesado.

 "Tempestad" (Live 2008)

“Tema para Lilus” tem uma introdução bem Sabbathica também, um som que lembra muito o doom metal que viria a se tornar um pouco conhecido nos anos 1980. Uma faixa suja, perigosa, ameaçadora, pesada, arrastada, os riffs de guitarra são excelentes e a “cozinha” mostra muita sinergia, bateria pesada e cheia de viradas com um baixo que pulsa de forma avassaladora. Uma das melhores do álbum.

"Tema para Lilus", live at Jammin (2007)

“Tranquila Reflexión” como contraponto a faixa anterior começa suave, com delicados dedilhados de guitarra e uma bateria meio jazzy e um vocal sussurrado, melódico segue o clima da faixa, uma poderosa balada que, conforme segue seu curso, vai encorpando, ficando mais viva, com solos de guitarra e baterias com fortes tendências ao jazz rock. Uma faixa bem elaborada e complexa.

"Tranquila Reflexíon", live at Jammin (2007)

“Río Tonto” entrega mais hard rock, um senhor petardo que tem uma importante presença instrumental, todos mandam muito bem nessa faixa. Bateria quebra tudo, guitarra com solos de tirar o fôlego, baixo potente e vocal gritado faz dessa música uma ode ao peso, um verdadeiro proto metal.

"Rio Tonto"

E fecha com “Tiempo en el Sol” com dedilhados de violão que lembra até um folk rock e que logo surge um vocal ao estilo psicodélico, em um ritmo viajante e introspectivo, fugindo totalmente da proposta pesada de todo o trabalho, mas que não é de tão ruim.

"Tiempo en el Sol"

Após o lançamento do álbum e da súbita e inesperada saída do guitarrista Dario Gianella antes da sua apresentação oficial, para divulgar seu até então novo trabalho, o Tarkus se dissolveria cerca de 7 meses depois, mas ainda deu tempo da banda se apresentar em alguns lugares no Peru, sendo que o mais famoso deles em La Plaza de Cho.

No final de 1972 os membros da banda decidiram seguir seus próprios caminhos. Alex Natanson e Walo Carillo retornaram com a Telegraph Avenue gravando o segundo álbum da banda em 1975, Guillermo Van Locke voltou para a Argentina para seguir a carreira de produtor musical de sucesso e Dario Gianella viajou para Miami, na Flórida, para lá se estabelecer, onde trabalha em estúdio. 

Depois de décadas, mais precisamente em 2007, o Tarkus se reuniu novamente e o cargo de Dario Gianella foi ocupado por Christian Van Lacke, filho de Guillermo, e Alex Natanson ocupou a posição de baixista. 

Fizeram alguns shows e se apresentou em canais de televisão A banda começou os ensaios para gravar um novo álbum de estúdio, até porque eles tinham algumas letras antigas e que ocuparia um segundo álbum que não foi lançado. 

Mas Alex deixou o país para continuar fazendo música, e largou o projeto de gravar com o Tarkus. Walo e Christian decidiram continuar e incluir parte desse material no álbum de estreia de seu novo projeto, uma banda chamada “Tlön” e, com esta banda lançariam três álbuns na Alemanha. Mas em 2008, com o selo de Alex Natanson, o "Natanson Music Productions", finalmente o Tarkus lançaria o seu segundo álbum chamado simplesmente de “Tarkus 2”. 

"Tarkus 2" (2008)

“Tarkus”, o debut, teve algumas reedições, sendo relançado vinte anos depois, em 1992 em LP pela "Background", depois em 1997 pela "Lazarus Audio Products", também em LP, depois em 2006, no formato CD, pela peruana "Repsychled", depois em 2007 pela "Get Back", da Itália, no formato CD e LP e a mais recente, em 2014, pela "Vinilissimo", da Espanha no formato LP. 

Um clássico obscuro da música pesada latina que mostra que o rock não é e nem pode ser restrito a países como Estados Unidos ou Inglaterra, por exemplo. Um pioneiro da música pesada em terras peruanas e que merece reverências pelo feito, pelo protagonismo.




A banda:

Alex Nathanson no vocal
Dario Gianella na guitarra
Guillermo Van Lacke no baixo
Walo Carrillo na bateria

Faixas:

1 - El Pirata
2 - Martha Ya Esta
3 - Cambiemos Ya
4 - Tempestad
5 - Tema Para Lilus
6 - Tranquila Perflexion
7 - Rio Tonto
8 - Tiempo En El Sol


"Tarkus" (1972)