sábado, 5 de março de 2022

Wicked Lady - Psychotic Overkill (1972-1994)

 


As origens primitivas, o big bang! O início que começa do nada! A história que não diz por ela só, devido a regras “documentais” acaba por não dar existência a quem merece dado a certos “infortúnios” no caminho tortuoso e difícil. Um álbum não lançado, o vilipêndio da indústria fonográfica, a fraqueza psicotrópica dos músicos. Tudo irrompe no ostracismo, na obscuridade do rock n’ roll. Isso faz com que o pioneirismo não seja credenciado a determinadas bandas?

Infelizmente essa se torna uma pergunta recorrente, talvez seja pela falta de consistência dela, algo que não se deve levar em consideração, pois o início sempre é questionável, muito por conta da riqueza da sonoridade e da cena e de algumas situações hipotéticas e relativas referente a concepção da música para cada ouvinte.

Mas algumas bandas que não gozam da pedra fundamental da origem da música pesada, por exemplo, precisa ser lembrado, serem colocadas no seu devido lugar, independente das agruras que sofrera no passado ou se essas redundaram em seu fracasso comercial.

Bandas britânicas, polo da música pesada nos anos 1960, 1970 e 1980, como The Who, The Yardbirds, Black Sabbath, Led Zeppelin, Deep Purple, Iron Maiden, Saxon, cada qual em sua geração ditaram moda no hard rock, imprimiram o seu modo de tocar e inspiraram cenas, comportamentos, tudo relacionado a música pesada em todas as sua encarnações, mas o que dizer das bandas obscuras que são contemporâneas aos figurões? Devem ser apagadas da história por motivos comerciais?

Claro que as bandas conhecidas são dignas de seu status, mas são aquelas à margem, as undergrounds que pereceram pelo simples fato de ter “existido” comercialmente falando. Estamos falando de música ou negócios?

E diante dessa discussão um tanto quanto existencial, surge da escuridão, na efervescente Inglaterra no final da década de 1960, mais precisamente em 1968, o WICKED LADY, que já é underground e provocador já no nome, que navegou no obscuro da cena, ainda embrionária da música pesada, na cidade de Northampton.

A banda era a personificação da cena contracultural da época, e aquela máxima, muito em voga em 1968, de “paz e amor” do hipismo definitivamente não era a vibe dos moleques do Wicked Lady. A música era pesada, crua, direta, arrogante, totalmente indulgente, um tapa na cara das músicas experimentais, chapantes do movimento hippista.

A banda era formada por Martin Weaver (vocal/guitarra), “Mad” Dick Smith (bateria) e Bob “Motorist” Jeffries (baixo) e como muitos jovens músicos começaram a tocar em pubs sujos e altamente perigosos, de pessoas que eram verdadeiras bombas relógio, sempre interessadas em brigar, tocando músicas dos outros. A primeira banda de Weaver, por exemplo, era cover, e que logo foi demitido pelo empresário com a alegação de que não se encaixava no som e que o baterista Dick e o baixista Bob também faziam parte dessa banda, mas que logo saíram e a formação, o embrião do Wicked Lady fora formado.

O guitarrista e vocalista Martin Weaver

Mas e o nome? Por que Wicked Lady? Diz a história de que os caras estavam em um pub bebendo muito, tentando pensar em um nome, porque tinham já um show marcado e o promotor do evento queria o nome para anunciar o show. O nome não saía, estavam bêbados e pouco inspirados, mas, sem querer, em um olhar despretensioso para um papel que anunciava uma cerveja que estava sendo lançada chamada “wicked Lady” e que estava ali sobre a mesa. O guitarrista Marti Weaver pegou o papel e disse: “Que tal o nosso nome?” Os demais estavam tão chapados e cansados de pensar que decidiram aceitar sem contestar.

Os shows eram explosivos! A banda queria ser a mais barulhenta e pesada da cena e isso causava problemas nos pubs e casas de shows da região. A banda costumava deixar o feedback da guitarra quando terminavam uma música, enquanto “Mad Dick” quebrava a bateria e jogava seus destroços para a plateia e fazia isso antes do show acabar o que fazia, claro, que o precoce fim se materializasse deixando os donos das casas de show irritados e os promotores também, perdendo dinheiro.

O Wicked Lady tinha muito seguidores de motoqueiros que causavam problemas e os shows terminavam em um verdadeiro inferno, brigavam com a polícia nas ruas, os moradores reclamavam da música alta e chamavam a polícia e muitos dos pubs pelos quais o Wicked Lady passava deixava sua marca destruidora, pois, por conta desses “distúrbios” perdiam sua licença e eram impedidos de colocar música. Dá para notar que a reputação da banda não era das melhores.

Reza a lenda que a banda gravou os seus primeiros materiais, as suas primeiras composições em um porão, não tinham recursos para alugar um estúdio decente para compor seus riffs, arranjos e letras. O guitarrista Martin Weaver, em algumas entrevistas que concedeu, disse que as faixas, gravadas entre 1968 e 1972, foram gravadas durante alguns ensaios em um revox de quatro faixas e dizia ainda que as faixas foram colocadas para que pudéssemos lembrar como foram as músicas, não com a intenção de lançá-las. Em nossas mentes, éramos apenas uma banda ao vivo; a música gravada sempre parecia fraca e estéril em comparação com o som ao vivo.

Daí chega-se a conclusão, apesar da baixa qualidade na forma em que tais faixas foram produzidas, que a verdade, a crueza, a sujeira da música do wicked Lady é evidente e notável, a grandeza do seu som é evidenciada pela sua decadência, pela sua adversidade e total falta de estrutura.

E esses registros sonoros traduziram em dois álbuns chamados “The Axeman Cometh” e “Psychotic Overkill” e o último será tema dessa aventura, dessa resenha. Mas por que o “Psychotic Overkill”? Porque traz a banda como ela foi, o auge, o ápice de sua condição, com todos os entraves técnicos e sonoros, trafegando do rock de garagem, na música pesada, no proto metal, no punk de vanguarda, no anti “paz e amor” da cena psicodélica, mas que, em algum momento, gozava de alguns “temperos lisérgicos” mesclados a hoje conhecida cena stoner rock das décadas de 2000. Esse álbum é concepção de tudo que conhecemos e entendemos de rock n’ roll, com clichês à parte.


O material de “Psychotic Overkill”, bem como também de “The Axeman Cometh” não foram lançados à época, sendo redescobertos e lançados em CD pelo selo “Kissing Spell” na década de 1990, sendo o primeiro lançado mais precisamente em 1994 e mais recentemente lançados no formato em vinil pelo selo “Guerssen”.

Mas voltando aos primórdios, devido às dificuldades impostas pelo atual cenário a qual o Wicked Lady estava inserido o fim da banda foi iminente, acontecendo, precocemente, em 1970, mas Smith e Weaver logo se reagruparam com o novo baixista, Del “German Head” Morley e a partir daí retomaram as suas gravações em caráter, como dizia Weaver, mais desleixado e sem nenhum interesse em registrar formalmente e assim surgiu a estrutura ideal para o “Psychotic Overkill”, segunda leva de materiais gravados, que consistia em uma seção intensa de riffs de guitarra, com alguns wah wah ao estilo Jimi Hendrix Experience, peso aliados à lisergia, a famosa crueza, sujeira, agressividade e um quê de dançante em alguns momentos.


“I'm a Freak” inaugura o álbum em uma espécie de petardo sonoro, um proto metal de encher os olhos e acalentar a alma, além de fomentar o desejo ato de headbangear. É pesado, é direto, é agressivo, é veloz e já começa com riffs pegajosos, com o vocal gritado de Weaver, a bateria batendo forte e agressiva com um baixo pulsante. É a ode ao peso em uníssono! A uma participação intensa e magistral de toda a banda nessa excelente faixa.

"I'm a Freak"

“Tell the Truth” corrobora, na sequência, o que foi inaugurado em “I’m Freak”: o riff sujo e pegajoso, algo meio doom metal, mas em uma “voltagem” mais lenta, mas não menos pesada. Uma vibe pesada, um hard agressivo e arrogante, mas em um tom mais obscuro, escuro, perigoso. Percebe-se também um pouco mais de complexidade, estrutura nos solos de guitarra, mais bem elaborados.

E já que falei em Jimi Hendrix Experience por aqui há sim um cover, relembrando o passado dos músicos, da icônica banda de Hendrix, o clássico “Voodoo Chile (Slight Return)”. Nessa excelente versão a original, tomada por uma levada mais blueseira, é esquecida pelo Wicked Lady, mas o wah wah, marcante identidade na forma que Hendrix tocava com a sua guitarra, foi copiada, mas o hardão comeu solto com a versão de Wicked Lady, menos sofisticada, mas desleixada e poderosa, e isso não se pode negar. Uma versão arrojada, arriscada e que não ficou no básico da cópia, na arriscada zona de conforto, muito pelo contrário. A música ganhou uma cara, um DNA todo especial do Wicked Lady. 

"Voodoo Chile (Slight Return)"

“Why Don't You Let Me Try” segue com a mesma proposta do album, riffs pesados e marcantes, mas traz uma pegada mais dançante e diria até mais acessível aos ouvidos, podendo cativar a todos os ouvidos e espectadores possíveis. A bateria traz o cerne dessa percepção sonora, dando certo groove, com o baixo confirmando tudo isso e dando a textura necessária ao som.

Na sequência tem, a meu ver, uma das melhores faixas do álbum: “Sin City” e segue aquele vibe mais “solar” da faixa anterior, bem dançante, os riffs ainda vivazes e presentes, com solos lindos de guitarra que faz você viajar e que provoca arrepios. Baixos e riffs de guitarra me remeteram ao heavy metal que, uma década depois se notabilizou com o Iron Maiden, aquele meio “cavalgado”. Excelente faixa!

"Sin City"

“Passion” já surge tirando o fôlego! Pesada, intensa, com bateria arrebentando com tudo, riffs de guitarra acompanhando, com um vocal mais trabalhado, mais melódico. Outra ótima faixa que é bem mais direta e perigosa que as faixas anteriores talvez.

Mas o épico do álbum é guardado para o fim, para fechar com chave de ouro: “Ship of Ghosts”, com os seus 22 minutos de duração, que antes dos comentários acerca da música, vale aqui uma curiosidade da sua origem: nos pubs e casas de shows que a banda tocava essa música, eles a tocavam repetidamente, improvisavam, até para “alongar” a duração dos shows porque não tinham repertório para tocar, a ponto de serem retirados do palco pelo dono do local ou serem ameaçados pelo público que não aguentavam mais. Não esperem, pelo tempo de duração, que “Ship of Ghosts” é uma suíte, uma viagem progressiva, apesar de suas variâncias de som, mas sempre privilegiando o peso, a agressividade, mas com certa dosagem de complexidade e arrojo na composição, embora, em algumas entrevistas, o guitarrista Martin Weaver discordar de que as músicas do Wicked Lady tenham sido submetidas a um processo de composição e arranjos ou coisa que o valha, mas apenas como ele disse: “riffs e palavras”.

"Ship of Ghosts"

Riffs e palavras que traria um eldorado para a história da música pesada, um caminho que foi desbravado para muitos seguirem e construírem a música pesada a partir do pilar deixado pelo Wicked Lady. O passado pode não ter sido favorável, sob o aspecto comercial, para a banda, mas a música fala por si só e entrega ao mundo, cedo ou tarde, a capacidade de desbravar de uma banda que deixou registrado não apenas músicas, mas as suas verdades e que resistiu ao tempo, às intempéries causadas pelo cenário adverso de conservadores medrosos, de uma indústria fonográfica míope e ávidas apenas por dinheiro que esquecem, marginalizam as grandes obscuras bandas. Wicked Lady é uma daquelas bandas cuja história às vezes pode ofuscar sua própria música, mas não evita a sua importância que, graças aos abnegados gestores de selos alternativos trouxe à luz o rock obscuro do Wicked Lady. E falando em vilipêndio da indústria fonográfica cabe aqui mais uma curiosidade: Weaver, em uma de suas entrevistas, disse que quase conseguiu um contrato de gravação na época, mas havia batido na cara do executivo da gravadora A&R porque ele insultara a sua namorada. É isso, são histórias pitorescas que definem o seu curso.

Martin Weaver quando o Wicked Lady finalizou pela segunda vez, se juntou ao Dark e participou da gravação do álbum “Round The Edges” que fora gravado em uma semana no estúdio SIS em Northampton, Inglaterra, sendo feitas cerca de 80 cópias entregues nas mãos dos músicos para serem repassados às pessoas mais próximas.

Dark - "Round The Edges"

Weaver formou uma banda chamada Radar nos anos 80 e depois se concentrou na música solo tocando sintetizadores e guitarra. Dark se reformou nos anos 90 e ele judou a gravar o álbum The “Anonymous Days”. Fizeram um show beneficente em 2011.



A banda:

Del "German Head" Morley no Baixo

Dick Smith na Bateria

Martin Weaver na Guitarra, Vocais

Faixas:

1 - I'm A Freak

2 - Tell The Truth

3 - Passion

4 - Voodoo Chile ( Jimi Hendrix )

5 - Why Don't You Let Me Try

6 - Sin City

7 - Ship Of Ghosts