sábado, 27 de dezembro de 2025

Blues Addicts - Blues Addicts (1970)

 

Na transição dos anos 1960 para os frutíferos anos 1970 tínhamos muitas bandas que orientavam as suas músicas, as suas sonoridades para o rock, mais precisamente para o hard rock e o blues. Bandas como Cream, Jimi Hendrix Steppenwolf eram as que estavam no topo da pirâmide da qualidade e da visibilidade, servindo de parâmetro para muitas outras que surgiriam nos anos seguintes.

Evidente que existiam outras menos conhecidas, logo com roupagens mais ousadas e, diria, menos compreensivas pelo grande público que testemunhavam, ainda de forma embrionária, o surgimento desse som híbrido e peculiarmente espetacular, como o Blue Cheer, por exemplo. Esta banda trazia a versão “eletrificada” e pesada do blues rock, com versões agressivas e intensas que tendiam, inclusive, para o proto punk, dada a sujeira e a despretensiosidade de seu som.

Mas o Blue Cheer, ao longo dos anos, foi conquistando um público fiel e deleitado com o seu som que até hoje, principalmente em seu debut, chamado “Vincebus Eruptum”, de 1968, graças também com o advento das ferramentas de internet, como as redes sociais, canais de YouTube e afins que difundiram a sua música.

Porém, dignos e estimados leitores, ainda há bandas que percorreram o mesmo caminho do Blue Cheer nos seus primórdios, não apenas pela sonoridade, mas também pelo árduo caminho da obscuridade, da marginalidade e do ostracismo. Eu descobri recentemente uma banda que me fez rememorar não apenas essa sonoridade tão querida entre os apreciadores de rock, mas também uma porção esquecida e rara de álbuns que, ao fazer uma retrospectiva, fizeram história pelo pioneirismo e também pela ousadia em se fazer um som tão potente e latente: Falo da banda BLUES ADDICTS.

Você, meu bom amigo leitor, conhece o Blues Addicts? Diante de tantos nomes pesados qual a importância de uma banda tão rara como essa? O rock escandinavo, em especial o dinamarquês, deve reverenciar uma banda como o Blues Addicts. Certamente está entre as pioneiras do blues rock e quiçá do rock n’ roll de seu país.

Claro que não podemos negligenciar bandas, igualmente obscuras, como o conterrâneo Moses que também, com seu único álbum, homônimo, de 1972, cuja resenha pode ser lida aqui, tem o seu mérito, sua história, mas temos de admitir que o Blues Addicts, em termos temporais surgiu antes. E aproveito aqui para dizer que, por razões óbvias, pouco se tem de informação sobre a banda na web, mas tentarei, dentro do possível, falar um pouco dessa seminal banda.

O Blues Addicts foi formado em 1969 e pegou o rastro que a banda Young Flowers deixou quando eles se separaram. A banda tinha, em sua formação, Ivan Horn, na guitarra e vocal, Gibber Thomsen, cujo nome verdadeiro era Thorstein Thomsen, nos vocais e bongôs, Mick Brink, no baixo e Henning Aasbjerg na bateria.

Apesar das dificuldades inaugurais de qualquer banda que praticavam bases sonoras embrionárias e ousadas, conseguiu gravar o seu primeiro e único álbum, um ano após a sua formação, em 1970, homônimo, pelo selo underground e infame de nome “Spectator Records”, mas foi uma produção muito “artesanal”, sem o mínimo de estrutura, e isso se confirma no produto final, porém não diminui em nada na sua audição, pelo contrário, traz todo um charme, porque é um álbum ousado, mantendo um viés de garage rock, mesclado a um blues rock ácido, agressivo e pesado.

Assim o é: “Blues Addicts” é um álbum de garage rock, um blues rock pesado, um hard rock elétrico, potente, que nos remete ao Blue Cheer, porque não tem aquela, diria, complexidade na sonoridade que o Cream e o Hendrix traziam em seus sons. Era algo garageiro, sujo, despretensioso mesmo e alia isso o rock psicodélico, com aqueles riffs de guitarra lisérgico, estridentes e pesados, com momentos experimentais e viajantes. É ácido, é pesado, é intenso e, por vezes, contemplativo, dado os seus momentos experimentais. Resumo: é um álbum louco e completamente novo para a sua época.

É isso! Um álbum à frente de seu tempo, que trazia frescor e, claro, com isso um pouco de rejeição pelas gravadoras e também pelo público, mesmo que o blues rock estivesse ganhando alguns adeptos pelo mundo graças ao que o Cream, Hendrix e Jeff Beck estavam fazendo com seus instrumentos e músicas.

“Blues Addicts” nasceu escuro, obscuro, tanto que, ao ser gravado pouquíssimas foram as cópias geradas e reza a lenda que a banda, ao tê-las em mãos, as distribuiu para os seus amigos e pessoas mais próximas. Então ter essa versão original é para poucos e se esses felizardos que as receberam, lá no longínquo ano de 1970, colocassem para vender, o fariam a cifras astronômicas, sem dúvidas. Logo falarei dos relançamentos, que não foram muitos, o que colaborou e muito para o nascimento de alguns bootlegs e lançamentos não oficiais. Mas agora falemos de suas originais nove faixas.

O álbum é inaugurado com a faixa “5/4” e já começa com um pé na porta sem avisar. Pesado, riffs grudentos e pegajosos, porém pesados, de guitarra, bateria pesada, a batida intensa e agressiva, o baixo pulsante, mostrando uma “cozinha” de groove. Aqui o hard rock, em sua pureza, está mais presente do que o blues rock. Segue “Ba-Ba-Dar” que traz um balanço contagiante, o acid rock está mais latente nessa faixa. O vocal aqui é mais limpo e agradável, o solo de guitarra é mais competente e complexo, trazendo a lisergia já manjada, bem como o blues rock que dá o ar de sua presença magnânima. E, claro, não podemos negligenciar o bom hard rock por aqui também e com aquele groove que revela ser outro destaque do álbum.

"5/4"

“Bottleneck” traz uma introdução acústica, o dedilhar de guitarra e um viés mais psicodélico, um momento mais contemplativo, eu diria, mas logo surge a guitarra bluesy, o blues mais primitivo se revela na faixa, mas retorna à psicodelia. Um exemplo experimental de acid blues na sua gênese. Era algo novo, soava novo aos ouvidos e me coloco no lugar de quem a ouviu em 1970! Que maravilha! “Hailow” surge pesada, autenticamente blues rock, com pitadas extremamente bem servidas de um tempero hard rock eletrificado, trazendo à tona o Blue Cheer. É arrastada, é pesada, agressiva. Espetacular!

"Bottleneck"

“Jazzer” é curta, rápida, mas que traz uma novidade no álbum e que reflete em seu nome: o jazz rock! Sim, amigos leitores, um jazz rock envenenado, potente, com uma batida pesada e animada. Uma música definitivamente solar que mostra que o Blues Addictis, apesar de ter concebido um álbum artesanal, mostrava repertório. Segue com “Simple Expressions” que traz a essência do blues rock. A levada blueseira que lembra o Cream. Um som pesado, bem acabado, diria complexo. O vocal se mostra versátil, adequando-se ao blues ácido, pesado, latente e altivo. Solos de tirar o fôlego, bateria marcada e pesada, baixo pulsante. Sem dúvidas um dos destaques do álbum.

"Simple Expressions"

“Coward Way” começa estranha, ruídos tirados da guitarra um tanto quanto experimental, mas logo isso acaba, revelando a sua veia blueseira, um solo de guitarra puro, simples, mas bem feito, cheio de groove e peso, mas aquele peso cadenciado, o que corrobora o seu balanço inconfundível e saborosamente animado. E fica mais animado e dançante quando entra o bongô. Uma loucura experimental que só se via, ou melhor, ouvia, naqueles anos distantes de 1970. “Smukke” começa contemplativa e sombria, algo de The Doors pode ser ouvido, com um dedilhado de guitarra bem lisérgico. O peso alterna, o acid rock é latente, mas aqui se percebe o psych vivamente.

"Coward Way"

E fecha com “Electric”, a mais longa faixa do álbum, e traz um riff pesado e potente de guitarra. É sujo, é underground até a espinha e mostra uma versão arrogante e agressiva de Steppenwolf. Um acid rock com pitadas blueseiras, que mostra uma banda poderosa e incrivelmente versátil. Solos de guitarras espetaculares, de tirar o fôlego, avassaladoras, uma “cozinha” potente, vocal gritados. Eis a faixa ou uma das faixas mais legais e pesadas do álbum que é finalizado com chave de ouro.

"Electric"

O Blues Addicts, após o lançamento de seu underground álbum, em 1970, rodou toda a Europa, fazendo muito shows, muitas apresentações. Era uma banda estradeira, de turnê, mesmo que as dificuldades estruturais surgissem. E graças a sua energia nos palcos, com apresentações catárticas, conseguiu uma razoável base de fãs. Mas infelizmente as dificuldades, a falta de apoio e a inexperiência de seus jovens músicos, a banda não tardou a perecer, tendo uma vida muito curta.

Mas deixou um legado! Deixou, mesmo que desconhecidamente, um conceito de rock n’ roll mesclado ao blues que o criou lá nos anos 1950, juntamente com outros tantos estilos. Ajudou, não só a fundi-los, mas principalmente a mostrar uma alternativa de música pesada que surgiu, em profusão, no início dos anos 1970. Um álbum cru, envenenado, potente, vivo, pulsante, pesado, intenso, garageiro e sujo, totalmente sujo e despretensioso.

Pouco se sabe sobre os integrantes do Blues Addicts, mas o guitarrista e vocalista da banda, Ivan Horn, quando o Blues Addicts se separou tocou guitarra com CV Jørgensen e vários outros músicos e bandas construindo uma carreira também na cena underground dinamarquesa.

O único álbum do Blues Addicts teve alguns relançamentos. O primeiro ocorreu em 1991, pelo selo Little Wing Refugees, da Alemanha e com ele veio uma capa alternativa, além de faixas jamais lançadas e até mesmo inéditas. São elas: “Train Kept Rollin”, “Saxe” e “Kong Midas”, além de faixas lançadas na versão original, mas com tonalidades alternativas, como: “5/4”, “Ba-Ba-Dra” e “Hailow”.

Em 2006 outro selo dinamarquês, o Karma Musica, relançaria o álbum e logo depois outros relançamentos aconteceriam entre 2007 e 2008, alguns oficiais e outros não. Os “viciados em blues” deixou uma marca no rock dinamarquês e mundial, mesmo com um álbum obscuro, unindo o blues e o rock de forma poderosa, crua e original.



A banda:

Thorstein Thomsen no vocal e percussão

Ivan Horn na guitarra e vocal

Mich Brink no baixo

Henning Aasbjerg na bateria

 

Faixas:

1 - 5/4

2 - Ba-Ba-Dar

3 - Bottleneck

4 - Hailow

5 - Jazzer

6 - Simple Expressions

7 - Coward Way

8 - Smukke

9 - Electric



"Blues Addicts" - Versão original (1970)


"Blues Addicts" - Relançamento com faixas extras e inéditas (1991)