sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Il Rovescio Della Medaglia - Io Come Io (1972)

 


Toda banda tem o seu lado “dark side”, tem parte ou toda história relegada, esquecida pelo tempo, jogada ao mais puro e total ostracismo. Muitos podem ser os motivos, talvez não seja tão prudente elenca-los por aqui, mas o fato é que se o blog em que você, caro e estimado leitor, está lendo, enaltece o fracasso, as bandas e seus trabalhos vilipendiados.

E a banda que falaremos aqui tem a sua importância que não é, creio, devidamente creditada, dentro da cena har e prog da Itália com lançamentos verdadeiramente icônicos, podendo citar álbuns do naipe de “La Bibbia”, debut de 1971, e o terceiro trabalho de 1973, “Contaminazione”, que completou este ano de 2023, cinquenta anos de lançamento.

O primeiro é um avassalador hard rock com pitadas progressivas que figura, sem sombra de dúvidas, como um dos pioneiros do estilo na Itália e o segundo álbum mencionado é um excelente álbum de progressivo sinfônico que está nos anais da vertente no “País da Bota”.

A banda é o IL ROVESCIO DELLA MEDAGLIA. Tenho um especial carinho por esta banda, algo emocional mesmo, pois quando me apresentaram o “La Bibbia”, cuja resenha pode ser lida aqui, fui envolto por uma catarse inexplicável e foi graças a ele que a cena rock italiana descortinou-se diante de minhas retinas.

Il Rovescio della Medaglia

E a partir daí passei, de forma compulsiva, a buscar, ler, escrever e ouvir tudo do velho Il Rovescio della Medaglia e a cada nova audição era um estupendo momento de êxtase. Sou fã? Sim! Talvez tudo que eu vir a escrever sobre a banda neste humilde blog, soe como algo questionador, pelo fato de ser um apreciador da banda, mas que nada! A banda definitivamente é fantástica.

E, seguindo nessa discussão, eu vou falar de um álbum que não é tão comentado e que é, por muitos apreciadores do estilo, completamente dispensável e quiçá pelos próprios músicos que foram parte da concepção deste trabalho. Falo do segundo álbum da banda, o “Io Come Io”, de 1972, lançado pelo selo RCA.

Para muitos é um “álbum menor”, que para muitos poderia ser excluído do catálogo da banda, da sua discografia, mas quando o ouvi, pela primeira vez, seguindo aquelas audições quando conheci o RDM, me desafiou, me instigou a entende-lo, a vê-lo de outras formas, que não as convencionais no que tange as percepções da qualidade sonora dos álbuns.

Mas ele é marcante sem sua forma desafiadoramente, digamos, “sem importância”. “Io Come Io” tem trinta minutos apenas de um complexo “garage-prog” extremamente envolvente. Não sei se criaram esse termo “garage-prog”, mas foi o que encontrei para definir, inicialmente, o segundo trabalho do Il Rovescio della Medaglia.

Estamos tão acostumados com o progressivo associado à sofisticação, a músicas complexas, com melodias intricadas, que quando se ouve a produção insipiente de “Io Come Io”, gera a famosa rejeição de imediato.

Não se engane, caro leitor, “Io Come Io” tem, a meu ver, todos os elementos que edificam o prog rock, mas é sujo, é denso, intenso, pesado, beirando, em alguns momentos, algo despretensioso, por isso o percebo como “garage rock”.

Há algo irônico e desapegado neste trabalho do Rovescio. Embora seja modesto, sob o aspecto da produção e tudo o mais, ele se mostrou, a meu ver, inteiramente vanguardista trazendo um viés novo, naquela época, do progressivo, servindo, ouso dizer, como referência para o hard prog e até mesmo o metal progressivo, dado a aspereza e peso de seu som.

“Io Come Io” é um álbum repleto de energia e, por mais que seja sombrio, é solar por esse fator, por ser um trabalho frenético, apesar de apresentar gravações apressadas, o que impactou na produção, mas os músicos são tão grandiosos que, o que se percebe é a destreza dos seus instrumentos.

E falando em músicos a formação do Il Rovescio della Medaglia em “Io Come Io”, foi a mesma que gravou seu antecessor, “La Bibbia” e que permaneceria até o ano de 1973 e que gravaria seu álbum mais conhecido, “Contaminazione”. São eles: Pino Ballarini vocais e flauta, Enzo Vita na guitarra, Stefano Urso no baixo e Gino Campoli na bateria.

Não se sabe ao certo, mas “Io Come Io” é um álbum conceitual e no encarte do LP original são citados alguns versos do filósofo alemão Hegel, que diz:

“Na filosofia, as determinações do conhecimento são consideradas não unilateralmente, apenas como determinações das coisas, mas juntamente com o conhecimento a que se referem...”

Ou seja, a “busca de si mesmo em um mundo cheio de contradições”. “Io Come Io” é composta por quatro partes principais, das quais as partes são divididas em movimentos. É claramente estruturado com sua própria lógica lírica e instrumental, com as partes mais dinâmicas colocadas no início e no final, e as mais “técnicas” concentradas nos grooves. É um som áspero, cinzelado, mas que realça a dinâmica de cada instrumento.

 Antes de dissecar o álbum com as suas músicas, acho extremamente conveniente expor um pouco da história, dos primórdios do Il Rovescio della Medaglia, mesmo que brevemente.

A banda foi formada em Roma no final de 1970 e se chamava “Il Lombrichi”, mudando o nome para “Rovescio Della Medaglia” com a entrada do vocalista Pino Ballarini, o terceiro, na sucessão. A banda foi formada por Enzo Vita, guitarrista, pelo baixista Stefano Urso e pelo baterista Gino Campoli.

O primeiro vocalista foi Gianni Mereu, depois assumiu Sandro Falbo, da banda “Le Rivelazioni e logo depois Pino Ballarini, que se mudou para Roma, vindo da região de Pescara, onde tocou em bandas como “Nassa” e “Poema”. E a chegada de Ballarini trouxe também a sorte, pois imediatamente a banda assinaria contrato com o selo RCA, isso em 1970, para gravar um novo álbum, que viria a ser o grande “La Bibbia”, um ano depois, em 1971.

A faixa de abertura é “Io” começa com um som de gongo, anunciando a bateria e guitarra que criam uma atmosfera densa, soturna e perigosa. A música e a letra evocam visões estranhas, deliciosamente estranhas. Coisas e pessoas, lugares e sentimentos parecem atravessar a névoa do tempo, algumas memórias de experiências passadas, sombras, segredos da vida, o conceito entre velho e novo. O protagonista se vê desafiado pela vida e morte. E a música parece imprimir esse conceito, pois traz peso, complexidade, vivacidade, mas envolto em sombras.

"Você diz que tudo que eu que te disse é verdade / Mas tenho medo quando você diz que não sabe como é bom morrer!"...

"Io"

“Fenomeno é uma longa faixa dividida em duas partes, “Proiezione” e “Rappresentazione”. Começa um padrão dedilhado de violão que são quebrados por riffs pesados e poderosos de guitarra. A música e letra evocam a imagem do protagonista perdido em uma estrada misteriosa, vagando sem a menor ideia tentando, de forma desespera, entender o que é falso e verdadeiro. 

"O mundo em sua volta é vazio, sem vida, de manhã não há sol, a noite não há lua. O protagonista pode ver uma luz e alguém o chama, uma porta se abre para ele." 

E com isso a música acalma, mas de repente o ritmo intensifica, aumenta, vai ficando mais frenético. 

"Fenomeno"

A excelente e catártica “Non Io” começa com um delicado arpejo de violão e notas crescentes de flauta. A atmosfera é pacífica, viajante, contemplativa. A música e a letra retratam a nova consciência do protagonista, que pode ver seus últimos dias se desenrolando atrás dele. Ele passa a odiar as coisas materiais e reflete os verdadeiros da vida. Nus, descalços, os protagonistas querem ir onde o céu termina e o mar começa em busca de ideais que não podem desaparecer com o tempo como a beleza ou a riqueza.

"Ainda quero seguir o meu caminho, onde o céu se junta o mar / Deixando sozinho atrás de mim aquele homem que não tem verdade...".

"Non Io"

A última e derradeira faixa é “Io Come Io” e é dividida em duas partes intituladas “Divenire” e “Logica” e marca a conquista da jornada interior do protagonista, encontrando finalmente a luz, que arde nele como um sol que nunca morrerá. É uma faixa enérgica, solar, que personifica o momento do personagem. Hammond, riffs de guitarra, seção rítmica poderosa, faz dessa faixa algo intenso, sob o aspecto instrumental.

"Io Come Io"

“Io Come Io” teve vários relançamentos, onde a primeira foi em 1994 com 2.000 cópias, outra em 1999, também pela RCA com apenas 500 cópias. Em 2004 foi a vez da BMG, em 2008 pela Sony/BMG e mais tarde, em 2019, pelo selo RCA/Mondadori.

“Io Come Io” definitivamente vem do mesmo galho que “La Bibbia”, porém aumenta o quociente progressivo, mas com uma roupagem um tanto quanto “garage”, algo alternativo, underground, completamente em uma aversão ao mainstream progressivo, se é que é possível dizer isso. Um hard rock psicodélico com aquele drama típico do rock progressivo italiano!


A banda:

Pino Ballarini na voz, flauta

Enzo Vita na guitarra

Stefano Urso nobaixo

Gino Campoli na bateria

 

Faixas

1 - Io

2 - Fenomeno

a) Proiezione

b) Rappresentazione

3 - Non Io

4 - Io come Io

a) Divenire

b) Logica


Il Rovescio della Medaglia - "Io Come Io" (1972)