sábado, 15 de abril de 2023

Metropolis - Metropolis (1974)

 

Sabe aquelas bandas que você cria um vínculo afetivo? Que vai além da música? Um carinho além da sonoridade, mas que tem na sonoridade o fio condutor de tal sentimento?

Pode parecer estranho e um pouco maluco, um tanto quanto contraditório, mas a banda de que falarei hoje traz uma espécie de “pedra fundamental” do rock alemão em minha vida de audiófilo, aquelas que compõe o lado obscuro e esquecido do rock germânico.

Evidente que, como tantos outros apreciadores dessa vertente sonora, conhece a global banda Scorpions que foi e ainda é o grande “produto” de exportação alemã, mas havia e há mais a apresentar esse país que sempre respirou conta cultura e o rock sempre foi parte dessa manifestação que se insurgiu!

O Krautrock é o exemplo fiel dessa subversão toda! E não é apenas pelo aspecto político e econômico da Alemanha pós-guerra, mas pela forma arrojada que as bandas entendiam como música, que, em pleno ápice da psicodelia “paz e amor” veio com sons eletrônicos, ruídos e um minimalismo que explodia aos ouvidos e alma.

Mas essa banda era diferente da cena krautrock experimental dos idos dos anos 1960 e início dos 1970, ela trazia uma sonoridade mais calcada no progressivo britânico, com algo de sofisticado, divergindo totalmente do kraut. Foi graças a ela que as cortinas da cena se abriram diante dos meus olhos fazendo com que a névoa do desconhecimento se dissipasse.

O valor sentimental não se construiu apenas pela sonoridade, algo de mero fã, não. Essa banda me trouxe um mundo improvável e repleto de riquezas, de uma vastidão que parece não ter fim. Falo da banda METROPOLIS.

Metropolis

O Metropolis me parece, até os dias de hoje, como no passado, no período de sua concepção, uma banda rara e obscura e confesso, embora tenha as minhas suposições, não saber o motivo pelo qual está banda sempre esteve um ostracismo, afinal se verificar seu line-up perceberá músicos já estabelecidos e com alguma experiência na cena rock alemã.

Talvez seja, por conta disso, encarado como um projeto, aqueles “supergrupos” que hoje está na moda, não tendo uma projeção de carreira, de formação de uma discografia maior ou coisa que o valha.

E falando em formação a banda o Metropolis nasceu em 1972 na cidade de Berlim e era formado pelo tecladista Manfred Opitz, pelo baixista Michael Westphal, ambos da banda obscura Zarathustra, Michael Sauber no saxofone, o ex-baterista do Mythos Thomas Hildebrand e Michael Duwe, do Agitation Free, que tocava guitarra e era vocalista.

Um pouco mais tarde entraria na banda a cantora Ute Kannenberg, também conhecida como Tanja Berg nas paradas de sucesso da Alemanha com a banda Os Mundi, bem como o guitarrista Helmut Binzer.

Com a banda formada, os caras trabalham muito em sua sala de estúdio no “Wrangel Kaserne”, um antigo quartel prussiano que foi transformado em inúmeras salas de ensaio no distrito de Kreuzberg, na parte ocidental da cidade de Berlim, compondo e arranjando as músicas que fariam parte do seu primeiro e infelizmente único álbum lançado em 1974, homônimo.

O álbum começou a ser composto, concebido em dezembro de 1973 pelo selo Ariola alemã (BMG) e no inverno de 1973/1974 começaram a gravá-lo no “Studio 70”, em Munique. Esse estúdio foi indicado pelos caras do Agitation Free. Eles foram apoiados por um pequeno, mas brilhante banda clássica, dirigido pelo maestro Harmut Westphal, conhecido arranjador alemão e irmão do baixista, Michael.

E aqui vale uma curiosidade de cunho histórico! O álbum foi gravado em um rigoroso inverno alemão, durante a primeira crise do petróleo. Com o equipamento carregado no ônibus de modelo Mercedes 319, o Metropolis foi de Berlim a Munique em uma rodovia quase vazia, porque nos fins de semana era necessária uma permissão especial para dirigir nessas “autobahn” germânica.

Outro entrave que sofreram foi na prensagem das cópias do álbum, porque era necessário o vinil, feito de óleo e com a crise do petróleo, era uma missão difícil conseguir esse insumo e em vários momentos se questionou se a gravadora conseguiria suprimentos suficientes para realmente dar vida ao álbum e felizmente, para a nossa alegria, conseguiram. Coisas e agruras das bandas obscuras.

As letras de “Metropolis”, escritas e cantadas em inglês, era uma forte crítica a civilização e aos impactos socioambientais, com ocasionais influências românticas. A capa, a arte gráfica do álbum, mostra uma paisagem aparentemente intacta, sem nenhum impacto negativo, mas que é ameaçada por um monstro que se desenvolve a partir do ar poluído.

O álbum “Metropolis” traz predominantemente uma sonoridade sinfônica e ainda uma amálgama impressionante de “sobras” psicodélicas com influências krautrock, mas com consistência e um arrojo sonoro extremamente interessante e novo para a época. As orientações sinfônicas, a aproximação das influências do progressivo britânico, com viés experimental trazendo à tona algo perdido do kraut faz desse trabalho algo único, interessante e particularmente forte.

Os interlúdios clássicos, com saxofones e pegadas orquestrais, com uma vibe roqueira e psicodélica, além das guitarras duplas e teclados memoráveis, faz do álbum, faz da banda incrivelmente versáteis e pouco esteriotipado com estilos carimbados. Sem falar das paisagens sonoras contemplativas, hipnóticas, graças as inclinações jazzísticas e das flautas com vocais femininos faz da banda, além de versátil, intrigante e imprevisível. Uma sopa sonora que faz da banda um misto de eras em um compilado artístico lançado em 1974.

O álbum é inaugurado com a faixa “Birth” que, já de cara, explode com notas fantásticas de órgão, com instrumentos percussivos, como o gongo e tambores potentes, algo meio tribal, arriscaria. A flauta aparece em menos de um minuto de faixa, com a bateria, baixo e os teclados se destacando em uma miscelânea instrumental bem concatenada! Logo depois chegam os vocais masculinos e femininos, dando uma textura rítmica toda especial.Trata-se de uma ótima música, uma música de banda mesmo, pois há a participação veemente de todos os seus integrantes.

"Birth"

“Metropolis” soa incrível no início marcado por um lindo som psicodélico, seguida por um som flutuante e espacial, um space rock “volumoso” e premente aos ouvidos, seguidos de sons estranhos que vêm e vão e quando surgem os vocais, uma pegada rock assume o comando, tornando o som mais pleno, vivaz e solar. Uma faixa marcada por mudanças de ritmos, mostrando a versatilidade que define o álbum em sua totalidade.

"Superplastikclub" é uma faixa que entrega vocais masculinos e femininos teatrais em uma paisagem sonora vanguardista, outra marca que me parece veemente neste álbum. O ritmo aumenta antes de um minuto, mas o andamento muda com frequência. 

"Superplastikclub"

"Dreamweaver" abre com o órgão, a bateria e os vocais femininos se destacando enquanto os vocais masculinos se juntam a esse início acelerado. Mais uma vez, o ritmo muda muito. O violão também é destaque nesta faixa, acrescentando e muito ao som, com discretas notas de teclado. 

"Dreamweaver"

"Glass Roofed Courts" começa com oboé e guitarra íntegra e intensa enquanto vocais masculinos se juntam. Vocais femininos também é adicionado, isso soa como Jeffersron Airplane, embora não goste muito dessas comparações.

"Glass Roofed Courts"

O álbum encerra com estilo com uma das melhores faixas do trabalho, “Ecliptic”. Sons ventosos para começar, com vocais quase falados, mas intensos, juntam-se a sonoridade brevemente. Órgão e bateria assumem o controle enquanto as cordas também se juntam. Os vocais voltam e assumem um som completo e pleno. Entra um baixo mais pulsante com um rico “duelo” entre guitarra e teclados. Uma faixa linda!

"Ecliptic"

Logo após o lançamento de “Metropolis”, em 1974, Ute Kannenberg e Helmut Binzer sairiam da banda. Mas o Metropolis continuou a fazer alguns shows em Berlim e na antiga Alemanha Ocidental (A Alemanha ainda estava dividida) e estavam, os integrantes remanescentes, trabalhando em um novo projeto.

Esse projeto, com base na história “Kaleidoscope”, de “Illustrated Man”, de Ray Bradbury, eles criaram um arrojado programa multimídia que estreou na véspera do natal de 1975, no Kant Kino de Berlim.

O show de luzes foi criado pelo roadie e técnico do Metropolis, Alf Heuer, com slides, projeções de gel líquido, filme, estroboscópio, holofotes e máquinas de neblina. Foi adicionado um chamado "show de aromas" com a ajuda de placas de cozimento elétricas. Junto com novas composições eles também tocaram sua versão de “Mr. Spaceman”, a música já está sendo gravada e destinada a ser seu novo single. Mas depois de um último show ao ar livre no verão de 1976, o festival ''Sommergarten unter dem Funkturm”, o Metropolis finalmente se separou. Todos os membros começaram novos projetos diferentes.

Após o relançamento de seu primeiro álbum em 2020 pela Sony Music, o Metropolis finalmente lançou a sua versão de “Mr. Spaceman”, 48 anos depois a música ter sido gravada no verão de 1975, pelo produtor Udo Arndt.

Pérola desconhecida da cena rock alemã, que flertou, como poucas e com qualidade na cena kraut, na cena progressiva e não se rendeu ao estereótipo de estilos e vertentes do rock n’ roll mostrando vanguardista e seminal, mesmo que tenha tido uma curta passagem pela história do rock obscuro. Um trabalho altamente recomendável.



A banda:

Ute Kannenberg no vocal, percussão

Thomas Hildebrand na bateria, percussão, coro

Helmut Binzer nas guitarras, coro

Manfred Opitz nos teclados, vocal, violão

Michael Westphal no baixo, coro

Michael Duwe no vocal, guitarra

 

Músicos convidados:

Heinz Loch na flauta

Guiseppe Solera no oboé

Hartmut Westphal nos arranjos de cordas e metais

 

Faixas:

1 - Birth

2 - Metropolis

3 - Superplastikclub

4 - Dreamweaver

5 - Glass Roofed Courts

6 - Ecliptic

 

 

"Metropolis" (1974)