A cena rock do México era
dominada pelo produto inglês e norte americano. Embora o rock, em língua
espanhola tenha começado em 1957, as gravadoras, demasiadamente “globalizadas”,
faziam capas de álbuns de bandas sem considerar a importância das composições
originais que foram feitas desde então. Eram os covers e as músicas
“internacionalizadas” que tinham potencial de mercado. A música era segundo ou
terceiro plano.
Nos anos 1970, a cena rock
mexicana começou, mesmo que timidamente, a ganhar contornos próprios, quando
começaram a gravar suas composições próprias, suas músicas autorais, porém em
inglês. Ficou conhecido como a “Onda Chicana”, porque as pessoas, conhecidas
como “Chicanos” são descentes de americanos, mas de pais mexicanos.
E nesse caldeirão cultural e
musical o rock mexicano foi sendo construído nos anos 1970 e foi se tornando
popular e mesmo com as bandas compondo em inglês, elas se tornaram famosas e,
então, a infraestrutura como programas de TV, mídia impressa e falada começaram
a se desenvolver, e as bandas passaram a fazer turnês melhores e mais extensas
e até mesmo no cinema, as bandas e a música começou a figurar em curto espaço
de tempo.
E esse cenário foi propiciando
o surgimento de festivais, muito inspirado também em icônicos eventos de
músicas clássicos, tais como o Woodstock, Isle of Wight Festival, na
Inglaterra, Festival Pop de Monterey, nos Estados Unidos e alguns menos
conhecidos, como Varadero '70, em Cuba, Festival de Ancón na Colômbia, Festival
Buenos Aires Rock, na Argentina entre outros.
Todos tinham, como base
cultural e comportamental, o movimento hippie, estudantil, de jovens cansados
do status quo e da onda pesada do conservadorismo que permeava em todos os
setores da sociedade. O México, no que tange aos festivais, não ficou de fora e
um, em especial, foi único na história não só daquele país, como de toda a
América Latina, conhecido como Rock y Ruedas de Avándaro.
O festival ocorreu nos dias 11
e 12 de setembro de 1971, nas margens do Lago Avándaro, perto do Valle de Bravo
e surgiu em um contexto político extremamente conservador, ditatorial e
repressor e a oposição estudantil e juvenil, como em várias partes da América
Latina e do mundo eram a oposição a esse governo, usando tais festivais de
música como a força motriz para lutar contra esse regime opressor. Esse
ativismo político dos jovens, ligado à música, ao rock n’ roll, como ponte de
transgressão, queriam democracia, liberdade política e respeito a diversidade,
direito dos trabalhadores e acesso a saúde e educação, entre outros pleitos.
E nesse contexto de opressão,
de intolerância de todas as formas, a música rock mexicana e os seus músicos foram
construídas. E um jovem foi, de certa forma, impactado por esses movimentos e,
diria, foi parte integrante, um agente importante desse movimento. Falo do
Victor Moreno, baterista e um dos fundadores de uma das bandas mais
emblemáticas da cena hard rock do México: MEDUSA.
Aos 17 de idade Moreno foi roadie
do El Ritual, tida como uma das melhores bandas de rock do México (A resenha
sobre seu único álbum pode ser lida aqui!) e, com essa brutal experiência, ele
foi nomeado como gerente de palco do Festival Avándaro. Não precisamos dizer o
quão gratificante deve ter sido para o Victor Moreno esse momento, vivendo, na
pele, toda essa efervescência cultural que certamente serviu como arcabouço
musical.
A Medusa surgiu neste contexto
e foi um projeto, iniciado por Moreno e seu amigo Javier Plascencia, que era
vocalista e baixista. Eles se conheceram na escola em 1968, em plenos ano
estudantil com o embate ideológico com o governo opressor. Eles faziam parte,
inclusive, do movimento estudantil do México que resultou no massacre de
Tlatelolco que deixou muitas mortes e prisões de jovens estudantes. E diante
desse cenário começaram a escrever músicas quando começaram a tocar em 1972.
A banda surgiu em meados de
1972 com a ideia de apresentar um heavy rock original e visceral ao estilo Blue
Cheer, Cactus, Black Sabbath e outras bandas similares que serviram de
referência para o estilo na transição dos anos 1960 para os anos 1970. Mas
apesar de ser influenciada por essas bandas a Medusa trouxe originalidade ao
heavy rock mexicano.
Os membros originais, além dos
amigos Victor Moreno na bateria e Javier Plascencia Amoróz nos vocais e baixo
respectivamente, trazia Luis Antonio Urguiza Zanella, na guitarra e mais tarde
entraria, em 1982, Jaime García se juntou à banda, tocando guitarra e
sintetizador. Devido a amizade de Moreno e Plascencia nos primórdios de suas
carreiras, tiveram primeiro com Armando Nava e os Dug Dug’s e depois com bandas
como Peace & Love, El Ritual, Náhuatl e Super Mama, entre outras bandas de
Tijuana, pensou-se que Medusa também era dessa região prolífica do rock n’ roll
mexicano, mas não, a banda não era, apesar também do estilo sonoro da banda e
do apelo estético também.
A cena rock mexicana, apesar
dos entraves políticos, foi bem recebida e, claro, Medusa estava no rol das
bandas que tocaram nas rádios e isso fazia com que o som da banda, claro,
ganhasse visibilidade e alguma credibilidade, até porque a sua sonoridade áspera
e pesada, poucos faziam naquela época. A banda sempre cantou em espanhol, nunca
fez música em inglês para atingir o mercado externo, nunca tocou covers também,
apenas música autoral.
A Medusa, graças a essa
visibilidade, logo após a sua fundação começou a realizar as suas primeiras
gravações logo em 1973 na “Discos Raff” patrocinada pelos amigos da banda Náhuatl.
Naquele ano lançaram um single com a música “Tan solo lo Haemos”, no lado A e Autodestructión"
no lado B. No ano seguinte foi concluída a gravação de um EP, em 1974, com
essas duas músicas mais duas novas faixas chamadas “Tratando de Olvidar”,
composta em colaboração com Omar Jasso, tecladista da banda Polvo e
posteriormente do Náhuatl e “Después De La Tristeza”. Devido a algumas
políticas equivocadas da gravadora “Discos Raff”, Medusa deixou o cast
do selo em 1975 juntamente com outras bandas em ascensão como Ciruela e Three
Souls, adiando a gravação de um álbum, embora as gravações estivessem
finalizadas.
Em 1977 a banda assinou
contrato com a Orfeón para gravar o álbum. Será que dessa vez o sonho da Medusa
se realizaria? Não ainda! O projeto fracassou novamente porque os executivos da
gravadora queriam modificar substancialmente a essência de sua música, bem como
de suas letras, porque consideravam pesadas, de cunho agressivo e pouco
“comercial”. A Medusa, claro, não cedeu a esse assédio e, mais uma vez, a
gravação do tão sonhado álbum não aconteceu e a gravadora deixou a banda na
“geladeira”, congelando o contrato com a Medusa até o fim da gravadora depois.
No entanto as músicas foram registradas na editora “Orfeón House” que até hoje
detém os direitos das faixas.
“Medusa” entrega um volumoso e potente hard rock que pode, perfeitamente, ser considerado como um dos primórdios do hoje tão famoso e diria, saturado, stoner rock, com peso, guitarras lisérgicas, toques discretos de psicodelia e até mesmo um proto metal de muita qualidade e de fazer frente a muita banda oitentista da cena “New Wave of British Heavy Metal”.
O álbum começa com a faixa “Autodestruccion”
que de imediato já traz aquele riff de guitarra sujo, arrastado, lembrando um
indefectível doom metal, mas logo depois descamba para um proto metal, já com
aquela também típica velocidade que notabilizou o estilo, com vocal gritado e
alto. Segue com “Caminando Rumbo al Cementerio” introduz com riffs mais
tipicamente setentista, ao estilo Sabbath, com uma pegada mais soturna, obscura
e uma seção rítmica que corrobora tal condição. Vai ficando mais pesado, veloz,
cadenciado e assim alterna. Nessa faixa a Medusa produz algo mais complexo em
sua sonoridade.
“Crepusculo” começa
introspectiva, mas logo entra o peso e a agressividade da bateria seguido por
um baixo pulsante e intenso e solos lisérgicos de guitarra, mostrando um hard
rock com pegadas psych que hoje
conhecemos por stoner rock. Sim! Mais um atributo da Medusa mostrando sua
referência sonora. “Despues de la Tristeza” começa flamejante com solos altos e
poderosos de guitarra personificando o lado efetivo do hard rock típico
setentista com um trabalho impecável, mais uma vez, da “cozinha” ditando o
ritmo. Parece ser uma faixa ao vivo.
“Genes de Maldad”, que também
parece ser ao vivo, traz, mais uma vez, o destaque na guitarra. Riffs de
guitarra de um embrionário heavy metal faz dessa faixa, logo no início,
vibrante, confirmando com bateria potente e rasgada, baixo pulsante e uma velocidade
que entrega o “tempero” necessário aos apreciadores do heavy metal oitentista,
por exemplo. Solos de tirar o fôlego confirmam o peso e traz ainda mais energia
à faixa. “La Sombra de Nietzsche” dá mais uma contundente prova de que o proto
metal pautou a música da Medusa em seu seminal álbum. A guitarra potente em
seus riffs abre a faixa, trazendo à tona de um thrast metal envolto por notas
de teclado que te remete a viagens mais contemplativas. É possível? Parece que
com a Medusa sim! Heavy rock, proto thrash, prog rock. Essa faixa instrumental
é um arrasa quarteirão!
“Medita Sinceridad” já começa
com o pé na porta! Bateria marcada e pesada, riffs pegajosos e poderosos de
guitarra, vocal rasgado e alto. O hard rock ganha força nessa faixa. Cadencia
para uma pegada meio jazzy na bateria
que logo irrompe em um solo avassalador de guitarra. “Momentos en la Vida”
retorna ao som arrastado e pesado capitaneado pela guitarra em uma textura ao
estilo doom metal. Sonoridade introspectiva e soturna faz é o tema central da
melodia dessa música.
“Noche” começa a um delicado
som de pássaros cantando e teclado meio sinfônico. Talvez um prenúncio de uma
música progressiva, afinal a faixa conta com nada menos do que longos doze
minutos de duração. Mas não necessariamente. O estrondo pesado do hard rock se manifesta
com bateria pesada, baixo pulsante e guitarras lisérgicas. Mas o progressivo,
com a sua maior característica, se revela, com várias mudanças de andamento, de
ritmo, são perceptíveis na música. A textura do teclado traz uma pegada mais
leve que característica a veia progressiva da música.
Segue com “Rompesuenos” que
traz um “duelo” entre teclados e guitarra, que promove uma interação
interessante entre peso e suavidade. Uma música mais diversificada. “Tan Solo
lo Hagamos” volta ao proto doom pesado e arrastado. Baixo pesado, pulsante,
bateria marcada, riffs sujos de guitarra. O típico peso do proto doom metal. E
fecha com “Tratando de Olvidar” começa lenta, ao som de violões dedilhados
acusticamente. A guitarra aos poucos aparece, a sonoridade ganha corpo, a
balada rock se configura, mas o som continua acessível aos ouvidos.
Desde 1972, quando surgiu para
a cena rock n’ roll mexicana, a Medusa dividiu o palco com a maioria das
grandes bandas mexicanas que fizeram sucesso à época, que tinham destaque, com
exceção em um período de grande hiato, de inatividade da banda que aconteceu
entre 1984 e 1994, sendo que dois anos antes, em 1982, a Medusa deixou de ser
um “power trio” tendo a entrada de Jaime Garcia, que tocava guitarra e teclado.
Era uma nítida demonstração de que a Medusa queria modificar um pouco a sua
sonoridade, o que culminou com o seu sumiço, em 1984. A banda estava
desgastada.
Mas esse período, entre 1972 e
1984, a banda foi tocada nas rádios, fez várias apresentações em pequenos e
grandes palcos, naqueles mais conhecidos aos mais simplórios, tocou em
programas de TV mexicanas como “El Rock en la Cultura” e “La Hora Cero”, pelo
famoso canal Televisa, além de inúmeras entrevistas para rádios e revistas
especializadas como Pop, México Canta, Notitas Musicales, Dimensíon, Conecte,
Banda Rockera e jornais como Excélsior, el Heraldo, el Universal e até el
Alarma.
Em 1994 a Medusa finalmente se
reúne novamente, a formação original, o velho “power trio’ estava na ativa
novamente! Jaime Garcia não estava disponível para essa reunião até 1996, ano
este que decidiu também retornar à banda, fazendo dela um quarteto. Mas aquele
assédio que a Medusa tinha nos primórdios já não era o mesmo e a banda passou
fazer shows de forma esporádica em alguns locais como Andy Bridges de
Naucalpan, La librería El Sótano de Coyoacán, La Plaza central de Coyoacán, El
Monumento a la Revolución, La Alameda Central y Masivos en Tlalnepantla, Valle
de Chalco entre outros locais.
Mas faltava gravar, de forma
oficial, seu primeiro álbum, o tão sonhado primeiro álbum que há décadas estava
hibernando. E a gravadora não surgia, o contrato não surgia de jeito nenhum.
Então decidiram refugiar-se no estúdio britânico de Jaime Garcia onde gravou
algumas demos entre 1998 e 2000.
Depois disso a Medusa
continuou se apresentando, de forma esparsa. Mas tiveram bons momentos como a
gravação de mais algumas músicas no estúdio de Carlos “Bozzo” Vásquez. E isso
reacendeu a chama da banda. Bozzo também os ajudou a se apresentar nos programas
de televisão mexicana, o que não faziam também um bom tempo. Se apresentaram no
“Mi Vida es um Rock and Roll” que foi transmitida pelo canal 4 da Televisa, em
2006.
Infelizmente a Medusa teve uma baixa em sua formação. Antonio Urquiza sairia da banda e fez com que ela se tornasse um trio novamente, embora um de seus fundadores tenha saído da banda. Os problemas pareciam não cessar! Então a Medusa teria Victor Moreno na bateria, Javier Plascencia no baixo e Jaime Garcia na guitarra e continuaram a fazer alguns shows.
A ideia era lançar o que
tinham produzido nos estúdios de Jaime e as demos que gravou nos estúdios de
Bozzo, mas não deu certo. Tudo indica, reza a lenda, que Bozzo era um golpista
e permitia que as bandas gravassem em seus estúdios e depois virava as costas
para a maioria delas e a Medusa não teria sido diferente, não concretizando o
sonho dos experientes músicos de lançar oficialmente um álbum. Diante desse
difícil cenário, em junho de 2015, a Medusa fez seu último show saindo
definitivamente da cena rock mexicana.
Em 2018 foi lançado o CD, por
uma gravadora não identificada ou de forma irregular (pirata) o álbum da
Medusa, com as músicas do EP, de 1974, e das músicas gravadas quando a banda
retornou às atividades nos estúdios de Jaime e de Bozzo Vásquez. Não se tem
informações de tiragens ou quem esteve à frente deste lançamento. No CD não
consta o nome do selo, mas há apenas a informação de que a tiragem teria sido
limitada. Provavelmente se trata de um lançamento pirata.
Alguns dos membros da Medusa
se dedicaram a outros projetos. Jaime Garcia se envolveu com o rock
progressivo, tocando com bandas como “El Retorno de los Brujos”, Victor Moreno
tocou guitarra em colaborações com diversos músicos como o próprio Bozzo Vásquez,
Miguel “El Gallo” Esparza (Dug Dug’s) e Miguel Morales (Tinta Blanca). Já
Javier Plascencia dedicou-se a composição de músicos e montou seu próprio
estúdio de gravação.
As agruras, os obstáculos, as
dificuldades, as inexperiências e a difícil capacidade da convivência fizeram
do futuro comercial da Medusa bem aquém do que se esperava, mas, ainda assim,
deixaram uma marca indelével na história, não apenas do rock mexicana, mas de
toda a América Latina, das Américas, servindo de referência para a música
pesada dos anos 1970 e até hoje para aqueles jovens músicos que desejam
enveredar para esse caminho. A Medusa pavimentou um caminho para que hoje
muitas bandas construíssem uma sonoridade que até hoje segue forte, mesmo sem
apoio.
A banda:
Victor Moreno na bateria
Javier Plascencia Amoróz nos
vocais e baixo
Luis Antonio Urquiza Zanella
na guitarra
E mais tarde:
Jaime Garcia na guitarra e
sintetizador
Faixas:
1 – Autodestruccíon
2 – Caminando Rumbo al
Cementerio
3 – Crepusculo
4 – Despues de la Tristeza
5 – Genes de Maldad
6 – La Sombra de Nietzsche
7 – Medita Sinceridad
8 – Momentos em la Vida
9 – Noche
10 – Rompesuenos
11 – Tan Solo lo Hagamos
12 – Tratando de Olvidar
Download do álbum aqui!