Na transição dos anos 1960
para os frutíferos anos 1970 tínhamos muitas bandas que orientavam as suas
músicas, as suas sonoridades para o rock, mais precisamente para o hard rock e
o blues. Bandas como Cream, Jimi Hendrix Steppenwolf eram as que estavam no
topo da pirâmide da qualidade e da visibilidade, servindo de parâmetro para
muitas outras que surgiriam nos anos seguintes.
Evidente que existiam outras
menos conhecidas, logo com roupagens mais ousadas e, diria, menos compreensivas
pelo grande público que testemunhavam, ainda de forma embrionária, o surgimento
desse som híbrido e peculiarmente espetacular, como o Blue Cheer, por exemplo.
Esta banda trazia a versão “eletrificada” e pesada do blues rock, com versões
agressivas e intensas que tendiam, inclusive, para o proto punk, dada a sujeira
e a despretensiosidade de seu som.
Mas o Blue Cheer, ao longo dos
anos, foi conquistando um público fiel e deleitado com o seu som que até hoje,
principalmente em seu debut, chamado “Vincebus Eruptum”, de 1968, graças também
com o advento das ferramentas de internet, como as redes sociais, canais de
YouTube e afins que difundiram a sua música.
Porém, dignos e estimados
leitores, ainda há bandas que percorreram o mesmo caminho do Blue Cheer nos
seus primórdios, não apenas pela sonoridade, mas também pelo árduo caminho da
obscuridade, da marginalidade e do ostracismo. Eu descobri recentemente uma
banda que me fez rememorar não apenas essa sonoridade tão querida entre os
apreciadores de rock, mas também uma porção esquecida e rara de álbuns que, ao
fazer uma retrospectiva, fizeram história pelo pioneirismo e também pela
ousadia em se fazer um som tão potente e latente: Falo da banda BLUES ADDICTS.
Você, meu bom amigo leitor,
conhece o Blues Addicts? Diante de tantos nomes pesados qual a importância de
uma banda tão rara como essa? O rock escandinavo, em especial o dinamarquês,
deve reverenciar uma banda como o Blues Addicts. Certamente está entre as
pioneiras do blues rock e quiçá do rock n’ roll de seu país.
Claro que não podemos
negligenciar bandas, igualmente obscuras, como o conterrâneo Moses que também,
com seu único álbum, homônimo, de 1972, cuja resenha pode ser lida aqui, tem o
seu mérito, sua história, mas temos de admitir que o Blues Addicts, em termos
temporais surgiu antes. E aproveito aqui para dizer que, por razões óbvias,
pouco se tem de informação sobre a banda na web, mas tentarei, dentro do
possível, falar um pouco dessa seminal banda.
O Blues Addicts foi formado em 1969 e pegou o rastro que a banda Young Flowers deixou quando eles se separaram. A banda tinha, em sua formação, Ivan Horn, na guitarra e vocal, Gibber Thomsen, cujo nome verdadeiro era Thorstein Thomsen, nos vocais e bongôs, Mick Brink, no baixo e Henning Aasbjerg na bateria.
Apesar das dificuldades
inaugurais de qualquer banda que praticavam bases sonoras embrionárias e
ousadas, conseguiu gravar o seu primeiro e único álbum, um ano após a sua
formação, em 1970, homônimo, pelo selo underground e infame de nome “Spectator
Records”, mas foi uma produção muito “artesanal”, sem o mínimo de estrutura, e
isso se confirma no produto final, porém não diminui em nada na sua audição,
pelo contrário, traz todo um charme, porque é um álbum ousado, mantendo um viés
de garage rock, mesclado a um blues rock ácido, agressivo e pesado.
Assim o é: “Blues Addicts” é
um álbum de garage rock, um blues rock pesado, um hard rock elétrico, potente,
que nos remete ao Blue Cheer, porque não tem aquela, diria, complexidade na
sonoridade que o Cream e o Hendrix traziam em seus sons. Era algo garageiro,
sujo, despretensioso mesmo e alia isso o rock psicodélico, com aqueles riffs de
guitarra lisérgico, estridentes e pesados, com momentos experimentais e
viajantes. É ácido, é pesado, é intenso e, por vezes, contemplativo, dado os
seus momentos experimentais. Resumo: é um álbum louco e completamente novo para
a sua época.
É isso! Um álbum à frente de
seu tempo, que trazia frescor e, claro, com isso um pouco de rejeição pelas
gravadoras e também pelo público, mesmo que o blues rock estivesse ganhando
alguns adeptos pelo mundo graças ao que o Cream, Hendrix e Jeff Beck estavam
fazendo com seus instrumentos e músicas.
“Blues Addicts” nasceu escuro,
obscuro, tanto que, ao ser gravado pouquíssimas foram as cópias geradas e reza
a lenda que a banda, ao tê-las em mãos, as distribuiu para os seus amigos e
pessoas mais próximas. Então ter essa versão original é para poucos e se esses
felizardos que as receberam, lá no longínquo ano de 1970, colocassem para
vender, o fariam a cifras astronômicas, sem dúvidas. Logo falarei dos
relançamentos, que não foram muitos, o que colaborou e muito para o nascimento
de alguns bootlegs e lançamentos não oficiais. Mas agora falemos de suas
originais nove faixas.
O álbum é inaugurado com a
faixa “5/4” e já começa com um pé na porta sem avisar. Pesado, riffs grudentos
e pegajosos, porém pesados, de guitarra, bateria pesada, a batida intensa e
agressiva, o baixo pulsante, mostrando uma “cozinha” de groove. Aqui o hard
rock, em sua pureza, está mais presente do que o blues rock. Segue “Ba-Ba-Dar” que
traz um balanço contagiante, o acid rock está mais latente nessa faixa. O vocal
aqui é mais limpo e agradável, o solo de guitarra é mais competente e complexo,
trazendo a lisergia já manjada, bem como o blues rock que dá o ar de sua
presença magnânima. E, claro, não podemos negligenciar o bom hard rock por aqui
também e com aquele groove que revela ser outro destaque do álbum.
“Bottleneck” traz uma
introdução acústica, o dedilhar de guitarra e um viés mais psicodélico, um
momento mais contemplativo, eu diria, mas logo surge a guitarra bluesy, o blues
mais primitivo se revela na faixa, mas retorna à psicodelia. Um exemplo
experimental de acid blues na sua gênese. Era algo novo, soava novo aos ouvidos
e me coloco no lugar de quem a ouviu em 1970! Que maravilha! “Hailow” surge pesada,
autenticamente blues rock, com pitadas extremamente bem servidas de um tempero
hard rock eletrificado, trazendo à tona o Blue Cheer. É arrastada, é pesada,
agressiva. Espetacular!
“Jazzer” é curta, rápida, mas
que traz uma novidade no álbum e que reflete em seu nome: o jazz rock! Sim,
amigos leitores, um jazz rock envenenado, potente, com uma batida pesada e
animada. Uma música definitivamente solar que mostra que o Blues Addictis,
apesar de ter concebido um álbum artesanal, mostrava repertório. Segue com “Simple
Expressions” que traz a essência do blues rock. A levada blueseira que lembra o
Cream. Um som pesado, bem acabado, diria complexo. O vocal se mostra versátil,
adequando-se ao blues ácido, pesado, latente e altivo. Solos de tirar o fôlego,
bateria marcada e pesada, baixo pulsante. Sem dúvidas um dos destaques do
álbum.
“Coward Way” começa estranha,
ruídos tirados da guitarra um tanto quanto experimental, mas logo isso acaba,
revelando a sua veia blueseira, um solo de guitarra puro, simples, mas bem
feito, cheio de groove e peso, mas aquele peso cadenciado, o que corrobora o
seu balanço inconfundível e saborosamente animado. E fica mais animado e
dançante quando entra o bongô. Uma loucura experimental que só se via, ou
melhor, ouvia, naqueles anos distantes de 1970. “Smukke” começa contemplativa e
sombria, algo de The Doors pode ser ouvido, com um dedilhado de guitarra bem
lisérgico. O peso alterna, o acid rock é latente, mas aqui se percebe o psych
vivamente.
E fecha com “Electric”, a mais
longa faixa do álbum, e traz um riff pesado e potente de guitarra. É sujo, é
underground até a espinha e mostra uma versão arrogante e agressiva de
Steppenwolf. Um acid rock com pitadas blueseiras, que mostra uma banda poderosa
e incrivelmente versátil. Solos de guitarras espetaculares, de tirar o fôlego,
avassaladoras, uma “cozinha” potente, vocal gritados. Eis a faixa ou uma das
faixas mais legais e pesadas do álbum que é finalizado com chave de ouro.
O Blues Addicts, após o
lançamento de seu underground álbum, em 1970, rodou toda a Europa, fazendo
muito shows, muitas apresentações. Era uma banda estradeira, de turnê, mesmo
que as dificuldades estruturais surgissem. E graças a sua energia nos palcos,
com apresentações catárticas, conseguiu uma razoável base de fãs. Mas
infelizmente as dificuldades, a falta de apoio e a inexperiência de seus jovens
músicos, a banda não tardou a perecer, tendo uma vida muito curta.
Mas deixou um legado! Deixou,
mesmo que desconhecidamente, um conceito de rock n’ roll mesclado ao blues que
o criou lá nos anos 1950, juntamente com outros tantos estilos. Ajudou, não só
a fundi-los, mas principalmente a mostrar uma alternativa de música pesada que
surgiu, em profusão, no início dos anos 1970. Um álbum cru, envenenado,
potente, vivo, pulsante, pesado, intenso, garageiro e sujo, totalmente sujo e
despretensioso.
Pouco se sabe sobre os
integrantes do Blues Addicts, mas o guitarrista e vocalista da banda, Ivan
Horn, quando o Blues Addicts se separou tocou guitarra com CV Jørgensen e
vários outros músicos e bandas construindo uma carreira também na cena
underground dinamarquesa.
O único álbum do Blues Addicts
teve alguns relançamentos. O primeiro ocorreu em 1991, pelo selo Little Wing
Refugees, da Alemanha e com ele veio uma capa alternativa, além de faixas jamais
lançadas e até mesmo inéditas. São elas: “Train Kept Rollin”, “Saxe” e “Kong
Midas”, além de faixas lançadas na versão original, mas com tonalidades
alternativas, como: “5/4”, “Ba-Ba-Dra” e “Hailow”.
Em 2006 outro selo
dinamarquês, o Karma Musica, relançaria o álbum e logo depois outros
relançamentos aconteceriam entre 2007 e 2008, alguns oficiais e outros não. Os
“viciados em blues” deixou uma marca no rock dinamarquês e mundial, mesmo com
um álbum obscuro, unindo o blues e o rock de forma poderosa, crua e original.
A banda:
Thorstein Thomsen no vocal e percussão
Ivan Horn na guitarra e vocal
Mich Brink no baixo
Henning Aasbjerg na bateria
Faixas:
1 - 5/4
2 - Ba-Ba-Dar
3 - Bottleneck
4 - Hailow
5 - Jazzer
6 - Simple Expressions
7 - Coward Way
8 - Smukke
9 - Electric










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