sábado, 26 de julho de 2025

Starchild - Children of the Stars (1978)

 

Quando você pensa e fala do rock canadense o que te lembra de imediato? Claro! RUSH! Com o devido merecimento, afinal, a banda não colecionou ou coleciona, até hoje, uma legião de fãs aleatoriamente, há um fundamento simples e capital para isso: a sua vanguardista sonoridade.

Mas como este simples, humilde e reles blog fala sobre bandas raras, esquecidas, vilipendiadas e obscuras, trarei o “lado oculto” do rock daquele país, corroborando que sim, o Canadá tem uma profusão de bandas sejam elas comerciais ou undergrounds.

E eu falarei de uma que me cativou e me arrebatou por seu som potente, pesado e extremamente arrojado e sofisticado. Falo da banda STARCHILD. A banda foi formada em 1975 em Cambridge, Ontário, quando Bob Sprenger, Rick Whittier e Neil Light, que tocavam em uma banda chamada “Gaslight”, decidiram reformular a sua sonoridade, algo mais pesado.

Mas não apenas as mudanças na música que aconteceram, o nome também foi modificado, passando a se chamar “Starchild”. A inspiração para este nome veio da Trilogia “Starchild”, escrita por Frederik Pohl e Jack Williamson. A maioria dos membros da banda eram fãs de ficção científica, e quando o seu produtor, Greg Hambleton, que também assinou com o SteelRiver para a sua gravadora, a Tuesday Records, queria algo mais futurista do que o nome anterior, “Thorne”. Sim, entre “Gaslight” e “Starchild” teve outro nome que durou pouco tempo, porque quando optaram por “Starchild” o desejo foi unânime.

Ainda faltava algo: um baterista! Porque depois de passar por alguns bateristas, eles decidiram contratar Greg “Fritz” Hinz que, quando assumiu de fato o posto, o Starchild caiu na estrada para uma longa turnê. Apenas para perfilar os demais integrantes e suas funções no Starchild, Rick era vocalista, um belo vocalista, diga-se de passagem, Neil era baixista e Bob era um belíssimo guitarrista.

O primeiro registro, a primeira gravação da Starchild foi uma demo de duas músicas, a “Party of the Toads” e “Tough Situation” e que foi produzida e projetada por um jovem chamado Daniel Lanois, no porão da casa de sua mãe, em Ancaster, no ano de 1976! Para título de curiosidade Lanos viria, no futuro, a produzir gigantes do rock como U2, Peter Gabriel, Brian Eno, entre tantos outros figurões do mercado da música.

O primeiro trabalho do Starchild, “Children of the Stars”, foi gravado em Toronto, no outono de 1977 e lançado oficialmente na primavera de 1978. Levou certo tempo para lançar um tão sonhado álbum, depois da quase artesanal gravação de suas fitas demo lá no ano de 1976. Após o lançamento o Starchild tornou a volta para a sua turnê, abrindo shows de grandes bandas da época, como Triumph, Goddo, Moxy entre outras.

O álbum teve um recebimento positivo e moderado em todo o Canadá, graças as aparições ao vivo da banda, afinal foram muitos shows e aberturas de shows de bandas grandes e famosas que, de certa forma, acaba gerando certa visibilidade, mas suas músicas não ganharam as paradas musicais. Claro, uma sonoridade calcada no hard rock e rock progressivo, pode não ser muito palatável para os empresários da música sempre ávidos por músicas mais radiofônicas e acessíveis. E precisamos pensar também que era virada dos anos 1970 para os anos 1980, com o punk rock um pouco mais em evidência e a new wave.

“Children of the Stars” mostra uma banda com muito potencial, embora seja um álbum sendo concebido por músicos jovens que, até então, nunca tiveram contato com um estúdio, apenas com apresentações ao vivo. Ainda assim são faixas agitadas e os esforços de complexidade sonora são relevantes e extremamente apreciáveis, mesmo com uma produção simples. E tal esforço se personificou em uma música calcada no hard rock com investidas progressivas.

E falando na banda, nada mais merecedor apresenta-los, agora mostrando também a importância de cada um na construção do seu som: tinha Bob Sprenger na guitarra, Richard Whittier, nos vocais, Gregory Hinz, na bateria, o último a entrar na banda e fechando trazia, no baixo, Neil Light. Essa foi a formação responsável por trazer à tona “Children of the Stars”.

O álbum é inaugurado com a faixa “Long Shot” e o típico riff poderoso e grudento de guitarra introduz a música, a pegada genuína do hard rock dos anos 1970, que nos remete ao Scorpions em transição da década de 1970 para os anos 1980. O vocal é elegante, limpo, de ótimo alcance já se mostrando como tendência para a cena do heavy metal que florescia no fim dos anos 1970. A “cozinha” rítmica dá o tom, o groove, tornando a música mais dançante.

"Long Shot"

“Groove Man” entra animada, com os riffs de guitarra e baixo bem ritmados, juntamente com a bateria marcada e pesada. O hard rock mais solar, o rock de “festa” se revela na faixa, certamente traz uma roupagem mais comercial. Solos de guitarra e baixos mais pulsantes na metade da faixa a deixa mais pesada e veloz, trazendo uma versão mais heavy rock. É versátil!

"Groove Man"

Em “Wizard Woman” o vocal ganha destaque, mas o instrumental não fica atrás. Aqui as mudanças de andamento são a tônica, com um viés mais voltado para o hard progressivo, com pegadas mais pesadas, graças aos riffs de guitarra elétrica e momentos mais acústicos, mas intimistas, com alguns solos mais viajantes e espaciais. Momentos de space rock também são percebidos e nos traz percepções mais contemplativas.

"Wizard Woman"

“No Time for Fools” já inicia com solos mais solares de guitarra que emendam em riffs mais pesados, baixo pulsante e bateria pesada, quase surrada! Aqui o heavy rock assume a dianteira, novidades do heavy metal são percebidas, com velocidade e muito peso. O momento mais sujo e despretensioso do álbum.

"No Time for Fools"

“Worlds in Which We Live” vem também pesada e agressiva! Baixo galopante, pesado, cheio de groove, “rivaliza” com riffs de guitarra mais pesado, vocais de grande alcance, gritados e rasgados, já tendendo, com sucesso, para o heavy metal. Não podemos negligenciar o solo de guitarra que é simplesmente de tirar o fôlego! A sequência mais pesada se revela neste momento do álbum.

"Worlds in Which We Live"

“Wooden Steaks and Mash Potatoes” começa com groove, com balanço, mas sem deixar de lado o peso que ostenta todo o álbum, representado pelos riffs indefectíveis de guitarra que logo entregam a destreza de um solo extremamente pesado e solar. O hard rock se mostra vivo e latente nessa faixa, com alguns momentos mais suaves, em que o vocal, limpo e transparente, se revela competente e orgânico.

"Wooden Steaks and Mash Potatoes"

E fecha com a faixa título, “Children of the Stars”, que segue predominantemente com o hard rock, capitaneado pelo riff de guitarra, e por uma típica velocidade que a torna pesada. Em dado momento percebe-se uma cadência no verso na música, que faz da faixa mais dançante e animada. Embora não traga traços de rock progressivo na faixa, se mostra versátil e repleta de mudanças de andamento.

"Children of the Stars"

Embora o álbum tenha recebido certa visibilidade, suas músicas não figuraram nas paradas musicais e sequer foram tocadas nas rádios, afinal, como que um álbum calcado no hard rock e progressivo, em uma época em que o punk rock, a disco music e a new wave tinham a prioridade do mercado e da indústria fonográfica? Definitivamente o Starchild estava “descolada” do seu tempo, com as suas músicas.

E para variar o contrato com a Axe Records foi encerrado porque a gravadora queria que o Starchild mudasse seu visual e sonoridade para o new wave. A banda não aceitou essa condição e decidiu seguir uma direção mais voltado para o heavy metal, sendo influenciado por bandas como Judas Priest e Iron Maiden. Definitivamente o Starchild não estava inserido no seu tempo, sonoramente falando.

O término do contrato com a gravadora não foi o único entrave que o Starchild teve. O baixista Neil Light deixaria a banda, em 1979, por motivos familiares, sendo substituído por Bill Mair e mais tarde Wayne Brown, nativo de Toronto. E ainda teve mais! Hinz, o baterista, também sairia da banda. Ele saiu para se juntar à banda Helix alguns meses depois e foi substituído por Dixie Lee.

Depois dessas mudanças tão radicais, o Starchild continuou a fazer turnês pelo Canadá e, embora a banda nunca tenha chegado à Europa, seus álbuns venderam melhor lá do que no Canadá, inclusive o single “No Control for Rock n’ Roll”, que não entrou originalmente no álbum, foi regravada por uma banda holandesa na década de 1980.

"No Control for Rock n' Roll"

No início de 1982 o Starchild entrou no Metalworks Studios, de propriedade de Gil Moore, da banda Triumph, e gravou uma demo tape de duas músicas (“Steamroller Rock” e “I Need a Woman Tonight”), mas não teve progressos para gravar um novo trabalho, um segundo álbum. Mas havia surgido uma luz no fim do túnel...

A Attic Records, com sede em Toronto, estava interessada em assinar com o Starchild, mas o cansaço da estrada, devido aos inúmeros shows que a banda estava fazendo e principalmente as divergências, cobrou seu preço e a banda se separou no verão de 1982, pouco antes de sua audição, em Toronto, para a Attic. Nos sete anos, entre a formação da banda e a sua fatídica separação, em 1982, o Starchild excursionou pelo Canadá incessantemente, constantemente.



Bob Sprenger e Neil Light formariam uma banda, de nome “Thief in the Night”, em 1985, fazendo vários shows e participando de vários festivais, mas se separaram em 1990. Sprenger gravou dois álbuns com a banda “Distant Thunder” no início dos anos 1990 e se reuniu, novamente, com o baixista Neil Light para formar a banda cover de rock “Wake the Giants”, em 2001. Com o comediante canadense Ron Pardo, na bateria e seu irmão Jason, nos vocais, bem como o novo baixista Sam Barber, que substituiria Light, em 2011, a banda fez principalmente covers, além de tocar material do álbum “Children of the Stars”, mas se separaram em 2014.

Sprenger também é guitarrista de uma vocalista e tecladista de London, Ontário, chamada Kathryn Marquis. Eles gravaram um álbum ao vivo chamado “Your Kingdo Come”, em 2011, além de um trabalho de estúdio chamado “Fire”, que inclui música por ele composta chamada “Purest Love”, sendo a sua primeira música gravada e lançada desde os dias de Starchild. O vocalista e membro fundador do Starchild, Rick Whittier, morreria em 18 de setembro de 2015, após uma longa batalha pulmonar obstrutiva crônica. Já o baterista original da banda, Greg Fritz Hinz, tmbém faleceria de câncer, em 16 de fevereiro de 2024.

Sprenger, depois de ser contatado no verão de 2023, pela gravadora grega Sonic Age/Cult Metal Classics, enviou algumas demos que o Starchild gravou no início dos anos 1980 que nunca foram lançadas para o selo. Eles as lançaram, no formato LP e CD, chamado “Steamroller”, em 2024! O álbum pode ser ouvido aqui!

"Steamroller" (2024)

O LP contém oito faixas, incluindo a demo de três músicas gravadas na Metalworks Studios”, além de cinco músicas gravadas em uma sala de ensaios alguns meses depois. O CD também contém algumas faixas bônus, incluindo um solo de bateria e baixo. De uma forma o Starchild continua, por intermédio desse álbum mais recente, vivo!


A banda:

Rick Whittier nos vocais

Bob Sprenger na guitarra

Neil Light no baixo

Greg Hinz na bateria

 

Faixas:

1 - Long Shot

2 - Groove Man

3 - Wizard Woman

4 - No Time For Fools

5 - Worlds in Which We Live

6 - Wooden Steaks and Mash Potatoes

7 - Children of the Stars