Setembro de 1971, Reino Unido.
A famosa revista britânica “Melody Maker” decidiu realizar uma competição de
bandas novas e que contemplava todo o Reino Unido. Uma chance em tanto para
jovens músicos e suas bandas que queriam um lugar ao sol no mercado da música.
O nome da competição: “Best New Band” que, em tradução literal para o português
significa “Melhor Nova Banda”.
A busca foi corrida e
concorrida para as diversas novas bandas de todo o Reino Unido. A competição
aconteceu em locais regionais e a disputa no País de Gales foi realizado em um
clube em Caerphilly, uma cidade famosa por seu antigo castelo medieval, seu
queijo e mais tarde seria o lar dos Maniac Street Preachers.
Mas não é do Maniac Street
Preachers que eu gostaria de falar, mas sim de uma banda obscura, rara, que
participou da competição e que representaria o País de Gales. Falo do EUGENE
CARNAN. Será que a Eugene Carnan iria ganhar o festival? Será que ele seria
determinante para a história da banda que estava apenas começando? Veremos!
Cada banda convidada tocou
três músicas na competição. O Eugene Carnan decidiu, de forma ousada, executar
suas próprias composições! Que coragem dos jovens músicos, afinal, para
festivais desse tipo, que eram comuns na Europa, muita banda, para não correr riscos
e ganhar a aceitação do público e dos julgadores, decidiam tocas covers, de
preferência de bandas famosas.
Tocaram “I Found Out”, “Blues
Thing” e Mountain”. Eles já tinham algum material composto, embora não tenha
lançado, de forma oficial, nenhum álbum antes da competição. Quem sabe com a
vitória na competição eles conseguissem audiência o suficiente para fechar um
contrato com alguma gravadora.
Quando optaram por essas
músicas tinham a intenção de equilibrar o ritmo e a sensação para tentar
capturar a essência de um show ao vivo da banda em um intervalo curto de 12
minutos que tinham para se apresentar. Um desafio e tanto mostrar todo o vigor
e a verdade da banda em um curto tempo de apresentação. Eles inclusive
escreveram “Blues Thing” especialmente para a competição, pois queriam
apresentar uma música mais lenta e mostrar ao público e aos julgadores que a
banda poderia mostrar um set diversificado, com músicas pesadas e mais lentas.
Quando os resultados foram
anunciados o Eugene Carnan não conseguiu a vitória. Evidentemente os jovens
músicos, cheios de entusiasmo e confiança, ficaram completamente desapontados,
frustrados, o que é natural, mas estavam muito confiantes com um desfecho diferente
e muito mais animador no futuro.
Quando a banda estava se
preparando para ir embora do local do triste anúncio de sua derrota, já estava
fazendo as malas repletas de desilusão, foram abordados por um cara que se
apresentou como Wayne Williams que disse que tinha um pequeno estúdio de
gravação e que estava interessado em gravar as músicas do Eugene Carnan.
A oferta de Wayne era gravar
uma “demo” da banda de graça, sem custos para a banda, dizendo ainda que
tentaria fazer com que algumas gravadoras se interessassem em gravar o tão
desejado debut da banda. E se ele conseguisse poderiam discutir termos
contratuais e talvez até empresariá-los.
A oferta gerou certo ceticismo
e cautela por parte do Eugene Carnan, porque o cenário é sempre desfavorável
quando há essas promessas de apoio a bandas novas. Os músicos temiam que
pudessem ser roubados, ter a sua arte, a sua música ser roubada por algum
empresário ou dono de estúdio desonesto. Mesmo jovens tinham a percepção dessa
possibilidade e decidiram agir com o máximo de cautela.
O que fez a banda mudar de
ideia foi que Wayne mencionou que era apoiado por um cara chamado Major Arthur
Kenny. Para a maioria da banda esse nome não significava absolutamente nada,
mas para o baterista do Eugene Carnan, Mike Evans, significava e muito. O Major
Kenny era o diretor musical da “The Cory Band”, uma das principais bandas de
metais do Reino Unido, com sede em Rhondda.
Seu pai havia tocado corneta
na “Cory Band” por muitos anos e até mesmo Mike Evans tocou várias sessões com
a banda que seu pai fazia parte, sendo, inclusive, membro da banda júnior de
Cory. Por causa dessa conexão, o Eugene Carnan decidiu seguir com a proposta de
Wayne. No entanto, meses depois Wayne entrou em contato coma banda e eles foram
para seu estúdio em Risca, Monmouth, para iniciar os trabalhos de gravação de
suas músicas.
O mês de março de 1972 foi um
dos mais movimentados de todos os tempos da jovem banda, porque, além das
poucas semanas, dos poucos dias, na realidade, que tinham para gravar teve de
ser conciliada com alguns shows que estavam agendados. Tiveram apresentações em
Teorchy e em Crumlin e o estúdio de Wayne ficava em uma garagem autônoma convertidas
em um canto e o resto do espaço era a área de gravação. E o estúdio improvisado
ficava distante de todos os lugares em que a banda estava fazendo shows.
Imaginem a dificuldade de conciliar tudo isso!
As paredes do estúdio eram
cobertas com caixas de ovos de papelão, uma forma popular e mais barata de
isolamento acústico, do tipo “faça você mesmo”. Tudo era improvisado, tudo era
difícil, tudo era barato, mas a expectativa de que veriam uma luz no fim do
túnel com o sucesso era grande. Estavam entusiasmados, o resultado do esforço
seria recompensado. O equipamento de gravação de Wayne consistia em um simples
gravador Sony Stereo de duas pistas e um pequeno “mixer”.
A banda era formada por Mike Evans,
na bateria, Adrian Llewellyn na guitarra e vocais e Michael Williams no baixo.
Um “power trio”, como tantos outros, famosos, que já existiam no início dos
anos 1970 e que esses jovens músicos queriam seguir como referência para os
seus propósitos de sucesso, de um lugar ao sol no tão concorrido universo do
rock naqueles longínquos anos 1970.
Mas voltando a realidade
atual, a banda montou seus instrumentos no simplório estúdio de Wayne e tinham
dois microfones para gravar as guitarras, um para cada amplificador e havia 3
microfones para a bateria, para o bumbo, caixa e um microfone suspenso. Simples
desse jeito! E dessa simplicidade que o Eugene Carnan tocou as suas faixas ao
vivo, exatamente como faziam nos shows.
E com esse aparato, essa
estrutura não poderia haver edição de pós-produção ou efeitos adicionados
posteriormente. Então o que você, estimado leitor, ouvirá no primeiro trabalho
do Eugene Carnan, de 1972, é o que realmente tocaram e soaram naquele estúdio e
nos shows que realizaram naquela época. É o que há de mais genuíno que a banda,
mesmo com os entraves estruturais, poderia produzir. Então seria, digamos, o
“charme” dessa produção.
Todos os erros, todos os defeitos, para os ouvidos mais exigentes e apaixonados pela música, podem ser percebidos na gravação das faixas: ecos nos vocais, ruídos, tudo está lá! Mas o que importa, quando se tem um álbum pesado, calcado no hard rock e blues, que o primeiro e único trabalho do Eugene Carnan pode proporcionar?
A banda gravou oito faixas
durante dois dias, porém foram incluídas no álbum sete músicas. A faixa que
faltava se chamava “Camburoo”, uma música com uma batida de bateria do tipo
africano inspirada no Osibisa, uma banda que eles gostavam na época. O nome era
uma piada inventada, soando para a banda, parte galês (Cambriano) e parte
África (Uroo veio do tenente Uhura em Star Trek).
Depois que eles fizeram as
gravações, muita coisa aconteceu ao mesmo tempo. Wayne teve uma briga séria com
o Major Kenny e disse que estava fazendo as malas no estúdio, estavam indo
embora. A banda ficou temerosa, afinal o que seriam deles depois dessa briga?
Mas Wayne se ofereceu a dar para os músicos as fitas com as gravações das
músicas. E ainda teve o problema com o baixista Mickey Williams que estava
desiludido e desestimulados e decidiu sair da banda.
Em junho de 1972 o baterista
Evans se encontrou com Wayne e este último deu o rolo de fita que ele disse que
tinha todas as faixas, as oito faixas. Infelizmente a faixa “Camburoo” não
estava entre as demais. Quando Stevens entrou em contato com Wayne ele disse
que estava em outro rolo de fita, mas ele pensou que tinha gravado sobre ela,
então a banda nunca chegou a ouvir “Camburoo”.
O álbum é inaugurado pela
faixa “Confusion” que já começa suja e perigosas, com riffs sujos e potentes de
guitarra e uma curiosa pegada jazzística levada na bateria, mas que logo
irrompe em um volumoso e potente hard rock tipicamente dos anos 1970, mas
sempre com aquele tempero improvável do jazz, que me remete ao Black Sabbath em
seus primórdios. E assim se segue, depois entram solos de guitarra, baixo
pulsante, bateria pesada, tudo envolto em uma massa densa e pesada.
Segue com “I Found Out” que me
remete, logo em seu início, com o psicodelismo dos anos sessenta, com aquele
“beat” dançante, marcado por riffs de guitarra e vocais mais animados. E assim é
conduzida, trazendo “surtos” de rock com solos bem dedilhados, ao estilo Robby
Krieger, do The Doors. “People In the City” traz de volta o petardo sonoro do
hard rock. Riffs pesados e grudentos de guitarra são ouvidos e um vocal potente
e gritado também, para dar o tempero a sonoridade suja e pesada que se segue
até o final. Bateria pesada e marcada é ouvida e o baixo pulsa como um batimento
cardíaco em êxtase. Poderosa!
“Black As Night” começa com um
riff de guitarra instigante e que me remete a um heavy rock, a um heavy metal
de vanguarda, um proto punk, mas mesmo com todo o peso perceptível, segue
arrastada, suja, ameaçadora aos ouvidos mais delicados. Solos de guitarra
trazem sofisticação, mas são curtos e, ainda assim corroboram o seu peso, o
peso da música.
“Blues Thing” é o contraponto,
o que traz a antítese do que, até então se ouvia no álbum. Bem tocada, o
momento em que os músicos se revelam extremamente competentes. Uma balada
calcada no choro da guitarra, no blues rock, com intervalos mais rápidos de
peso, para não perder o costume. Mas é aqui que uma das referências do Eugene
Carnan aparece: Cream. Um blues rock mergulhado em lisergia.
“On Your Mind” retoma o trilho
do trem louco do Eugene Carnan, um peso ao estilo Sabbath de ser. Um proto doom
que traz peso e momento sonoro arrastado e sujo, com vocal rouco, gritado e
pouco límpido, muito pelo contrário. Solos de guitarra e bateria pesada e
marcada vem com a parte mais “técnica” da música, fazendo dela bem
diversificada e atemporal.
E fecha com “Mountain” que
traz de volta, pelo menos no seu início, aquele clima meio “beat” na música.
Puro engano! Ela explode em um hard rock e proto metal em uma bateria arrogante
e pesada, com riffs grudentos e sujos, além de um vocal gritado a plenos
pulmões. Aquele riff de baixo “a galope” é nítido e faz com que a música remeta
aos primórdios do heavy rock e heavy metal. É ousada e fascinante!
Quando a banda se desmantelou,
logo após a briga entre Wayne e Major Kenny e a saída do baixista Williams, Mike
Evans decidiu que a banda deveria pelo menos fazer algumas gravações para as
suas próprias coleções e ter as músicas disponíveis para caso algum novo
baixista aparecesse e ele aprender a tocar as referidas músicas. Eles ainda
nutriam uma esperança de retomar a vida da banda, mesmo com todos esses golpes
pesados.
E com isso em mente, em 28 de
julho de 1972, Evans foi para Londres, sozinho no trem, e levou para as fitas
para o J. Eden Studio, em Kingston-Upon-Thames, que ofereceu um “serviço de
fita” para o disco. Mike os descobriu por intermédio de um anúncio nas últimas
páginas da revista “Melody Maker”.
No estúdio, eles cortaram
quatro cópias das sete faixas direto para o LP. O processo foi, obviamente, analógico
e ao vivo, onde tocaram a fita e uma caneta cortou as ranhuras do plástico.
Eles fizeram isso quatro vezes para obter os quatro discos parando para virar o
disco na metade da duplicação, então acabaram com quatro faixas de um lado e
três do outro. Convém uma curiosidade sobre a capa do álbum: o castelo foi para
homenagear o famoso castelo da cidade natal dos músicos.
Então Mike Evans voltou para Rhondda com exatamente quatro cópias, gravados com o selo “Emidisc”, isso mesmo, caros leitores, quatro cópias. Deu um para cada um da banda e o outro para um de seus roadies. Mais tarde Evans conseguiu fazer algumas cópias para amigos mais próximas e, vários anos depois, emprestou a fita original para Colin Benjamin, seu cunhado à época.
E assim foi divulgado o trabalho de Eugene Carnan! Esses muitos anos depois demoraram quarenta longos anos até o único álbum, gravado em 1972, do Eugene Carnan, ter uma discreta repercussão. Atualmente o som da banda ganhou alguma visibilidade graças aos abnegados espalhados pelas redes sociais e internet que difundem o som obscuro desses músicos promissores que não viram a luz no fim do túnel e não obtiveram o tão esperado sucesso, mas a ousadia e vanguardismo de sua sonoridade explodem aos nossos ouvidos. Em 2011, quase quarenta anos depois, como disse, o álbum foi relançado pelo selo Shadoks Music, no formato LP e CD.
A banda:
Adrian Llewellyn na guitarra e
vocal
Michael Williams no baixo
Mike Evans na bateria
Faixas:
1 - Confusion
2 - I Found Out
3 - People In the City
4 - Black As Night
5 - Blues Thing
6 - On Your Mind
7 - Mountain