No Brasil definitivamente
temos músicos teimosos, resistentes! A arte, pura e genuína, em nosso país, por
si só é um ato de resistência. Em um país em que não existe a cultura da
leitura, o senso crítico caiu no senso comum, na vala do simplismo mórbido.
Mas ainda há, repito, os
resistentes, aqueles que, bravamente, difundem a sua música, a sua arte, contra
um status quo que privilegia a
letargia, a inércia da estupidez.
E no caso dos músicos
brasileiros, voltemos a eles, sobretudo aqueles que não se contentam com a
coisa pasteurizada que trafega pelo mainstream,
lutam em uma luta hercúlea e, para muitos, injusta, mas resistem e para o nosso
deleite, pois, mesmo em tempos tão frívolos ainda podemos, temos a chance de
ouvir músicas que nos impactam positivamente.
Mas há aqueles que sucumbem e,
para ter o seu trabalho minimamente exposto, visto, optam por ir para a Europa,
para cenas que propiciem um pouco de estrutura para materializar a sua música.
Talvez não seja a palavra correta, a de sucumbir, mas cansaço.
Contudo voltando-se para os
que, bravamente, ficam, há uma banda que realmente deslocou-se do tempo em que
existiu. Sabe aquele caso em que você é muito descolado? É o caso dessa banda
de hoje.
O QUANTUM, banda formada em
1982, no Rio de Janeiro, é um exemplo fiel de resistência e de que não
“adequou-se” ao período em que foi concebida. É sabido que o rock dos anos 1980
foi dominado pelo pós-punk, pela new wave
e, por algum tempo, o heavy metal, a “New Wave of British Heavy Metal” e o
Quantum entregou o rock progressivo.
Logo o rock progressivo que,
para muitos, estava em baixa, derrotado, esquecido, pouco criativo. Evidente
que a cena não estava em alta, mas sob o aspecto comercial e muitas bandas
gigantescas do estilo pereceram exatamente por conta desse triste fenômeno
mercadológico e outras lotaram arenas pelo simples fato de se adequar ao
modismo sonoro da época.
Não com o Quantum. Eu não aprecio
as comparações entre as bandas, mas no caso do Quantum vem a calhar para
ilustrar a sua situação nos anos 1980: a banda, com o seu primeiro trabalho,
que completou 40 anos, lançado em 1983, traz influências da cena britânica de
Canterbury personificado no som do Camel, principalmente, com elementos de jazz
que proporcionou um balanço interessante ao som sinfônico em geral.
Mas a essa influência britânica da banda de Andrew Latimer e companhia você acrescenta um art rock instrumental com uma abordagem lírico-romântica bem instigante e original, típico das bandas brasileiras do gênero e até mesmo das bandas sul americanas no geral.
O Quantum, com seu debut mostrou-se digno sucessores dos trabalhos das grandes bandas que lá nos anos 1970 construíram tão brilhantemente um estilo, um conceito, uma cena, isso em plenos anos 1980 que alguns maldosos teimam em dizer que o prog rock deixou de existir. Como um som híbrido, o rock e seus gêneros, só se manifestam de forma diferente, é isso!
O álbum, “homônimo”, nasceu, para variar, de forma independente, na base da luta e resistência, por um selo chamado “Café”, mas pasmem, vendeu cerca de 6.000 cópias o que é um número deveras alto para uma música relegada ao descaso, ao esquecimento.
Claro que a produção deixa um
pouco a desejar, mas o trabalho é inspirador, repleto de entonações fabulosas.
O componente composicional, bem como a classe de desempenho são excelentes. Não
podemos negligenciar também as linhas gêmeas de guitarra que dão o tom para a
maioria das faixas, com solos arrojados, floreios acústicos contemplativos,
sutis que nos faz viajar.
A formação clássica do Quantum,
neste trabalho de 1983, contou com: Marcos G. Rosset (Gringo) na guitarra e
violão, Reynado Rana Junior (Dinho) na guitarra e violão de 12 cordas, Fernanda
Costa nos teclados e guitarra na faixa “Chuva”, Segis C. Rodrigues no baixo e
Paulo Eduardo Naddeo na bateria e percussão. Fecha com a ilustre participação
do icônico baterista brasileiro Rolando Castello Junior participando com as
suas baquetas na faixa “Inter Vivos”. E por falar em faixas, vamos a elas,
dissecando-as.
O álbum é inaugurado com a
faixa “Tema Etéreo” que já começa avassaladora, uma incomparável aula de como
se deve fundir com habilidade e maestria o jazz rock e o progressivo. São pouco
mais de nove minutos de inspiração, complexidade e qualidade técnica de todos
os seus músicos. Não podemos esquecer do equilíbrio suave dos teclados e o
frenesi do jazz rock da seção rítmica.
A sequência temos a faixa
“Chuva”, mas simples e direta, entrega guitarras dedilhadas, contemplativa,
viajante, ao estilo mais voltado para o prog rock que mais parece ser uma
introdução para a faixa seguinte, “Acapulco” que me remete ao progressivo
sinfônico aliado a pegada mais pesadas, diria, de hard rock. É contundente, é
complexo, o jazz se revela pelos teclados, pela seção rítimica. Excelente!
Chega “Inter Vivos” e a
guitarra e a bateria trazem uma beleza que positivamente destoa do álbum, com
um hard rock mais vivo, mais pesado, com solos ao estilo Camel, que traz à tona
o brilho, a competência de cada músico, é simplesmente emocional, intenso,
vívido e pleno. E, mais uma vez, cabe uma menção a Castello Junior que se
tornou notório no hard rock, deixou sua marca e se aventurou perfeitamente no
rock progressivo.
A faixa seguinte é “Sonata”,
outra joia desse excelente álbum, uma das mais lindas e belas composições que
tive a alegria e o privilégio de ouvir. Com sua vibe suave é profunda, intensa
e emocionante.
E fecha com a faixa título,
“Quantum” que poderia ser considerada uma “micro-suite”, mas é o que menos
importa, o mais importante e enaltecedor é que é repleta de uma beleza que,
inicialmente se revela incontida que se desdobra sutilmente nos dois primeiros
minutos, para logo depois revelar-se explosiva, catastrófica, linda, intensa,
tensa, com temas cativantes, geniais.
Dez anos depois dois
integrantes da banda, os principais compositores, Fernando Costa e Reynaldo
Rana Junior, com o apoio de músicos convidados, gravaram o segundo álbum da
banda, o “Quantum II”, um ano depois, de 1994 que deixa um pouco a desejar do
primeiro álbum, trazendo um pouco a artificialidade de um neo-prog dos teclados
e uma difícil ausência de guitarras, não satisfazendo os fãs que apreciaram o
Quantum da década de 1980.
E o resultado foi o
inevitável: o fim. Os líderes do projeto, desse triste retorno tomaram a
decisão de se dissolverem. Infelizmente algumas comparações acontecem e o fim
se tornaria talvez a melhor maneira para não continuar com decisões
equivocadas.
Mas ainda em 1993, algo bom
aconteceu, pois, o debut do Quantum,
de 1983, foi relançado com uma faixa bônus, “Presságio”, compilada durante os
trabalhos de material para o segundo álbum, “Quantum II”, em 1994.
“Quantum” é exemplar, fantástico e merecedor de grande destaque, sendo indispensável na cabeceira qualquer apreciador do jazz rock e progressivo, dada as devidas proporções de predileções, evidente. O fato é que os caras do Quantum são verdadeiros abnegados da música progressiva em tempos que essa sonoridade foi rejeitada clamorosamente pela indústria fonográfica.
A banda:
Marcos G Rosset (Gringo) na
guitarra e violão (baixo em "Inter Vivos")
Reynaldo Rana Jr. (Dinho) na guitarra
e violão de 12 cordas
Fernando Costa nos teclados
(guitarra em "Chuva")
Segis C. Rodrigues no baixo
Paulo Eduardo Naddeo na bateria
e percussão
Participação:
Rolando Castelo Jr.: bateria
em "Inter Vivos"
Felipe Carvalho: baixo em
"Presságio"
Faixas:
1 - Tema Etéreo
2 - Chuva
3 - Acapulco
4 - Inter Vivos
5 - Sonata
6 – Quantum
Faixa bônus de relançamento de
1993:
7 - Presságio
Parabens pela resenha. Conheço desde os anos oitenta. Uma das melhores nacionais na minha opinião. Abraço
ResponderExcluirObrigado João Luiz!
ExcluirQuarto Crescente é o "lado B" dos trabalhos do saudoso Percy Weiss!