domingo, 26 de julho de 2020

Crack - Si Todo Hiciera Crack (1979)


O final da década de 1970 não foi das melhores para as bandas de rock progressivo, sobretudo as bandas tidas como medalhonas, as consagradas, claro, não foi melhor sob o aspecto comercial. O punk rock estava no seu apogeu mercadológico, graças a “bandas cabides” como o Sex Pistols, por exemplo, que tinha mais apelo estético do que propriamente talento sonoro e as bandas progressivas estavam perdendo espaço, bem como as bandas de hard rock também, muitas delas com seus integrantes imersos em drogas pesadas, tornando seus ambientes ainda mais instáveis, fora, é claro, o ego, inflado pelo sucesso e dinheiro. 

Não que a cena progressiva sempre tenha gozado de popularidade, afinal, poucas foram as bandas que atingiram notoriedade e o estilo não era lá tão palatável assim, mas teve o seus “15 minutos de fama”, entre 1972 e 1975, aproximadamente. 

A derrocada progressiva não foi que fique claro, criativo, mas mercadológico. Além do punk tinha a disco music que enchia estádios com shows de Gloria Gaynor, Bee Gees, entre outros, com aquelas músicas dançantes e com passinhos marcados em boates cheios de cor e neon. 

As bandas consagradas sim, sofreram e muito, algumas sumiram, hibernaram, outras se descaracterizaram, seguindo os modismos para não perecer, porém as bandas pouco conhecidas, obscuras que já não tinham espaço para divulgar sua arte, continuaram, claro, a duras penas, seguindo e gravando um ou outro álbum, muito deles excelentes, apesar dos entraves. 

A cena estava pulsando, ainda estava viva. E um exemplo evidente vem da Espanha que não é necessariamente o polo do rock mundial, mas que entregou ao mundo uma banda e álbum que, apesar de ter tido uma carreira discográfica curta e uma vida efêmera, foi um dos melhores trabalhos progressivos da transição da década de 1970 para a de 1980. Falo do CRACK com o seu primeiro e único álbum, lançado em 1979, chamado “Si Todo Hiciera Crack”.

Crack

O Crack foi formado em Gijon, na parte norte da Península Ibérica, no ano de 1978. E como toda banda daquela época, precisava de fazer muitos shows para ser reconhecida, para ganhar um lugar ao sol. Ao ouvir o Crack logo nos remeterá ao progressivo italiano, aos sons sinfônicos cheio de vivacidade, complexidade melódica e de harmonia, mas que não se pode negligenciar o fator regional, folclórico, mas não tão evidente como em bandas pioneiras do estilo naquele país, como o Triana, por exemplo, que tem uma forte inserção da música flamenca, típica da Espanha. 

Mas não encarem o Crack como um plágio de bandas italianas, sem nenhuma expressão ou coisa do tipo. A banda tem sim influências da cena progressiva da Velha Bota como o Premiata Forneria Marconi, mas tem características particulares, peculiares, que vai do paganismo e da música celta, inspirada nos vocais, bem como na bem executada flauta que flerta na potência a momentos mais delicados. 

A banda, no seu início e que também gravou este álbum, tinha: Alberto Fontaneda no violão, flauta e vocal, Rafael Rodriguez na guitarra, Alex Cabral no baixo, Manolo Jímenez na bateria e Mento Hevia nos teclados e vocal. 


No verão do ano de 1978, determinados em fechar com uma gravadora para lançar algumas composições já prontas, decidiram se mudar para Formentera, com a ideia de gravar seu primeiro trabalho de estúdio. E assim conseguiram, em 1979, um ano depois, lançar “Si Todo Hiciera Crack”, pelo selo “Chapa Discos” e colocado à venda no verão do mesmo ano. 


O mesmo fora gravado em Madrid nos estúdios da Audiofilm pelo engenheiro de gravação Luís Fernández Soria e apenas cinco dias de estúdio estavam disponíveis para gravação. O álbum foi originalmente lançado em formato LP. Aqui vai uma curiosidade sobre a capa do álbum: foi organizado um concurso pela Rádio Gijón para que os ouvintes enviassem suas próprias ideias de capa e a do ratinho na gaiola na capa e essa mesma vazia na contra capa foram os vencedores.

"Si Todo Hiciera Crack"

Apesar das dificuldades, afinal era o fim da ditadura de Franco e as bandas precisavam recuperar o tempo perdido, o Crack, seguindo uma razoável quantidade de bandas sinfônicas espanholas, estava conseguindo alguma visibilidade graças aos seus shows arrebatadores, com músicos, apesar de jovens, mas muito competentes, e se destacavam pelo fato de ter uma sonoridade mais voltada para o rock progressivo italiano e diria até britânico. As casas de shows, embora pequenas, sempre estavam cheias, o Crack estava conquistando seu público, com muita galhardia e, claro, muitos shows.


Foi mais de um ano e meio fazendo shows, muitos shows e, nesse ínterim, estava gravando material novo, para um segundo álbum que, infelizmente não veria a luz do dia. Era uma banda que não tinha apoio e estrutura da gravadora, afinal, era uma época em que o progressivo sinfônico não estava muito vendável. 


Mas não falemos do fim do Crack sem falar de “Si Todo Hiciera Crack”, um verdadeiro clássico obscuro espanhol. Então dissequemos o álbum! Começa com a faixa "Descenso en el Mahëllstrong" com um instrumental forte e bem emocionante, de muito qualidade, demonstrando o quão a banda era forte e talentosa. Alterna em momentos mais agitados e suaves com um lindo som de flauta.

 "Descenso en el Mahellstrong" (TV espanhola)

“Amantes de la Irrealidad” é a primeira faixa que apresenta vocais e em espanhol e que alterna entre uma imperiosa voz masculina com vocais femininos também. É uma música mais leve, diria uma balada, suave com o destaque para o piano e violão, depois vai ganhando contornos mais viajantes, com passagens belíssimas de teclados e solos bem elaborados de guitarra.

"Amantes de la Irrealidad"

“Cobarde O Desertor” já inicia com vocais com um típico toque regional, bem espanhola, com notas de baixo que pulsa fortemente, ganhando destaque, com passagens esporádicas do teclado. 

"Cobarde o Desertor"

Já “Buenos Deseos” é uma música mais curta e direta, mas que apresenta toda a veia progressiva do álbum, com passagens magistrais de rock progressivo sinfônico, com a presença marcante dos teclados com uma bateria viva, forte e marcada. A música é contemplativa, agradável, com vocais muito bons e linhas de baixo excelentes.

 "Buenos Deseos"

“Marchanda Una del Cid” começa com um som de pessoas marchando, tambores militares e tudo o mais, mas logo entra o som da flauta descortinando um excelente trabalho instrumental com todos tendo uma participação especial, é a típica música de banda, onde todos os músicos se destacam em iguais condições e níveis. Alterna em momentos mais agitados e suaves com um lindo som de flauta e nessas alternâncias rítmicas prevalece a música sinfônica. Uma excelente composição, uma excelente música.

"Marchanda Una del Cid'

A faixa título sem sombra de dúvida é a mais elabora e complexa no auge de seus pouco mais de 10 minutos de duração. Uma música melódica, diria melancólica e também com alguns momentos mais solares, tendo, mais uma vez, destaques dos instrumentistas como o teclados que dessa vez ganha espaço para solos de tirar o fôlego e as vezes apenas “preenchendo” dando espaço para riffs e solos de guitarra mais diretos e cru. Mas também não podemos negligenciar os vocais, masculinos e femininos em um rodízio bem interessante.

"Si Todo Hiciera Crack"

E fecha com “Epillogo” e representa o que o conceito do nome da música sugere, é a parte final do álbum, fechando com um doce e proeminente som de flauta e bateria muito elegante, um fechar de cortinas desse excelente álbum.

"Epillogo"

Apesar de um início estimulante e promissor do Crack infelizmente a banda não recebeu o apoio e a estrutura ideal por parte da gravadora para continuar seguindo seu caminho. Inclusive, como já dito, a banda, entre shows e turnê, estava gravando material novo para um segundo álbum, mas que lamentavelmente não foi concretizado em um trabalho oficial. 

Foram anos difíceis, as bandas como o Crack e outras tantas contemporâneas que compunham a cena espanhola de rock progressivo também optaram por seguirem suas carreiras longe das músicas comerciais e de apelo radiofônico e ainda tinham os equipamentos precários e a falta de estrutura que culminaram com o seu derradeiro fim, a sua dissolução. 

Mas deixaram “Si Todo Hiciera Crack” que tem um momento especial em minha vida, pois foi o primeiro álbum que me fez olhar para um local que não era considerado como o polo do rock progressivo mundial, como a Inglaterra, Itália e Alemanha, por exemplo. Um álbum de excelente calibre sinfônico que definitivamente está no panteão dos clássicos obscuros de todos os tempos. Altamente obrigatória a audição!




A banda:

Rafael Rodríguez na guitarra
Alberto Fontaneda no violão, na flauta e vocais
Mento Hevia nos teclados e vocais
Alex Cabral no baixo
Manolo Jiménez na bateria

Faixas:

1 - Descenso en el Mahellstrong
2 - Amantes de le Irrealidad
3 - Cobarde O Desertor
4 - Buenos Deseos
5 - Marchanda Una del Cid (Pt. 1, 2)
6 - Si Todo Hiciera Crack
7 - Epillogo 



















quinta-feira, 23 de julho de 2020

Nosferatu - Nosferatu (1970)


O krautrock nada mais foi do que uma cena baseada no experimentalismo e minimalismo alemão, uma espécie de psicodelia germânica, com jams sections e improvisações com sons pouco palatáveis para um ouvido e mente pouco abertas, que sequer se permite absorver, identificar e entender. 

Talvez seja esse o motivo, pelo menos um dos principais, que a cena seja vilipendiada pelos fãs mais conservadores do rock progressivo, por exemplo. Além de o nome ter sido adotado, de forma pejorativa, pela imprensa britânica, os alemães e boa parte das bandas que compunha a cena recebeu bem o nome, mas, na década de 1970, o rock alemão sofreu com a “universalização” do estilo, ou seja, todas as bandas, indiscriminadamente, independente do estilo e da vertente, foram colocadas no “mesmo saco” do krautrock. 

Aos que apreciam o rock alemão, falarei dessa forma, pelo menos nesse momento, são sabedores da diversidade, da multiplicidade dos estilos que povoam o rock n’ roll naquele país. É fato que o krautrock foi um sustentáculo, um pilar essencial para o surgimento de várias bandas na Alemanha que, também foram inspiradas por um movimento contra cultural, mais uma semelhança com o psicodelismo, contra o status quo e o conservadorismo da sociedade alemã do pós guerra, que imperava, é claro, na cultura popular, com músicas pasteurizadas e importadas de outros países, um pop vazio, alienante e que não incitava os jovens, sem perspectivas, a pensar, a ter senso crítico. 

E esses jovens se formaram em grupos, que viria a se tornar o embrião de bandas que se tornariam as precursoras do movimento kraut que, no início sequer vislumbravam na música a sua voz contestadora. Muitas bandas surgidas em meados da década de 1960 na Alemanha não estavam viajando em sonoridades experimentais, lisérgicas ou psicodélicas, mas estavam produzindo jazz rock, hard rock, como o Passport, Guru Guru etc. 

E há outra banda extremamente obscura, surgida em 1968, que esteve relegada, marginalizada, não recebendo o devido crédito, talvez por alguns infortúnios ou má sorte que a levou ter uma curta e precoce retirada da cena underground alemã de rock. Falo do NOSFERATU.

Nosferatu

A propósito do que muitos formadores de opinião colocarem no saco do krautrock o Nosferatu se caracterizou, no seu único álbum de estúdio, lançado em 1970, auto-intitulado, por uma sonoridade voltada para o jazz rock, um progressivo embrionário, folk  e doses generosas de um peso, um bom hard rock, envolto em uma atmosfera soturna, perigosa e muito, mas muito misteriosa. 

É claro que se observa, ou melhor, ouve passagens experimentais, afinal, eram os anos 1970, estilos e vertentes estavam surgindo e era tudo muito novo para as bandas que, criativas, flertavam com os mesmos, sem o medo e a preocupação do, as vezes, famigerado esteriótipo, era o auge do kraut na Alemanha. 

A formação da banda, no lançamento de seu único álbum, contava com Michael "Xner" Meixner na guitarra, Reinhard "Tammy" Grohé no órgão, Christian Felke no saxofone e flauta, Michael "Mick" Thierfelder no vocal, Michael "Mike" Kessler no baixo e Byally Braumann na bateria. Talvez o único ponto de visibilidade que o álbum ganhara à época é que fora produzido pelo emblemático produtor Conny Plank, que trabalhou com nomes do porte de Kraftwerk, Guru Guru e muitos outros.


O álbum conta com longas e bem sucedidas jams instrumentais, mesclando guitarra pesada, riffs pegajosos e solos poderosos e um órgão hammond bem executado, com instrumento de sopro dando uma camada mais sombria, com um vocal frenético e nervoso, cantado em inglês. 

Inicia com a faixa “Highway” já dá as credenciais pesadas do Nosferatu, com riffs nervosos, com um hammond incontrolável tocado de forma frenética, um som mais cru, direto e agressivo, ótimo para abrir um álbum.

"Highway"

“Willie The Fox” segue outra proposta, diametralmente distinta da faixa anterior: uma música mais animada, solar, com a flauta ditando as regras com uma levada mais jazzística, ótimas alternâncias rítmicas, revelando um progressivo em tempos remotos, onde esta ainda estava apenas no embrião, lactente. “Found My Home” se destaca pelo instrumental, uma verdadeira ode a jam section calcada no jazz rock, tendo o vocal, nos curtos momentos, mais limpos e comportados. 


 "Willie the Fox"

“No.4” traz uma atmosfera sombria, tensa, um som intimidador e ameaçador, com viagens experimentais, psicodélicas, com guitarra estridente, bateria marcada, mas competente e vocal suplicante, paranoico. “Work Day” é mais dançante, despretensiosa, suja, trazendo um pouco de soul, funk a já típica levada jazzística, música extremamente versátil. 

"Work Day"

E finalmente fecha com “Vanity Fair” um hard cadenciado igualmente animado e solar, um som cativante, com alguns solos de guitarra simples, mas competentes e uma curiosa passagem de música latina. 

É difícil hoje classificar o Nosferatu e isso é extremamente relevante! Uma banda que, apesar da pouca sorte e da curta vida, mostrou, em apenas um álbum que deveria estar ao lado de bandas com maior sorte como Guru Guru e Amon Duul II, no protagonismo do rock germânico. 

Atribuiu-se a gravadora Vogue Schallplatten ao fim precoce do Nosferatu. Pois o selo tinha uma predileção por bandas e músicos com uma proposta mais comercial, radiofônica, deixando talvez o Nosferatu com uma sonoridade pouco ortodoxa e versátil, de lado. Ou ainda pelo motivo de que a gravadora tenha decretado falência e fechado às portas em 1971, mesmo com um catálogo extenso.




A banda:

Michael "Xner" Meixner na guitarra
Reinhard "Tammy" Grohé no órgão
Christian Felke no saxophone e flauta
Michael "Mick" Thierfelder no vocal
Michael "Mike" Kessler no baixo
Byally Braumann na bateria


Faixas:

1 - Highway
2 - Willie the Fox
3 - Found my Home
4 - No. 4
5 - Work Day
6 - Vanity Fair



Nosferatu - "Nosferatu" (1970)



sábado, 18 de julho de 2020

Steamy Frogs - Labirinto Mental (2019)


A cena progressiva e psicodélica no Brasil é dotada de heróis. Heróis? Talvez essa não seja a palavra que define os músicos, bandas e público que compuseram e que, ainda hoje, compõe esse movimento, os chamaria de abnegados, verdadeiros desbravadores de uma música que ainda detém um caráter contracultural, embora alguns conceitos e percepções tenham assumido novas “roupagens”, mas a essência marginal, contra o status quo, o impacto estético e a liberdade criativa continuam permeando os pilares das bandas que, com muita dificuldade, surgem e tentam, com galhardia, perpetuar a cena nos dias contemporâneos, tão pasteurizados e perecíveis. Mas não se enganem que nos longínquos anos 1960 e 1970 era diferente. Nunca! Pelo contrário! A precariedade e o pouco suporte estrutural e de disseminação da música era notório. As poucas bandas que conseguiram, aos trancos e barrancos, lançar material, mesmo que com a baixa qualidade, podem ser consideradas como privilegiadas, levando-se em consideração que muitas e muitas bandas não vingaram e morreram sem sequer ver a luz ou ter uma história discográfica. Mas há de se ter, como disse, galhardia, determinação e ser movido pela força motriz da música. Sim! A persistência tendo a música como norte, como caminho e crença para seguir mesmo que em tempos bicudos. E hoje, apesar das dificuldades ainda evidentes e latentes, uma horda de grandes bandas tem trazido um novo frescor a cena psicodélica e progressiva, um novo oxigênio tem trazido vida nova e uma perspectiva de longevidade e qualidade à cena e eu falo do Brasil, caros amigos leitores, não apenas dos grandes polos do rock n’ roll universal.  E apesar de não ter apoio das mídias de massa, os abnegados fãs, músicos e donos de selos undergrounds se juntam em uma epopeia com o intuito de disseminar e multiplicar a boa música alternativa e livre de amarras e, graças algumas ferramentas dos novos tempos da forma de se comunicar, como as redes sociais, por exemplo, ecoam de lugares inusitados, bandas de mais puro garbo sonoro, enaltecendo a história dos pioneiros desbravadores. E da terra do carimbó, da guitarrada e lambada, surgiu, em 2015, uma banda que sintetiza, com uma qualidade sonora incrível, a efervescência cultural paraense, chamada Steamy Frogs.

Steamy Frogs

O Steamy Frogs que, na tradução livre, significa “sapos fumegantes” foi formada tendo como cerne musical o rock psicodélico, o roco progressivo e o rock psych, mas com o “tempero amazônico”, a veia regional, folclórica, falando de temas inerentes à cultura brasileira e de temas sobrenaturais como a morte, por exemplo e questões sociais e comportamentais humanos. O Steamy Frogs é um exemplo claro e bem definido de que o rock regional, que pautou as grandes bandas do estilo na década de 1970, como O Terço, Terreno Baldio, entre outras, mas com uma roupagem contemporânea com uma levada mais “world music”, as novas facetas da música que tem o pé no passado, com a essência de sua criatividade sonora. E esse som aflora na estética, a banda com vestimentas típicas, com a cara pintada, mostrando o Brasil nas suas mais belas nuances culturais. E por falar na banda, a mesma é formada por Lucas Castanha no vocal e guitarra, Olavo Nascimento na guitarra e backing vocal, Felipe Mendes no teclado, Tiago Ribeiro no baixo, Walber Moraes no saxofone e Leandro Sena na bateria.


Como qualquer banda do estilo no Brasil demorou um pouco, desde a sua fundação para lançar um material, até que, finalmente em 2017 lançou seu primeiro single chamado “Levantei”, gravado e produzido por Andro Baudelaire e em outubro do mesmo ano lança “Trubal” gravada por Daniel Avelar e produzida pela banda. Mas músicas como “A Ponte” foi um das primeiras a ser compostas pela banda, ainda em 2015, já delineando a sua proposta sonora, de forma evidente, com muito rock psicodélico e progressivo com um viés tipicamente regional, com levadas latinas, inclusive. Mas foi em 2018 que a banda deu um passo importante na sua história lançando o EP chamado “Kambô”, com o incondicional apoio de Daniel Avelar, Thiago Albuquerque e Henrique Maia. Este EP teve a parceria com o selo Abbey Monsters e a distribuição digital feita pela AmpliCriativa. A formação da banda, responsável pela criação de “Kambô”, tinha: Lucas Castanha no vocal, violão e guitarra, Olavo Nascimento na guitarra, backing vocal, Felipe Mendes no sintetizador e efeitos, Tiago ribeiro no baixo e Lucas Armstrong na bateria. Conta com três faixas: “Sapiens”, “Indecisão da Odisséia Paradoxal Interestelar” e “Denis D'or” e trás o psicodélico e progressivo como carro chefe, mas o rock regional e o folclore amazônico estão presentes neste trabalho.

Steamy Frogs - "Kambô" (2018)

O Steamy Frogs começou a ganhar alguma notoriedade em suas apresentações ao vivo em festivais e grandes casas de shows de Belém, no Pará como: “Capitão Poço”, “Castanhal”, “Cojituba”, “Apoena”, entre outras. Participou do Participou do “Woodstock Old & New Festival 2016” no Insano Marina Club, do CCAA Fest 2016 e 2018, do Programa Protótipo da TV Cultura, da 10ª edição do Rock Rio Guamá e do “Psica Festival” 2018. A banda estava ganhando corpo, experiência de palco e muita rodagem, até que em 2019 o grande momento para a banda finalmente surgiu: o tão esperado lançamento de um novo álbum. Nascia o “Labirinto Mental”, alvo de minha resenha. E aqui, antes de falar do conceito do álbum, bem como de cada faixa que o compõe, não posso deixar de falar das minhas impressões iniciais, quando botei o “play” e comecei a ouvir “Labirinto Mental”. Nossa! Foi como um catarse, um arrebatamento sonoro! Uma sonoridade psicodélica, lisérgica, que me transportou para os anos 1960 e 1970, a complexidade progressiva vem encorpando o trabalho também, com uma grande excelência instrumental, uma sinergia sonora, vocais fantásticos, um som viajante e que retrata, com fidelidade, os sons brasileiros na sua mais perfeita harmonia e melodia. “Labirinto Mental”, lançado pelo selo “Urtiga”, traz um momento de amadurecimento sonoro da banda, em relação ao seu antecessor EP, entregando ao ouvinte uma miscelânea sonora calcada no prog rock, rock psych, world music e música regional do Brasil. O conceito do álbum conta a trajetória de um índio da tribo Kaxinawá Hylidae, que para resolver os seus problemas psicológicos trata-se com um ritual proposto pelo xamã, com o qual conhece o veneno do sapo Kambô. Hylidae, após a busca pela sua cura, começa a vivenciar experiências correlatas na tribo concreta e no ambiente espiritual. Ele enfrenta uma guerra nos dois universos: no físico, como pessoa; e como sapo no espaço incorpóreo. E após a vitória do seu povo luta pela reconstrução da sua tribo. Certamente uma continuação do EP “Kambô”, mostrando a veia progressiva da banda. O álbum começa com “Labirinto” com um envolvente saxofone viajante me remetendo a bandas como King Crimson e uma pegada meio sinfônica, com um vocal melódico, dramático. Uma faixa bem moderna e solar. A música fala da força da imaginação das crianças e as suas descobertas.

Steamy Frogs - "Labirinto"

“Bicho Solto” já inicia pesada com riffs de guitarra bem elaborados, mas com um balanço meio “new wave”, um som meio dançante, animada, com uma “cozinha” bem afiada, bateria bem marcada e um baixo bem ritmado e pulsante. A faixa fala do ritmo de vida da juventude.

Steamy Frogs - "Bicho Solto", Performance Outros Nativos

E eis que surge “A Ponte”, com um som mais experimental, com dedilhados de guitarra mais lisérgicos, ruídos que nos remete a um space rock à la Hawkwind e Pink Floyd de seus primórdios sessentistas. Traz uma balada meio introspectiva no início, mas que logo irrompe em um hard rock progressivo com solos curtos e diretos de guitarra e vocais melancólicos, fechando com um solo mais complexo, entregando uma veia mais hard, mais pesada. A música fala da morte, não como o fim, mas como uma passagem, talvez o início de uma viagem.

Steamy Frogs - "A Ponte"

“Terminal” traz experimentações minimalistas ao estilo krautrock alemão para dar passagem a faixa “Levantei” que curiosamente me fez lembrar a “new wave” da década de 1980 com um progressivo sinfônico com o destaque, claro, para os teclados e um vocal mais rasgado e imponente, com um bom alcance. “Terminal” traz a tensão e a ansiedade já a faixa “Levantei” o sentimento de aceitação.

Steamy Frogs - "Levantei"

“Era Cinza” abre com um baixo mais pulsante, um groove interessante, mas ainda com o viés oitentista da “new wave” britânica, com destaque, mais uma vez para os teclados, com riffs de guitarra que confere, em alguns momentos, peso à música. A música fala das incertezas do futuro e da vida e como podemos, como seres humanos, melhorar o todo ao nosso redor.

Steamy Frogs - "Era Cinza", ao vivo no Rock Rio Guamá

A instrumental “Trubal” tem um pé no psicodélico e algumas “nuances” de stoner prog, com claras influências de bandas como Camel, por exemplo, repletos de alternâncias rítmicas, entregando o que há de melhor da banda: seus dotes instrumentais, uma simbiose perfeita entre seus instrumentistas. A faixa mostra a percepção futurista do mundo e a reconstrução do planeta após a guerra.

Steamy Frogs - "Trubal" ao vivo no Woodstock Old & New Festival (2016)

E fecha com a faixa “As Portas” que mescla o progressivo, hard rock e o psicodélico. Essa faixa retrata o que é o álbum na sua gênese. Harmonia e melodia em evidência, viradas rítmicas em profusão, guitarras distorcidas e saxofone frenético torna a música mais poderosa e ameaçadora. A faixa fala das diversas opções que a vida nos oferece. Fantástica música para fechar esse igualmente fantástico álbum.

Steamy Frogs - "As Portas", ao vivo no Espaço Cultural Apoena (2019)

“Labirinto Mental” teve seus arranjos feitos entre 2017 e 2018, mostrando o cuidado e todo o sentimento de perfeccionismo do Steamy Frogs que certamente ostentava um desejo de criar um trabalho calcado no rock progressivo e rock psicodélico, mostrando uma simbiose entre as vertentes, tendo também, no processo criativo, de composição, a participação coletiva de cada integrante, mostrando sinergia também nesse aspecto. Quatro meses após o lançamento de “Labirinto Mental” o Steamy Frogs lançou o EP “Os Cutacas”, idealizado e produzido pelo guitarrista Olavo Nascimento que é formado em música pela Universidade Federal do Pará e dá aula de musicalização e instrumentos para crianças, entre 7 a 11 anos de idade, há cerca de um ano, mostrando que a música é sinônimo de transformação pessoal e social. Pois é, vejo que além do “Labirinto Mental”, o trabalho social da banda também produzirá um legado para a música de que tanto amamos e que, a duras penas, e graças a abnegados como o Steamy Frogs e toda uma cena, permanece. Tudo em prol da música tão somente.


A banda:

Lucas Castanha no vocal e guitarra
Olavo Nascimento na guitarra e backing vocal
Felipe Mendes nos teclados
Tiago Ribeiro no baixo
Walber Moraes no saxofone
Leandro Sena na bateria

Faixas:

1 - Labirinto
2 - Bicho Solto
3 - A Ponte
4 - Terminal
5 - Levantei
6 - Era Cinza               
7 - Trubal
8 - As Portas


Steamy Frogs - "Labirinto Mental" ao vivo no Teatro Experimental Waldemar Henrique, Pará (2019)







quarta-feira, 15 de julho de 2020

Bang - Bang (1971)


Os porões do rock, apesar de esquecido e vilipendiado, pode nos reservar algo de suma relevância para a história do estilo. Não pode ser tratado como descartável, afinal as obscuridades podem trazer a luz do pioneirismo, do protagonismo em tempos longínquos onde tudo era nada. 

É um terreno difícil, diria arriscado trafegar em assuntos como protagonismo e pioneirismo em determinadas vertentes, tendências e estilos. Os anos 1970 foram prolíficos não somente pelo fato de que os estilos que edificaram o rock n’ roll praticamente estavam nascendo e florescendo, mas porque as bandas estavam experimentando, deixando aflorar os seus mais genuínos instintos criativos traduzindo-os em sua música. 

Torna-se difícil, pois os estilos se flertavam e, ao longo do tempo, com o “carimbo” do estereótipo, do rótulo, foi se estabelecendo entre as cenas, entre o público que estava consumindo aquelas músicas e bandas. Tem uma banda, em especial, que trafegou esquecida nos porões do rock norte americano e que infelizmente não recebeu os créditos de seu pioneirismo, de sua importância para a cena heavy rock dos Estados Unidos da América. 

Qual é essa banda? Ela se chama simplesmente BANG! O nome, embora simples, determina, com nuances sonoras, a que veio: uma explosão musical, uma bélica e avassaladora música que deveria entrar nos anais da história da música pesada e logo direi o motivo.

Bang

O Bang remonta os anos 1960, quando as fundações arquitetônicas do heavy rock estavam sendo criadas, mais precisamente em 1969, ano este que foi fundado, na cidade da Filadélfia, Pensilvânia. Os seus criadores foram: Frank Ferrara no baixo e vocal, Frank Gilcken na guitarra e Tony Diorio na bateria. 

Frank e Frankie, na época com apenas 16 anos de idade, colocara um anúncio no jornal que estava formando uma banda e a resposta foi imediata! Diorio chega um pouco mais experiente, dez anos mais velho, e assim a banda estava formada, começando logo a trabalhar em novas composições. 

O primeiro grande momento do Bang foi quando detonaram com um show do cantor Rod Stewart em Orlando em 1971, eles roubaram a cena, foram mais pesados e avassaladores, convencendo alguns promotores locais a olhar com mais carinho por eles, dando-lhes, quem sabe, uma chance. 

E não é que conseguiram uma atenção dos promotores de show? Shows aconteceram na Costa Oeste aconteceu na Costa Leste e o Bang logo começou a ganhar alguma visibilidade graças as suas energéticas performances ao vivo, se tornando um dos candidatos a banda mais pesada da cena hard rock na terra do Tio Sam, apesar da disputa ser bem grande com bandas do naipe de Sir Lord Baltimore, Blue Cheer, entre tantas outras tão obscuras quanto o próprio Bang.


E em apenas dois anos após o seu surgimento, o Bang lançou, pela Capitol Records, o seu primeiro álbum, o autointitulado “Bang”, em 1971, alvo da minha resenha. Considero “Bang’ como um álbum emblemático, pois, ao ouvi-lo pela primeira vez, além do arrebatamento sonoro, do peso, do poder, da agressividade e da linda melodia (sim, essa mescla é possível!), ele é sim um álbum pioneiro do doom metal, estilo que se tornaria mais conhecido no início dos anos 1980. 

Claro que a concorrência, nos anos 1970, mais precisamente em 1971 era grande: bandas como Led Zeppelin, Deep Purple, Grand Funk Railroad e Black Sabbath estavam lançando clássicos atrás de clássicos e o espaço para novas bandas no estilo estava se tornando pequeno. 

E por falar em Black Sabbath, o Bang, injustamente, foi considerado como uma resposta americana a banda inglesa, um “Black Sabbath americano”! Um verdadeiro absurdo essas comparações que só desmerece o trabalho e a história que foi arrancada do Bang, da sua importância para o hard rock. 

E digo mais: o seu debut é sim um dos pioneiros, junto com o terceiro álbum do próprio Black Sabbath, “Master of Reality”, também lançado em 1971, do doom metal, dois grandes álbuns de "proto doom". E aí voltamos ao início desse texto: difícil pontuar pioneirismos no rock! Sim! 

Mas não podemos negligenciar a importância desses dois trabalhos, principalmente do álbum do Bang. Ah e aqui cabe uma curiosidade bem pertinente na história da banda: os caras gravaram algumas músicas em 1971 e que não foram lançadas naquele ano, somente em 2004, no formato CD e LP, chamado “Death of Country”. 

Foi um trabalho arquivado pela Capitol Records que foi ver a luz do dia décadas mais tarde. Outro álbum altamente recomendado, mas foi com “Bang”, lançado no mesmo ano que foi considerado como o seu primeiro trabalho oficialmente lançado.

"Death of Country", 1971

O que se ouve em “Bang” é uma senhora paulada, um petardo tipicamente setentista, poderoso. Ao ouvir o som deste power trio, percebe-se, com nitidez, sobretudo pelo riff sujo, cadenciado, denso e perigoso, uma pegada de doom metal misturado ao stoner rock, nomenclatura mais contemporânea, com pitadas generosas do já mencionado hard rock. 

Muitas dessas bandas novas que executam o que se convencionou de “rock retrô” deve ter bebido da fonte do velho e esquecido Bang. O álbum abre com a excelente “Lions, Christians” com riff ao estilo doom, com uma cadência pesada, densa em uma atmosfera obscura, sem contar os solos curtos e pesados. Uma verdadeira pedrada!

"Lions, Christians", live at Roadburn, Tilburn (2016)

“The Queen” começa com mais um riff poderoso, lembrando o Sabbath com Iommi, o rei dos riffs. A proposta segue a mesma, muito peso, solos curtos e poderosos.“Last Will” segue com uma bela balada linda ao som de violão, mostrando que o Bang tem versatilidade. “Come With Me” vem como o destaque do álbum, com muito peso e cadência e um vocal rasgado conferindo ainda mais peso. 

"The Queen", live at Burlington (2017)

“Our Home” volta com mais e mais peso, já “Future Shock” poderia ser considerada como a primeira música de doom metal lançada oficialmente na história! Será? Temos o Pentagram nascido nos EUA também, mas não tinha registrado nada oficialmente nos anos 1970, mas essa faixa do Bang é fantástica, os riffs faz você “bangear” a cabeça incontrolavelmente.

"Our Home", live at The Maryland Doomfest (2016)

E o que dizer da seguinte faixa: “Questions?” Uma música de qualidade atestada, uma porrada heavy de vanguarda, instrumental de primeira. Fecha com “Redman” que segue fielmente o hardão que é esse disco, do início ao fim.

"Questions?", live at Filadélfia (2018)

Depois de “Bang” a banda lança, em 1972, o igualmente excelente “Mother / Bow to the King”, em 1972, mas foge um pouco a proposta do seu antecessor, mas ainda assim o peso e a agressividade que é marca registrada do Bang estavam lá. 

"Mother / Bow to the King", 1972

A banda deveria ter explodido neste álbum, mas mudanças na diretoria da Capitol Records e algumas mudanças forçadas na banda, por influências externas, levaram a frustração e desestímulo por parte dos músicos o que levou seu precoce fim, mas conseguindo lançar um novo álbum em 1973, chamado “Music”. 

"Music", 1973

Em 1996 o Bang se reuniu! A banda gravou e lançou, em 1998, um novo álbum com o sugestivo nome de “Return To Zero” e logo mais tarde lançando “The Maze”, em 2004 com algumas novas versões para antigas canções como “Love Sonnet” e “Bow to the King”. 

Em 2014 a banda se preparou para shows ao vivo, ensaiando um novo retorno e com a formação original e que nas palavras do baixista e vocalista Frank Ferrara na época mostra que a força e a persistência era a tônica dessa banda: 

“Nós três percebemos que o Bang ainda era uma força musical. E, apesar de muitos anos se passarem, estávamos escrevendo músicas como se fossem ontem. O sonho está vivo e com renovada sede e amor por ele. a música, estamos retomando nossa busca”. 

A banda está mais viva do que nunca e o seu legado está sendo escrito de forma indelével! O Bang personifica, corrobora que o hard rock obscuro estadunidense é um dos mais rica da música pesada espalhada pelo planeta. 



A banda:

Frank Ferrara no baixo e vocal
Frank Glicken na guitarra e vocal
Tony D’Lorio na bateria

Faixas:

1 - Lions, Christians
2 - The Queen
3 - Last Will
4 - Come With Me
5 - Our Home
6 - Future Shock
7 - Questions
8 - Redman


Bang - "Bang" (1971)