domingo, 25 de dezembro de 2022

Sudden Death (Alemanha) - All or Nothing (1987)

 

O rock n’ roll alemão não vive apenas do experimentalismo, do minimalismo e progressivo do krautrock no fim dos anos 1960 e 1970. Evidente que não podemos negligenciar o pioneirismo dessas bandas que, navegando em estilos ainda embrionários naquela época, estavam construindo um processo revolucionário na música alemã, na cultura alemã um tanto quanto despedaçada com o pós-guerra, com a autoestima um tanto quanto abalada no cerne cultural daquele país. Afinal o krautrock surgiu com o sentimento dessa urgência.

Mas veio o heavy metal dos anos 1980 que, penso, trouxe um novo momento para o rock alemão! Foi a redenção do rock germânico que produziu bandas seminais, independente de sucesso comercial ou não, que colocou este país no mapa do heavy rock planetário.

O que dizer do Accept, o que dizer das grandes bandas de thrash metal, as de hard rock que trafegaram na década de 1970 e 1980 como a unânime Scorpions? Tenho até receio de elencar as bandas alemãs de heavy metal, em todas as suas vertentes, e parecer injusto por esquecer algum nome peso pesado.

Mas não podemos esquecer também da atualidade, de bandas de stoner rock, como Kadavar, por exemplo, que vem trazendo um frescor para o rock alemão que, ao mesmo tempo, homenageia as grandes bandas do passado em todas as suas gerações.

Enfim, a cena germânica continua forte, intensa e vívida, o que é mais importante, afinal, não é apenas quantidade, mas qualidade com que estamos testemunhando diante de nossos olhos.

Mas voltando ao passado, mais precisamente a onda heavy metal que estava agitando os anos 1980, precisamos dar luz às bandas obscuras, pouco conhecidas, aquelas que, por algum motivo, não alçou voos maiores, tendo caído no ostracismo, mas que contribui e muito por construir a cena, a edificação da música.

E na Alemanha oitentista não foge à regra e em minhas incursões aos porões escuros e empoeirados do rock, em meus garimpos, descobri, quase que de uma forma totalmente despretensiosa (talvez não seria garimpo se fosse dessa forma) uma banda que definitivamente personificou a agressiva e imponente música pesada alemã.

Falo da banda SUDDEN DEATH com o seu único trabalho chamado “All or Nothing”, de 1987. 1987 é um período meio nebuloso do heavy metal no mundo. O estilo estava mais evidente, ganharam os dials das grandes rádios pelo mundo, canais de TV mostravam clipes das bandas mais badaladas da segunda metade dos anos 1980: era o glam metal.

Sudden Death

Conhecido pejorativamente por aqui no Brasil de “metal farofa” a cena tinha o apelo visual como o carro chefe da música, os personagens andrógenos, cabeludos superava a música, mas é inegável que, comercialmente, foi o grande momento do heavy metal. E o Sudden Death corria por fora, andando pelas sombras da cena, mas que hasteava a bandeira da pureza do estilo, priorizando o peso, a agressividade, que flertava com o peso mais cadenciado do hard rock setentista.

Digamos que o Sudden Death estava um pouco “atrasado” quando produziu um heavy metal em uma época em que o thrash metal ou o speed metal e ainda o hair metal estava em evidência nos anos 1980 e até mesmo aquele hard rock comercial norte americano capitaneado pelo Van Halen. Mas ao  mesmo tempo podemos considerar que a banda trouxe à tona ou pelo menos tentou trazer de volta os anos dourados do heavy metal no início dos anos 1980 e acredito que seu trabalho não tenha vingado não pelo questionamento da qualidade de sua sonoridade pelos executivos da música, da indústria fonográfica, mas um mero deslocamento do tempo. E diante desse quadro lamentavelmente não se têm, na grande rede, informações sobre o Sudden Death, tamanha é a sua obscuridade.

O Sudden Death foi formado em Berlin em meados dos anos 1980 e andou pelos caminhos undergrounds e se há poucos materiais da banda, inclusive o seu álbum, deve-se a colecionadores e abnegados que representam alguns selos alternativos que conseguiram lançar, em algumas edições mais do que especiais, o álbum, fazendo com esse magnífico trabalho ao maior número de apreciadores do heavy metal espalhados pelo mundo.

“All or Nothing” foi lançado em 1987 e produzido por Harris Johns entre 1986 e 1987 e teria sido lançado pela “Noise Records”. Digo teria sido lançado, pois reza a lenda de que o álbum teria sido lançado de forma “artesanal”, quase caseira, sem nenhum tipo de apoio por uma gravadora.

“All or Nothing” traz, em sua essência, o mais puro e genuíno heavy metal, com nuances de hard rock setentista em alguns momentos do álbum. Nele se explica verdadeiramente o motivo pelo qual trafegou pelo ostracismo do underground, sobretudo pelo momento mais piegas do glam metal na segunda metade dos anos 1980 no mundo. É um álbum pesado, agressivo, indulgente, perigoso e totalmente despretensioso.

“All or Nothing” foi concebido com a seguinte formação: Frank Barz na guitarra, Arno Schamberg nos vocais e baixo, Michael Köster     na bateria e Detlef Gottmannshausen   na guitarra e vocais e essa formação foi a original e a que deu o ponto final nesta banda em uma carreira curta, mas nada como destrinchar o álbum para corroborar o quão significativo foi para o heavy rock alemão.

O álbum é inaugurado com “Bloody Conclusion” que tem uma introdução mais ao estilo thrash, bem agressivo, com riffs pesados e pegajosos e um vocal rouco e despretensioso, bateria marcada e baixo presente e muito pulsante, mas alterna com algo mais clássico do heavy metal, principalmente no solo de guitarra que, embora curto e direto, traz o que há de mais piegas no heavy rock. Que bom!

"Bloody Conclusion"

A sequência tem a mortal, com o perdão da analogia, “Killer” que já vem com o pé na porta com riff rápido e rasteiro de guitarra e que segue assim em todo o contexto instrumental entregando algo parecido com o speed metal mais muito pesado e agressivo com o vocal sobrepondo, regendo a tudo isso. Há algo de sombrio e perigoso nessa faixa também, que me remete ao occult rock, por incrível que possa parecer. E mais uma vez o solo de guitarra é matador e um pouco mais elaborado que a faixa anterior que me traz à memória o hard rock setentista. Grande faixa!

"Killer"

E eis que chega “Dust in the Wind” que não imprime a agressividade das músicas anteriores, mas o peso, sim, permanece. Essa faixa traz um pouco algumas inspirações das bandas dos anos 1970 como o Motorhead dos primórdios. O Sudden Death aqui mostra mais competência, uma sonoridade mais arrojada, com melodias mais bem trabalhadas e não menos orgânica e poderosa.

"Dust in the Wind"

“Loaded Brain” retoma o caminho poderoso e agressivo do álbum, guitarras distorcidas, bateria marcada e pesada, vocal arrastado e por vezes gutural e pesado. “Loaded Brain” poderia figurar como um dos primórdios da cena black metal.

"Loaded Brain" (Live)

“Backstage Queen” vem ao estilo pé na porta também. A bateria rege o peso e a velocidade da música e com o baixo pulsante e riffs rápidos e intensos de guitarra expõe à máxima potência a capacidade incrível do instrumental da banda e me remete também ao power metal, algo que o rainbow, na fase Dio, fazia nos primórdios da banda. Intensa e poderosa faixa!

"Backstage Queen"

E chega a faixa título “All or Nothing” com mais cadência trazendo as inspirações do hard rock dos anos 1970, com um baixo “cavalgado” e pesado com a bateria seguindo o ritmo, a “cozinha” nesta faixa é avassaladora. Riffs de guitarra dão o tempero, o vocal, mais altivo e limpo, traz a textura que personifica o andamento da música.

"All or Nothing"

“Nightrider” traz aquela mistura do hard mais comercial com o heavy metal, algo como o Accept em seus momentos mais radiofônicos, mas que não traz nenhum tipo de demérito. Vocais bem cantados, guitarras mais “limpas”, faz dessa faixa a mais “acessível” do álbum.

"Nightrider"

E fecha com “I Want It” que retorna ao peso habitual do álbum, mais com uma textura mais complexa, bem trabalhada, diria até um tanto quanto dançante, ao estilo Motorhead com faixas como “Louie, Louie”, por exemplo. Guitarras pesadas, bateria marcada e frenética são os destaques dessa música.

"I Want It"

Em 2020 “All or Nothing” ganhou “vida” novamente com o relançamento da “Golden Core Records”, com um trabalho de acabamento melhor, com uma bela remasterização em LP e CD, com um livreto de cerca de 20 páginas falando sobre a banda e com raras fotos da banda em ação.

Inclusive há uma faixa muito rara de uma apresentação em 1986 Bunderrockfestival, entre outras faixas bônus bem raras e significativas da curta, mas significativa para o heavy metal alemão.

Assim foi o Sudden Death com o seu “All or Nothing’: poderoso, intenso, agressivo, moderno para a época, pois mesmo com audições feitas atualmente nota-se um frescor, um caráter de novidade e de uma sonoridade incrivelmente pesada que faz com que o ouvinte apreciador do estilo se mostre atônito. É uma sonoridade reveladora a cada audição, é a confirmação, a perpetuação de um estilo que, com o passar dos tempos e das gerações, mostra-se vivo e eterno.


 

A banda:

Frank Barz na guitarra

Arno Schamberg nos vocais e baixo

Michael Köster na bateria

Detlef Gottmannshausen  na guitarra e vocais

 

Faixas:

1 - Bloody Conclusion

2 - Killer

3 - Dust in the Wind

4 - Loaded Brain

5 - Backstage Queen

6 - All or Nothing

7 - Nightrider

8 - I Want It

 

Sudden Death - "All or Nothing" (1987)
























 





 


sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Zarathustra - Zarathustra (1972)

 

Eu costumo dizer, diria bradar aos quatro cantos, que rock n’ roll e cultura andam de mãos dadas. Claro que há bandas para todos os tipos de “demandas”: bandas que falam de sexo, hedonistas, de festas e drogas, contestadoras, anarquistas e aquelas politizadas, antenadas com o cenário sócio-político e econômico de um país.

E foi com base neste último preceito que este reles e humilde blog que você, caro e brilhante leitor, abrilhanta com a leitura, veio a existir. Sempre aliei a música que amo a cultura de contestação, de mostrar, de trazer à tona as mazelas dessa sociedade putrefata que lamentavelmente fazemos parte. Sem contar também que as histórias das bandas e como foram concebidas, bem como as suas obras de arte, os seus álbuns, também é um espetáculo à parte.

Porque por intermédio dessas histórias, muito delas com um sinônimo de perseverança e de amor à música que acreditam, são fantásticas e que estão, muitas delas, intimamente ligadas a história da música local e também diretamente às manifestações culturais que se formam nesses aglomerados humanos.

Por que digo isso tudo? Vou contar, prometo ser breve, uma história de como cheguei a essa banda que será resenhada hoje e que, de uma forma totalmente despretensiosa, pois não procurava por bandas e suas músicas, eu descobri uma banda que, a meu ver, era excelente.

Estava eu procurando um livro do grande e marginal filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), o famoso “Assim falou Zaratustra”, pois já tinha lido outros livros desse autor e estava ávido para ler outros, sendo este, recomendado a mim.

O livro conta a história de um pensador que desce das montanhas para ensinar aos homens o que descobriu em seu isolamento. A frase célebre do filósofo que causou certo rebuliço, “Deus morreu”, mostrava a sua crítica ferrenha contra o pensamento cristão, porque, segundo Nietzche, desprezava o “corpo”. O livro denuncia a renúncia da vontade e diz “sim à vida”, em toda a sua plenitude.

Friedrich Nietzsche

Mas quando estava procurando o valor mais atraente para a compra do livro surgiu para mim a imagem de uma capa de LP, de um álbum de uma banda, com um rosto em um fundo branco, muito simples, mas bonito e, curioso, decidi vasculhar um pouco mais para saber de onde veio. A banda se chamava ZARATHUSTRA e era da Alemanha! Ah não hesitei em buscar, ainda mais informações, afinal a banda alemã com um nome que faz referência ao livro do também germânico Nietzche, a combinação poderia ser perfeita e docemente beligerante, apesar de ter, por questões legais, algumas mudanças na grafia do nome da banda.

Quando finalizei a audição do único álbum da banda, lançado em 1972, pelo selo “Metronome”, eu me senti em uma espécie de arrebatamento. Pesado, intenso, solar, versátil, pois trazia hard rock, heavy rock e momentos de progressivo dando uma cadenciada na sonoridade. Mas quando levantei material de pesquisa para construir esse texto li algumas críticas negativas bem pesadas acerca da banda Zarathustra e de seu álbum, dizendo se tratar de uma banda aquém da música que apresentou, dizendo ser cópia barata de bandas como Deep Purple, Uriah Heep, entre outras.

Por favor! Não desejando advogar pela causa da banda, mas precisamos entender que, de uma vez por todas, essas bandas estavam experimentando estilos, flertando com instrumentos e as semelhanças, podemos dizer dessa forma, é mais do que natural, principalmente levando-se em conta o fator cronológico, pois o álbum do Zarathustra é de 1972, onde as coisas eram, digamos, embrionárias. Enfim, no mais temos que, mesmo diante das argumentações e divergências, respeitar as opiniões.

O Zarathustra foi formado em 1969 na cidade de Hamburgo. O álbum, homônimo, vinha na contramão do que se fazia, pelo menos de forma predominante, na Alemanha Kraut. Não tinha absolutamente nada de experimental ou minimalista, típico das bandas precursoras do estilo na segunda metade dos anos 1960. Era hard rock, apesar do uso demasiado dos teclados, daí a semelhança com o Heep e o Purple, talvez, com tendências progressivas e, nessa salada mista, a banda era singular.

O Zarathustra assinou o contrato com o selo, com o selo “Metronome”, em 1971, um selo underground que incentivava as bandas igualmente underground que surgia aos montes na Alemanha. “Zarathustra” traz um som poderoso, agressivo, ao estilo alemão de ser, mas ao mesmo tempo, percebem-se sutilezas sonoras diferenciadas e difícil de definir. Talvez essas indefinições possam trazer dúvidas, mas por outro lado não nos prende a rótulos, passando a nos focar na beleza da música e nas suas qualidades e peculiaridades.

Mesmo que eu tenha, em minha primeira audição, caído no inevitável invólucro do rótulo, peço-lhes desculpas, caros leitores, mas a referida contradição pode se tornar aceitável dada a vastidão das influências do Zaratustra, formando uma massa sonora pesada e sútil, ao mesmo tempo. Podemos considerar “Zarathustra” um clássico obscuro, uma fusão do heavy rock com o rock progressivo.

A formação da banda que gravou “Zarathustra” tinha: Ernst Herzner nos vocais, Wolfgang Reimer na guitarra, vocais e percussão, Michael Just no baixo e vocais, Klaus Werner nos teclados e Wolfgang Behrmann na bateria e percussão.

O álbum abre já com uma excelente música chamada “Eternal Light” com um vocal excelente, melódico, com riffs pegajosos e um órgão meio obscuro. Começa quase a capela com um órgão cavernoso ao fundo.

"Eternal Light"

“Mr. Joker” se mostra também muito pesada, um verdadeiro rock básico, curto e grosso, com riffs de guitarra, com bons solos esculpidos e um hardão poderoso e envolvente, além daquele vocal poderoso e de grande alcance.

"Mr. Joker"

“Past Time” é épica e é um exemplo excelente de hard progressivo que poucas bandas praticavam em 1972, com uma cozinha avassaladora, destaque para a bateria, uma verdadeira catarse sonora.

"Past Time"

“Nightmare” segue a mesma linha hard prog com passagens variando entre peso e o suave com muita presença e qualidade. Alterna doçura enganosa e momentos energéticos com órgão vertiginoso.

"Nightmare"

Sad Woman” é tiro curto de hard rock com pitadas de classic rock. Revela um registo do rhythm 'n' blues com uma ponte celestial e arrebatadora.

"Sad Woman"

E para fechar temos “Ormuzd” que tem a introdução de ruídos sonoros experimentais provocados pelo teclado que mantém em destaque durante toda a faixa com solos simples e diretos de guitarra, mostrando um belo e ousado flerte entre progressivo e hard rock com passagens de tirar o fôlego.

"Ormuzd"

O Zarathustra não resistiu à falta de promoção e a consequente baixa procura por compra de seu material, se desfazendo ainda no ano de 1972. Uma pena que a banda não prosseguiu.

Mais uma raridade oriunda da rica e diversificada cena alemã, mais uma banda obscura oriunda de um dos mais importantes países que abrigou e abriga a música experimental, revolucionária e progressiva do mundo.

Álbum obrigatório! Uma pérola que precisa ser difundida e que certamente, mesmo que pouco conhecida, após a audição deste álbum, chegaremos a conclusão de que é e foi uma referência para o surgimento das bandas de heavy prog ou hard prog em meados da década de 1970.

A banda:

Ernst Herzner nos vocais principais

Wolfgang Reimer na guitarra, vocais e percussão

Michael Just no baixo e vocal

Klaus Werner nos teclados

Wolfgang Behrmann na bateria e percussão

Faixas:

1 - Eternal Light

2 - Mr. Joker

3 - Past Time

4 - Nightmare

5 - Sad Woman

6 - Ormuzd


Zarathustra - Zarathustra (1972)