quinta-feira, 12 de junho de 2025

Hair - Piece (1970)

 

A transição das décadas de 1960 e 1970 para o rock n’ roll foi extremamente importante, porque tínhamos, lá pelo ano de 1967, 1968 e 1969, o ápice do rock psicodélico e o surgimento de algumas bandas que tinham o desejo de trazer uma música mais crua, pesada e agressiva, fugindo do experimentalismo e do “beat” da psicodelia.

E quando os anos 1970 foram descortinados o hard rock estava florescendo, juntamente com a versão, digamos, mais sofisticada do psicodelismo, que era o prog rock. Eram períodos embrionários, de tendências sonoras e fim de outras cenas e muitas bandas flertavam com muitas sonoridades. Estereótipos à parte muitos álbuns que surgiram no final da década de 1960 e início dos anos 1970, mesclavam o rock psych com o hard e o prog.

Eram épocas que não se podia pontuar um álbum como majoritariamente de hard, prog ou psych, as bandas estavam delineando seu som, definindo sua sonoridade, aparando as suas arestas sonoras e se permitiam, apenas, à liberdade criativa, sem se preocupar tanto com os rótulos.

Caro leitor, avaliem, percebam ao ouvir álbuns inaugurais de grandes e famosas bandas, por exemplo, principalmente aquelas que gravaram seus primeiros álbuns nessa transição das décadas e verão que são trabalhos distintos uns dos outros ou verão ainda que essas vertentes sonoras estavam presentes em um só álbum!

E a banda que eu falarei hoje, com o seu único álbum lançado, exatamente no fim de uma década, a de 1960 e o início da outra, a década de 1970, no ano de 1970, trouxe, em seu trabalho, nuances bem definidas de hard rock, de peso, de lisergia, de psicodelia e de rock progressivo. Falo da dinamarquesa HAIR.

A banda foi formada na cidade de Copenhague, capital da Dinamarca, no auge do rock psicodélico, 1967, mas sob o nome de “Second Review”. Naquela época era um “power trio”, inspirando-se na mais famosa banda de power trio” de todos os tempos, o Cream, e tinha, em sua formação Benny Dyhr, na guitarra e vocal, Allan Sorensen, no baixo e vocal e Peter Valentin Rolnes, na bateria e vocal. Esses músicos, todos muito jovens, na faixa dos 20 anos de idade, fizeram vários shows por Copenhague e na Nova Zelândia. Foi nessa época também que eles se juntariam ao crítico musical e letrista Torben Bille.

O Second Review tocava primordialmente uma espécie de “beat progressivo”, aquela música dançante e chapante com viagens psicodélicas e progressivas, com muito experimentalismo. Era basicamente o que se ouvia à época. A banda, por mesmo sendo dinamarquesa, se inspirava na cena psicodélica norte-americana, com nuances britânicas.

Porém mudaria a sua sonoridade quando Paddy Gythfeldt, vocalista, tecladista e vocalista, entrou para a banda, tornando-se um quarteto. Mudaria também o nome da banda, passando a se chamar “Hair”. Como o “antigo” Second Review a cena vigente na Dinamarca sofreram influências do rock psicodélico dos Estados Unidos e da Inglaterra, mas com a nova concepção sonora do agora Hair, a banda passou a destoar da cena local praticando um som mais calcado no hard rock e na sofisticação do rock progressivo que nascia para o mundo lá pelo ano de 1970, aproximadamente.

Hair em 1969

E com uma nova formação, um novo nome e uma nova sonoridade, a banda partiu para o estúdio (não demorou muito) para gravar seu debut. Este foi concebido, foi gravado no “Wifos Studio”, entre abril e junho de 1970, com o nome de “Piece”. A produção de “Piece” teve, a contrário da época do Second Review, um trabalho mais ostensivo de marketing, com muitos shows e uma cobertura grande da imprensa musical e foi lançado, como disse, em 1970, pelo selo Parlophone Records.


O álbum, com isso atingiria o status da produção de rock dinamarquesa mais cara até então. Estava ganhando visibilidade. Para se ter uma noção do tamanho que a banda estava atingindo, vieram, após o lançamento de “Piece”, mais quatro singles, um dos quais, “Happy Child”, chegaria ao sétimo lugar das paradas dinamarquesas!

"Happy Child"


E falando de “Piece”, traz um excelente heavy rock com pitadas generosas de rock psych, típico da virada da década de 1960 e 1970, com toques perceptíveis de rock progressivo em algumas faixas de seu álbum, com viradas de andamento rítmico de tirar o folego, com peso na bateria, com batidas marcadas e pesadas, riffs pesados e grudentos de guitarra, em alguns momentos bem lisérgicos e em uma salutar disputa com o órgão Hammond, com destaque também para os vocais de Paddy Gythfeldt e tudo cantando na língua inglesa. Não sou um entusiasta de comparações, mas remete ao Blue Cheer, ao Iron Butterfly, Cream, entre outras bandas que aspiravam à música pesada já no fim dos anos 1960.

O álbum é inaugurado pela faixa “Coming Through” e já se apresenta animada, com riffs de guitarra mais dançantes, ao estilo soul music, que logo dá lugar a um órgão mais austero e bateria com batida cadenciada. Porém o hard rock, na metade da faixa, ganha destaque com a bateria em outra levada, mais pesada, agressiva, com os teclados ainda ditando o ritmo.

"Coming Through"

“Supermouth” entrega a pegada hard logo no início. Batida forte da bateria, riffs pesados e pegajosos de guitarra. Baixo pulsante. Não podemos negligenciar o trabalho da cozinha, da seção rítmica desta faixa excepcional. Os teclados são animados, cheios de energia.

"Supermouth"

“Dream Song” começa com dedilhados de violão, uma atmosfera acústica, diria pastoral, mas logo irrompe em riffs pesados de guitarra e retorna com a sonoridade mais suave e viajante, agora com solos, embora curtos, mas bonitos de guitarra. Nessa faixa as mudanças de andamento rítmicos ditam as regras. A pegada hard e prog se fazem presentes, além de pitadas psicodélicas. É um som encorpado, orgânico e sofisticado. Sem dúvida uma das melhores músicas do álbum.

"Dream Song"

“Everything's Under Control” começa como um trovão, uma hecatombe de riffs pesados e lisérgicos de guitarra, com bateria dura, pesada e marcada. O vocal no megafone me remete às músicas do rock dos anos 1960, porém com uma pegada mais incisiva e agressiva. Mas não deixa de ter uma pegada pop, um hard rock um pouco mais cadenciado.

"Everything's Under Control"

“Pleasant Street” mostra vocais à capela e dedilhados doces de piano iniciam a música, mas por pouco tempo, porque ela logo explode com uma bateria pesada e rápida que a deixa rude e agressiva, corroborando com riffs de guitarra. Mas o destaque realmente centraliza na batida, quase que contínua, pesada da bateria.

"Pleasant Street"

E fecha, com chave de ouro, com “Piece (Of My Heart)”, que já entrega, na sua introdução um solo direto, mas bem elaborado de guitarra com uma camada de teclados que traz uma pegada psicodélica. A realidade é que eles rivalizam salutarmente entregando um hard psych na medida, na dosagem perfeita. Uma vibe ao estilo Jefferson Airplane. Solos de guitarra, ao longo da faixa, são ouvidos com mais destreza e emoção e, com isso, a música vai assumindo contornos de hard rock. Essa música foi popularizada por Janis Joplin.

"Piece (Of My Heart)"

A banda, após o lançamento de “Piece”, não teve uma longa vida. Chegou a gravar mais singles, cerca de quatro músicas, como disse, mas se desfez em 1971. O tempo de vida muito curto e precoce, lamentavelmente, levando-se em consideração o talento de seus músicos, com uma sonoridade muito espirituosa, bem executada. Eram promissores e ficaram apenas em um único álbum. Eles chegaram a se reunir novamente para gravar as seções do segundo álbum, mas se separariam, em seguida.

Em 1972, o baixista Allan Sorensen e o baterista Peter Valentim se juntariam novamente para formar a banda RiverHorse. A título de curiosidade a origem e a inspiração para o nome da nova banda partiu de uma piada infantil dinamarquesa, que é: “O cavalo do rio tem algo ruim, então não entre”. Peter, que era baterista no Hair, queria mudar para o baixo no RiverHorse e Allan, que tocava baixo, migrou para a guitarra, como começou na sua carreira.

A banda foi muito ativa, entre 1972 e 1976, gravando cerca de 100 músicas, mas tiveram dificuldades para emplacar ofertas de gravadoras dinamarquesas, que optavam por bandas que cantassem no idioma local e em 1976 o RiverHorse sairia de cena. Mas voltaria em 1981 e desde então está na ativa até os dias atuais, produzindo álbuns, fazendo shows pela Dinamarca.

Riverhorse em 1990 e 2001

Em 2004 o selo Walhalla Records faria o primeiro relançamento, no formato CD, de “Piece”, trazendo os singles que foram lançados após o lançamento deste álbum. Teria também um relançamento, também em CD, pelo selo Frost Records, licenciado pela EMI-Medley Records. Há um livreto de 16 páginas escrito pelo crítico de rock dinamarquês Torben Bille, contando a história da banda e da época. Há, porém, um relançamento mais recente, de 2019, pela gravadora Mayfair, que vem com um LP bônus de 25 minutos de seus singles.




A banda:

Paddy Gythfeldt no Órgão, Guitarra, Vocal Principal

Benny Dyhr na Guitarra, vocal

Allan Sorensen no Baixo, vocal

Peter Valentin Rolnes na Bateria, Percussão, vocal

 

Faixas:

1 - Coming Through

2 - Supermouth

3 - Dream Song

4 - Everything's Under Control

5 - Pleasant Street

6 - Piece (Of My Heart) 




"Piece" (1970)