A Itália progressiva sempre descortinou
grandes surpresas sonoras. Infelizmente algumas bandas não tiveram o devido
reconhecimento, sobretudo nos dias de hoje pelo que desbravou no passado, em
épocas de experimentação, de riscos em apostar em aquilo que sempre defendeu
como algo essencial na sua estrutura musical.
Bandas como o CIRCUS 2000 esteve na
vanguarda da música progressiva na Itália e ajudou a construir uma cena que
ainda estava embrionária, em formação, quando ainda muitas das outras bandas
que, na década de 1970, se tornariam influentes, estavam nas ondas do beat
italiano, uma música, embora em voga entre os jovens descolados italianos, mas
que tinha um viés acessível e diria que ingênuo aos ouvidos mais exigentes.
O
Circus 2000 foi formado em 1969 na cidade de Turim e lançou, pelo selo
RiFi, o seu primeiro álbum, homônimo, em 1970, com uma proposta psicodélica,
viajante, lisérgica, com pitadas generosas de folk rock. Tinha uma forte
influência do psicodélico norte americano com uma camada sonora bem estruturada
que também lembrava e muito o hipismo britânico.
"Circus 2000", de 1970
Não era nada experimental, com
aquela sonoridade pouco palatável e minimalista da Alemanha krautrock, era um
som limpo, solar, direto, delicado, mas forte no seu direcionamento. Foi uma
das poucas bandas, juntamente com o The Trip, que tinham músicos ingleses que se
radicaram na Itália, que vislumbraram o pioneirismo, construindo o conceito do
que viria a se convencionar rock progressivo, que eclodiria na Itália em 1972,
aproximadamente, apesar de o clima político ter sido tempestuoso e violento,
não ofertando tantos shows a essas bandas que sofreram, inclusive por se
posicionar assumindo seus lados nessa “guerra”.
O Circus 2000, na sua gênese,
na sua cidade natal, Turim, tocava jazz no “Swing Club”, o que definitivamente
corroborava na sua, embora jovem caminhada, uma maturidade, de músicos jovens e
decididos no que queriam fazer: música avant-garde, era a música italiana em um
nível de progressão.
Nessa época a banda era formada pela vocalista Silvana
Aliotta, Marcello "Spooky" Quartarone na guitarra, Gianni Bianco no
baixo e Roberto Betti na bateria. A banda foi comparada ao Jefferson Airplane
da vocalista Grace Slick, dada a sua proposta psicodélica, mas o Circus 2000
gozava de maior talento e precisão nos seus instrumentos, era um som imperioso.
Uma curiosidade: o lançamento do primeiro álbum da banda, cantado em inglês,
não tinha os nomes dos músicos estampados na capa do disco, o que levou muita
gente a achar que a banda era americana, tamanha era a novidade dessa música no
país da bota. Isso pode ser mensurado e entendido como um capítulo pioneiro no
rock italiano sem sombra de dúvida.
O álbum, como disse, não era de rock
progressivo, mas se notava o quão era especial o Circus 2000. Tanto que no seu
segundo trabalho chamado “An Escape from a Box”, de 1972, é perceptível uma
sonoridade mais complexa, evolutiva, mais elaborada da banda, era o auge do
prog rock na Itália.
Esse será o álbum que falaremos por aqui. Era a prova
contundente de que o Circus 2000 não era a banda psicodélica italiana que
copiou o que se fazia na América, como se pensava. A banda trouxe um som rico,
elaborado, fincado, além do progressivo, como no jazz rock, com generosas doses
de hard rock, um álbum, apesar de curto, versátil e dono de muita, mas muita
personalidade, mas sem deixar totalmente de lado as suas influências
psicodélicas.
No lugar do baterista original Roberto Betti entra Franco
"Dede" Lo Previte “encorpando” ainda mais o som da banda, tendo ainda
Silvana nos vocais, Marcello Quartarone na guitarra e vocal e Gianni Bianco no
baixo e vocal. O álbum é inaugurado com “Hey Man” que ainda trazia os
resquícios do primeiro álbum, com uma pegada meio folk, com lindos dedilhados
de guitarra, uma música a se cantar como se fosse um hino, dada a sua a
proposta mais comercial, mas sem soar pasteurizada.
"Hey Man" (Live)
“You Aren't Listening”
começa com um solo viajante e introspectivo de guitarra com o vocal mais
abafado, seguindo a mesma proposta, mas que vai ganhando força, crescendo com
viradas lindas de bateria e assim vai se alternando, em uma beleza
meticulosamente rítmica. Linda música!
"You Aren't Listening"
“Our Father” traz a banda mais pesada
nesse álbum, com riffs de guitarra mais eloquentes e um vocal, em determinados
momentos, mais rasgados, com levadas jazzísticas excelentes. Uma das melhores
faixas do álbum, sem dúvida.
"Our Father"
“Need” é a faixa mais progressiva do álbum, cheia
de alternâncias rítmicas, riffs poderosos de guitarra, seguidos de solos mais
diretos e competentes. Apoteótica faixa!
"Need"
O álbum finaliza com “When The Sun
Refuses To Shine” com uma viagem psicodélica, meio sombria, experimental diria,
mas momentos mais enérgicos protagonizados pela bateria vivaz e altiva.
"When The Sun Refuses To Shine"
Embora
a banda tenha capturado mais atenção neste excelente segundo trabalho, ganhando
competições musicais em Roma, como o "Festival d'Avenguardia" e também o "Nuove
Tendenze", dividindo a vitória com o Banco del Mutuo Soccorso, não ganhou muitos
olhares de interesse. Com um novo baterista, Louis Atzori, o Circus 2000
começou a gravar algumas músicas para um novo álbum, mas o selo queria que
fosse mais inspirado no rock e a banda decide se separar.
As únicas faixas
dessas gravações mostrou uma música menos agressiva do que no passado. Então a
gravadora RiFi ofereceu a Silvana um contrato solo, como “Silvana dei Circus
2000”, com os próprios músicos do Circus 2000 como banda de apoio, mas não deu
certo.
Aliotta colaborou como cantora e percussionista com alguns artistas
italianos mais populares, entre eles Mina, Edoardo Bennato, Adriano Celentano,
formando o trio Le Streghe, depois se dedicando à atividade de professora de
canto.
O baterista original, Betti, fundou o pequeno selo Shirak e formou o
Living Life com o guitarrista Quartarone. O outro baterista da banda, Franco Lo
Previte, tocou com Duello Madre, Nova e Kim & The Cadillacs, falecendo em
2014.
Uma banda que fez música de vanguarda e que esteve a frente do seu tempo
e que não se condicionou ao óbvio e que merece o crédito por seu feito
importante para a história do rock progressivo italiano.
A banda:
Silvana Aliotta no vocal e
percussão
Marcello Quartarone na
guitarra e vocal
Gianni Bianco no baixo e
vocal
Franco Lo Previte na bateria
Faixas:
1 - Hey Man
2 - You Aren't Listening
3 - Our Father
4 - Need
5 - When The Sun Refuses To Shine
"An A Escape From a Box" (1972)