terça-feira, 24 de janeiro de 2023

Ave de Veludo - Elétrico Blues (1984)

 

Sabe aquela coisa rodriguiana de “complexo de vira-latas”? Nada contra os cachorros e me desculpe Nelson Rodrigues, mas aprecio os vira-latas, são animais adoráveis e ser comparados aos mesmos não é nada pouco depreciativo, muito pelo contrário.

Mas não é exatamente sobre essas questões que eu gostaria de falar, é nada mais, nada menos do que uma simples metáfora, pois temos uma triste mania de se auto depreciar, de nos reduzir!

Essa triste cultura de “aculturar” todas as manifestações artísticas desse país! E sempre optar pelo “produto importado” com o famigerado e raso discurso de que o que há de melhor está nos países “desenvolvidos” dando a entender que somos selvagens que são incapazes de se manifestar criativamente.

Esse blog vem desenvolvendo em mim, a cada dia, uma confirmação exemplar no sentido de que há sim grandes bandas de rock n’ roll brasileiras obscuras que caíram e caem em um profundo ostracismo, além do conservadorismo premente da nossa indústria fonográfica, como também pelo nosso puro e triste genuíno preconceito, descaso com a nossa cena rock.

E não se engane, caro leitor, de que a rica cena obscura do rock brasileiro está datada, se limita aos prolíficos anos 1980. Não se enganem! Temos cenas nos anos 1980, 1990 e até das décadas de 2000! Bandas que, na sua gênese, é obscura.

E os meus intensos garimpos está surtindo efeito, não sob o aspecto quantitativo, mas qualitativo. Ah quantas bandas brasileiras que vivem no submundo do descaso e da intolerância que mereciam a luz! A banda de hoje é especial e é tida como uma das pioneiras do blues rock no Brasil e era baseada em São Paulo, onde a cena rock, em sua diversidade, era mais pulsante, mais forte e ainda assim há aquelas que caíram nos porões empoeirados do esquecimento. Falo do AVE DE VELUDO.

O Ave de Veludo foi formado no final dos anos 1970 e, como muitos casos, sofreu para gravar o seu primeiro rebento, afinal, bandas undergrounds nesse país, como em muitos outros também, não tem como negar, com uma sonoridade pouco ortodoxa e original verdadeiramente padece.

Antes de existir o Ave de Veludo, o guitarrista Ney Prado e o baixista Paulinho Prado tinham outra banda, chamada “Abaixo Assinado”. Roberto Boscolo era o vocalista e o baterista era o Olavo.

Quando a banda acabou todos continuaram amigos e quando o Ave de Veludo foi concebido, Roberto, o vocalista, embora não tenha feito parte do Ave de Veludo, participou da produção de todos os shows da banda, fazendo a iluminação e efeito, inclusive do disco que lançaria em 1984, o único da banda, chamado “Elétrico Blues”.

E falando em shows foi no início dos anos 1980 que o Ave de Veludo deu os seus primeiros voos, realizando alguns shows que lhe conferiu o título de uma das primeiras bandas brasileiras de blues rock, se destacando fortemente em terras paulistas.

Em abril de 1980, no extinto Teatro Idema, em São Paulo, o Ave de Veludo fazia as suas primeiras apresentações de um “blues eletrificado” com o peso de hard rock. Na época a banda era uma formada por: Paulinho Padro, no baixo, Ney Prado na guitarra e Sérgio Tenório, na bateria.

Com essa formação o Ave de Veludo agradou muitas noites nos teatros do Bixiga, Cenarte, Oficina e o Teatro Procópio Ferreira, em São Bernardo do Campo.

Com essa formação o Ave de Veludo agradou muitas noites nos teatros do Bixiga, Cenarte, Oficina e o Teatro Procópio Ferreira, em São Bernardo do Campo.

Em julho de 1981, em uma apresentação no Teatro Cenarte, sentiram a necessidade de mais um elemento na banda, então o Ave de Veludo decidiu recrutar um vocalista que era apaixonado por blues. A entrada de Índio, nos vocais, foi impactante, preponderante para uma mudança na vertente, navegando, além do hard rock, como também no blues rock.

Mexeram nos arranjos das músicas, dedicaram-se intensamente nos ensaios e fizeram, em curta temporada, no Teatro das Nações Unidas, com grandes e poderosos shows, seguindo para festivais e algumas apresentações na extinta “Praça do Rock”, no Jardim da Aclimação, em São Paulo, onde sempre foram muito aplaudidos.

O Ave de Veludo, com essa nova formação, bem como concepção sonora, evoluiu muito como banda, graças também aos shows que lhe conferiam experiência e força para um aguardado lançamento de álbum, pois já possuía algumas faixas, prontas para ganhar o mundo, para se tornarem oficiais.

Até que finalmente, em 1984, conseguiu, por intermédio do selo “Baratos e Afins” gravar seu primeiro trabalho chamado “Elétrico Blues”. Um título mais do que sugestivo e pertinente para a sua vertente sonora.

A “Baratos e Afins”, aos desavisados, é uma produtora e gravadora, que foi fundada em 1978, situada na Galeria do Rock, em São Paulo e foi criada pelo lendário produtor Luiz Calanca. Inicialmente era um sebo de discos que logo se tornou loja e ponto de encontro e referência para a comunidade independente da música brasileira.

Luiz Calanca

“Elétrico Blues” misturou uma levada hard rock ao estilo, com riffs de guitarra personalizados em uma sonoridade rústica, o que conferiu muita originalidade ao trabalho. Além da originalidade, o Ave de Veludo talvez tenha sido a primeira banda de blues do Brasil a gravar um álbum com todas as canções cantadas em português, o que a torna a matriarca do estilo aqui nas terras tupiniquins.“Elétrico Blues” mostra, basicamente, o blues com muito peso de rock. As letras falam da vida, fugas, sonhos e paz.

A formação da banda em “Elétrico Blues” trazia: Ney Prado, na guitarra, que se aperfeiçoou em violão no conservatório Tupinambá, com formação no blues ao clássico e foi um dos principais compositores da banda. Paulinho Prado, no baixo, estudou violão na Faculdade de Artes e Academia Paulista de Violão onde se aperfeiçoou em contrabaixo, com formação jazzística, sendo arranjador da banda. Sérgio Tenório, na bateria, que estudou, por muito tempo, no grupo AMA, cursando teoria e percussão na Fundação São Caetano do Sul, sempre tocando em bandas pop e jazz rock. José Carlos Gianotti (Índio), nos vocais. Cantou em várias outras bandas e sempre foi autodidata, ouvindo cantores de blues americanos e ingleses, compondo também as músicas do “Elétrico Blues”.

O álbum é inaugurado com “Blues Meu Amigo” e traz, para variar, o peso do hard rock com o blues, com solos mais simples de guitarra, mas bem grudentos, solares, com baixo pulsante e bateria marcada. A sequência tem “Olhos Acesos” já traz alguma psicodelia, uma sonoridade mais chapante, lisérgica, mas com peso, em uma junção poderosa de hard psych típico dos anos 1960/1970.

"Blues Meu Amigo"

“Lamento Blues” entrega exatamente o que sinaliza o seu título! Um blues melódico, melancólico, com um vocal dramático e sombrio, personificando a mensagem da excelente letra que parece em teimar em ser atemporal. Solos poderosos de guitarra, nos remete ao Led Zepellin em sua veia mais blueseira. “Que choque que eu levei” talvez seja uma das faixas mais pesadas do álbum, com riffs pesados de guitarra, bateria ritmando em tons agressivos, baixo seguindo o compasso, a faixa mais “hard” do álbum!

"Lamento Blues"

“Campos de Aço” segue basicamente a mesma proposta da faixa anterior, com muito peso e irreverência, com riffs e solos diretos de guitarra sinalizando, inclusive, para uma pegada mais heavy metal, imprimindo alguma velocidade, ritmicamente falando.

"Campos de Aço"

O blues volta à cena em “Desabafo Blues” e traz um arranjo similar ao de “Lamento Blues”, com uma sequência sombria, apocalíptica, mas poderosa e cheia de intensidade emocional. Vale destacar também o vocal límpido e competente. “Seus sonhos, meus pesadelos” é mais voltado para o hard rock, mas com um viés um pouco voltado para algo mais comercial, algo acessível contorna essa música. E fecha com “Lendas das Aves” que abre com uma bateria mais jazzy, mais jazzística, que implementa o ritmo, que dita as “regras” da música que, vagarosamente descamba para um hard rock mais cadenciado.

"Desabafo Blues"

"Seus Sonhos, Meus Pesadelos"

"Lendas das Aves"

Em 1996 “Elétrico Blues” foi remasterizado para CD, pelo produtor da “Baratos e Afins”, Luiz Calanca, sendo incluído 4 músicas com a formação de trio do Ave de Veludo nos primórdios, com Paulinho assumindo os vocais e dois “extras tracks”, “Andarilho” e “Onde Erramos”, gravados ao vivo no “Projeto S.P”, na festa de 10º Aniversário da Baratos Afins.

Definitivamente uma grande banda. A despeito das condições de produção, o som é coeso, a banda é coesa, a sinergia entre os músicos é impressionante, com a uma fantástica interação entre os instrumentos em todos os sentidos. Grandes músicos, com histórico de estudos e aperfeiçoamentos, mesclados à boas ideias melódicas e rítmicas, esse era o Ave de Veludo. Que possamos nos permitir abrir a mente, acalentar o coração contra a intolerância sonora, e ouvir o que há de melhor do rock brasileiro.



A banda:

Índio no vocal

Ney Prado na guitarra

Paulinho Prado no baixo

Sérgio Tenório na bateria

 

Faixas:

1 - Blues Meu Amigo

2 - Olhos Acesos

3 - Lamentos Blues

4 - Que choque que eu levei

5 - Campos de Aço

6 - Desabafo Blues

7 - Seus Sonhos, Meus Pesadelos

8 - Lendas das Aves


Ave de Veludo - "Elétrico Blues" (1984)






























domingo, 15 de janeiro de 2023

Ticket - Awake (1972)

 

Auckland, Nova Zelândia, 1970. Alguns jovens, talvez os primeiros, decidem fazer rock n’ roll. Um rock n’ roll inspirado no hard rock, na psicodelia ou até algo mais experimental ou ainda um pouco de cada, como Jimi Hendrix, Cream, Black Sabbath. Os sons que trovejavam na cena rock daquela época.

Não sabiam que, com essa determinação, seriam os desbravadores do rock na Nova Zelândia. Mas rock na Nova Zelândia? Sim, havia uma cena por lá, embora ainda pequena, com pouquíssimas bandas, no máximo que se via ou ouvia eram bandas mais pop, com um viés mais comercial, baseado nos Beatles, nos anos 1960.

É o que eu sempre costumo dizer: o universo do rock é vasto e inexplorado. A música é universal, por isso é forte e resiste com o tempo. E conhecer e ouvir uma banda neozelandesa é digno de privilégio.

Mas voltando aos anos 1970 em Auckland, essa cidade seria testemunha do nascimento não só de uma banda, mas talvez do rock em todo o país. Falo do TICKET.

Ticket

O Ticket teve o seu embrião com o guitarrista Eddie Hansen que surgiu na cena musical em 1970 com uma banda chamada “Revival” que também tinha o vocalista Craig Scott. Quando Craig decidiu sair da banda, em abril de 1970, o Revival se separou.

Eddie deixou a cidade em que o Revival estava baseado, Christchurch, e foi para Auckland. Lá ele esperava que fosse encontrar maiores oportunidades de dar sequência a sua carreira no rock. Ele aceitou tocar com uma banda local chamada “Challenge”, que também estava no fim dos seus dias, apesar de ter emplacado alguns sucessos.

Logo ele percebeu que compartilhava um interesse comum em algumas vertentes do rock que estava em voga naquela época com o baterista da banda, um tal Ricky Ball. Curtiam e conversavam muito sobre Jimi Hendrix, Cream, The Doors etc. Como o Challenge não ia muito bem das pernas decidiram sair e formar uma nova banda com base nas suas predileções.

Eddie e Ricky decidiram procurar por alguns músicos que se adequassem ao estilo que curtiam, que tivessem interesses semelhantes aos seus e encontrou Paul Woolright para tocar baixo e Trevor Tombleson para os vocais e percussão.Com essa formação a Ticket nasceu em maio de 1970.

Ricky Ball começou a sua história na música tocando em uma banda chamada Beatboys, depois outra chamada Courtiers, antes de se tornar integrante do Challenge, ou seja, já tinha alguma experiência na música antes de formar o Ticket, embora nada se compare ao que fizeram com a última.

Trevor Tombleson tocou baixo no “Moses and The Munks”, em 1965, antes de ingressar no “Jamestown Union”. Começou uma carreira solo em 1967. Tornou-se amigo de Ricky e essa amizade se desenvolveu, com o próprio Ricky Ball pedindo a Trevor para se juntar ao Ticket.

Banda formada! Agora o próximo passo é arranjar local para fazer shows, se apresentar. Missão difícil! Precisava buscar alguém que conhecesse donos de casas de shows para conseguir encaixar a Ticket ou buscar os donos diretamente, mas muitos dos integrantes da banda não conheciam Auckland para tal.

Mas graças ao currículo dos músicos, alguns deles já contavam com alguma “rodagem” conseguiram alguns shows em Auckland, mas não conseguiam shows suficientes para pagar as contas, para sequer sobreviver da música.

Eddie Ligou para um tal Trevor Spitz, em Christchurch, para ver se conseguia mais locais para tocar. Trevor, também músico, estava tocando com uma banda chamada “Four Fours” e quando os deixou, em 1966, conseguiu um emprego como gerente da boate de um cara chamado Phil Warren em Christchurch. Esta boate foi o local que a sua antiga banda, Revival, tocou em algumas ocasiões.

Trevor Spitz pediu a Eddie para passar uma fita demo com algumas músicas e finalmente conseguiu um dia para a Ticket tocar, mas em outro local em Aubreys, também em Christchurch.

E foi em Aubreys que a Ticket desenvolveu seu som, sua música. Lá foi um divisor de águas para aqueles jovens músicos, uma guinada radical, eles nunca tinham feito nada como aquilo em suas carreiras em outras bandas anteriormente. E esse feito foi de suma importância para cena rock da Nova Zelândia, afinal mal eles sabiam que estavam escrevendo a história do rock n’ roll naquele país tão isolado no referido estilo.

Em meados de 1971 Aubreys estava começando a ficar pequena para a Ticket. A banda estava ganhando, conquistando muitos fãs em outros centros de South Island. Então a banda decidiu seguir para o norte. Sua reputação os precedeu e os shows em universidades a longo do caminho foram bem recebidos. A banda estava ganhando corpo, estava ganhando projeção, cresciam seu som na mesma proporção em que ganhavam seguidores, fãs.

Em Auckland a Ticket chamou a atenção de alguns promotores de eventos como Barry Coburn e Robert Raymond, uns caras conhecidos nessa cena local. Com toda uma estrutura promocional a banda foi atração principal da Convenção Nacional de Blues Rock de Coburn-Raymond, realizada na Wellington Opera House. Isso atraiu muita gente e também foi transmitido ao vivo pelo rádio.

Em outubro de 1971 o primeiro show internacional ao ar livre da Nova Zelândia aconteceu e também foi o primeiro show de Elton John em Western Springs, em Auckland. A vaga para a banda de abertura foi concorrida e a Ticket fez sucesso, garantindo a mesma e fazendo muito sucesso tocando para 20.000 pessoas. Além desse show importante a Ticket conseguiu dividir palcos com Jerry Lee Lewis, Daddy Cool e o Black Sabbath no Great Ngaruawahia Music Festival. 

Coburn também tinha sua própria gravadora, a “Down Under”, então, mais uma vez com a sua influência, a Ticket gravou e lançou seu primeiro single: "Country High"/"Highway of Love". Na realidade o single foi lançado pelo selo “Ode”. Eles foram bem-sucedidos, passando cinco semanas nas paradas nacionais em dezembro de 1971, chegando na posição 12 das paradas, algo incrível para uma banda underground com uma sonoridade totalmente arrojada na cena neozelandesa até então. 

O single seguinte “Dream Chant"/"Awake”, foi lançado pelo selo “Down Under”, porém sem muito sucesso comercial, embora “Dream Chant” tenha sido uma das músicas mais populares nos dias da Ticket em Aubreys. E finalmente em 1972 vem ao mundo o seu primeiro álbum, “Awake”, em maio de 1972, álbum este alvo de minha resenha de hoje. “Awake” foi produzido por Frank Douglas no HMV Studios e lançado pelo selo “Ode”.

Um terceiro single, "Stoned Condition"/"Then You'll Fly" foi lançado pela “Down Under”, mas foi banido pelo NZBC. Em junho de 1972 a Ticket foi para a Austrália, pois tinha conseguido uma residência de um mês no Whiskey-Go-Go de Sydney. A reação nessa casa de show superou as expectativas e em vez de retornar à Auckland, eles ficaram por mais tempo em terras australianas, graças a Robert Raymond, um promoter de Sydney, que garantiu a banda outra residência em outra casa, no “Chequers”, com shows lotados e bem-sucedidos.

E esse tempo que estiveram na Austrália mais um single foi lançado por lá, "Awake"/"Country Radio", pela “Atlantic”. A banda conquistou mais fãs por lá e outros shows foram acontecendo. Curtiram tanto a Austrália, os fãs e os shows que decidiram gravar seu segundo álbum, o “Let Sleeping Dogs Lie”, no final de 1972. Este foi autoproduzido e gravado no estúdio do “Channel Nine”, mas isso é outra história.

"Let Sleeping Dogs Lie" (1972)

Vale como curiosidade outro fato com a Ticket: eles foram a única banda a emplacar duas músicas na trilha sonora do filme “Morning of the Earth”, uma das referências cinematográficas de surf.

Mas voltando para o debut “Awake”, este entrega um hard rock com viés comercial e radiofônico para algumas músicas e pitadas generosas de rock psicodélico, mas o carro chefe é a música pesada, o classic rock.

A formação da Ticket em seu primeiro álbum, “Awake”, de 1972, tinha, portanto, os músicos: Eddie Hansen na guitarra, Ricky Ball na bateria, Paul Woolright no baixo e Trevor Tombleson na percussão e vocais.

O álbum é inaugurado com a faixa título, “Awake”, que começa austero, solene, com algum toque lisérgico, mas segue um viés mais hard, um pouco cadenciado, mas ainda assim pesado, com intervalos bem dançantes com guitarras bem swingadas que estimula o ouvinte a dançar.

"Awake"

“Highway of Love” começa meio jazzística, bateria cheia de viradas envolventes, um baixo pulsante e cheio de groove, com riffs de guitarra meio pegajosos. Uma faixa bem solar e animada e com algumas “tendências’ mais radiofônicas.

"Highway of Love"

“Dream Chant” me remete, sobretudo com os riffs de guitarra, a algo meio country, uma inspiração da música de raiz estadunidense, mas que irrompe em algo mais psicodélico tendo no vocal, melódico e dramático, a sua principal textura. Em dado momento a música ganha mais peso, mais velocidade e aquela pegada dançante também ganha destaque.

"Dream Chant"

Segue com “Broken Wings” talvez seja a mais comercial, mais pop do álbum, a guitarra meio funkeada dá o tom, a cozinha concede o ritmo que impõe a ordem dançante, muito comum em “Awake”, mas traz solos mais elaborados trazendo à tona o rock, com levadas mais para o surf music também, mas logo se instaura uma viagem psicodélica.

"Broken Wings"

“Country High” segue a proposta da guitarra swingada, a bateria, marcada, traz um ambiente solar, com muita vivacidade ao som, com solos de guitarra diretos, mas bem executados.

"Country High"

“Reign Away” traz o álbum de volta ao hard rock, um hard puro, que varia entre o cadenciado e a velocidade marcada por muito peso e intensidade. Vale ressaltar a “cozinha” que dita, com maestria, o ritmo.

"Reign Away"

E fecha com “Angel on my Mind”, talvez uma das grandes faixas de “Awake” que traz o psicodélico ao destaque, com uma guitarra lisérgica, que entrega uma sonoridade viajante e, por vezes, contemplativa.

"Angel on my Mind"

Em 1973 a Ticket havia se dissolvido, mesmo com a sua visibilidade e shows lotados e em boas casas de shows. Tombleson mudou seu nome para Trevor Keith e teve uma breve passagem pela Keef Hartley Band, da Inglaterra, em meados dos anos 1970 e mais tarde tocou em uma banda de Melbourne chamada Monsoon.

Eddie Hansen havia se convertido a Hare Krishna nessa fase, resultado de sua estreita amizade com Harvey Mann. Tocou, em 1974, com a “Band of Light”, mas em 1975, lá estava com seu amigo, Harvey, com a sua banda Living Force, fazendo uma longa turnê pela Nova Zelândia, antes de se mudar permanentemente para a Austrália.

Woolright e Ball reapareceram em bandas populares da Nova Zelândia como Pink Flamings e Hello Sailor. Em 1980 Paul, Ricky e Eddie acabaram todos, ao mesmo tempo, em Beaver.Vale como curiosidade que a Ticket serviu de banda de apoio para Lindsay Marks em 1973.

No final de 2010 “Awake” foi relançado em CD pela primeira vez pela gravadora australiana “Aztec”, em um pacote de luxo que incluía o disco original remasterizado, singles e faixas bônus e um livreto com fotos e uma história detalhada do grupo.

Para marcar a reedição a Ticket se reformulou pela primeira vez em mais de 30 anos de hiato e fez uma série de shows no ano passado em Christchurch e Auckland, regiões onde a banda fez seus primeiros shows no início dos anos 1970. “Awake” foi remasterizado por Gil Matthews com o encarte do notável escritor neozelandês Nick Bollinger.

Ticket traz uma sonoridade forte, sedutora, envolvente e pesada! Fantástico álbum, fantástica banda que, mesmo não tenha tido uma longevidade, construiu a história do rock n’ roll na Nova Zelândia levando o hard psych para aquele país. Banda altamente recomendada!



A banda:

Eddie Hansen na guitarra

Ricky Ball na bateria

Paul Woolright no baixo

Trevor Tombleson na percussão e vocais

 

Faixas:

1 - Awake

2 - Highway of Love

3 - Dream Chant

4 - Broken Wings

5 - Country High

6 - Reign Away

7 - Angel on my Mind



Ticket - "Awake" (1972)


Versão para DOWNLOAD dos dois álbuns do TICKET segue nest link aqui!




















 












 


terça-feira, 3 de janeiro de 2023

Yezda Urfa - Boris (1975)

 

Por isso que se costuma dizer, com razão, de que é mais relevante se fazer homenagens para as pessoas em vida. Morto não é interessante fazer, afinal seria muito mais legal fazer com a ciência do homenageado.

Mas como muitas bandas cujas histórias protagonizam este humilde e reles blog narram as agruras, as dificuldades de músicos que, ao longo de suas carreiras nas bandas que construíram, passaram sem o mínimo de reconhecimento, de apoio por parte da indústria fonográfica.

Mesmo assim sobreviviam, seguiam a duras penas, é verdade, sendo vilipendiada, esquecida. Porém outras tombavam no meio do caminho. E algumas delas, mesmo sem sucesso comercial, deixaram uma marca na história do rock n’ roll, servindo de referência, inspiração, diante de tanta persistência, empenho, tudo em prol da música que sempre acreditaram.

Hoje tomei conhecimento da morte de um músico grandioso e muito importante, em seu instrumento, na sua geração, para o rock progressivo dos Estados Unidos. Morreu o baterista Brad Christoff, da seminal e obscura banda YEZDA URFA.

Brad foi relevante e importante para a sua época lá em meados dos anos 1970, foi um excelente percussionista, um grande baterista e marcou, com sua destreza e competência a frente das baquetas do Yezda Urfa, a cena progressiva norte americana, sobretudo, claro, a underground cena progressiva daquele país.

Diferente da cena progressiva nos principais centros do rock progressivo na Europa, a cena estadunidense não despertou tanto interesse por parte dos executivos das grandes gravadoras deste país, embora gozasse de uma plena e ativa cena com grandes bandas e o Yezda Urfa era um dos seus principais representantes, embora, em seu nascimento, não teve tanta audiência por parte dos poderosos da indústria.

E a banda, nascida em Chicago, lá pelo ano de 1973, no outono deste ano, tinha que competir com o punk, o glam rock que, apesar de bem alternativo nos Estados Unidos, tinha maiores olhares interessados do que a cena progressiva que, comercialmente falando, na metade da década de 1970, 1975, aproximadamente, estava perdendo fôlego. Mas quando que o progressivo de fato ganhou popularidade, aquela bem estrondosa? Teve alguns momentos de visibilidade, com os medalhões, mas que logo perdeu interesse por parte dos poderosos da indústria fonográfica.

Yezda Urfa

E foi em 1975 que o Yezda Urfa lançaria seu primeiro álbum, “Boris”. Na realidade “Boris” tinha mais um caráter de uma “demo”. Sim, não era propriamente um álbum lançado por uma gravadora de forma oficial. Afinal as músicas contidas neste trabalho foram bancadas com o dinheiro dos músicos, eles financiaram o lançamento, o debut do Yezda Urfa. Reza a lenda que quando os músicos estavam com as músicas prontas e gravadas em “Boris”, eles correram atrás de gravadoras para lançar oficialmente o trabalho, mas nada, ninguém se interessou pelas músicas. E os caras peregrinaram também, iam de porta em porta de gravadora oferecendo a sua arte, não recebendo nenhum tipo de interesse por parte da indústria, preocupada com músicas curtas e pasteurizada por modismos.

Lançada de forma independente, “Boris” teve apenas 300 cópias prensadas. Reza a lenda que a banda mandou seu material para mais de 300 gravadoras e pasmem, nenhumas delas quiseram assinar contrato e financiar o Yezda Urfa. Quando viajaram para Nova Iorque os caras da banda tentaram apresentar pessoalmente sua arte, mas sequer quiseram conhecer a banda.

Mandaram também seu material para algumas estações de rádio e poucas também se interessaram, mas, para sorte da banda algumas rádios pequenas e com um viés underground decidiram tocar “Boris” na íntegra, o que fez com que a banda conseguisse o mínimo de visibilidade para pelo menos fazer alguns shows, conseguir alguns shows para divulgar seu debut.

E diante desse cenário caótico pela qual o Yezda Urfa passou no início de sua história e na concepção de seu trabalho e consequente e difícil tentativa de difundir sua arte, buscando alguém que os ajudasse a catapultar seu trabalho a gente certamente se pergunta: Mas o que teria acontecido? O que teria faltado para não gerar interesse da indústria e dos donos de rádios espalhados pelos Estados Unidos? A música? Seria uma textura sonora pouco compreendida? Complexa em tempos de simplicidade do punk?

As perguntas são muitas, as conjecturas igualmente excessivas por conta de respostas quase que inexistentes diante de tanto desprezo pelo Yezda Urfa. O som de “Boris” é de fato pouco ortodoxo e não gozava de estereótipos, de dependência por determinado estilo, embora a banda tenha trafegado nos escombros de uma cena progressiva vilipendiada, mas navegava em um conceito eclético, de extravagância. Nele se ouvia progressivo, se ouvia hard rock, pitadas experimentais eram percebidas, pegadas jazzísticas. Era uma sonoridade rica, que fugia a zona de conforto de estilos e extremamente a frente de seu tempo.

A banda, em “Boris” amava os contrastes e faziam isso de uma forma tão verdadeira, a sua música exalava verdade, a verdade da banda e não permitia que a espontaneidade fosse superada por uma espécie de inventividade artificial. Assim era o Yezda Urfa.

Seria a rejeição pelos poderosos da indústria pelo nome da banda? A banda nasceu pouco ortodoxa e começou pelo seu curioso nome. Diz a lenda que, lá pelos longínquos anos 1970, em 1973 quando a banda foi formada, os seus integrantes estavam procurando um nome e folheando dicionários, livros e enciclopédias, para ter aquele lampejo de ideia encontrou dois nomes de cidades: a primeira se chama Yezd, que fica no Irã e a outra Urfa, na Turquia. Viram que criava um impacto e juntou as mesmas se transformando em Yezda Urfa. Não se sabe se o nome foi um dos impedimentos pelo desinteresse generalizado.

O fato é que “Boris” mesmo sendo concebido de uma forma, diria, quase que artesanal e bancada pelos seus integrantes, deixou uma marca indelével na história do rock progressivo norte americano. E aí vem a pergunta: Como dizer que deixou uma marca se não atingiu êxito comercial? Mas a questão aqui não é êxito comercial, não é sucesso, é reconhecimento, mesmo que tardiamente, pela sua importância para a cena progressiva dos Estados Unidos, por desbravar a cena com tanta dificuldade e deixar um caminho livre para tantas outras bandas das novas gerações.

Uma espécie de inspiração para todos os jovens músicos com a mensagem de que se pode fazer o que acredita, sem se vender e brigar arduamente por isso e não se permitir arquear sem lutar. E além de hard rock, prog rock, jazz rock e tudo o mais que se pode ouvir em “Boris”, não é difícil perceber nuances de folk e psicodelia em sua textura sonora.

E por falar em grandes músicos e inspiradores, não podemos negligenciar os artistas. E a formação do Yezda Urfa, quando lançaram “Boris” contava com: Rick Rodenbaugh nos vocais, Mark Tippins na guitarra acústica e elétrica, banjo e backing vocals, Phil Kimbrough nos teclados, sintetizadores e backing vocals, Marc Miller no baixo e backing vocals e Brad Christoff na bateria e percussão.

O álbum é inaugurado com a faixa “Boris and His 3 Verses (including Flow Guides Aren't My Bag)” que traz algo de psicodélico em mescla com um pouco de folk rock, mas que logo irrompe em um enérgico teclado com a bateria marcada e pesada, que contrasta com lindos dedilhados de violão em uma passagem mais acústica e introspectiva. Uma sonoridade incrível, viajante, energética e emocionante.

"Boris and His 3 Verses (Including Flow Guides Aren't My Bag)"

Segue com a “Texas Armadillo” traz a dobradinha incrível da bateria, marcada e possante com os teclados fortes, nervosos, mas o baixo também não fica atrás, preenchendo essa narrativa sonora ao estilo galopante, pulsante. Remete-me um pouco ao blues rock, em alguns momentos, trazendo também algo de hard rock mais cadenciado.

"Texas Armadillo"

“3, Almost 4, 6 Yea” traz uma combinação de vibrações sonoras que lembra algo como Emerson, Lake & Palmer naquele frenesi, algo mais passional e pulsante, um peso que harmoniza muito bem com um rock mais sinfônico, ao estilo Yes que logo se vira para algo mais clássico e austero. A impressão que tenho sobre essa linda faixa é de muita complexidade, mas que, ao mesmo tempo, se revela orgânica, viva, intensa, com a participação incrível dos instrumentos, dos músicos, mostrando que os caras sabiam muito bem o que estavam fazendo, não era nada aleatório, por ser eclético.

"3, Almost 4, 6, Yea"

Na sequência temos “Tuta In The Moya & Tyreczimmage” que logo de cara apresenta um lindo bandolim com guitarras fortes e potentes, com riffs interessantes, linhas de baixo fenomenais, a bateria, mais uma vez, empolgante, de tirar o fôlego, com teclados e sintetizadores que criam uma atmosfera, por vezes sombria, por vezes contemplativas, com passagens lindas de flautas e um vocal limpo, transparente, altivo. A apresentação nessa faixa é orgânica, mas virtuosa também, com melodias agradáveis. Uma faixa brilhante!

"Tuta In The Moya & Tyreczimmage"

E fecha com a música “Three Tons Of Fresh Thyroid Glands” onde se nota uma representação firme e fiel do rock progressivo, genuíno e bem executado, com virtuosismos, tempos de músicas incomuns, viradas de ritmo de tirar o fôlego, com mudanças de andamento exigindo ao máximo o talento dos instrumentistas. Uma faixa enérgica, mas que trazem momentos acústicos. Uma música rica, gigante, edificante.

"Three Tons of Fresch Thyroid Glands"

O Yezda Urfa, após o difícil lançamento do seu primeiro trabalho, de forma independente, “Boris”, em 1976 decidiu gravar, também de forma autofinanciada o seu segundo álbum chamado “Sacred Baboon”. Mais uma vez ninguém queria gravar o segundo trabalho da banda e assim se repetiria o total desprezo pela arte sonora, viva e latente, do grande Yezda Urfa.

"Sacred Baboon" (Gravado em 1975, mas lançado em 1989)

“Sacred Baboon” trazia algumas versões modificadas e aperfeiçoada de “Boris” com material inédito também, mas ninguém queria gravá-lo. Até que um dia finalmente uma gravadora, a Dhama Records, se interessou em gravar “Sacred Baboon”.

Os caras do Yezda Urfa estavam finalizando o álbum quando a proposta da Dhama Records chegou de forma positiva e quando ele foi concluído, o selo, que passava por problemas financeiros, queria que bancasse os custos de produção do disco. Mais uma vez o Yezda Urfa voltou a estaca zero. Não aceitaram a condição e decidiu seguir seu caminho.

Em 1976

Continuou, bravamente, fazendo shows, se apresentando até o ano de 1981. Os shows eram escassos, tentavam persistentemente buscar um sucesso comercial, inclusive continuaram compondo, mas desistiram de continuar e assim decretou-se, naquele ano, o fim do Yezda Urfa.

Em 1989 a banda foi redescoberta pelo selo Syn-Phonic que finalmente, depois de quase duas décadas desde a sua formação, reconheceu o talento e a importância do Yezda Urfa para o rock progressivo norte americano e decidiu relançar seus dois álbuns de estúdio, graças também aos abnegados fãs e apreciadores da música da banda que, de alguma forma ou de outra, disseminaram seus trabalhos, gerando um futuro interesse da Syn-Phonic.

Capa de "Boris" com o relançamento

Esses relançamentos, que também aconteceram em 2004 e 2012, no formato CD, estimulou o retorno do Yezda Urfa aos palcos, acarretando, inclusive em um lançamento ao vivo, em 2004, chamado “Live NEARfast” em um show fantástico mostrando que a banda ainda gozava de vitalidade e força. Cabe uma curiosidade: Em um dos relançamentos, nos encartes do álbum, foram colocadas todas as respostas negativas, por escrito, das gravadoras que a banda enviou o seu trabalho, “Boris”.

"Live NEARfast" (2004)

Precisou uma árdua, longa e tortuosa caminhada para que o Yezda Urfa fosse reconhecido como uma das mais inventivas e poderosas bandas de rock n’ roll dos anos 1970 dos Estados Unidos. Mas creio que faltou ainda mais, faltou mais credibilidade, faltou respeito a sua história e mesmo que o grande baterista Brad Christoff tenho nos deixado antes dessa redenção que se esperava por parte da indústria fonográfica, faremos nós, apreciadores de sua música, o nosso trabalho abnegado de continuar projetando a história fantástica do Yezda Urfa para todo o sempre.




A banda:

Rick Rodenbaugh nos vocais

Mark Tippins na guitarra elétrica, acústica, banjo e backing vocals

Phil Kimbrough nos teclados, sintetizaores, bandolim e backing vocals

Marc Miller no baixo e backing vocals

Brad Christoff na bateria e percussão


Faixas:

1 - Boris and His 3 Verses (including Flow Guides Aren't My Bag)

2 - Texas Armadillo

3 - 3, Almost 4, 6 Yea

4 - Tuta in the Moya & Tyreczimmage

5 - Three Tons of Fresh Thyroid Glands 


Yezda Urfa - "Boris" (1970)